Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 743/2022-T
Data da decisão: 2024-04-05  Selo  
Valor do pedido: € 734.230,99
Tema: SGPS; Natureza de instituição financeira; Artigo 7.º, n.º 1, al. e) do CIS, 71. da TGIS; Isenção; Uniformização de Jurisprudência.
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SUMÁRIO: Não beneficiam da isenção de Imposto do Selo, prevista no artigo 7.º, n.º 1 al. e) do Código de Imposto de Selo,  por não integrarem o conceito de «instituições financeiras» nos termos do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013, as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS’S) reguladas pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que têm como único objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades e que não exercem, a título principal, directa ou por via das suas participadas, actividade no sector financeiro.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A..., SGPS, S.A., número único de pessoa colectiva e matrícula ... e B..., SGPS, S.A., número único de pessoa colectiva e matrícula ..., com sede na Rua ... n.º ..., ...-... ..., vieram, em coligação e com cumulação de pedidos, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea ) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos .º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral (p.p.a.) com designação pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto nos artigos 6.º e 11.º do referido diploma.

 

O p.p.a. tem como objecto imediato as decisões finais de indeferimento dos procedimentos de Revisão Oficiosa que correram termos na Unidade dos Grandes Contribuintes, sob os n.ºs ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019...,   ...2019...,   ...2019..., ...2019..., e como objecto mediato os actos de liquidação de Imposto do Selo relativas ao período compreendido entre Março de 2016 e Janeiro de 2017, bem como dos actos de liquidação do Imposto do Selo praticados pela A... SGPS, no âmbito do contrato de mútuo com um sindicato bancário do qual faz parte a instituição financeira C..., S.A. (Espanha)–, identificados com os números relativos às declarações de retenção na fonte (i)...e (ii) ....

 

É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA. O pedido de pronúncia arbitral foi aceite no dia 07.12.2022.

 

O Conselho Deontológico do CAAD proferiu a 25.01.2023 despacho de designação dos árbitros Juiz José Poças Falcão, Prof. Doutora Eva Dias Costa (então Relatora), Dra. Magda Feliciano, tendo o Tribunal sido constituído a 15.02.2023.

 

A 22.02.2023 foi proferido pelo Sr. Árbitro Presidente despacho nos termos do artigo 17.º do RAJT.

 

A 23.03.2023, a Requerida veio apresentar a sua Resposta e, na mesma data, juntou o Processo Administrativo.

 

A 01.04.2023, o Sr. Presidente do Colectivo proferiu despacho com o seguinte teor:

 

  1. - À luz do disposto nos artigos 16º-c), do RJAT e do princípio da proibição da prática de actos inúteis, fica dispensada a reunião do Tribunal com as partes, considerando (i) que se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e (ii) que não há excepções ou questões prévias a apreciar e decidir.
  2. – Prova testemunhal

Atendendo à prova documental apresentada e à sua não impugnação, considera o Tribunal desnecessária ou inútil a produção de prova testemunhal. III – Alegações finais

Contendo os autos todos elementos que o Tribunal considera essenciais para a decisão, ambas as partes apresentarão, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias, alegações escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito, formulando as respectivas conclusões.

  1. – Data para prolação e notificação da decisão final

Fixa-se o dia 20-06-2023, como data previsível para a prolação e notificação da decisão arbitral final.

  1. – Taxa de arbitragem remanescente

A Requerente deverá dar oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4º-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária [pagamento, antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa arbitral]. VI – Apresentação dos articulados em formato “word”

À luz do princípio da cooperação [cf. artigo 7º, do CPC], convidam-se ambas as partes a remeter ao CAAD cópias dos respectivos articulados, em formato editável (de preferência, em “Word”) com vista a facilitar e abreviar a tarefa de elaboração do acórdão final no que respeita sobretudo à fixação da matéria de facto.”

 

As Requerentes apresentaram alegações escritas a 19.04.2023 e juntaram na mesma data um documento emitido pelo BBVA.

 

A Requerida apresentou alegações a 05.05.2023. Na mesma data, apresentou um requerimento alegando no qual se referia ao documento junto pelas Requerentes e o Tribunal determinou, por despacho de 09.05, que ficasse a constar dos autos.

 

Em 17.05.2023 foi proferida decisão arbitral, através da qual se acordou “…em suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e subsequente decisão a proferir pelo Supremo Tribunal Administrativo no sobredito recurso para uniformização de jurisprudência interposto no processo de arbitragem tributária nº 856/2019-T, do CAAD.

Mais se determina a oportuna junção a estes autos da decisão que vier a ser proferido pelo TJUE no sobredito processo de reenvio bem como do ulterior acórdão uniformizador de jurisprudência a ser proferido pelo STA naqueles autos de recurso e com a instância atual e igualmente suspensa.”

 

Por Despacho proferido em 26.09.2023 pelo Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi determinada a aceitação da renúncia apresentada pela árbitra-adjunta, a Exm.ª Senhora Prof.ª Doutora Eva Dias da Costa e a substituição da mesma, nos termos do n.º 5 do artigo 6º do Regulamento de Seleção e Designação de Árbitros em Matéria Tributária do Exm.º Senhor Dr.º Luís Ricardo Farinha Sequeira.

 

Em face da prolação do acórdão uniformizador de jurisprudência pelo Supremo Tribunal Administrativo, foi proferido, em 02.03.2024, despacho arbitral no qual se declarou cessada a suspensão da instância, o prosseguimento dos autos, concedendo às partes prazo de 10 dias para, querendo, apresentarem alegações complementares e bem assim para, no prazo de 20 dias, a Requerente proceder ao pagamento do remanescente da taxa arbitral devida.

 

Nesta sequência, veio a Requerida pugnar pela improcedência do p.p.a. apresentado em razão do decidido nos processos C-207/22, C-267/22 e C-290/22 do Tribunal de Justiça da União Europeia e da consequente prolação, em 24.01.2024, de decisão uniformizadora pelo STA.

 

 

 

 

  • SÍNTESE DA POSIÇÃO DAS PARTES

 

Posição das Requerentes

 

As Requerentes alegam que são sociedades gestoras de participações sociais e que, nessas qualidades, têm o papel de intermediárias no circuito financeiro e económico dos grupos de sociedades que encabeçam, assumindo uma posição estratégica fulcral no financiamento das suas subsidiárias, cabendo-lhe a gestão das empresas cujas participações sociais detêm, o que passa, também, pela concessão de crédito para garantia da capacidade de tesouraria das mesmas na prossecução dos seus objectos.

 

 

Nesse sentido e no âmbito da actividade que desenvolvem, as Requerentes têm vindo a recorrer a financiamento junto de diversas instituições de crédito, sendo que para efeitos do presente pedido são relevantes os contratos descritos juntam como documento 20, nos quais, enquanto sujeitos passivos, liquidaram e entregaram Imposto do Selo, com referência àqueles financiamentos, por referência ao período compreendido entre Fevereiro de 2015 e Janeiro de 2017, nos termos da Verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, através das correspondentes declarações de liquidação.

 

 

Nos termos previstos na lei, repercutiram o encargo do referido Imposto do Selo na esfera das Requerentes – enquanto utilizadoras dos créditos em causa –, que suportaram integralmente este imposto. No âmbito de um contrato de mútuo celebrado com um sindicato bancário do qual faz parte a instituição financeira não-residente C..., S.A. (entidade residente, para efeitos fiscais, em Espanha), a A... SGPS, na qualidade de entidade mutuária e sujeito passivo, procedeu à liquidação e entrega do Imposto do Selo incidente sobre o financiamento contraído junto da aludida entidade, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo, no valor global de €55.000,00.

Estas operações estão desagregadas na tabela seguinte:

 

 

 

As Requerentes sustentam que todas as referidas liquidações de Imposto do Selo são desconformes à legislação aplicável, porquanto as operações de financiamento subjacentes aos actos tributários sub judice beneficiam da norma de isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, segundo a qual são isentos deste imposto “Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”. Acrescenta, por sua vez o n.º 7 da mesma norma que “o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”.

Tendo por base a redacção das normas citadas, encontram-se isentas de Imposto do Selo, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do respectivo Código, as seguintes operações (i) os juros cobrados, (ii) as comissões cobradas, (iii) a utilização do crédito e (iv) as garantias prestadas.

Ora, para as Requerentes, o Imposto do Selo aqui em causa resultou de operações de financiamento / utilização de crédito (e respectivos juros e comissões). Pelo que o que aqui está em causa é qualificação dos sujeitos como “instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras”, na qualidade de entidades mutuantes; e “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja norma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”, na qualidade de entidades mutuárias.

Assim, as operações subjacentes aos actos de liquidação em discussão nos autos encontram-se indubitavelmente incluídas no âmbito daquela norma, na medida em que tanto as entidades mutuantes como as entidades mutuárias que participaram nas mesmas são sujeitos com as características acima descritas e estas são utilização de crédito, juros e comissões cobradas.

O problema aqui em apreço, para as Requerentes, é que a AT recusa a qualificação das Requerentes como entidades financeiras, qualificação que elas reclamam. Entendem que os tipos previstos na norma legal de isenção relativos às sociedades mutuárias são muito variados, incluindo todos os tipos de instituições financeiras, sociedades financeiras e instituições de crédito previstos na legislação comunitária, sem exclusão, incluindo, portanto, uma enorme variedade de empresas e instituições e igualmente as sociedades gestoras de participações sociais.

