Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 619/2023-T
Data da decisão: 2024-03-21  IRC  
Valor do pedido: € 190.918,21
Tema: IRC – Artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Organismos de Investimento Coletivo. Livre circulação de capitais.
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SUMÁRIO

  1. O artigo 22.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na parte em que limita o regime nele previsto a organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação nacional, excluindo organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação de outros Estados-Membros da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, com Acórdão de 17 de março de 2022.

 

  1. A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquela.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (árbitro presidente), Professor Doutor Gustavo Gramaxo Rozeira e Dra. Adelaide Moura, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

 

I.       RELATÓRIO

  1. A..., organismo de investimento coletivo em valores mobiliários ("OIC") constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo sob supervisão da Commission de Surveillance du Secteur Financier, contribuinte fiscal luxemburguês n.º ... e português n.º..., com sede em ..., ..., GrãoDucado do Luxemburgo (doravante "Requerente"), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa por si apresentada a 19 de Janeiro de 2023, veio, em 1 de setembro de 2023, ao abrigo do disposto nos artigos 57.º, n.ºs 1 e 5, e 95.º, n.º 2, alínea d), da LGT, 97.º, n.º 1, alínea a), 99.º, alínea a), e 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, 137.º, n.º 1, do Código do IRC, 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), requerer a constituição de tribunal arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”), tendo em vista:
  1. A declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada (autuada com o n.º ...2023...) e, bem assim, das liquidações de IRC por retenção na fonte efetuadas em 2020 e 2021 pelo B..., pessoa coletiva com o n.º de identificação fiscal português ..., e pelo C..., pessoa coletiva com o n.º de identificação fiscal português ..., ambos na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, por ocasião da colocação à disposição do Requerente de dividendos distribuídos com referência a participações detidas em sociedades residentes em território português;
  2. O reembolso do montante de € 190.918,21;
  3. Condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante de € 190.918,21, desde as datas das retenções na fonte indevidas de imposto até efetivo e integral pagamento;
  4. Condenação da AT no pagamento das custas do processo arbitral, na medida da procedência dos pedidos anteriores.
  1. O Requerente invoca, em suma, que os OICs não residentes em território português são objeto de uma discriminação contrária ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), mais especificamente ao respetivo artigo 63.º (livre circulação de capitais), na medida em que o regime previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do Estatuto dos benefícios Fiscais (“EBF”) é interpretado como sendo aplicável apenas aos OICs residentes em território português que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional – i.e. ao abrigo da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe a Diretiva 2009/65/CE –, não sendo permitido aos OICs não residentes em território português, constituídos e a operar noutro Estado-Membro da União Europeia ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, aceder a tal regime do EBF, ainda que demonstrem que cumprem, no seu Estado de residência, exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa.
  2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 4 de setembro de 2023, tendo a Requerida sido automaticamente notificada nesse dia.
  3. Os signatários foram designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos dos números 2, alínea a), e 3 do artigo 6.º do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e nos termos legalmente previstos.
  4. Em 24 de outubro de 2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 14 de novembro de 2023. No mesmo dia, a Requerida foi notificada para apresentar resposta.
  6. A Requerida apresentou resposta e juntou o processo administrativo em 19 de janeiro de 2024, sustentando, sumariamente, o seguinte:
  1. Verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, por o Requerente ter pedido ao Tribunal Arbitral para corrigir / anular parcialmente a liquidação efetuada e proceder, ele mesmo, à determinação desse cálculo líquido, apurando a taxa o valor a restituir, e, desta forma, condenando a AT ao reembolso de uma quantia determinada, não obstante o Tribunal Arbitral não ter competência para determinar a validade do cálculo apresentado pela requerente determinando a condenação ao pagamento da quantia pedida pela Requerente e que passa pela necessária anulação parcial das retenções efetuadas.
  2. Quanto à legalidade das retenções na fonte em apreço, as mesmas devem ser mantidas na ordem jurídica porquanto:

A AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade positivada, não podendo deixar de aplicar as normas legais que imediatamente a subordinam e vinculam, e não lhe competindo avaliar a conformidade das normas internas com as dos tratados da União nem com as orientações interpretativas do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”).

