SUMÁRIO:
I - Nos casos de operações simuladas, para efeitos de repartição do ónus da prova, cumpre, em primeiro lugar, verificar se os indícios apurados pela AT consubstanciam “indícios fundados ou sérios” de que as faturas desconsideradas não têm subjacentes as operações que titulam.
II - Verificando-se a existência de indícios fundados ou sérios, posteriormente, caberá à Requerente provar (e não apenas gerar “mera dúvida”) que tais faturas (reputadas como falsas) demonstram a realidade económica das operações que titulam.
III - Não basta a constatação de que os fornecedores da Requerente não possuíam uma estrutura empresarial adequada ao exercício da atividade, sendo necessário que o sujeito passivo soubesse ou tivesse obrigação de saber a situação dos fornecedores ou que com eles tivesse atuado em conluio. Ademais, a AT deve, igualmente, sindicar o circuito económico e financeiro subjacente às facturas invocadas.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Gonçalo Estanque designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 26-09-2023, decide o seguinte:
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RELATÓRIO
A..., LDA, pessoa colectiva, contribuinte fiscal n.º..., com sede na Rua..., n.º ... ..., ...-... ... (designada por “Requerente”), veio, em 19-07-2023, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) contra os seguintes atos tributários:
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liquidação adicional de IRC n.º 2022..., referente ao IRC do ano de 2019, com um valor a pagar de €22.808,08;
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liquidação adicional de IVA n.o 2022 ..., referente ao período de 201903T, com um valor a pagar de 4.580,00;
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liquidação adicional de IVA n.o 2022..., referente ao período de 201906T, com um valor a pagar de 6.957,50;
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liquidação adicional de IVA n.o 2022..., referente ao período de 201909T, com um valor a pagar de 3.300,50;
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liquidação adicional de IVA n.o 2022..., referente ao período de 201912T, com um valor a pagar de 5.935,15;
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liquidação de juros compensatórios n.o 2022..., com um valor a pagar de €570,17;
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liquidação de juros compensatórios n.o 2022..., com um valor a pagar de €795,25;
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liquidação de juros compensatórios n.o 2022..., com um valor a pagar de €342,52; e
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liquidação de juros compensatórios n.o 2022..., com um valor a pagar de €556,11.
A Requerente pretende ver ser “declarada a nulidade das decisões de indeferimento das reclamações graciosas” e a anulação dos supra referidos atos tributários de liquidação.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 20-07-2023 e automaticamente notificado à Requerida.
Em 06-09-2023, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o qual comunicou a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 26-09-2023.
Em 27-09-2023, em conformidade com o disposto no artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, a Requerida foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar produção de prova adicional.
Em 30-10-2023, a AT apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral. Em 10-01-2024 a Requerida juntou aos autos o processo administrativo.
Atendendo a que a Requerente requereu a produção de prova testemunhal, através de despacho de 07-12-2023, foi esta notificada para indicar os pontos da matéria de facto sobre os quais iria incidir a prova testemunhal, os quais foram indicados pela Requerente através de Requerimento de 22-12-2023.
Através de Despacho de 15-01-2024, o Tribunal fixou o dia de 21-02-2024, pelas 10:00, para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT bem como a audiência de julgamento.
A Requerente apresentou Requerimento, em 30-01-2024, para que a testemunha B... fosse ouvido pelo sistema informático Webex. A Requerida solicitou o adiamento da reunião do artigo 18.º (e inquirição das testemunhas). Face ao requerido pelas partes, o Tribunal Arbitral, através de Despacho, datado de 01-02-2024, determinou o reagendamento da reunião para o dia 22-02-2023. Relativamente ao pedido da Requerente para que a testemunha B... fosse ouvida através do sistema informático Webex, considerando o disposto no artigo 502.º do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT) e a necessidade de ser assegurada a autenticidade e plena liberdade da prestação do depoimento, foi determinado o indeferimento do pedido.
A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a inquirição de testemunhas teve lugar no dia 22-02-2024. Na referida reunião foram inquiridas as seguintes testemunhas arroladas pela Requerente:
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B..., o qual, à data dos factos, era Diretor Técnico da empresa C...; e
-
D... , o qual, à data dos factos, era Gestor de clientes da empresa E... .
Não compareceram as seguintes testemunhas:
Perante a ausência das mesmas, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para, no prazo de 5 dias, juntar documentos comprovativos da ausência das referidas testemunhas.
A Requerente apenas apresentou um comprovativo da ausência da testemunha F..., a qual se encontrava fora do país, aquando da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e agendada para o dia 22-02-2024.
Perante a ausência de justificação para a não comparência das testemunhas G... e H..., determinou o Tribunal Arbitral, em 01-03-2024, através de Despacho que, dado que a ausência não foi justificada não podia, o Tribunal Arbitral agendar nova diligência para a inquirição destas testemunhas. Isto porque, em primeiro lugar, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não dispõem de meios coercitivos ou sancionatórios para assegurar a comparência das testemunhas. Em segundo lugar, nos termos do artigo 118.º, n.º 4 do CPPT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT), a não comparência de testemunha(s) não é motivo de adiamento da diligência (vide, no mesmo sentido, o Acórdão proferido pelo STA no âmbito do Proc. n.º 0404/11, de 21-09-2011).