As Requerentes invocam a Directiva (UE) 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 (“Directiva 2013/36”), relativa ao acesso à actividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, em particular o ponto 22) do respectivo artigo 3.º sob a epígrafe “Definições”, do qual consta a definição de “instituição financeira” que será uma na acepção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013 ” que, por sua vez, estabelece que “"Instituição financeira": uma empresa que não seja uma instituição, cuja actividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das actividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Directiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na acepção da Directiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de activos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no sector dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na acepção do artigo 212.º n.º, ponto g) da Directiva 2009/138/CE”. Da definição de instituição financeira estabelecida no aludido Regulamento, ficam excluídas as sociedades gestoras de participações no sector puramente industrial, no sector dos seguros, bem como aquelas de seguros mistas (na acepção do artigo 212.º, n.º 1, alíneas f) e g), da Directiva 2009/138/CE).

Assim, defendem, para efeitos deste Regulamento e da Directiva 2013/36, uma instituição financeira é, entre outras, uma empresa cuja actividade principal é a aquisição de participações sociais – como é o caso das Requerentes.

De resto, de entre as actividades enumeradas na lista do Anexo I da Directiva 2013/36 que poderão ser exercidas por “ instituições financeiras” constam “a participação em emissões de títulos e prestação de serviços conexos com essa emissão”, “consultoria às empresas em matéria de estruturas do capital ”, “serviços em matéria de fusão e aquisição de empresas”, “gestão de carteiras ou consultoria em gestão de carteiras ” e “custódia e administração de valores mobiliários ” (pontos 8, 9, 11 e 12). Ora, considerando a actividade e o objecto social das Requerentes – aquisição e gestão de participações sociais –, é inequívoco que estas não só preenchem o conceito propriamente dito de instituição financeira, tal como referido no Regulamento n.º 575/2013 – visto que se trata de empresas cuja actividade principal é a aquisição de participações, como ainda se dedicam a actividades expressamente elencadas no Anexo I da Directiva e para as quais remete aquela definição. A inclusão das SGPS no conceito de “instituição financeira” a que apela o Regulamento n.º 575/2013 confirma-se ainda, por exclusão, face à redacção da norma prevista no ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do referido Regulamento, na medida em que o legislador comunitário sentiu a necessidade de delimitar as sociedades gestoras de participações abrangidas, excluindo as sociedades gestoras de participações no sector puramente industrial, no sector dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas (na acepção do artigo 212.º, n.º 1, pontos f) e g) da Directiva 2009/138/CE). Daqui resulta que, tendo o legislador especificamente excluído determinadas sociedades gestoras de participações do âmbito de definição do conceito de instituição financeira, é forçoso concluir-se que as demais SGPS, como é o caso das Requerentes, estão abrangidas por esta definição visto que (i) são entidades que se dedicam à aquisição de participações sociais e (ii) não actuam nos sectores puramente industrial; e/ou dos seguros, nem tão pouco se tratam de sociedades gestoras de seguros mistas.

Mais defendem que o regime jurídico das SGPS, estipula no seu preâmbulo que “o presente diploma visa, em conformidade, proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permita reunir numa sociedade as suas participações sociais, em ordem à sua gestão centralizada e especializada”. Assim, o n.º 1 do artigo 1.º do aludido regime jurídico estabelece que “[a]s sociedades gestoras de participações sociais, adiante designadas abreviadamente por SGPS, têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas”. Atenta a redacção desta norma, será de concluir que o objecto social de uma SGPS é a gestão de participações sociais. Paralelamente, uma sociedade comercial (e.g. sociedade por quotas ou sociedade anónima) poderá exercer uma actividade comercial a título principal e deter participações noutras sociedades a título acessório. m face de todo o exposto, resulta inequívoco que uma SGPS se insere no conceito de “instituição financeira”, conforme previsto na vasta legislação comunitária.

Atendendo a que as Requerentes são SGPS domiciliadas em Portugal, tendo por objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, é forçoso concluir-se que as mesmas preenchem o conceito de “instituições financeiras previstos na legislação comunitária” previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, certo, porém, que o legislador nacional adoptou um conceito mais restrito de “instituição financeira”, tendo caracterizado como tal “as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal (…)” (artigo 2.º-A do RGICSF).

As Requeridas referem ainda que, no Parecer n.º 25/2013, de 28 de Junho de 2013 (pontos 37. e seguintes), o Centro de Estudos Fiscais (“CEF”) pronunciou -se no sentido de defender que os fundos (Fundos de Capital de Risco) cabem na qualificação de instituição financeira, na medida em que os mesmos se incluem na lista de entidades descritas no n.º 2 do artigo 3.º da Directiva n.º 2005/60/CE. O CEF pronunciando-se sobre o enquadramento de “sociedades de capital de risco” considerou que “Existe, pois, uma grande coincidência entre as actividades exercidas pelas SCR [sociedades de capital de risco] e as actividades nos termos da Directiva 2006/48/CE e da Directiva 2013/36/EU, habilitam uma entidade a qualificar-se como “instituição financeira”, na medida em que tal definição abrande uma instituição «que não sendo uma instituição de crédito, tem como actividade principal a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das actividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, das referidas Directivas, onde se incluem, nomeadamente, a participação em emissões de títulos e prestação de serviços conexos com essa emissão, a consultoria às empresas em matéria de estruturas do capital, de estratégia industrial e de questões conexas, e consultoria, bem como serviços em matéria de fusão e aquisição de empresas, a gestão de carteiras, a custodia e administração de valores mobiliários”.

Por outro lado, na Ficha Doutrinária emitida no âmbito do Processo n.º 2017000303 - IVE n.º 11733, no qual a AT foi chamada a prestar informação sobre “a liquidação de Imposto do Selo sobre utilização do crédito, juros e comissões processamento da prestação” de uma entidade investidora em imobiliário e projectos imobiliários como um fundo de investimento imobiliário, a AT voltou a concluir que esta se enquadrava no conceito de “instituição financeira” para efeitos da sobredita legislação comunitária (apelando à legislação sobre branqueamento de capitais, a qual apenas incidentalmente lida com este conceito para os específicos propósitos da luta contra o branqueamento de capitais), considerando como tal uma instituição “que não sendo uma instituição de crédito, tem como actividade principal a aquisição de participações (…)”– vide Informação Vinculativa, com despacho concordante de 7 de Julho de 2017, da Directora-geral da AT (que se junta como Documento n.º 21).

Daqui forçosamente se retira, sustentam, que as Requerentes, enquanto sociedades cuja actividade principal consiste na aquisição de participações, também se enquadram neste conceito de “ instituição financeira”, pelo que não faz sentido que venha agora a AT, como fez na decisão final de indeferimento, desconsiderar esses seus entendimentos anteriores, indicando, que apenas está “vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação”, concluindo, desse modo, que aqueles entendimentos não têm aplicação às SGPS, e, consequentemente, às Requerentes, mais uma vez, “ devido a não ser possível o seu enquadramento legal na categoria de instituições financeiras ou entidades financeiras, referidas na alínea e) do nº 1 do art.º 7º do CIS para efeito de benefício fiscal”, não se concedendo como é que a AT assume aqueles entendimentos relativamente a fundos/sociedades de capital de risco, mas em relação a sociedades gestoras de participações sociais – expressamente incluídas pela legislação comunitária no espectro de “instituições financeiras”, e que, precisamente, se dedicam à aquisição e gestão de participações, entende, de modo paradoxal, que não podem beneficiar da isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

Invocam, ainda, que a interpretação pretendida dar pela AT à norma prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS aqui em apreço (i.e., no sentido de excluir da lista de mutuárias susceptíveis de beneficiar da isenção, as sociedades gestoras de participações sociais), tal norma seria materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade, num contexto em que, paradoxalmente, a AT inclui na isenção, sem qualquer fundamento material, os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento, os fundos de capital de risco, etc., em detrimento das SGPS.

As Requerentes invocam a seu favor as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 911/2019-T, de 05/09/2020; 819/2019-T, de 06/11/2020; 836/2019-T, de 04/11/2020; 110/2020-T, de 18/11/2020; 3/2020-T, de 20/01/2021; 502/2020-T, de 04/06/2021        e 542/2020-T, de 14/07/2021º 911/2019-T, de 05/09/2020; 819/2019-T, de 06/11/2020; 836/2019-T,  de  04/11/2020;  110/2020-T,  de  18/11/2020;  3/2020-T,  de  20/01/2021; 502/2020-T, de 04/06/2021 542/2020-T, de 14/07/2021. Neste último, defendem, estava em causa uma situação em tudo idêntica à presente – em concreto, uma SGPS que havia recorrido a financiamento bancário, tendo suportado Imposto do Selo sobre as operações de crédito realizadas –, tendo o Tribunal Arbitral concluído que a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo visa as “instituições financeiras” tal como definidas pela legislação comunitária, o que abrange, nos termos supra expostos, as SGPS.