O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis. Assim, não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – esteja em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE.

A jurisprudência do TJUE não autoriza o intérprete a extrair a conclusão, em abstrato, de que a mera existência de uma retenção na fonte de IRC incidindo apenas sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um Fundo de Investimento estabelecido noutro Estado-Membro constitui por si só uma restrição à livre circulação dos fluxos de capital no espaço europeu, sem que seja feita uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos em Portugal, incluindo em sede de Imposto do Selo. Só deste modo será possível concluir se a desvantagem de cash-flow criada pela retenção na fonte de IRC, aos fundos de investimentos estabelecidos noutros Estados-Membros da UE, cria um obstáculo ao acesso ao mercado financeiro nacional, colocando-os numa situação desfavorável quando comparada com a situação tributária aplicada aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF.

  1. Em 5 de fevereiro de 2024, o Requerente respondeu à exceção suscitada pela AT, pugnando que os Tribunais Arbitrais têm competência para apreciar a ilegalidade parcial de atos tributários, determinando a respetiva anulação na medida de tal ilegalidade, conforme peticionado no PPA apresentado pelo Requerente.
  2. Por despacho arbitral de 9 de fevereiro de 2024, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por inexistir prova por produzir, e concedeu às partes o prazo simultâneo de 10 dias para a produção de alegações escritas.
  3. O Requerente e a Requerida apresentaram alegações em 9 de fevereiro de 2024, aí reiterando, no essencial, os argumentos contidos nos respetivos articulados.

 

II.     SANEADOR

  1. A apresentação do pedido de pronúncia arbitral foi tempestiva.
  2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. Quanto à legitimidade do Requerente para apresentar o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos, note-se que (a) o Requerente tem a forma jurídica de SICAV (Société d'Investissement à Capital Variable, ou sociedade de investimento com capital variável), constituindo uma entidade com personalidade jurídica, e que (b) o Requerente é o titular das partes sociais que originaram os dividendos em causa no processo sub judice, e bem assim, o beneficiário deste rendimento. Note-se também que, não obstante a atividade do Requerente ser suportada pela respetiva sociedade gestora (D... (LUXEMBOURG), S.A.) e pelos depositários dos valores mobiliários detidos pelo Requerente (B... e o C... PLC), obrigados a efetuar retenção na fonte sobre rendimentos de valores mobiliários por força do n.º 7 do artigo 94.º do Código do IRC, estas estidades não são titulares das partes sociais que originaram os dividendos em causa no processo sub judice nem os beneficiários deste rendimento. Quanto às funções desempenhadas por estas entidades, pode ler-se no Preâmbulo da Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, que aprova o regime da gestão de ativos, o seguinte:

“A sociedade gestora dispõe de funções de gestão de riscos e de avaliação de ativos. (...) O depositário assegura a custódia dos ativos do OIC e desempenha funções de controlo e de fiscalização da respetiva atividade no interesse dos participantes. A sua designação é obrigatória, salvo para OIC dirigidos exclusivamente a investidores profissionais que sejam geridos por sociedade gestora de pequena dimensão. A função de depositário pode ser assumida por instituição de crédito ou empresa de investimento estabelecida em Portugal, sendo a respetiva relação contratual formalizada por escrito. O depositário tem um estatuto de independência, devendo adotar medidas para evitar a ocorrência de conflitos de interesses.”