Note-se, porém, que, um dos princípios basilares dos tribunais arbitrais é o princípio da livre condução do processo. Assim, em conformidade com o disposto no artigo 19.º, n.º 2 do RJAT, nada impede os tribunais arbitrais de, por exemplo, agendar uma nova diligência para que seja realizada a inquirição das testemunhas faltosas, desde que, essa não comparência seja devidamente fundamentada.
Face ao exposto, o Tribunal Arbitral agendou para o dia 19-03-2024 a inquirição da testemunha F..., o qual, à data dos factos, era Diretor Técnico na empresa L... .
Na mesma data foram as partes notificadas para, querendo, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias.
As partes apresentaram alegações escritas.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
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MATÉRIA DE FACTO
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FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente encontra-se registada para o exercício das seguintes atividades:
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CAE principal - 80200 - Atividades relacionadas com sistemas de segurança desde 27-09-2016
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CAE secundário 1 - 043320 - Montagem de trabalhos de carpintaria e de caixilharia desde 16-04-2018
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CAE secundário 2 - 043390 - Outras atividades de acabamentos em edifícios desde 04-03-2022
A sociedade tinha, à data da constituição, por objeto social "montagem, assistência e manutenção de sistemas de segurança" e, posteriormente, em 21-09-2021, o objeto social foi alterado para "montagem, assistência e manutenção de sistemas de segurança. Montagem de trabalhos de carpintaria e de caixilharia".
(cfr. pág. 4 do Relatório Final de Inspeção, junto ao Processo Administrativo e cujo teor se dá como reproduzido).
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A Requerente celebrou, em 01/01/2020, um contrato de prestação de serviços em regime de subempreitada com a empresa I..., Lda. (NIPC ...), o qual foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com início em 01/01/2020 e termo em 02/01/2021.
(cfr. Documento n.o 5 junto ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).
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A Requerente celebrou um contrato de prestação de serviços com a empresa J... Unipessoal, Lda. (NIPC ...) o qual vigorava pelo período de 1 ano (renovável por iguais períodos). O contrato teve o seu início de vigência em 01/10/2018.
(cfr. Documento n.o 4 junto ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).
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Foram emitidas as seguintes faturas pela empresa I..., Lda.:
N.º da Fatura
|
Descritivo da Fatura
|
Data da Fatura
|
Preço
|
IVA
|
TOTAL
|
1 2019/91
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
29-05-2019
|
6 500,00 €
|
1 495,00 €
|
7 995,00 €
|
1 2019/92
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
29-05-2019
|
5 300,00 €
|
1 219,00 €
|
6 519,00 €
|
1 2019/93
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
29-05-2019
|
8 800,00 €
|
2 024,00 €
|
10 824,00 €
|
1 2019/94
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
29-05-2019
|
7 650,00 €
|
1 759,50 €
|
9 409,50 €
|
1 2019A/3
|
Prestação de serviços - instalações de sistemas de segurança
|
28-06-2019
|
2 000,00 €
|
460,00 €
|
2 460,00 €
|
1 2019/144
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
30-08-2019
|
3 750,00 €
|
862,50 €
|
4 612,50 €
|
1 2019/145
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
30-08-2019
|
5 100,00 €
|
1 173,00 €
|
6 273,00 €
|
1 2019/154
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
27-09-2019
|
5 500,00 €
|
1 265,00 €
|
6 765,00 €
|
1 2019/181
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
13-11-2019
|
4 100,00 €
|
943,00 €
|
5 043,00 €
|
1 2019/182
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
13-11-2019
|
3 495,00 €
|
803,85 €
|
4 298,85 €
|
1 2019/194
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
13-12-2019
|
4 960,00 €
|
1 140,80 €
|
6 100,80 €
|
1 2019/203
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
19-12-2019
|
5 100,00 €
|
1 173,00 €
|
6 273,00 €
|
1 2019/209
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
24-12-2019
|
3 500,00 €
|
805,00 €
|
4 305,00 €
|
1 2019/210
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
24-12-2019
|
4 650,00 €
|
1 069,50 €
|
5 719,50 €
|
TOTAL
|
70 405,00 €
|
16 193,15 €
|
86 598,15 €
|
(cfr. Documentos n.os 8 e ss. junto ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).
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Foram emitidas as seguintes faturas pela empresa J... Unipessoal, Lda.:
N.º da Fatura
|
Descritivo da Fatura
|
Data da Fatura
|
Preço
|
IVA
|
TOTAL
|
1 2019/4
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
28-02-2019
|
9 600,00 €
|
2 208,00 €
|
11 808,00 €
|
1 2019/8
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
31-03-2019
|
5 600,00 €
|
1 288,00 €
|
6 888,00 €
|
1 2019/9
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
31-03-2019
|
3 100,00 €
|
713,00 €
|
3 813,00 €
|
1 2019/10
|
Prestação de serviços na área de instalações de sistemas de segurança
|
31-03-2019
|
7 200,00 €
|
1 656,00 €
|
8 856,00 €
|
TOTAL
|
25 500,00 €
|
5 865,00 €
|
31 365,00 €
|
(cfr. Documentos n.os 8 e ss. junto ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).