 

As Requerentes concluem, pois, que a definição de “instituição financeira” prevista na Directiva 2013/36 abrange uma empresa cuja actividade principal é a aquisição de participações; as SGPS, tal como definidas em Portugal no âmbito do regime jurídico das SGPS, têm por objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, enquadrando-se esse tipo societário na noção de instituição que tem como actividade principal a aquisição de participações; os actos objecto do presente pedido não deveriam ter gerado a liquidação de qualquer imposto, uma vez que tem aplicação a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, não pode a AT opor-se à aplicação da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, com base no argumento de que as Requerentes não preenchiam o conceito de instituição financeira previsto naquela norma.

Pugnam pela anulação das liquidações em crise por ilegais, pelo reembolso das quantias pagas, no valor de € 734.230,99, e ainda pelo direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 24, nº 5 e 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), que devem considerar -se vencidos desde 20.03.2020 (um ano após o pedido de revisão) até efectivo e integral pagamento

 

Posição da Requerida

 

A Requerida defende-se em três vias distintas e, muito embora não seja esta a ordem em que as formula, o Tribunal entende dever inverter a formulação segundo uma formulação de subsidiariedade:

I- A Requerida considera que deverá considerar-se improcedente de todo o modo o pedido de pronúncia arbitral porquanto não tem aplicação na situação sub judice a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS em virtude de as Requeridas não poderem qualificar-se como instituições financeiras e a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não ser, portanto, aplicável às SGPS requerentes

 

Começa a Requerida por arguir a seu favor várias decisões arbitrais, designadamente, as proferidas nos processos 856/2019-T, de 22-09-2020, n.º 37/2020, de 19-11-2020, n.º 559/2020-T, de 24-06-2021, n.º 170/2021-T, de 9-11-2021, n.º 62/2021-T, de 12-11-2021, n.º 92/2021-T, de 13-12-2021, n.º 444/2021-T, de 31-12-2021, n.º 79/2021-T, de 21-01-2022, ancorando-se particularmente na decisão arbitral proferida no processo n.º 559/2020-T, que cita extensivamente, para suportar que as Requerentes não preenchem os requisitos que permitam classifica-las como instituição financeira, a saber: i) O formal (pois não consta da enumeração dos diplomas Europeus mencionados, nem do nacional) e ii) O material, uma vez que a sua actividade não releva do mercado bancário ou financeiro, de modo a convocar a aplicação do regime de supervisão constante da Directiva n.º 2013/36, de 26 de Junho, em conjunto com o Regulamento n.º 575/2013 e o RGICSF, e que a ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.

Sem prejuízo da clareza do exposto e, aplicando-se na situação sub judice a fundamentação constante da citada decisão arbitral, para que dúvidas não subsistam, destaca-se o que se segue: as Requerentes invocam a Directiva 2013/36/UE, do Parlamento e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, relativa ao acesso à actividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Directiva 2002/87/CE e revoga as Directivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (doravante Directiva 2013/36/UE), e o Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012 (doravante Regulamento n.º 575/2013), para concluir que, constituindo SGPS, se subsumem num dos tipos de instituição financeira que resulta da definição prevista na legislação comunitária (ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, por remissão do ponto 22) do n.º 1 do artigo 3.º da Directiva n.º 2013/36/UE), que se reconduz às sociedades aí designadas por empresas cuja actividade principal é a aquisição de participações sociais.

 

Ora, não se pode aceitar tal argumento, pois contrariamente ao alegado pelas Requerentes, considera a Requerida que da conjugação do ponto 22) do n.º 1 do artigo 3.º da Directiva n.º 2013/36/UE com o ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, na redacção vigente à data dos factos, que, por uma questão de clareza, de seguida se transcreve: 26) "Instituição financeira": uma empresa que não seja uma instituição, cuja actividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das actividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Directiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na acepção da Directiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de activos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no sector dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na acepção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Directiva 2009/138/CE;” [redacção original, vigente até 26 de Junho de 2019]»;

 

Não se extrai da definição de “instituição financeira” nela contida que as SGPS integrem o conceito fornecido pela legislação comunitária.

 

Com efeito, não é pelo facto de o legislador comunitário ter delimitado a definição de “instituição  financeira”,  dela  excluindo  expressamente  as  empresas  que  não  sejam instituições de crédito ou empresas de investimento e as “sociedades gestoras de participações no sector dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na acepção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Directiva 2009/138/CE”, e desde a redacção dada pelo Regulamento (UE) n. º 2019/876, as sociedades gestoras de participações no sector puramente industrial, que se pode concluir que, desta definição, conjugada com RJSGPS, as SGPS cabem no conceito de “instituição financeira” previsto no Regulamento n.º 575/2013.

 

Aliás, se atentarmos à exclusão da definição de instituição financeira das sociedades gestoras de participações do sector dos seguros e das sociedades gestoras de participações de seguros mistas (na acepção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Directiva 2009/138/CE), não retiramos, contrariamente ao que fazem as Requerentes, qualquer conclusão no sentido de que as SGPS que não operem nos sectores seguradores integrem a definição de “instituição financeira”, pois, de outro modo, não faria sentido a introdução da exclusão expressa acima referida no Regulamento n.º 575/2013. Na verdade, o único efeito dessa exclusão é afastá-las do cumprimento da regulamentação de acesso e de supervisão prudencial estabelecidas na Directiva 2013/36/UE e no Regulamento n.º 575/2013, submetendo-as a um regime de acesso e supervisão financeira próprio, e não desqualificá-las como “instituições financeiras”, como aliás decorre do disposto na alínea b) do n.º 25 do artigo 13.º da referida Directiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro de 2009, relativa ao acesso à actividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II).

A este respeito o aspecto fundamental a ter em conta assenta precisamente no facto de as SGPS no sector dos seguros e as SGPS de seguros mistas, porque adquirem e detém participações numa empresa de seguros ou resseguros, ficarem sujeitas à regulamentação e supervisão prudencial das empresas de seguros e resseguros que fazem parte de um grupo, previsto nas suas várias vertentes no Título III da Directiva 2009/138/CE.

 

Do que ficou exposto nos dois parágrafos anteriores decorrem três conclusões incontestáveis: -  primeiro, que as empresas de seguros, resseguros e as SGPS que adquirem e detém as suas participações sociais são “instituições financeiras”; segundo, que as SGPS que detêm aquelas participações são “instituições financeiras” precisamente por esse facto, isto é, pelo simples, mas determinante facto, de deterem participações em empresas de seguros; terceiro, e mais importante para o que aqui nos ocupa, o elo de conexão que as liga é o facto de por esse motivo estas últimas, isto é, as SGPS do sector segurador, assim qualificadas por deterem participações em empresas de seguro e resseguro, ficarem sujeitas à supervisão de grupo de um dos sectores que compõem o sistema financeiro, em concreto, o do sector segurador. Ou seja, e revertendo estas conclusões para o caso que se aprecia, aquela que nos parece ser numa perspectiva literal, sistemática e teleológica a melhor interpretação da definição de “instituição financeira" inserta no ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, é a que uma SGPS, pelas participações sociais que adquire e/ou detém numa instituição de crédito ou empresa de investimento, fica, por esse mesmo motivo, sujeita ao quadro regulatório e de supervisão numa base individual ou consolidada imposta pelas respectivas autoridades de supervisão financeira.

 

Acresce que também não colhe nenhum dos argumentos das Requerentes em torno da alteração introduzida pelo Regulamento n.º 2019/876, ao ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, que veio acrescentar à exclusão as sociedades gestoras de participações do “sector puramente industrial.”.

Não colhe porque à data das liquidações sob apreço a alteração referida ainda não estava em vigor, não podendo, por isso, ser considerada no presente processo;

Não colhe ainda porque, contrariamente ao que parece ser o entendimento das Requerentes, a alteração promovida pelo legislador europeu só veio confirmar que as sociedades que apenas giram participações no “sector puramente industrial”, isto é, que giram participações fora do sector financeiro, não são “instituições financeiras.”. Com efeito, pese embora a versão original do ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 não fizesse expressa menção às “sociedades gestoras puramente industriais”, já decorria da interpretação sistemática e teleológica da norma que o legislador europeu colocava de fora do conceito de “instituição financeira” todas a sociedades que gerissem participações fora do sector financeiro. assim sendo, a ilação genérica e conclusiva retirada desta nova redacção não tem qualquer aderência à realidade; em termos literais, sistemáticos e teleológicos a interpretação das Requerentes não pode proceder.

 

Com efeito, basta ler o objecto do Regulamento n.º 2019/876, que altera o Regulamento (UE) n.º 575/2013, no que diz respeito ao rácio de alavancagem, ao rácio de financiamento estável líquido, aos requisitos de fundos próprios e passivos elegíveis, ao risco de crédito de contraparte, ao risco de mercado, às posições em risco sobre contrapartes centrais, às posições em risco sobre organismos de investimento colectivo, aos grandes riscos e aos requisitos de reporte e divulgação de informações, e o Regulamento (UE) n.º 648/2012, para se perceber que estamos e continuamos aqui a falar no reforço de regras uniformes de mecanismos de supervisão do sistema financeiro e redução dos riscos a ele associados, como facilmente se pode verificar através de uma simples leitura do preâmbulo do diploma.