  1. Improcede a exceção dilatória suscitada pela Requerida porquanto, tal como defendido pelo Requerente, os Tribunais Arbitrais têm competência para apreciar a ilegalidade parcial de atos tributários, determinando a respetiva anulação na medida de tal ilegalidade.
  2. Não foram alegadas outras exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa. Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

§1.     Factos provados

  1. Consideram-se provados os seguintes factos:
  1. O Requerente é um OIC constituído ao abrigo da lei do Grão-Ducado do Luxemburgo que transpôs a Diretiva 2009/65/CE (Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif), e residente no Luxemburgo para efeitos fiscais (cf. Documentos 2 e 3 juntos ao PPA - facto não controvertido).
  2. O Requerente é administrado pela sociedade D... (LUXEMBOURG), S.A., entidade igualmente com residência fiscal no Grão-Ducado do Luxemburgo (cf. Documento 3 junto ao PPA - facto não controvertido).
  3. Em Dezembro de 2020, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 141.593,11, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória (à taxa de 25%), nos seguintes termos:

 

(cf. Documento 4 junto ao PPA - facto não controvertido).

  1. Em Abril, Maio, Julho, Setembro e Dezembro de 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 1.131.194,21, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória (à taxa de 25%), nos seguintes termos:

 

 

(cf. Documento 5 junto ao PPA - facto não controvertido).

  1. As retenções na fonte de IRC em causa, no valor total de € 318.196,95, foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública pelo B..., pessoa coletiva com o n.º de identificação fiscal português..., e pelo C... PLC, pessoa coletiva com o n.º de identificação fiscal português ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, por força do artigo 94.º, n.º 7, do Código do IRC, tendo o remanescente sido transferido para a conta da Requerente junto do E... COMPANY, entidade com sede em Edinburgh (cf. Documentos 4 e 5 juntos ao PPA - facto não controvertido).
  2. Tendo o Requerente solicitado o reembolso do montante correspondente à diferença entre a taxa de retenção na fonte efetuada em Portugal (25%) e a taxa reduzida de retenção na fonte prevista no artigo 10.º, n.º 2, da Convenção para evitar a dupla tributação internacional entre Portugal e o Luxemburgo (15%), o montante de € 190.918,21 permaneceu retido na fonte, conforme se discrimina infra:

 

 

 

(cf. demonstrado no artigo 12.º do PPA).

  1. O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência (Luxemburgo) relativo às retenções na fonte supra mencionadas (cf. Documento 6 junto ao PPA - facto não controvertido).
  2. Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, o Requerente apresentou reclamação graciosa (autuada com o n.º ...2023...) contra as liquidações em apreço no dia 19 de Janeiro de 2023 (cf. Documento 1 junto ao PPA - facto não controvertido).
  3. Quatro meses após a apresentação da referida reclamação graciosa (autuada com o n.º ...2023...), o Requerente ainda não tinha sido notificado pela AT da decisão final em sede do correspondente procedimento (cf. referido no artigo 18.º do PPA e não controvertido pela Requerida - facto não controvertido).
  4. Em 1 de setembro de 2023, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

§2.     Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.

§3.     Motivação quanto à matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
  2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  3. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

§1.     Questão decidenda

  1. A questão decidenda nos presentes autos reconduz-se à apreciação da legalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa em referência e, nessa medida, da legalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte acima referidas, que incidiram sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente em 2020 e 2021. 
  2. A legalidade destes atos tributários depende essencialmente da questão de saber se o regime especial de tributação previsto no artigo 22.º do EBF para os OIC constituídos de acordo com a legislação nacional, interpretado no sentido de excluir desse regime os OIC constituídos de acordo com a legislação de outro Estado Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.

§2.     Legislação relevante

  1. O artigo 22.º do EBF, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de janeiro, estabelece o seguinte:

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando-se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil: a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil; b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.

 

  1. Conforme decorre do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos “fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”. O Requerente é constituído ao abrigo da lei luxemburguesa e não da lei nacional, não lhe sendo aplicável o regime do artigo 22.º do EBF.
  2. No que releva para o presente processo, o TFUE dispõe o seguinte:

Artigo 63.º

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.”

 

Artigo 65.º

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.”