-
Não foi apresentado comprovativo do pagamento da fatura n.º 1 2019/4, emitida pela J... Unipessoal Lda.
-
As restantes faturas (i.e. com a exceção da fatura indicada do ponto F) do probatório) foram integralmente pagas pela Requerente através de transferência bancária.
(cfr. Documentos n.os 26 e ss. junto ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).
-
Os pagamentos foram efetuados por transferência bancária para os números de conta indicados nas faturas, i.e. PT50 ... e PT50 ... .
(cfr. Documentos n.os 8 e ss. e 26 e ss., juntos ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).
-
O titular da conta bancária com o NIB PT50 ... é a J..., Lda.
(cfr. Documentos n.o 6, junto ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).
-
O titular da conta bancária com o NIB PT50 ... é a I..., Lda.
(cfr. Documentos n.o 7, junto ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).
-
A Requerente foi objeto de ação de inspeção tributária à sua atividade, relativamente ao IRC e IVA de 2019, realizada a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2021... .
(cfr. Relatório Final de Inspeção, junto ao Processo Administrativo e cujo teor se dá como reproduzido).
-
A ação de inspeção tributária acima referida desconsiderou, para efeitos de IRC e IVA, as faturas emitidas pelos fornecedores da Requerente:
-
I..., Lda. e
-
J... Unipessoal, Lda.
(cfr. pág. 10 do Relatório Final de Inspeção, junto ao Processo Administrativo e cujo teor se dá como reproduzido).
-
As correções foram fundamentadas pela Requerida, nomeadamente, com base nos seguintes argumentos:
“Analisadas as respostas rececionadas em 23/07/2021 e 11/12/2021, refere-se:
Relativamente aos contactos mencionados para ambas as empresas, deve salientar-se que nenhuma das pessoas mencionadas foi ou é sócio das empresas em questão, nem tão pouco foram trabalhadores dependentes dessas empresas ou lhes prestaram serviços, na qualidade de prestadores de serviços, em 2019.
Quanto aos pagamentos ao fornecedor J..., enviou os comprovativos dos pagamentos efetuados a este alegado fornecedor que corresponderam a transferências bancárias para o NIB PT ... .
Em relação à I..., enviou os comprovativos dos pagamentos efetuados a este alegado fornecedor que corresponderam a transferências bancárias para o NIB PT50 ... .
Analisadas as faturas enviadas, emitidas em nome da J... e da I..., constatou-se que os descritivos de todas elas mencionam prestação de serviços na área de instalação de sistemas de segurança.
As faturas foram emitidas em finais de um determinado mês e fazem referência em rodapé a trabalhos executados no mês anterior. Os trabalhos não foram descriminados nem quantificados, nem foram referidas as datas e locais de prestação dos serviços (cf. Anexo 3, pág. 1 a 18).
Em relação aos clientes identificados pela A..., para justificar os trabalhos alegadamente executados pela J... são os mesmos que mencionaram para o alegado fornecedor I... .
A J... emitiu faturas em janeiro e março de 2019 e a I... iniciou a faturação em maio de 2019, e emitiu faturas em maio, junho, agosto, setembro, novembro e dezembro.
As faturas emitidas aos seus clientes que a A... enviou para justificar as prestações de serviços em nome da I... e J..., foram as seguintes (cfr. Anexo 1, pág. 3 a 5):
...- Obra sistemas intrusão, controlo de acessos e CCTV nas instalações no ...- 29/01/2019
L...:
Sistemas de intrusão na Farmácia ... em Fátima - 14/01/2019
Sistemas de intrusão na Escola Básica n° 3 ...- 16/01/2019
Sistemas de intrusão na Escola ...- 16/01/2019
Sistemas de intrusão e CCTV na Farmácia ... no Barreiro - 17/01/2019
Sistemas de intrusão e CCTV nas instalações da ...- 18/01/2019
Sistemas de intrusão na Ourivesaria ...- 23/01/2019
Sistemas de intrusão na Farmácia ...- 24/01/2019
Sistemas de intrusão nas instalações da ...- 25/01/2019
Sistemas de intrusão nas instalações da ...- 29/01/2019
Sistemas de intrusão e CCTV na Farmácia ... em Alenquer - 29/01/2019
Sistemas de intrusão e CCTV nas instalações do restaurante ...- 31/01/2019
Sistemas de intrusão na Farmácia ...- 05/02/2019
Sistemas de intrusão e CCTV nas instalações da ...- 22/02/2019
Sistemas de intrusão, deteção de incêndios e CCTV nas instalações da Mini/BMW de ...- 20/03/2019
A A... indicou, em 23/07/2019, que a fatura n° 2019/04 emitida em nome da J... respeitou a trabalhos na Farmácia ..., Edifico ..., Farmácia ... (cliente L...), mas em nenhuma das faturas emitidas para cliente L..., foram faturados trabalhos nestes locais. Em relação ao cliente C... não apresentou as faturas que lhe emitiu relacionadas com a obra no ... (cfr. Anexo 1, pág. 4).