 

Ou seja, estamos sempre a falar do sistema financeiro e das entidades que, por nele actuarem, ficam sujeitas ao cumprimento das suas regras prudenciais e às respectivas autoridades de supervisão financeira, quer europeias quer nacionais, com vista a reduzir riscos, aumentar a resiliência do sistema financeiro em geral e bancário em particular, reforçar a protecção dos depositantes e investidores e aumentar a confiança nos mercados.

 

Conclui–se, assim, que as Requerentes se enquadram no elenco das sociedades gestoras de participações expressamente excluídas do ponto 26) do n.º 1 do artigo 4. º do Regulamento n.º 575/2013, por não integrarem o conceito de “instituição financeira”, nos termos da legislação comunitária. razão pela qual se rejeita liminarmente a afirmação das Requerentes que diz que “os tipos previstos na norma legal de isenção relativos às sociedades mutuárias são muito variados, incluindo, conforme referido na norma em apreço, todos os tipos de instituições financeiras, sociedades financeiras e instituições de crédito previstos na legislação comunitária, não fazendo qualquer exclusão.”.

 

Com efeito, a Directiva 2013/36/UE (e já assim era, com as devidas adaptações, na revogada Directiva 2006/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Junho de 2006, relativa ao acesso à actividade das instituições de crédito e ao seu exercício, também aqui referida pela Requerente) visou harmonizar no espaço europeu o acesso à actividade e a supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, constituindo, em conjunto com o Regulamento (UE) n.º 575/20131, o quadro legal que rege o acesso à actividade, os poderes e instrumentos de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento, e estabelece a uniformização dos requisitos prudenciais gerais aplicáveis às instituições sujeitas à supervisão ao abrigo da Directiva (cf. artigos primeiros da Directiva e do Regulamento, respectivamente), que estão estritamente relacionados com o mercado bancário e mercado de serviços financeiros.

Com efeito, lê-se, por exemplo, no Considerando (2) da Directiva 2013/36 que “[a] presente directiva deverá, nomeadamente, conter as disposições que regem a autorização da actividade, a aquisição de participações qualificadas, o exercício da liberdade de estabelecimento e da

 

Por conseguinte, conclui a Requerida que as Requerentes não se qualificam, face à legislação comunitária, como “instituição financeira”, não preenchendo, consequentemente, o pressuposto subjectivo da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

 

Quanto ao alegado comportamento arbitrário da Requerida, consubstanciado numa alegada discriminação entre as SGPS e outros tipos de entidades – os FCR, SCR, FII – que a AT terá qualificado como “instituição financeira” para efeitos da Verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo, entende afigurar-se assistir razão à Requerida quando argumenta que não faz sentido empreender um exercício de comparação, tanto mais que o enquadramento legal daquelas entidades, tanto no plano nacional como europeu, são distintos. Não há, por conseguinte, entende, qualquer arbitrariedade por parte da Requerida, uma vez que não há preceito a consagrar as sociedades gestoras de participações sociais, como as Requerentes, como instituição financeira.

 

No que respeita à alegada questão de inconstitucionalidade invocada pelas Requerentes, no sentido que que a orientação da Requerida, ao pretender corrigir qualquer putativa deficiência em norma que brigue com o quantum do imposto devido, é indevida, porquanto só o legislador pode corrigi-la, alterando para o efeito a lei – e aliás, por meio de Lei da Assembleia da República -, é verdade que incidência e o afastamento da incidência dos impostos via benefícios fiscais são, constitucionalmente falando, reserva de lei da Assembleia da República, como tal insusceptíveis de serem modificadas casuisticamente por via administrativa ou outra, a pretexto de que, no critério do aplicador da lei a Assembleia da República devia ter legislado dalguma forma e não o fez. E mais ainda, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, na redacção em vigor à data dos factos (2017 e 2018), é inconstitucional quando interpretado (conforme pretendido pela AT) no sentido de excluir da lista de mutuárias susceptíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de instituições financeiras, as sociedades gestoras de participações sociais, num contexto em que é interpretado como incluindo os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento, os fundos de capital de risco, etc., por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias, (artigos 2.º - Estado de direito – e 13.º, da Constituição).

 

Não assiste, pois, diz a Requerida, às Requerentes qualquer razão quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas. Como ficou demonstrado, o resultado interpretativo a que se chegou, além de resultar da conjugação dos elementos interpretativos de ordem literal, sistemático e teleológico, corresponde a uma interpretação em conformidade com outras normas e princípios constitucionais, desde logo, o artigo 103.º, n.º 2, da CRP.

Pelo contrário, a acolher-se a tese das Requerentes, no sentido de poderem ser classificadas como uma instituição financeira, é que conduziria o Tribunal a criar verdadeiramente uma norma que não existe nem na nossa jurídica nem na comunitária, com violação do princípio da separação de poderes.

 

Também não colhe qualquer violação do princípio da igualdade. Repare-se no absurdo da Requerente ao pretender colocar-se em pé de igualdade, na aplicação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, tal como acontece com os seus mutuários, quando as mesmas, pela sua natureza e actividade, não estão sujeitas aos requisitos e regime jurídico especialmente exigente em matéria de preenchimento de regras prudenciais, aplicáveis às entidades submetidas à Directiva e ao “Regulamento”. Entre essas regras, temos, repete-se, as disposições relativas ao acesso à actividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, e, ainda, as disposições que regem a autorização da actividade, a aquisição de participações qualificadas, etc.. Regime este que, como vimos, se encontra justificado, na valoração feita pelos legisladores, quer da União, quer nacional, a garantir a estabilidade do mercado bancário e financeiro.»

 

Motivos pelo qual, conclui, as liquidações de Imposto do Selo aqui contestadas, não padecem de qualquer ilegalidade, devendo o p.p.a. ser julgado improcedente.

 

Em qualquer caso, sem conceder, diz a Requerida ainda que:

  1. – Parte das operações em causa nem sequer estariam abrangidas pela norma de isenção por factores objectivos

 

No que às operações subjacentes à parte das liquidações contestadas no presente p.p.a., sempre estão sujeitas ao imposto do selo, por força do art.º 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo e Verbas 17.1 e 17.3 já que a isenção só se aplicaria se as comissões cobradas estivessem directamente destinadas à concessão do crédito, desde que o mesmo seja concedido e utilizado pelas entidades referidas na norma de isenção.

 

Sucede que, nos presentes autos, uma parte substancial do Imposto do Selo que as Requerentes estão a reivindicar nada tem que ver com operações abrangidas pela norma de isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, não preenchendo, como se explicita infra, os seus pressupostos objectivos.

 

De facto, da análise ao pedido, bem como da documentação junta, resulta evidente o pedido de restituição de Imposto do Selo liquidado e cobrado sobre operações e comissões de intermediação financeira realizadas pelas instituições de crédito relativas a empréstimos obrigacionistas e programas papel comercial. Ora, a isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não está orientada para a operações financeiras que visem a promoção e angariação de potenciais investidores para a transmissão de obrigações e papel comercial, ainda que exercida por instituições de crédito actuando na qualidade de intermediários financeiros.

 

Com efeito, a isenção daquela alínea não visa desonerar o Imposto do Selo incidente sobre comissões cobradas por operações de intermediação financeira, traduzida na remuneração de prestações de serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros e/ou serviços auxiliares dos serviços e actividades de investimento, nos quais se incluem as obrigações e o papel comercial, mas sim as comissões directamente conexas com a concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

 

O que, evidentemente, no caso das obrigações e do papel comercial, não é o caso, porquanto (i) o financiamento obtido por recurso a estes instrumentos não é concedido directamente pelas instituições de crédito, mas sim por terceiros, limitando-se aquelas a servir de intermediários nas operações; (ii) mesmo que as intuições de crédito adquiram para si parte das obrigações e do papel comercial, esta aquisição não representa strictu sensu uma concessão de crédito por parte dessas instituições, na medida que quem define as condições dos financiamentos obtidos dessa forma (quantidade, prazos, juros, risco do emitente) são as empresas emitentes e não os potenciais investidores, independentemente sua natureza.

 

Por conseguinte, deve o pedido de pronúncia arbitral ser, desde logo, julgado improcedente quanto ao valor de € 26.390,55, referente ao Imposto do Selo incidente sobre comissões cobradas pelas instituições de crédito em virtude do trabalho realizado por operações de intermediação financeira relativas a empréstimos obrigacionistas e programas de papel comercial, por não preencherem os pressupostos objectivos (e subjectivos) de que depende o reconhecimento da isenção, isto é, por não estarem directamente relacionadas com a concessão de crédito, na acepção que resulta da conjugação da alínea e) do n.º 1 com o n.º 7 daquela norma de isenção.

 

Finalmente, sempre sem conceder, a Requerida invoca ainda que

 

  1. – Falta de prova:

A Requerente A... SGPS está a reivindicar para si a restituição de Imposto do Selo liquidado pelo BAI EUROPA sobre juros, no valor de € 7.588,30, relativo ao período de Agosto/2016, mas que, porém na guia de Imposto do Selo n.º ... (mencionada pelas Requerentes no documento n.º 2 do p.p.a.), inexiste qualquer referência à rubrica «317 – operações financeiras», rubrica essa que serve precisamente para o sujeito passivo fazer a entrega nos cofres do Estado do imposto liquidado e cobrado ao abrigo da verba 17 da TGIS durante determinado período de referência.