 

§3.     Apreciação da questão controvertida

  1. Entende este Tribunal que assiste razão ao Requerente quando defende que o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a OIC constituídos segundo a legislação nacional, excluindo OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados-Membros da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE, em linha com jurisprudência arbitral recente nesta matéria (e.g., Decisão Arbitral de 26-04-2022, processo n.º 821/2021-T; Decisão Arbitral de 28-06-2022, processo n.º 129/2022-T; Decisão Arbitral de 13-07-2022, processo n.º 115/2022-T; Decisão Arbitral de 15-07-2022, processo n.º 121/2022-T; Decisão Arbitral de 08-08-2022, processo n.º 624/2022-T; Decisão Arbitral de 21-08-2022, processo n.º 83/2022-T) e também com a jurisprudência do TJUE e do nosso Supremo Tribunal Administrativo.
  2. No acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, afirma-se que “[o] artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
  3. Este Tribunal adere ao entendimento expresso no referido acórdão do TJUE, cuja fundamentação, na sua parte mais relevante, se reproduz de seguida:

Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 49 e jurisprudência referida).

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].

42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].

 Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis

43 Para apreciar a comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por um lado, sobre a questão de saber se a situação dos detentores de participações deve ser tida em conta do mesmo modo que a dos OIC e, por outro, sobre a eventual pertinência da existência, no sistema fiscal português, de certos impostos aos quais apenas estão sujeitos os OIC residentes.

44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes — a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.

45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).

46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.

47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.

48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.

49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).

50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).

51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.

52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).

53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek  (C‑252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.

59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).

60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).

61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.

62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.

63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).

64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).

65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.

66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).

67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o.,  C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).

68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).

69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).

70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).

71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).

73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

 Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].

76  No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.

77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.

78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).

79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).

80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).

83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).

84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.

85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

 

  1. Importa aqui recordar o Princípio do Primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, bem como o relevo que assume a jurisprudência do TJUE na garantia de uma aplicação uniforme do direito da União Europeia nos diversos Estados Membros, por via do mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do TFUE.
  2. Deste modo, estando em causa questões de direito da União Europeia, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais (neste sentido, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26-03-2003, proferido no âmbito do processo n.º 01716/02).
  3. O Princípio do Primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
  4. Daqui se retira que os tribunais nacionais têm o poder-dever de desaplicar as normas de direito interno que se revelem contrárias a normas de direito da União Europeia, desde que estas respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático (v., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-02-2016, proferido no processo n.º 01172/14).
  5. Mais recentemente, o Douto Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 28-09-2023, proferido no processo n.º 93/19.7BALSB, veio uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:

“1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”

 

  1. Pelo exposto, e considerando a incompatibilidade do artigo 22.º do EBF, ao excluir do seu âmbito de aplicação os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados-Membros da União Europeia, com o artigo 63.º do TFUE, o Tribunal declara ilegais e anula as liquidações de IRC por retenção na fonte contestadas e declara ilegal e anula o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, em conformidade com o artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

§3.     Do pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

  1. Entende o Requerente que a procedência do pedido de pronúncia arbitral implica o direito à restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de € 190.918,21, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, a computar sobre o referido montante, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT.
  2. De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
  3. Consequentemente, para que, no caso sub judice, seja restabelecida a situação jurídica que existiria se não tivessem sido feitas as liquidações de IRC por retenção na fonte, a Requerida deve proceder ao reembolso dos montantes indevidamente retidos na fonte, o que é consequência da anulação.
  4. No que diz respeito ao direito a juros indemnizatórios, o TJUE tem entendido que a cobrança de impostos em violação do Direito da União tem como consequência não só o direito ao reembolso mas também o direito a juros, conforme é sustentado no seu Acórdão de 18-04-2013, proferido no processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), no qual se refere, designadamente, o seguinte:

“21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado‑Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o., C‑397/98 e C‑410/98, Colet., p. I‑1727, n.os 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C‑446/04, Colet., p. I‑11753, n.° 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.° 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C‑113/10, C‑147/10 e C‑234/10, n.° 65).

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados‑Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.° 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.° 66).

