Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 420/2023-T
Data da decisão: 2024-04-15  IRS  
Valor do pedido: € 8.658,68
Tema: IRS. Mais-valias imobiliárias. Dedução de Despesas.
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SUMÁRIO

  1. Determina a  alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRS que “Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem: 
    a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º
    ”.
  2. A despesa incorrida com um contrato de mediação imobiliária pode assumir relevo fiscal e qualificar-se como uma despesa para efeitos da determinação da mais-valia sujeita a imposto, desde que o sujeito passivo faça prova da sua existência e se prove a relação entre as faturas emitidas e o contrato e o imóvel em causa.
  3. O IMT qualifica-se como uma despesa dedutível ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRS, devendo ser considerada para efeitos da mais-valia sujeita a imposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra, Sónia Martins Reis, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 16 de Agosto de 2023, acorda no seguinte:

 

 

 

 

 

  1. Relatório

 

A..., com domicílio fiscal na Rua ..., n.º ..., ...-... Angra do Heroísmo, e com o número de identificação fiscal n.º ..., doravante designada por “Requerente”, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 a) e 10.º, n.º 1 a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), em conjugação com os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Constitui pretensão da Requerente o pedido de anulação da liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2021 e, bem assim, o indeferimento expresso do Recurso Hierárquico n.º ...2023... . Como pedido subsidiário vem pedir para o Tribunal considerar o valor de € 56.005, referente ao proporcional das tornas pagas na divisão da coisa comum, como acrescendo ao valor de aquisição do imóvel em causa nos autos.

 

Como causa de pedir, a Requerente alega, em suma, vícios substantivos, em concreto no que concerne à não aceitação de um conjunto de despesas por parte da Requerida.

 

Que adquiriu em 2011, ao seu ex- marido B..., metade da propriedade do Prédio misto composto, a parte urbana, por casa de moradia de rés do chão e primeiro andar, com quintal, destinado a habitação, e a parte rústica, por terra, localizado na ..., freguesia de..., concelho de Angra do Heroísmo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo, sob o número ... e inscrito na respetiva matriz, do Serviço de Finanças de Angra do Heroísmo, a parte urbana, sob o artigo ... pelo valor de €25.000 (Cf. Documento n.º 1 junto aos autos).

 

No dia 31 de Julho de 2020, e após divórcio entre os ex-cônjuges; em escritura de divisão de coisa comum, adquiriu, ao seu ex-marido, a propriedade da outra metade do prédio supra referido, tendo os então comproprietários atribuíram, à data, o valor de €224.080,88 (duzentos e vinte e quatro mil e oitenta euros e oitenta e oito cêntimos) à parte urbana do prédio e o valor de 61.360,30 (sessenta e um mil trezentos e sessenta euros e trinta cêntimos) à parte rústica do prédio, tudo num total de €285.441,18 (duzentos e oitenta e cinco mil quatrocentos e quarenta e um euros e dezoito cêntimos), conforme escritura de divisão de coisa comum que juntou como Documento n.º 2 e tornando-se proprietária de 100% do referido imóvel.

 

No dia 11 de Outubro de 2021, vendeu o referido imóvel a C... e D..., pelo valor de €345.000, conforme escritura de compra e venda que juntou como Documento n.º 3.

 

Entregou a declaração Modelo3/IRS ...-2021-...-..., onde declarou no Anexo G a alienação do prédio acima identificado, dando origem à liquidação n° 2022... no montante de €18.625,58 com data-limite de pagamento 31-08-2022.

 

Em 28-06-2022 a declaração referenciada foi indicada na análise de divergências com o código de D39 - Alienação Imóveis - "Alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afetação a atividade profissional.”.

 

No dia 19-08-2022 procedeu à entrega da declaração de substituição com o n.º ...-2021- ...-... .

 

Na sequência da apresentação dessa declaração de substituição, e ao abrigo do artigo 59.º/5 do CPP, foi oficiosamente a mesma convolada no processo de reclamação graciosa n.º ...2022..., tendo sido indeferida pela AT.

 

E dando origem à nota de liquidação de IRS n.º º 2023... junta como Documento n.º 4 nos presentes autos.

 

Onde vem apurado o montante de €45.203,12 a título de imposto, mas considerando o valor já pago pela Requerente da liquidação n.º 2022..., no valor de €18.625,58, foi emitida a nota de acerto n.º 2023 ... (cf. Documento n.º 5) no valor de €26.577,54.

 

No entendimento da Requerente a nota de liquidação impugnada nos presentes autos não teve em conta despesas dedutíveis no cálculo das mais-valias obtidas com a venda do imóvel em questão nos termos do artigo 51.º/1/a) do CIRS, devendo, em consequência, ser emitida nova.

 

Designadamente as faturas 021/60 e 021/43, ambas no valor de €10.000, emitidas pela E..., Lda., em seu nome, pela prestação de serviços de mediação imobiliária na venda do imóvel em causa nos autos.

 

E, bem assim, valores pagos a título de IMT no valor de € 2.194,28, referentes à aquisição do excesso da quota- parte do imóvel pela escritura de divisão de coisa comum junta, pugnando pela redução do valor tributável.

 

No dia 14-08-2023, por requerimento entrado no sistema processual do CAAD, veio a Requerida juntar despacho proferido em 2023/08/04, pela Senhora Subdiretora Geral da Área dos Impostos sobre o Rendimento, dando conhecimento ao Tribunal da revogação parcial do ato de liquidação nº 2023... relativamente ao facto de ser reconhecido à Requerente, para efeitos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 51º do Código do IRS, as despesas no montante de € 2 194,28, tal como solicitado no seu artigo 24.º da petição arbitral.