 

Após consulta aos sistemas aplicacionais da AT, confirma-se que da guia em causa não consta qualquer imposto do selo entregue respeitante à verba 17 da TGIS. Ora compete à Requerente fazer prova dos factos por si invocados, nos termos previstos e conforme se impõe no artigo 74.º n.º 1 da LGT, o que só por si obsta à admissibilidade de tais alegações e conduz à improcedência desta parte do pedido.

 

Por conseguinte, inexistindo na guia indicada qualquer referência à rubrica «317», respeitante a operações financeiras abrangidas pela verba 17 da TGIS, deve o Tribunal desconsiderar o valor € 7.588,30 do presente pedido arbitral, por não haver prova cabal e inequívoca de que aquele imposto chegou efectivamente a ser entregue nos cofres do Estado.

 

Pelo que, desde logo, o p.p.a. deve ser julgado improcedente nesta parte, já que compete à Requerente fazer prova dos factos por si invocados, nos termos previstos e conforme se impõe no artigo 74.º n.º 1 da LGT, e não há essa prova cabal e inequívoca de que aquele imposto chegou efectivamente a ser entregue nos cofres do Estado.

 

Por outro lado, também não há, no entender da Requerida, confirmação cabal e inequívoca de que o imposto alegadamente liquidado pelo BBVA à A... SGPS, no valor de € 51.088,06, foi ou chegou efectivamente a ser entregue nos cofres do Estado. Deve assim o Tribunal desconsiderá-lo do presente pedido. Pelo que, desde logo, e pelas mesmas razões, o p.p.a. deve ser julgado improcedente nesta parte.

No que refere a esta parte, sempre se dirá que, depois da junção do documento emitido pelo BBVA pelas Requerentes com as alegações, a requerida veio aos autos, ainda que de forma não totalmente apreensível, dizer que considera sanada a falta de comprovação de entrega nos cofres do Estado do imposto do selo liquidado pelo BBVA, no valor de € 51.088,06.

 

 

2. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.

 

***

 

DA COLIGAÇÃO DE REQUERIDAS E DA CUMULAÇÃO DE PEDIDOS

 

No que respeita à cumulação de pedidos, as Requerentes sustentam que quer as liquidações contestadas quer os indeferimentos dos meios de reacção tiveram os mesmos fundamentos, de facto quer de direito.

Já quanto à sua coligação, defendem que que esta deriva da apreciação da mesma factualidade e da convocação do mesmo quadro jurídico, isto é, a necessidade de apreciação das mesmas circunstâncias de facto e ii) a interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito. Invocam por isso a seu favor o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”, que, no seu entender, legitima e impõe a coligação e a cumulação, tendo em consideração a racionalidade de meios, celeridade da decisão, a conveniência em evitar decisões contraditórias e o princípio pro actione, corolário do direito à tutela judicial efectiva.

 

A Requerida não levantou qualquer oposição.

 

Decidindo:

 

O artigo 3º n.º 1 do RJAT refere que “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

Só podem ser cumuladas no processo arbitral tributário as pretensões materialmente conexas para as quais o tribunal seja competente, o que é o caso nos presentes autos.

Assim, neste caso, admite-se a cumulação de pedidos, nos termos dos artigos 104º do CPPT e 3º do RJAT.

Quanto à coligação de autores, segundo o mesmo artigo 3º n.º 1 do RJAT, a mesma é admissível quando estamos perante a apreciação de idênticas circunstâncias de facto e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito, o que é o caso no presente processo arbitral.

Assim, admite-se a coligação de autores ao abrigo do disposto nos artigos 3º n.º 1 do RJAT, 104º do CPPT e 36º n.º 2 do CPC.

 

***

 

4. MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

 

1.         As Requerentes são sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), com sede em Portugal, encontrando-se enquadradas no Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais, previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro.

 

2.         As Requerentes dedicam-se à aquisição e gestão de participações sociais e decorre dos respectivos estatutos que têm como objecto a “gestão de participações sociais em outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas”.

 

3.         Nos períodos de tributação de 2016 e 1017 coube às Requerentes a gestão das empresas cujas participações sociais detêm, o que passou, também, pela concessão de crédito para garantia da capacidade de tesouraria das mesmas.

 

4.         Na prossecução dos seus objectos sociais, e no âmbito da actividade que desenvolvem, as Requerentes têm vindo a recorrer a financiamento junto de diversas instituições de crédito, ou colocado por instituições de crédito junto de investidores (papel comercial e obrigações).

 

5.         Sobre as referidas operações financeiras, nomeadamente sobre a utilização de crédito em virtude da sua concessão e sobre as respectivas comissões e juros, as instituições de crédito, residentes, para efeitos fiscais, em território nacional, na qualidade de sujeitos passivos, liquidaram e entregaram o Imposto do Selo respeitante àquelas operações de financiamento autoliquidado nos termos da Verba 17 da TGIS.

 

6.         Seguidamente, as instituições de crédito repercutiram o encargo do Imposto do Selo na esfera das Requerentes, que suportaram integralmente o imposto – enquanto utilizadoras dos créditos em causa, na qualidade de entidades mutuárias e responsáveis pelo encargo do imposto.

 

7.         Já no que respeita às operações de crédito realizadas com as entidades financeiras não residentes, a A... SGPS, na qualidade de entidade mutuária e sujeito passivo, procedeu à liquidação e entrega do Imposto do Selo incidente sobre aquelas, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS.

 

8.         Desta forma, a A... SGPS suportou, no período compreendido entre Março de 2016 e Janeiro de 2017:

 

a)         Imposto do Selo, no montante total de € 627.056,10, que incidiu sobre operações financeiras – utilização de crédito em virtude da sua concessão, juros e comissões, resultantes de mútuos MLP, descobertos autorizados, contas correntes caucionadas, hot money, empréstimos obrigacionistas e programas de papel comercial – realizadas por instituições de crédito residentes em território nacional, a saber: Novo Banco, S.A. ( “NB ” ) ;; Banco BPI, S .A. ( “ BPI ” ); Banco Popular, S.A.; Banco Bilbao Viscaya Argentaria, S.A. – Sucursal em Portugal( “BBVA” ) ; BNP Paribas, S.A.–Sucursal em Portugal ( “BNP Paribas” ); Caixa Económica Montepio Geral ( “Montepio” ); Haitong Bank, S.A. ( “Haitong Bank”); Banco Finantia, S.A.(“ Finantia”); Caixa Geral de Depósitos, S.A. (“CGD”); Caixa – Banco de Investimento, S.A. (“ Banco BI”); Banco Comercial Português, S.A. (“BCP”); Bank of China (Luxembourg) S.A. Lisbon Branch – Sucursal em Portugal (“ Bank of China”).

 

 

b)         Imposto do Selo, no montante de € 55.000,00, que incidiu sobre operações financeiras – utilização de crédito em virtude da sua concessão e comissões, resultantes de mútuo MLP – realizadas por um sindicato bancário não residente em território nacional liderado pelo C..., S.A. (“C… Espanha”), residente em Espanha.

 

9.         Por sua vez, no mesmo período, a B... SGPS suportou Imposto do Selo, no montante total de € 44.586,59, que incidiu sobre operações financeiras – utilização de crédito em virtude da sua concessão, juros e comissões, resultantes de mútuos MLP, descobertos autorizados, contas correntes caucionadas e programa de papel comercial – realizadas pelas seguintes instituições de crédito: BPI, Santander, BCP, Montepio, Haitong Bank e Banco BIC Português.

 

10.       Por entenderem que as referidas liquidações de Imposto do Selo não se encontram conformes com a legislação aplicável, porquanto beneficiam da norma de isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, as Requerentes deram entrada, em 20-03-2019, de pedido de revisão oficiosa daqueles actos tributários de liquidação;

 

11.       Os procedimentos de revisão oficiosa foram desdobrados e objecto de decisões de indeferimento total de 05-09-2022, com as fundamentações deles constantes e para as quais aqui se remete.

 

12.       Notificadas destas decisões e não se conformando com as mesmas, foi apresentado pelas Requerentes o pedido de pronúncia arbitral sub judice.

 

 

 

 

Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados e não provados, relevaram os documentos juntos aos autos, os quais se mostraram idóneos sobre os factos em discussão nos presentes autos.

 

Há que salientar que o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do actual CPC).

 

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados, à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os factos com relevo para a decisão supramencionados.

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.

 

De resto, os factos provados estão documentalmente comprovados e não foram objecto de controvérsia entre as Requerentes e a Requerida.

 

 

5. MATÉRIA DE DIREITO - QUESTÕES DECIDENDAS

 

A principal questão que se coloca ao Tribunal é, pois, a de saber que as Requerentes, SGPS, se podem considerar “instituições financeiras” para efeitos de aplicação da isenção de imposto de selo que decorre.

O dissenso em apreciação é relativo à interpretação do art.º 7º, n.º 1, al. e) do CIS.

A Requerente é uma sociedade gestora e participações sociais (SGPS), cujas participadas desenvolvem actividades no sector dos serviços, entende que à luz da legislação comunitária deve ser considerada uma instituição financeira e por isso isenta de IS, nos termos do art.º 7º, n.º 1, al. e) do CIS.