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida)”

 

  1. Compete a cada Estado-Membro definir as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo, o que, no caso português, obedece ao disposto no artigo 43.º da LGT, cuja redação é a seguinte:

“Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”

 

  1. No caso sub judice, os erros que afetam as retenções na fonte contestadas não são imputáveis à AT, visto que não foram por ela praticadas. No entanto, o mesmo não sucede com o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente. A verdade é que, não estando a AT exonerada do dever de aplicação do Direito da União Europeia, deveria ter deferido a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente. Não o tendo feito, a AT manteve uma situação de ilegalidade, sendo-lhe assim imputável erro de direito enquadrável no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
  2. Conforme se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0890/16, em 18-01-2017: “[e]m caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte”.
  3. Nestes termos, conclui-se que não poderá deixar de proceder o pedido de condenação quanto aos juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços (no mesmo sentido, v. Decisão Arbitral de 14-05-2019, processo n.º 637/2018-T, Decisão Arbitral de 27-05-2019, processo n.º 678/2018-T; Decisão Arbitral de 13-07-2022, processo n.º 115/2022-T; Decisão Arbitral de 28-07-2022, processo n.º 816/2021-T).
  4. No que se refere ao momento a partir do qual são devidos os juros indemnizatórios, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0360/11.8BELRS, de 07-04-2021:

“(…) afigura-se-nos justo e equitativo que a indemnização ao contribuinte (decorrente do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT) não retroaja ao momento da prática do ato de retenção na fonte (da responsabilidade do substituto tributário), porquanto, tratando‑se de uma situação de autoliquidação, só com a competente impugnação administrativa, atempada, os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo, decorrente de não receber e passar a dispor desde esse momento (que podia ter sido de viragem) do imposto indevidamente entregue ao Estado, através do mecanismo da substituição tributária.”

  1. No caso vertente, o Requerente apresentou, em 19 de janeiro de 2023, reclamação graciosa contra as retenções na fonte contestadas. A AT deveria ter-se pronunciado sobre o referido pedido no prazo de quatro meses (cf. artigo 57.º, n.º 1, da LGT), ou seja, até 19 de maio de 2023, o que não sucedeu.
  2. Assim sendo, o Tribunal Arbitral determina que os juros indemnizatórios sobre o montante de € 190.918,21 deverão ser contados desde 20 de maio de 2023 até ao integral reembolso do referido montante ao Requerente (nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril).

 

V. DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente:

  1. Declarar ilegais e anular as retenções na fonte contestadas, no montante total de € 190.918,21, bem como o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2023...;
  2. Condenar a AT no reembolso do montante de € 190.918,21 ao Requerente;
  3. Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante de € 190.918,21, contados desde 20 de maio de 2023 até ao integral reembolso do referido montante ao Requerente,

tudo com as demais consequências legais.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 190.918,21.

 

 

  1. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de março de 2024    

Os árbitros,

 

 

Rita Correia da Cunha

(Presidente)

 

 

Gustavo Gramaxo Rozeira

 

 

Adelaide Moura

 

 

Declaração de voto

I. Voto vencido quanto às alíneas c), d) e e) da matéria de facto dada como provada na Decisão Arbitral.

A Decisão Arbitral dá esses factos como provados com base numa dupla motivação. Por um lado, indica tratarem-se de factos não controvertidos entre as partes; por outro, remete in totum para os documentos n.os 4 e 5 juntos com a petição inicial.

Ora, quanto à primeira daquelas motivações, ela é em si mesma insuficiente para alicerçar qualquer conclusão probatória. Como manifestação no plano adjetivo do princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais, em processo judicial tributário inexiste o ónus da impugnação especificada, não podendo assim o Tribunal Arbitral deixar de seguir as regras gerais de direito probatório material com vista ao estabelecimento dos factos, provados e não provados, relevantes para a decisão da causa. E se é certo que a requerida não impugnou expressamente os factos alegados pelo requerente e vertidos naquelas alíneas do probatório, também não é menos verdadeiro que em momento algum os confessou (até porque não são factos pessoais seus), não podendo retirar-se deste seu silêncio processual qualquer conclusão definitiva ao nível do estabelecimento da matéria de facto relevante. Aliás, ao prever no art. 110.º, n.º 7, do CPPT que “[o] juiz aprecia livremente a falta de contestação especificada dos factos”, o legislador está claramente a rejeitar o modelo instrutório tabeliónico seguido no processo civil e, mais importante, está a endereçar ao julgador uma diretriz clara no sentido de que não se pode bastar com o mero silêncio da administração tributária para, sem mais, julgar provados os factos alegados pelo impugnante. Além disso, “livremente” não significa arbitrariamente: a apreciação livre que ao julgador cabe fazer do silêncio da administração fiscal tem de assentar em motivação lógica, racional e sindicável, que manifestamente não está presente neste trecho da Deci­são Arbitral.