A fatura n° 2019/10 emitida em nome da J... refere que foram executados trabalhos na loja C&A do ... (cliente E...), Farmácia ..., Farmácia ... em Fátima e Farmácia ... em Lisboa (todas do cliente L...), mas nenhuma das faturas enviadas relacionadas com estes dois clientes mencionam estas obras (cfr. Anexo 1, pág. 4).
Além desta omissão detetou-se que a J... não faturou prestações de serviços no mês de fevereiro, apesar de a A... ter emitido 2 faturas ao cliente L... neste mês (cfr. Anexo 4, pág. 13 e 14). E, embora a A... tenha faturado a maior parte dos trabalhos em janeiro de 2019 (12 faturas) e apenas 1 fatura em março (cfr. Anexo 4, pág. 15), a J... emitiu 1 (uma) fatura em janeiro e 3 (três) em março.
Relativamente ao alegado fornecedor I... (que faturou à A... entre maio e dezembro de 2019), as faturas que a A... enviou para justificar os trabalhos alegadamente executados pela I... foram todas emitidas em 2018, pelo que não justificam os trabalhos mencionados nas faturas emitidas pela I... em 2019, até porque esta também faturou à A... em 2018 por idêntica prestação de serviços”.
(cfr. pág. 14 e ss. do Relatório Final de Inspeção, junto ao Processo Administrativo e cujo teor se dá como reproduzido).
-
Para efeitos de IRC, em sede de inspeção tributária, concluiu a Autoridade Tributária e Aduaneira que:
“(...) A A... registou na sua contabilidade, em 2019, como gasto, o montante de €95.095,00, que não pode ser fiscalmente dedutível, conforme determina a al. c) do n° 1 do art.° 23°-A do CIRC, uma vez que os documentos que o justificam não estão de acordo com o exigido pelos números 3 e 4 do art.º 23° também do CIRC. Por outro lado, e para além dos factos mencionados, tendo em conta a ausência de estrutura operacional dos dois fornecedores, nomeadamente funcionários/prestadores de serviços, capazes de prestar os serviços que a A... diz ter contratado e/ou cedido mão de obra, e ainda, como os dois contactos que a A... informou que os representavam, não têm ou nunca tiveram qualquer relação comercial ou profissional com esses alegados fornecedores, não se mostrou comprovada a efetividade dos serviços correspondentes, pelo que, também por esta razão, o respetivo montante não seria fiscalmente dedutível uma vez que, para tal, não respeita a disciplina do art.° 23º e 23° - A ambos do CIRC. Assim, propõe-se a correção ao resultado fiscal declarado pelo SP, no período de 2019, no montante de €95.095,00”.
(cfr. pág. 17 do Relatório Final de Inspeção, junto ao Processo Administrativo e cujo teor se dá como reproduzido).
-
Para efeitos de IVA, em sede de inspeção tributária, concluiu a Autoridade Tributária e Aduaneira que:
“(...) de acordo com os factos descritos no ponto III.1.1.,que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, salienta-se que os documentos e esclarecimentos enviados pela A... não comprovaram inequivocamente a natureza das operações efetuadas com os fornecedores J... e I..., realidade essa que, associada ao facto destes dois operadores não disporem de estrutura operacional, bem como o facto de os pagamentos não terem sido processados nos termos do art.º 63º-C da LGT, no caso da J..., levanta dúvidas sobre a realização das operações, não sendo por isso possível considerar como comprovada a efetiva prestação dos correspondentes serviços.
(...)
Por outro lado, também como já se referiu, nas faturas emitidas em nome da J... e da I..., embora o seu descritivo não respeite todos os requisitos do artigo 36º do CIVA, mencionam tratar-se de prestação de serviços na área de instalação de sistemas de segurança, trabalhos estes que são considerados trabalhos de construção civil, determinado pelo Oficio-Circulado 30101 de 24/05/2007 da Direção de Serviços do IVA.
(...)
Nem mesmo o esclarecimento prestado pela A... de que as faturas corresponderiam a mão de obra pode ser considerado porquanto, não corresponde ao seu descritivo e, como estes fornecedores não têm trabalhadores, não poderiam objetivamente ceder mão de obra.
Embora o imposto suportado na aquisição de bens ou serviços possa ser deduzido pelos sujeitos passivos, ao abrigo do nº 1 do art.º 19º do CIVA, existem, no entanto, alguns requisitos estipulados no n° 2 do mesmo artigo, que efetivamente conferem o direito à dedução do imposto, nomeadamente os da alínea a), ou seja, a emissão de fatura na forma legal, sendo que os elementos que conferem essa legalidade formal encontram-se previstos no n®5 do art.º 36º do CIVA.