 

A Requerida, em oposição, entende que a legislação comunitária não prevê que as SGPS, como a Requerente, sejam qualificadas como instituições financeiras, não estando por isso a Requerente isenta de IS, nos termos do art.º 7.º, n.º 1, al. e) do CIS.

 

Há outra questão a apreciar, levantada pela Fazenda, que alega que uma parte substancial do Imposto do Selo que as Requerentes estão a reivindicar nada tem que ver com operações abrangidas pela norma de isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, não preenchendo, como se explicita infra, os seus pressupostos objectivos.

 

A terceira questão levantada pela Fazenda já foi resolvida na decisão sobre a matéria de facto.

 

O Tribunal só será chamado a apreciar a segunda questão se for positiva a resposta à primeira, isto é, se as Requerentes se qualificarem enquanto instituições financeiras na acepção da Directiva.

 

Tal como já foi acima indicado, a questão de direito a apreciar respeita à qualificação, à data dos factos (2015), da Requerente e restantes sociedades incorporadas, enquanto sociedades gestoras de participações sociais (“SGPS”), como “Instituição Financeira”, na acepção do Direito da União Europeia, a fim de saber se, dessa forma, integram o elemento subjectivo do regime de isenção previsto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo.

 

Para apreciação de tal questão, necessário se torna traçar o quadro legislativo vigente à data dos factos tributários, tendo em conta, antes de mais, o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, de acordo com o qual:

 

“Artigo 7.º - Outras isenções

1          – São também isentos do imposto:

[…]

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;”

 

Importa ainda convocar as pertinentes disposições do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, com as alterações subsequentes, que contêm o Regime Jurídico das SGPS, categoria classificatória em que a Requerente e as sociedades incorporadas se enquadravam:

 

“Artigo 1.º - Sociedades gestoras de participações sociais

1          – As sociedades gestoras de participações sociais, adiante designadas abreviadamente por SGPS, têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas.

2          – Para efeitos do presente diploma, a participação numa sociedade é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

3          – Para efeitos do número anterior, considera-se que a participação não tem carácter ocasional quando é detida pela SGPS por período superior a um ano.

4          – As SGPS podem adquirir e deter participações de montante inferior ao referido no n.º 2, nos termos dos n.ºs 3 a 5 do artigo 3.º.

 

Artigo 2.º - Tipo de sociedade e requisitos especiais do contrato

1          - As SGPS podem constituir-se segundo o tipo de sociedades anónimas ou de sociedades por quotas.

2          - Os contratos pelos quais se constituem SGPS devem mencionar expressamente como objecto único da sociedade a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, nos termos do n.º 2 do artigo anterior.

3          - O contrato da sociedade pode restringir as participações admitidas, em função quer do tipo, objecto ou nacionalidade das sociedades participadas quer do montante das participações.

4          - A firma das SGPS deve conter a menção «sociedade gestora de participações sociais» ou a abreviatura SGPS, considerando-se uma ou outra dessas formas indicação suficiente do objecto social.

 

Artigo 3.º - Participações admitidas

1          - As SGPS podem adquirir e deter quotas ou acções de quaisquer sociedades, nos termos da lei.

2          - As SGPS podem adquirir e deter participações em sociedades subordinadas a um direito estrangeiro, nos mesmos termos em que podem adquirir e deter participações em sociedades sujeitas ao direito português, salvas as restrições constantes dos respectivos contratos e ordenamentos jurídicos estrangeiros.

3          - Com excepção do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 1.º, as SGPS só podem adquirir e deter acções ou quotas correspondentes a menos de 10% do capital com direito de voto da sociedade participada nos seguintes casos:

a)         Até ao montante de 30% do valor total das participações iguais ou superiores a 10% do capital social com direito de voto das sociedades participadas, incluídas nos investimentos financeiros constantes do último balanço aprovado;

b)         Quando o valor de aquisição de cada participação não seja inferior a 1 milhão de contos, de acordo com o último balanço aprovado;

c)         Quando a aquisição das participações resulte de fusão ou de cisão da sociedade participada;

  d)       Quando a participação ocorra em sociedade com a qual a SGPS tenha celebrado contrato de subordinação.

4          - No ano civil em que uma SGPS for constituída, a percentagem de 30% referida na alínea a) do número anterior é reportada ao balanço desse exercício.

5          - Sem prejuízo da sanção prevista no n.º 1 do artigo 13.º, a ultrapassagem, por qualquer motivo, do limite estabelecido na alínea a) do n.º 3 deve ser regularizada no prazo de seis meses a contar da sua verificação.

6          - Em casos excepcionais, o Ministro das Finanças, a requerimento da SGPS interessada, poderá, mediante despacho fundamentado, prorrogar o prazo estabelecido no número anterior.

 

Artigo 4.º -Prestação de serviços

1          - É permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 3.º ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação.

2          - A prestação de serviços deve ser objecto de contrato escrito, no qual deve ser identificada a correspondente remuneração.

3          - (Revogado).

 

Artigo 5.º - Operações vedadas 1 - Às SGPS é vedado:

a)         Adquirir ou manter na sua titularidade bens imóveis, exceptuados os necessários à sua própria instalação ou de sociedades em que detenham as participações abrangidas pelo n.º 2 do artigo 1.º, os adquiridos por adjudicação em acção executiva movida contra os seus devedores e os provenientes de liquidação de sociedades suas participadas, por transmissão global, nos termos do artigo 148.º do Código das Sociedades Comerciais;

b)         Antes de decorrido um ano sobre a sua aquisição, alienar ou onerar as participações abrangidas pelo n.º 2 do artigo 1.º e pelas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 3.º, excepto se a alienação for feita por troca ou o produto da alienação for reinvestido no prazo de seis meses noutras participações abrangidas pelo citado preceito ou pelo n.º 3 do artigo

3.º ou ainda no caso de o adquirente ser uma sociedade dominada pela SGPS, nos termos do n.º 1 do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais;

c)         Conceder crédito, excepto às sociedades que sejam por ela dominadas nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2          - Para efeitos da alínea c) do número anterior, a concessão de crédito pela SGPS a sociedades em que detenham participações aí mencionadas, mas que não sejam por ela dominadas, só será permitida até ao montante do valor da participação constante do último balanço aprovado, salvo se o crédito for concedido através de contratos de suprimento.

3          - As operações a que se refere a alínea c) do n.º 1, efectuadas nas condições estabelecidas no número anterior, bem como as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

4          - As SGPS e as sociedades em que estas detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º, deverão mencionar, de modo individualizado, nos documentos de prestação de contas, os contratos celebrados ao abrigo da alínea c) do n.º 1 e as respectivas posições credoras ou devedoras no fim do ano civil a que os mesmos documentos respeitam.

5          - O prazo previsto na parte final da alínea b) do n.º 1 é alargado para a data correspondente ao fim do segundo exercício seguinte ao da realização da alienação, quando se trate de participação cujo valor de alienação não seja inferior a 1 milhão de contos.

6          - O valor de aquisição inscrito no balanço das SGPS relativo aos bens imóveis destinados à instalação de sociedades em que possuam as participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º não pode exceder 25% do capital próprio das SGPS.”

 

Sobre o conceito de “Instituição Financeira” na legislação da União Europeia, interessa convocar o disposto no artigo 4.º, ponto 26) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, para o qual remete o artigo 3.º, ponto 22) da Directiva 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, relativa ao acesso à actividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento.

Dispõe o citado artigo 4.º ponto 26) o seguinte:

“Artigo 4.º - Definições

1. Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as seguintes definições:

26) “Instituição financeira”: uma empresa que não seja uma instituição, cuja actividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das actividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Directiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na acepção da Directiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de activos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no sector dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na acepção do artigo 212.º , n.º 1, ponto g) da Directiva 2009/138/CE;”.

 

A questão já foi objecto de múltiplas decisões arbitrais, de sentidos distintos, que quer as Requerentes quer a Requerida, conforme o teor e o sentido, citaram a seu favor.

 

Assim é que:

Em favor do ponto de vista defendido pelas Requerentes:

Decisão Colectiva Processo nº 443/2021-T

Decisão Colectiva Processo nº 281/2021-T

Decisão Colectiva P.81/2021-T

Decisão Colectiva 72/2021-T

Decisão Colectiva 658/2020-T

Decisão Colectiva 913/2019-T

Decisão Colectiva Processo n.º 819/2019-T

Decisão Colectiva P. 836/2019-T

Decisão Colectiva 294/2019-T

Decisão Colectiva P. 911/2019-T

Decisão Singular P. 3/2020-T

Decisão Colectiva P.110/2020-T

Decisão Colectiva P. 502/2020-T

Em favor do ponto de vista defendido pela Requerida

Decisão Colectiva 471/2021-T

Decisão colectiva P. 170/2021-T

Decisão Colectiva Processo 92/2021-T

Decisão Colectiva 79/2021-T

Decisão Singular 61/2021-T

 Decisão colectiva P. 559/2020-T

Decisão colectiva P. 856/2019-T

Decisão colectiva P. 37/2020-T

Decisão colectiva P. 559/2020-T

 

O conceito de instituição financeira previsto “na legislação comunitária” para que remete a mencionada norma de isenção do Imposto do Selo, indica que a solução do litígio não passa apenas pela interpretação de normas nacionais, antes passa pela interpretação de preceitos do direito da União Europeia e pela densificação do que deve entender-se por “sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham o tipo de instituições financeiras previstos na legislação comunitária”. Passa, mais concretamente, por saber se uma SGPS, constituída ao abrigo do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que tem por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas, se subsume ao conceito de instituição financeira previsto no artigo 4.º, n.º 1, ponto 26) do Regulamento (UE) n.º 575/2013.