Quanto à segunda das invocadas motivações, sou também de opinião que os referidos documentos não conduzem à conclusão a que se chegou na Decisão Arbitral.

Com efeito, sob a designação de documentos n.os 4 e 5 o requerente juntou um amplo conjunto de documentos que se podem reconduzir, essencialmente, a dois grandes grupos: notas de lançamento emitidas pelo banco B... AG (filial de Amesterdão) e notas de lançamento emitidas pelo banco C... Plc (filial de Dublin).

No primeiro grupo estão em causa pagamentos de dividendos lançados a crédito numa conta bancária n.º .... sedeada no B.... cujo titular é (“account held by”) E… . No segundo grupo estão em causa pagamentos de dividendos lançados a crédito numa conta de custódia de valores mobiliários n.º... sedeada no  C... cujo titular (“Client Account Name” e “dividend payment was made to”) é F... FDS.

Resulta assim, na minha opinião e ao contrário do que a Decisão Arbitral considerou como provado, que os pagamentos de dividendos foram feitos àquelas duas entidades (E... e F.. .FDS), e não ao fundo requerente. É certo que em todas essas notas de lançamento se identifica o requerente como o beneficiário efetivo dos pagamentos a que elas se referem, mas tais documentos não permitem estabelecer a conclusão de que os dividendos foram colocados a pagamento ao requerente, ou que foram por este percebidos.

Repare-se: os atos tributários de primeiro grau objeto de impugnação nesta arbitragem são atos de substituição tributária proferidos por instituições bancárias. São os bancos que, na qualidade de agentes pagadores dos dividendos, procedem à retenção na fonte das quantias de imposto alegadamente devidas a título de IRC. Ora, os bancos não retêm rendimentos devidos a terceiros estranhos à relação bancária: retêm os rendimentos pagos imediatamente aos titulares diretos das contas bancárias abertas aos seus balcões. Se estes titulares diretos e imediatos detêm os valores mobiliários depositados naquelas instituições financeiras por conta de terceiros, essa é já uma realidade estranha à relação jurídico-tributária de direito substantivo e que, portanto, escapa à alçada do direito fiscal.

Finalmente, na alínea e) do probatório da Decisão Arbitral — de resto, reproduzindo-se praticamente ipsis verbis o art. 10.º da p.i. — dá-se como provado que o remanescente dos dividendos pagos, depois de deduzido o montante de imposto retido, foi “transferido para a conta da requerente junto do E..., entidade com sede em Edinburgh”. Ora, este facto é puramente especulativo e não tem suporte em qualquer meio de prova documental que tenha sido produzido nos autos, não se vislumbrando como é que o Colégio Arbitral conseguiu atingir tal conclusão, a não ser pela mera adesão acrítica à alegação do requerente.

Em suma, e contrariamente ao que se decidiu na Decisão Arbitral, na minha opinião os documentos n.os 4 e 5 juntos pelo requerente permitiriam apenas formar as seguintes asserções fácticas:

  1. Os pagamentos de dividendos creditados na conta bancária n.º ... do banco B..., AG tiveram por destinatário a entidade E... , BOSTON, identificada como titular da referida conta;
  2. Os pagamentos dividendos creditados na conta de custódia de valores mobiliários n.º... do banco C..., Plc tiveram por destinatário a entidade F...FDS, identificada como titular da referida conta;
  3. O fundo requerente vem indicado pelas entidades bancárias retentoras como sendo o beneficiário efetivo dos pagamentos documentados nos documentos n.os 4 e 5 junto com a p.i.