Adicionalmente, no caso em apreço, nem todos aqueles requisitos se encontram reunidos, nomeadamente, os que respeitam às alíneas a), b) e f) do nº 5 daquele artigo, que exigem que os serviços prestados se encontrem claramente quantificados e especificados para uma correta determinação da taxa de imposto a aplicar, assim, como a data em que os serviços foram executados.
Face ao exposto, as faturas emitidas em nome da I... e J... não podem ser consideradas como documentos válidos para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA, por força do disposto nos números 2 e 3 e, eventualmente no nº 8, todos do artigo 19º do CIVA, verificando-se, por conseguinte, que a A... deduziu indevidamente IVA no montante global de €22.058,15.”
(cfr. pág. 18 e ss. do Relatório Final de Inspeção, junto ao Processo Administrativo e cujo teor se dá como reproduzido).
-
A Requerente exerceu o Direito de Audição Prévia ao projeto de relatório de inspeção tributária.
(cfr. pág. 22 e Anexo 9 do Relatório Final de Inspeção, junto ao Processo Administrativo e cujo teor se dá como reproduzido).
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Através do Ofício n.º ..., datado de 05-07-2022, a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou a Requerente do Relatório Final de Inspeção Tributária.
(cfr. pág. 22 e Anexo 9 do Relatório Final de Inspeção, junto ao Processo Administrativo e cujo teor se dá como reproduzido).
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Consequentemente, e com relevo para o presente processo, foram emitidos os seguintes atos de liquidação (adicional) de IRC e IVA e de liquidação de juros compensatórios:
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liquidação adicional de IRC n.º 2022 ..., referente ao IRC do ano de 2019, com um valor a pagar de €22.808,08;
-
liquidação adicional de IVA n.o 2022..., referente ao período de 201903T, com um valor a pagar de 4.580,00;
-
liquidação adicional de IVA n.o 2022..., referente ao período de 201906T, com um valor a pagar de 6.957,50;
-
liquidação adicional de IVA n.o 2022 ..., referente ao período de 201909T, com um valor a pagar de 3.300,50;
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liquidação adicional de IVA n.o 2022..., referente ao período de 201912T, com um valor a pagar de 5.935,15;
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liquidação de juros compensatórios n.o 2022..., com um valor a pagar de €570,17;
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liquidação de juros compensatórios n.o 2022..., com um valor a pagar de €795,25;
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liquidação de juros compensatórios n.o 2022..., com um valor a pagar de €342,52; e
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liquidação de juros compensatórios n.o 2022..., com um valor a pagar de €556,11.
(cfr. Documentos juntos pela Requerente aquando do pedido de constituição do Tribunal Arbitral e cujo teor se dá como reproduzido).
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A Requerente apresentou, em 17-10-2022, reclamação graciosa contra os supra referidos atos tributários.
(cfr. Reclamação graciosa junta ao processo administrativo e cujo teor se dá como reproduzido).
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Através do Ofício n.º..., datado de 20-02-2023, a Autoridade Tributária e Aduaneira propôs o indeferimento da reclamação graciosa e notificou a Requerente para exercer direito de audição prévia, o qual foi exercido.
(cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido).
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Através do Ofício n.º ..., datado de 18-04-2023, a Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a reclamação graciosa.
(cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido).
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Em 19-07-2023, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
A Requerente limita-se a invocar que “no decorrer do procedimento tributário, o Serviço de Finanças Loures ..., instaurou o processo de execução fiscal n.º ...2022..., respeitante à liquidação de IRC. No entanto, o mesmo está suspenso pela prestação de garantia e pagamentos prestacionais”. A Requerente não especifica quais os montantes (i.e. prestações), relativos ao IRC, já pagos. Quanto ao IVA nada é invocado quanto ao pagamento ou prestação de garantia. Face ao exposto, não pode este Tribunal considerar provado o pagamento (mesmo que parcial) das liquidações ora impugnadas.
Não há outros factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, relativamente à prova produzida, o princípio da livre apreciação.
Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes e nos documentos juntos processo por ambas as partes.
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POSIÇÃO DAS PARTES
No presente processo, com relevância para a Decisão, a Requerente defende, em suma, o seguinte:
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A contestação apresentada pela Requerida é quase uma cópia integral do alegado no RIT, e a conclusão que retiramos é que a AT alega levianamente a não se verifica a efetividade da prestação de serviço para assim o ónus da prova passar para a impugnante, e aí desvincular-se de qualquer decisão em sentido diverso, exigindo de forma desproporcional a comprovação dos serviços prestados. O que jamais poderá suceder, já que a AT não pode exigir um esforço de tal modo desproporcional que torne a comprovação da prestação de serviços num ato impossível, ficando numa posição de vulnerabilidade e em confronto com a probatio diabolica.
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Foi proposta a presente ação com a finalidade de apresentar toda a prova documental que concatenada com a prova testemunhal comprova que os serviços foram prestados e que a AT fundamentou-se em argumentos sem conteúdo material para fundamentar uma alegada não efetivação da prestação de serviços.