 

Por isso, os árbitros no Processo 764/2021-T decidiram suspender a instância e suscitar reenvio prejudicial para o TJUE sobre a questão.

 

A interpretação de conceitos de Direito da União cabe, em primeira linha, ao TJUE, e os Tribunais Nacionais só devem dispensar a pronúncia expressa daquele Tribunal nas situações em que (i) a questão não seja necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; (ii) o TJUE já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; (iii) o juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente, conforme estabelecido no Acórdão Cilfit, de 6 de Outubro de 1982, processo 283/81.

 

Subsistiam assim dúvidas sobre a interpretação a conferir ao Direito da União Europeia, nos termos supra expostos e não se conhecendo jurisprudência clarificadora do Tribunal de Justiça, a questão deveria, de facto, como o foi, ser submetida ao TJUE.

 

Ora, o Supremo Tribunal Administrativo, no Recurso para Uniformização de Jurisprudência que lhe foi dirigido no processo que recebeu o número 0118/20.3BALSB, tomou idêntica decisão: a de submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia a questão prejudicial enunciada, o que levou a que nos presentes autos se tenha decidido, em conformidade, suspender a instância, até que essa pronúncia se concretizasse.

 

Uma vez ter já o TJUE decidido a questão prejudicial suscitada, o que ocorreu por via do processo C-290/2022, veio igualmente o Supremo Tribunal Administrativo no âmbito dos autos supra melhor identificados a prolatar o respetivo acórdão uniformizador de jurisprudência, através de decisão exarada em 24.01.2024.

 

Com a dilucidação da causa suspensiva da instância nos presentes autos, está este Tribunal Arbitral em condições de proferir decisão quanto ao mérito do pedido.

 

Assim, resulta do aresto do TJUE a conclusão segundo a qual as sociedades cuja atividade principal não esteja relacionada com o setor financeiro, por não exercício direto ou por via das suas participadas, de uma das atividades constantes do Anexo I  da Diretiva 2013/36, não integra o conceito de «instituição financeira» na acepção da referida directiva e bem assim do Regulamento da UE 575/2013.

 

Para tanto, sustenta o TJUE em ordem a tal conclusão o seguinte:

“54 Em primeiro lugar, no que diz respeito à redação do artigo 3.°, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36, esta disposição refere que, para efeitos desta diretiva, se deve entender por «instituição financeira» uma instituição financeira na aceção do artigo 4.°, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013.

 

55 O artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, deste regulamento, lido em conjugação com o seu artigo 4.°, n.º 1, ponto 3, enuncia que, na aceção do referido regulamento, entende-se por «instituição financeira» uma empresa que não seja uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento e uma sociedade de gestão de ativos. Este artigo 4.°, n.º 1, ponto 26, exclui, em contrapartida, do conceito de «instituição financeira» as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas.

 

56 Esta disposição menciona, assim, de maneira geral, que as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações estão abrangidas pelo conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, e, na sua versão aplicável às datas pertinentes dos processos principais, exclui deste conceito unicamente as instituições de crédito, as empresas de investimento e algumas sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.

 

57 A este respeito, importa especificar que, embora o artigo 1.º, ponto 2, alínea a), iii), do Regulamento 2019/876 preveja uma nova redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013, que também exclui do conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, resulta da decisão de reenvio no processo C-290/22 que esta nova redação não é aplicável ratione temporis aos processos principais.

 

58 Além disso, embora a redação do artigo 4.°, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 vise as empresas cuja atividade principal é o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, atividades essas que integram o setor financeiro, a utilização da conjunção coordenativa «ou» indica que o legislador da União não quis que o exercício direto de uma ou mais dessas atividades fosse um critério de definição do conceito de «instituição financeira», na aceção do Regulamento n.° 575/2013.

 

59 Não obstante, importa também sublinhar que resulta da redação do artigo 4.°, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas devem ser consideradas «instituições financeiras», na aceção deste regulamento.

 

60 Ora, por um lado, o artigo 4.°, n.° 1, ponto 20, do referido regulamento enuncia que, na aceção deste, se entende por «companhia financeira» uma instituição financeira que não seja uma companhia financeira mista e cujas filiais sejam exclusiva ou principalmente instituições de crédito, empresas de investimento ou instituições financeiras, sendo pelo menos uma destas filiais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento.

 

61 Por outro lado, resulta do artigo 4.°, n.° 1, ponto 21, do Regulamento n.° 575/2013, lido em conjugação com o artigo 2.°, ponto 15, da Diretiva 2002/87, que deve ser considerada uma «companhia financeira mista», na aceção deste regulamento, uma empresa-mãe, que não é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, a qual em conjunto com as suas filiais, de que pelo menos uma é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, e com quaisquer outras entidades, constitui um conglomerado financeiro,

 

62 Afigura-se assim que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas constituem tipos de sociedades concretamente definidas que se caracterizam simultaneamente pelo facto de a sua atividade principal consistir na aquisição de participações e pela existência de relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento.

 

63 Daqui resulta que a referência expressa, no artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não teria nenhuma utilidade se esta disposição devesse ser entendida, pelo simples facto de visar as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações, como integrando sistematicamente no conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, todas as sociedades que exercem essa atividade principal.

 

64 No entanto, como a advogada-geral salientou no n.°41 das suas conclusões, resulta dos próprios termos do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 que a lista das instituições financeiras enunciada nesta disposição não é exaustiva. Por conseguinte, da referência, nesta disposição, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não se pode deduzir que a inexistência de certas relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento obsta necessariamente à qualificação de «instituição financeira», na aceção deste regulamento.

 

65 Em segundo lugar, o contexto em que o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas atividades do setor financeiro.

 

66 Antes de mais, o principal elemento do regime aplicável às instituições financeiras definido pela Diretiva 2013/36 diz respeito à possibilidade de estas exercerem, no âmbito da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, atividades do setor financeiro noutro Estado-Membro.

 

67 Com efeito, o artigo 34.° desta diretiva, sob a epígrafe «Instituições financeiras» e que constitui o único artigo da diretiva que se refere unicamente às instituições financeiras, autoriza essas instituições, em certas condições, a exercerem noutro Estado-Membro as atividades constantes do anexo I da referida diretiva. Este artigo concretiza, assim, o princípio, enunciado no considerando 20 da mesma diretiva, segundo o qual é conveniente alargar, em certas condições, o beneficio do reconhecimento mútuo a determinadas operações financeiras quando as mesmas sejam exercidas por uma instituição financeira filial de uma instituição de crédito.

 

68 Por conseguinte, o facto de uma empresa ser qualificada de «instituição financeira», na aceção da Diretiva 2013/36, é desprovido de interesse, para efeitos da aplicação do seu artigo 34.°, se essa empresa não pretender exercer atividades do setor financeiro.

 

69 Em seguida, o Regulamento n.° 575/2013 prevê, para efeitos da aplicação dos requisitos prudenciais impostos por este regulamento, uma série de consequências para a atribuição, a uma determinada empresa, da qualificação de «instituição financeira».

 

70 Mais precisamente resulta do artigo 18.º, n.º 1, do referido regulamento que as instituições de crédito e as empresas de investimento que sejam obrigadas a cumprir os requisitos do mesmo regulamento com base na sua situação consolidada procedem, em princípio, a uma consolidação integral, nomeadamente, de todas as instituições financeiras que são suas filiais ou, se for caso disso, filiais da mesma companhia financeira-mãe ou da companhia financeira mista-mãe.

 

71 Em contrapartida, esta disposição não impõe que se realize uma consolidação prudencial que inclua todas as filiais das instituições e das empresas de investimento.

 

72 Além disso, decorre do artigo 4.°, n.° 1, ponto 27, do Regulamento n.° 575/2013 que as instituições financeiras constituem «entidades do setor financeiro», à semelhança, nomeadamente, das instituições de crédito, das empresas de investimento e das empresas de seguros.

 

73 Ora, resulta do artigo 36.°, n.º 1, alíneas g) a i), do artigo 56.°, alíneas c) e d), e do artigo 66.°, alíneas b) a d), deste regulamento que os investimentos, realizados pelas instituições de crédito e pelas empresas de investimento, nas entidades do setor financeiro estão sujeitos a um regime específico que implica, em particular, determinadas deduções no cálculo dos fundos próprios dessas instituições e dessas empresas.

 

74 As participações qualificadas das instituições de crédito e das empresas de investimento fora do setor financeiro são, em contrapartida, regidas por regras diferentes, previstas, nomeadamente, no artigo 36.°, n.° 1, alínea k), e nos artigos 89.° e 90.° do referido regulamento, regras que podem, em especial, implicar uma ponderação dessas participações no cálculo dos requisitos de fundos próprios ou uma proibição dessas participações, quando estas excedam determinadas percentagens de fundos próprios da instituição de crédito ou da empresa de investimento em causa,

 

75 Decorre do exposto que o Regulamento n.º 575/2013 define as regras relativas à consolidação e aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e das empresas de investimento que, na medida em que sejam próprias das participações nas instituições financeiras ou noutras entidades do setor financeiro e que difiram das regras aplicáveis às participações fora do setor financeiro, podem ser vistas como estando baseadas na tomada em consideração da especificidade das atividades desse setor.