 

É de admitir que aquelas duas entidades, E... e F..., possam ter funcionado, no contexto de operações financeiras transnacionais, como meros intermediários do destinatário final do fluxo de pagamentos. Porém, uma tal conclusão é, perante a prova produzida nesta arbitragem, puramente especulativa e desprovida de qualquer suporte bastante, não passando de um mero processo de intenções. A verdade é que não foi junto documento algum — e muito menos alegado — que demonstrasse a existência de um relacionamento comercial ou financeiro entre o fundo requerente e aquelas duas entidades ou que permitisse concluir que estas seriam meras depositárias ou fiduciárias dos valores mobiliários que, afinal, estariam na titularidade do requerente. Tão-pouco foi feita a demonstração de que os montantes colocados a pagamento nas contas tituladas por aquelas entidades tenham efetivamente chegado à esfera jurídica e patrimonial daquele que, aparentemente, seria o seu destinatário final e titular, o fundo requerente.

Efetuado o exame crítico das provas, e ao contrário do resultado a que chegou a maioria do Colégio Arbitral, é-me impossível, seguindo critérios objetiváveis, motiváveis, escrutináveis, racionais e não arbitrários, com apelo às regras da lógica, ao princípio da experiência e aos conhecimentos científicos e técnicos, formar uma convicção segura, e para além de dúvida razoável, acerca da realidade dos factos vertidos nas alíneas c), d) e e) do probatório. Quanto a mim, em face disso nada mais restaria do que aplicar ao caso as regras do non liquet: era sobre o requerente que recaía o ónus de demonstrar os factos constitutivos e legitimadores da sua pretensão, pelo que a falta de demonstração da verificação dos factos por si alegados ter-se-ia de resolver contra as suas pretensões processuais.

 

II. Face à posição que perfilho quanto à solução a dar ao julgamento da matéria de facto, é-me forçoso concluir que os sujeitos passivos da obrigação de retenção na fonte do IRC são as entidades E... e F..., que são quem surge identificado como sendo titulares das contas sedeadas nos bancos B... e C... e melhor identificadas nos documentos n.os 4 e 5 juntos com a p.i. Foi a estas entidades que os dividendos foram colocados a pagamento e, portanto, são elas os titulares dos rendimentos de dividendos; foi, assim, sobre elas que incidiu a tributação sob a forma de retenção na fonte a taxas liberatórias.

Dito de outra forma: o fundo requerente não é o destinatário dos atos tributários de primeiro grau objeto da presente arbitragem.

Ora, como o requerente alegou ter auferido diretamente na sua própria esfera jurídica os dividendos em causa nesta arbitragem (arts. 7.º e 8.º da p.i.) — e como, na minha opinião, essa demonstração fracassou —, haveria que concluir pela improcedência do pedido arbitral.

Não está em causa a bondade nem o acerto da jurisprudência europeia que a Decisão Arbitral pretende seguir de perto e cuja aplicabilidade em abstrato à situação alegada pelo requerente é inquestionável. Sucede que, a meu ver, o requerente não logrou fazer a prova dos factos por si alegados e, nessa medida, fica prejudicada a subsunção dos factos efetivamente demonstrados aos referidos princípios e normas jurídicas do Direito da União.

 