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Cumpria à AT ilidir a presunção de veracidade, o que legitimaria para poder proceder à correção do lucro tributável pela não dedutibilidade dos gastos e pela correção do montante de IVA devido.
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Competia à AT pelo menos demonstrar a existência de indícios sérios e objetivos que permitissem concluir com elevada probabilidade, que as operações tituladas pelas faturas emitidas pelas empresas J... e I... não correspondiam a operações reais.
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O RIT apenas se fundamenta na falta de estrutura operacional, sem outros elementos objetivos, pelo que conclui a Requerente pela não demonstração da existência de elementos que indiciassem de forma concreta e objetiva, que fossem suficientes para concluir com alta probabilidade pela não efetividade da prestação de serviços. Tal argumento não se mostra forte o suficiente à materialização de diversos factos que fossem suficientes para colocar em crise a efetivação das prestações de serviços pelas empresas J..., Lda. e I..., Lda. inexistindo qualquer detalhe factual ou detalhe relacionado com o circuito de pagamentos. E apesar de terem sido juntos todos os comprovativos da transferências bancárias pela prestação dos serviços titulados pelas faturas e extensamente justificados pela ora Impugnante, no procedimento de inspeção e no processo de reclamação graciosa, a AT ignorou.
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A jurisprudência maioritária proferida pelo Tribunal Central Administrativo vai no sentido de que «(...) não basta a constatação de que o fornecedor dos bens ou serviços não possuía uma estrutura empresarial adequada ao exercício da atividade, sendo necessário que o sujeito passivo soubesse ou tivesse obrigação de saber a situação dos fornecedores ou que com eles tivesse atuado em conluio.» (Ac. TCAS, de 04/05/2023, Rel. Susana Barreto, Proc. 1385/18.8 BELRA in www.dgsi.pt) e que a «referência feita à falta de estrutura empresarial do emitente das faturas é meramente conclusiva, inexistindo qualquer densificação factual que permita valorar tal afirmação.» (Ac. TCAS, de 24/01/2024, Rel. Tânia Meireles da Cunha, Proc. 1812/08.2 BELRS, in www.dgsi.pt).
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A Requerente presta serviços para diversos clientes, o que resulta dos documentos contabilísticos que fazem parte do processo de inspeção e ainda pelo que foi referido pelas três testemunhas inquiridas, que confirmaram a prestação de serviços de instalação de sistemas de segurança para as empresas onde aqueles laboravam em 2019, nomeadamente para o L... (Testemunha F...), E... (Testemunha D...) e C... (Testemunha B...).
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Todos foram unânimes em referir que é uma prática normal que as empresas contratadas tenham necessidade de subcontratar outras empresas para auxiliar na prestação de serviços, pois é a única forma para honrar os seus compromissos e cumprir os prazos estipulados e assumidos. No entanto, as empresas contratantes não controlam tal questão pois cingem-se apenas à empresa contratada e apenas têm em vista a concretização do trabalho.
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A testemunha D... disse que o nome da empresa I..., Lda não lhe era estranho, não podendo confirmar a existência de relações contratuais com a mesma, por outro lado a testemunha F... disse conhecer a empresa I..., Lda., através de K... .
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A testemunha F... referiu que não há muita mão de obra e que por esse motivo as empresas contratadas subcontratam ou contratam trabalhadores ou outras empresas para que o serviço seja prestado e entregue dentro do prazo.
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Torna-se essencial para a comprovação da prestação de serviços pela subcontratação das empresas J..., LDA. e I..., LDA., os contratos de prestação de serviços, mediante o qual, estas assumiam a execução de determinados serviços contra o pagamento pela Impugnante/Requerente.
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Os pagamentos foram sempre realizados através de transferência bancária, para o IBAN da conta titulada pela empresa correspondente, e todos têm justificação nas faturas emitidas pelas empresas prestadoras.
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No decorrer do ano de 2019 a impugnante foi contratada para grandes serviços, como a ..., inclusivamente referida pela Testemunha D..., as Farmácias, referidas pela testemunha F... .
Por seu turno, a Requerida, entende que:
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A AT logrou demonstrar a existência de indícios fundados reveladores, com elevada probabilidade, da existência de operações simuladas.
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Na base do procedimento inspetivo efetuado à Requerente estão procedimentos inspetivos efetuados aos sujeitos passivos J... Lda. e I... Lda. que demonstraram que, além de se tratarem de sujeitos passivos incumpridores das suas obrigações fiscais, não dispunham de qualquer estrutura que lhes permitisse efetuar as operações que estão aqui em causa.
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Embora o SP tenha enviado alguns esclarecimentos e documentos, face à realidade descrita, não podem os mesmos ser considerados como suficientes para afastar as insuficiências dos documentos e permitir a respetiva dedutibilidade fiscal nomeadamente, por não complementarem a identificação, localização e quantificação dos serviços.