 

76 Ora, tal lógica seria posta em causa em caso de aplicação das regras próprias das participações nas entidades do setor financeiro a uma participação fora desse setor de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, pelo simples facto de esta última participação ser gerida por intermédio de uma filial dessa instituição ou dessa empresa cuja atividade consista na aquisição de participações.

 

77 Por último, o artigo 5.° da Diretiva 2013/36 prevê a coordenação interna das atividades das autoridades competentes para a supervisão não só das instituições de crédito e das empresas de investimento mas também das instituições financeiras, estabelecendo assim uma relação entre, por um lado, a supervisão prudencial do setor financeiro e, por outro, o controlo das instituições financeiras.

 

78 Do mesmo modo, o artigo 117,°, n.° 1, e o artigo 118.° desta diretiva enunciam as obrigações de cooperação entre as autoridades competentes dos Estados-Membros aplicáveis às instituições financeiras, sem alargar esse regime às entidades não pertencentes ao setor financeiro nas quais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento detenha participações.

 

79 Em terceiro lugar, resulta do artigo 1.° da Diretiva 2013/36 e do artigo 1.° do Regulamento n.° 575/2013 que estes atos têm por objeto definir as regras relativas ao acesso à atividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Também decorre do considerando 5 desta diretiva e do considerando 14 deste regulamento que os referidos atos têm, nomeadamente, por objetivo contribuir para a realização do mercado interno no setor das instituições de crédito.

 

80 Resulta de todos os elementos precedentes que uma empresa cuja atividade principal não esteja relacionada com o setor financeiro, por não exercer, nem diretamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na aceção da Diretiva 2013/36 e do Regulamento n.° 575/2013.”

 

 Ante este posicionamento pelo TJUE, veio o Supremo Tribunal Administrativo, no já supra identificado acórdão uniformizador de jurisprudência a concluir que:

“Em suma, o TJUE entende que:

 

- da letra da lei (artigos 3.º, n.º 1, ponto 22 da Directiva e 4.º, n.º 1, ponto 26 do Regulamento) resulta que o legislador da União Europeia não quis que o exercício directo de uma das actividades previstas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Directiva 2013/36, fosse o critério de definição do conceito de instituição financeira na acepção do Regulamento n.º 575/2013 (pontos 54. a 64.);

 

- o contexto em que o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União Europeia definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas actividades do sector financeiro (pontos 65. a 78.);

 

- resulta do artigo 1.º da Directiva 2013/36 e do artigo 1.º do Regulamento que estes actos têm por objectivo definir as regras relativas ao acesso à actividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Também decorre do considerando 5 da Directiva e do considerando 14 do Regulamento que os referidos actos têm, nomeadamente, por objectivo contribuir para a realização do mercado interno no sector das instituições de crédito (ponto 79.).

 

3.2.9. E que, diz o TJUE, da consideração destes elementos interpretativos há que concluir que uma empresa cuja actividade principal não esteja relacionada com o sector financeiro, por não exercer, nem directamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das actividades enumeradas no anexo I da Directiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na acepção da Directiva 2013/36 e do Regulamento n.° 575/2013 (ponto 80).”

 

Atenta a súmula efetuada pelo STA quanto ao entendimento exarado pelo Tribunal de Justiça e em matéria de aplicação ao caso aí em apreciação, concluiu o Supremo Tribunal Administrativo, para efeitos de uniformização de jurisprudência, o seguinte:

“3.2.10. Aplicando, agora, a jurisprudência emergente do julgamento de reenvio ao caso concreto, começámos por recordar dois pontos que nos afiguram relevantes.

 

Por um lado, que a Recorrente, A... SGPS, é uma sociedade gestora de participações sociais em cujo âmbito de actividade recorreu a financiamento junto de instituições de crédito que fizeram repercutir o Imposto de Selo incidente sobre essas operações sobre a Recorrente.

 

Por outro lado, que nos autos apenas está em causa saber se a Recorrente detém, subjectivamente, a qualidade de instituição financeira para efeitos do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36 e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013, um vez que este Supremo Tribunal Administrativo entendeu, no acórdão proferido a 23 de Março de 2022, que só na qualificação ou não qualificação da Recorrente enquanto instituição financeira à luz dos mencionados preceitos de Direito da União Europeia, para que o legislador nacional de forma directa e expressa remeteu no artigo 7.º do CIS (e não à luz do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras vigente no ordenamento jurídico português) permitiria decidir a questão fundamental de direito objecto do presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência.

 

3.2.11. Ora, a resposta a esta questão - tendo presente a factualidade apurada e que a Recorrente nunca pôs em causa que a sua actividade principal não está relacionada com o sector financeiro, por não exercer, nem directamente nem por intermédio de participações que gere, uma ou mais das actividades enumeradas no anexo I da Directiva 2013/36, ou seja, não exerce uma actividade que consista na aquisição de participações em sociedades que exercem actividades no sector financeiro – só pode ser a de que a Recorrente não é uma instituição financeira à luz do Direito da União Europeia.

 

3.2.12. E, consequentemente, com esse fundamento, por falta da qualidade subjectiva de instituição financeira, não pode a recorrente beneficiar da isenção de pagamento de imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1 al. e) do Código de Imposto de Selo.

 

3.2.13. Há, pois, que confirmar, com os fundamentos expostos no presente acórdão, a decisão arbitral recorrida e Uniformizar Jurisprudência no seguinte sentido: uma sociedade gestora de participações sociais domiciliada em Portugal, regulada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que tem como único objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades que não exercem actividade no sector financeiro, não beneficia da isenção de pagamento de imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1 al. e) do Código de Imposto de Selo, por não se subsumir, subjectivamente, no conceito de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013.

 

Ora, a questão central a dirimir nos presentes autos prende-se, como já acima enunciado, em decidir se as Requerentes se qualificam como uma «instituição financeira» na acepção do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013.

 

A resposta a esta questão, adianta-se já, não poderá deixar de ser, em face da novel jurisprudência uniformizadora de jurisprudência, negativa.

 

Isto porque, conforme flui da matéria de facto dada como provada (vide pontos 1. a 9.), similarmente à situação fáctica subjacente ao aresto uniformizador, também nos presentes autos se está perante SGPS’s cuja atividade principal não é, direta ou por via das suas participadas, uma das actividades financeiras previstas no Anexo I da Diretiva 2013/36 e do ponto 26 do n.º 1 do artigo 4º do Regulamento da UE n.º 575/2013, mas antes sociedades cuja actividade principal consiste na gestão das participações sociais por si detidas, sendo que não foi sequer invocado que as Requerentes ou qualquer das suas participadas desenvolvesse a sua actividade principal no sector financeiro.

 

Ora, a circunstância de no âmbito da atividade das Requerentes, estas recorrerem a financiamento junto de instituições de crédito que fizeram repercutir o Imposto do Selo dessas operações de financiamento sobre aquelas, não as reconduz a sociedades cuja atividade principal seja relacionada com o setor financeiro, dado não exercerem directa ou pelas suas participadas, a título principal, uma das atividades constantes do Anexo I da Directiva 2013/36 e do ponto 26 do n.º 1 do artigo 4º do Regulamento n.º 575/2013, pelo que insusceptível se torna que, subjectivamente, as Requerentes se possam qualificar, nos termos da predita legislação, como «instituições financeiras».  

 

Aqui chegados,  não se qualificando as Requerentes enquanto «instituições financeiras» à luz daquele que é o entendimento uniformizador da jurisprudência nesta matéria e a que supra nos reportamos, entendimento esse que aqui se secunda, nos termos do n.º 2 do artigo 8º do Código Civil, não podem as Requerentes beneficiar da pretendida isenção de Imposto do Selo, prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 7º do respetivo Código, improcedendo assim a pretensão anulatória das Requerentes que em tal qualificação subjectiva vinha alicerçada.

 

Questões de conhecimento prejudicado:

 

Improcedendo o pedido principal, fica prejudicado o pedido de reembolso do imposto pago e bem assim o direito a juros indemnizatórios pelas Requerentes formulado, uma vez que estes do provimento do pedido anulatório absolutamente dependiam.

 

 

 

 

DECISÃO

Em face de tudo o quanto antecede, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral:

a. julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente manutenção na ordem jurídica da decisão de indeferimento da decisão de Revisão Oficiosa e bem assim dos actos tributários de Imposto do Selo objeto daquela;

b. condenar as Requerentes no pagamento das custas do processo.

 

Valor do processo:

Fixa-se o valor do processo em 734.230,99 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 10.710,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas Requerentes, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

•           Registe e notifique-se.

 

Lisboa, 5 de Abril de 2024

 

Os Árbitros,

 

(Juiz José Poças Falcão)

 

 

 

(Dra. Magda Feliciano)

 

 

(Dr. Ricardo Sequeira)