III. De notar, por fim, que na causa de pedir avançada pelo requerente não se compreende a alegação da qualidade de beneficiário efetivo dos dividendos ora em questão. Isto é: o requerente não veio a pretório invocando ser um terceiro titular de um interesse legalmente protegido na medida em que os atos impugnados, embora tendo por destinatários diretos e imediatos duas outras entidades, projetariam os seus efeitos ablativos indiretamente na sua esfera jurídica e patrimonial. Pelo contrário: o requerente invoca ser ele mesmo o sujeito passivo dos tributos retidos na fonte quando, na minha opinião, essa realidade ficou claramente afastada pela prova documental produzida nos autos. Ora, salvo quanto aos vícios que sejam do conhecimento oficioso, no julgamento da validade de atos tributários os tribunais têm de quedar-se pela formulação de um juízo assente apenas na apreciação das causas de invalidade invocadas pelos impugnantes, sendo-lhes defeso valorar factos que não foram alegados como fundamento da pretensão anulatória. Não é assim possível, nesta sede, decidir da invalidade dos atos impugnados à luz de outros fundamentos fáctico-jurídicos que não aqueles oportunamente invocados pelo impugnante. Porque o requerente não invocou em momento algum ser titular de um direito à anulação dos atos tributários que impugnou em virtude do interesse legítimo decorrente da sua condição de beneficiário efetivo dos rendimentos objeto de tributação, a cognição deste Tribunal Arbitral tem de se cingir ao quadro contextual da fundamentação avançada, mas já não ao reexame de toda a relação material controvertida nem, indo além da causa de pedir concretamente avançada nos autos, partir à descoberta de outras construções factuais que pudessem conduzir à procedência da pretensão anulatória. Daí que não caiba averiguar agora, porque não é essa a pretensão deduzida, se o requerente teria direito à anulação dos atos tributários enquanto beneficiário efetivo dos dividendos colocados a pagamento à E... e à F... em contas bancárias tituladas por estas entidades.

Portanto: é minha opinião que, à luz da causa de pedir que avançou nesta arbitragem, o requerente não logrou demonstrar ser o sujeito passivo da relação jurídico-tributária de direito substantivo, porquanto não demonstrou ser o titular dos rendimentos objeto de tributação nem o destinatário direto e imediato dos atos tributários impugnados, não cabendo agora ao Tribunal Arbitral invalidá-los com fundamento em diferentes motivações.

 

Teria, assim, decidido pela improcedência da presente arbitragem e absolvido a administração tributária requerida dos pedidos contra si deduzidos.

 

 

IV. Finalmente, para reposição da verdade processual e registo para memória futura, não posso deixar de salientar que o relatado no ponto 9. do relatório da Decisão Arbitral não tem qualquer correspondência com a realidade.

Em momento algum este Tribunal Arbitral Coletivo deliberou o que ficou plasmado no autodenominado “despacho arbitral” de 9 de fevereiro de 2024 — não obstante nele se invocar abusivamente uma pretensa (e inverídica) origem colegial, esta aparência de ato jurisdicional foi unilateralmente proferido pela Presi­dente do Tribunal sem qualquer deliberação, intervenção, participação, consulta ou auscultação prévia dos demais co-árbitros que compõem o Colégio Arbitral, claramente ao arrepio do que se dispõe no art. 40.º, n.os 1 e 3, da LAV, aplicável à arbitragem tributária ex vi dos arts. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT e do 181.º, n.º 1, do CPTA.

Nos tribunais arbitrais coletivos “qualquer decisão do tribunal arbitral é tomada pela maioria dos seus membros” (art. 40.º, n.º 1, da LAV, realce adicionado). Lamentavelmente — e de for­ma que é, para mim, absolutamente inaudita e sem precedentes ao longo de toda a minha participação em arbitragens tributárias sob a égide do CAAD —, não foi essa a prática seguida na presente arbi­tragem, tendo a decisão de uma tão importante questão relativa à condução do processo e à confor­mação da relação jurídica processual sido deliberadamente subtraída à decisão coletiva do Tribunal Arbitral, embora, por razões que desconheço, tenha sido processualmente anunciada às partes como se de uma decisão colegial se tratasse.

Aquele teria sido o momento processual adequado para suscitar oficiosamente junto das partes, e em especial do requerente, as insuficiências probatórias acima identificadas e para facultar, sendo o caso, a oportunidade de juntar prova documental complementar que lograsse afastar as reservas assinaladas. Infelizmente, porém, o modo como esta arbitragem foi conduzida impediu que se pudesse franquear lealmente às partes o pleno exercício do princípio do contraditório.

 

CAAD, 21/03/2024

 

 

 

Gustavo Gramaxo Rozeira