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Tendo os SIT demonstrado a existência de indícios suficientes de que as faturas em causa não titulavam operações realmente efetuadas, cumprindo o ónus probatório atribuído à AT, competia à Requerente, que invoca o direito à dedutibilidade dos gastos titulados por essas faturas, o ónus de prova direta e circunstanciada dos factos constitutivos desse direito, de acordo com o n.º 1 do artigo 74.º da LGT.
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A Requerente, não logrou fazer, nem no decorrer do procedimento de inspeção quando lhe foram pedidos esclarecimentos pelos SIT.
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MATÉRIA DE DIREITO
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No essencial, recorde-se, o presente processo versa sobre correções ao IVA e ao IRC (do exercício de 2019). A AT considerou o IVA e os gastos fiscais (IRC) deduzidos pela Requerente estão suportados contabilisticamente por faturas relativamente às quais existem - alegadamente - fortes indícios de não titular operações reais (i.e. faturas falsas ou operações simuladas).
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A título prévio cumpre referir que, conforme se conclui no Acórdão do Tribunal Central Administrativo - Norte (Proc. n.º 00449/09.3BEVIS, de 25/08/2018), “compete à Administração provar a existência de indícios sérios de que a operação faturada não corresponde à realidade (art.º 74º/1 LGT). Feita esta prova, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF”.
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Ou seja, significa isto que, conforme se extrai do Acórdão do Tribunal Central Administrativo - Sul, proferido no âmbito do Proc. n.º 1594/09.0BELRA (datado de 25/08/2018):
“Nos termos do n.º 2 alínea a) do referido preceito, a presunção de veracidade não se verifica quando as declarações, contabilidade ou escrita revelem “indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável do sujeito passivo”. No caso dos autos, em que estamos perante situação em que as facturas contabilizadas (títulos de despesa) são emitidas na forma legal, mas que, ao menos na óptica da AT, não têm subjacente a operação económica que reflectem, é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, nos termos do n.º1 do art.º74.º da LGT, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação correctiva, face à presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes enunciadas no n.º1 do art.º 75.º da mesma LGT. Para tanto, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados” (objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais), para fazer cessar a presunção de veracidade estabelecida a favor do contribuinte no n.º1 do art.º75.º da LGT, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam. Quando se verifique cessação da presunção de veracidade dos elementos declarativos e de contabilidade e escrita, passa a caber ao contribuinte – desprovido do escudo protector da presunção legal (artigos 74.º, n.º1 da LGT e 342.º, n.º1 e 344.º do Código Civil) – o ónus de prova da existência dos factos tributários que invoca como fundamento do seu direito à dedução, como custos fiscais, das verbas representadas pelas facturas consideradas falsas”.
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Sendo que, prossegue o citado Acórdão, “indícios fundados” terão de ser “objectivos, sólidos, consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais”.
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Em sentido semelhante, o Acórdão proferido no Proc. n.º 1594/09.0BELRA (datado de 11/10/2018) pelo TCA-Sul esclarece que:
“Estando em causa indícios de facturação falsa, a AT não tem que provar a falsidade das facturas; basta-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as facturas são «falsas» para cumprir o seu encargo probatório.
Feita esta prova indiciária, a lei faz cessar a presunção de boa-fé creditada às declarações e contabilidade do contribuinte e devolve-lhe o encargo de provar a materialidade das operações subjacentes à facturação indiciada.
Onerado com o ónus da prova da veracidade das operações materiais subjacentes à «facturação indiciada», os esforços que o contribuinte deve mobilizar para abalar os indícios de falsidade recolhidos não podem deixar de ser exigentes e sem margem para dúvidas.
Não basta ao contribuinte gerar a mera dúvida sobre a falsidade das facturas para conseguir ganho de causa. Estando onerado com a prova da materialidade das operações, se persistir a dúvida, esta resolve-se contra a parte onerada com a prova”.
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Feita esta introdução cumpre, pois, verificar, em primeiro lugar, se os indícios apurados pela AT consubstanciam “indícios fundados” de que as faturas desconsideradas não têm subjacentes as operações que titulam.
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Verificando-se tais indícios, posteriormente, caberá à Requerente provar (e não apenas gerar “mera dúvida”) que tais faturas (reputadas como falsas) demonstram a realidade económica das operações que titulam.
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Note-se, por fim, que para efetuarmos esta análise é, conforme esclarece o TCA-Norte, “essencial conhecer-se a motivação dos atos impugnados, de modo a que o tribunal a possa sindicar, uma vez que é à luz dessa fundamentação (vertida no Relatório da Inspeção Tributária – RIT -, uma vez que é neste que reside toda a factualidade que consubstancia a declaração fundamentadora dos atos de liquidação impugnados) que o tribunal (...) tem de sindicar se a AT demonstrou os pressupostos que legitimam a sua atuação” (Proc. n.º 00543/16.4BEPRT, de 03/03/2022).
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A AT, em sede de ação inspetiva, entendeu, no essencial, que existem os seguintes indícios fundados ou sérios:
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Os fornecedores da Requerente – J... e I...- não possuíam uma estrutura operacional, nomeadamente funcionários/prestadores de serviços, capazes de prestar os serviços que a Requerente diz ter contratado.
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Os dois contatos que a Requerente informou que os representavam os fornecedores, não têm ou nunca tiveram qualquer relação comercial ou profissional com esses alegados fornecedores.
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Irregularidades ou insuficiências das faturas emitidas pelos fornecedores, nomeadamente nos descritivos ou nas datas (i.e. o facto das faturas serem emitidas em finais de um determinado mês e fazerem referência a trabalhos executados no mês anterior; s trabalhos não foram descriminados nem quantificados, nem foram referidas as datas e locais de prestação dos serviços).
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Note-se que a AT, em sede de ação de inspeção, não coloca em causa a efetiva prestação de serviços pela Requerente aos seus clientes, pelo que as alusões que a AT faz às faturas emitidas pela Requerente aos seus clientes, nomeadamente a não de apresentação de algumas dessas faturas, é totalmente irrelevante.
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Conforme referido no Acórdão do TCA-Sul (Proc. n.º 1385/18.8BELRA, de 04-05-2023), o qual acompanhamos, “(...) não basta a constatação de que o fornecedor dos bens ou serviços não possuía uma estrutura empresarial adequada ao exercício da atividade, sendo necessário que o sujeito passivo soubesse ou tivesse obrigação de saber a situação dos fornecedores ou que com eles tivesse atuado em conluio”.
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Ora, a AT nunca demonstrou ou sequer invocou, conforme lhe era exigido, a existência de conluio entre a Requerente e os fornecedores.
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Ademais, a AT nunca colocou sequer em causa a efetiva realização de pagamentos por parte da Requerente aos fornecedores em causa. Aliás, a AT confirma, em sede de ação inspetiva, a realização dos pagamentos:
“Quanto aos pagamentos ao fornecedor J..., [a Requerente] enviou os comprovativos dos pagamentos efetuados a este alegado fornecedor que corresponderam a transferências bancárias (...) em relação à I..., [a Requerente] enviou os comprovativos dos pagamentos efetuados a este alegado fornecedor que corresponderam a transferências bancárias (...)” (pág. 14 do Relatório Final de Inspeção Tributária).
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Note-se que, ficou, igualmente, demonstrado que os pagamentos foram efetuados para contas bancárias dos fornecedores, as quais, de resto, constavam das respectivas faturas. Porém, sem prejuízo, conforme se conclui, entre outros, no Acórdão proferido pelo TCA - Sul (Proc. n.º 1485/09.5BELRS, de 29-09-2022) “a AT desconsiderou, tout court, as faturas visadas, não estabelecendo uma concreta e casuística ponderação dos aludidos pagamentos, e que, in limite, levaria, desde logo, à existência de um erro sobre os pressupostos de facto e de direito”. Ou seja, é, pois, exigido à AT para abalar a presunção de veracidade das operações que coloque, também, em causa o circuito financeiro subjacente às faturas em crise. Veja-se, também, neste sentido, o Acórdão do TCA-Sul (proc. n.º 509/09.0BELRA, de 14/09/2019), onde se refere que “os indícios de facturação falsa postulam, normalmente, a realização de fiscalização cruzada, seja no emitente, seja no utilizador, por forma a descaracterizar o circuito económico e financeiro subjacente às facturas invocadas”. Sucede, porém, que, não só esta “descaracterização” dos pagamentos não é efetuada pela AT como, pelo contrário, é confirmada a realização dos pagamentos.
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Neste particular, é claríssimo, o TCA-Sul (Ac. n.º 942/09.8BESNT, de 15/09/2022) quando refere que “(...) nada sendo sindicado quanto ao seu circuito financeiro, não sendo sequer colocados em causa os seus pagamentos (...) Não podendo, assim, inferir-se a existência de indícios razoáveis pela circunstância da fornecedora não ter estrutura empresarial e estar referenciada como emitente de faturação falsa, porquanto, como visto, inteiramente, coadunados com obrigações constantes na esfera do fornecedor e sem ser colocado o respetivo circuito financeiro da operação”.
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Assim, em total harmonia com a jurisprudência invocada, somos forçados a concluir que assiste razão à Requerente quando sustenta que não estão reunidos os indícios (sérios e fundados) para legitimar a atuação da AT.
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Pelo que deve, pois, ser determinada a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e dos atos tributários ora em crise.
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Note-se que a Requerente peticiona a nulidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa sem, no entanto, invocar quais as causas dessa eventual nulidade. Sendo que, manifestamente, não se vislumbra, nos termos do artigo 161.º do CPA, qualquer fundamento para essa nulidade. Assim, apenas poderá este tribunal determinar a anulação daquela decisão de indeferimento.
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DECISÃO
Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral:
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Declarar anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa;
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Declarar anulação das liquidações de IVA, IRC e de juros compensatórios impugnadas; e
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
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VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €45.844,78 indicado no PPA pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em €2.142,00, ficando as mesmas totalmente a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 17 de Abril de 2024
O Árbitro
Gonçalo Estanque