 

A Requerente comunicou ao CAAD por email datado de 16-08-2023 da sua intenção de em prosseguir com os autos quanto à parte não revogada do ato administrativo.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 07-06-2023, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído em 16-08-2023 e tendo o processo seguido a sua normal tramitação.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes, notificadas dessa designação, em 28-7-2023, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

A Requerida ou AT veio contestar por impugnação alegando, em síntese, como segue.

 

Vem dizer que a Requerente manifesta a sua discordância com a não aceitação como despesas necessárias das quantias constantes dos documentos n.ºs 6 e 7 dos autos, relativos a comissão imobiliária e a IMT.

 

Que nos autos estão em causa as despesas inerentes à aquisição e alienação.

 

Que apenas foi apresentado um recibo relativo ao pagamento de uma comissão imobiliária, sendo que esse recibo não identificava o imóvel objeto da transação, limitando-se a remeter para a fatura FAC 021/60.

 

E que em nenhuma das declarações de rendimentos por si apresentadas foi inscrito um valor de despesas e encargos compatível com a consideração de duas faturas de 10.000,00 € (20.000,00 € no total).

 

E que consultadas as duas faturas juntas aos autos, no seu entender não é identificado, em nenhuma, o imóvel que originou a despesa, pelo que não se encontra demonstrada de forma inequívoca a conexão do montante pago ao mediador imobiliário com a transação concreta que originou a mais-valia tributável, não podendo a mencionada despesa ser considerada para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do Código do IRS.

 

E que não foi apresentado qualquer recibo comprovativo do pagamento da fatura FAC 021/43.

 

Quanto ao pedido subsidiário vem dizer que se os imóveis foram avaliados na divisão de coisa comum por 285.441,18 € e a Requerente apenas pagou por metade desses imóveis o montante de 56.005,00 € a título de tornas, então terá sido esse o valor de aquisição dos imóveis.

 

E que tal interpretação, ao invés do pretendido pela Requerente é prejudicial às suas pretensões, tendo em conta que na declaração de rendimentos os valores de aquisição dos imóveis são, respetivamente, 112.040,44 € (prédio urbano) e 30.680,15 € (prédio rústico), num total de 142.720,59 €.

 

Pugna, a final, pela manutenção da liquidação em crise nos autos e pela não condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

No dia 10-10-2023 a Requerente veio juntar documentos complementares, designadamente contratos de intermediação imobiliária e Recibo REC 021/42.

 

 

Entendeu o Tribunal por despacho arbitral dispensar a realização da reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, face à questão bem delimitada nos autos.

 

Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar alegações simultâneas, querendo, tendo ambas optado por fazê-lo, reforçando a sua argumentação, e tendo a Requerida se pronunciado sobre os documentos complementares junto pela Requerente.

 

Foi determinada pelo Tribunal uma prorrogação de prazo para a prolação da decisão arbitral, devidamente fundamentada nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

III.      Fundamentação

 

  1. Dos Factos

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

 

  1. Em 07-06-2023 a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
  2. A Requerente adquiriu em 2011, ao seu ex- marido B..., metade da propriedade do Prédio misto composto, a parte urbana, por casa de moradia de rés do chão e primeiro andar, com quintal, destinado a habitação, e a parte rústica, por terra, localizado na ..., freguesia de ..., concelho de Angra do Heroísmo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo, sob o número ... e inscrito na respetiva matriz, do Serviço de Finanças de Angra do Heroísmo, a parte urbana, sob o artigo ... pelo valor de €25.000 (Cf. Documento n.º 1 junto aos autos).
  3. No dia 31 de Julho de 2020, e após divórcio entre os ex-cônjuges; em escritura de divisão de coisa comum, a Requerente adquiriu, ao seu ex-marido, a propriedade da outra metade do prédio supra referido, tendo os então comproprietários atribuído, à data, o valor de €224.080,88 (duzentos e vinte e quatro mil e oitenta euros e oitenta e oito cêntimos) à parte urbana do prédio e o valor de € 61.360,30 (sessenta e um mil trezentos e sessenta euros e trinta cêntimos) à parte rústica do prédio, tudo num total de €285.441,18 (duzentos e oitenta e cinco mil quatrocentos e quarenta e um euros e dezoito cêntimos), conforme escritura de divisão de coisa comum que juntou como Documento n.º 2 e tornando-se proprietária de 100% do referido imóvel.
  4. No dia 11 de Outubro de 2021 vendeu o referido imóvel a C... e D..., pelo valor de €345.000, conforme escritura de compra e venda que juntou como Documento n.º 3.
  5. No dia 14-08-2023, por requerimento entrado no sistema processual do CAAD, veio a Requerida juntar despacho proferido em 2023/08/04, pela Senhora Subdiretora Geral da Área dos Impostos sobre o Rendimento, dando conhecimento ao Tribunal da revogação parcial do ato de liquidação nº 2023... relativamente ao facto de ser reconhecido à Requerente, para efeitos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 51º do Código do IRS, as despesas no montante de € 2 194,28, tal como solicitado no seu artigo 24.º da petição arbitral.
  6. A Requerente entregou a declaração Modelo3/IRS ...-2021-...-..., onde declarou no Anexo G a alienação do prédio acima identificado, dando origem à liquidação n° 2022... no montante de €18.625,58 com data-limite de pagamento 31-08-2022, que pagou.
  7. Em 28-06-2022 a declaração referenciada foi indicada na análise de divergências com o código de D39 - Alienação Imóveis - "Alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afetação a atividade profissional.”.
  8. No dia 19-08-2022 procedeu à entrega da declaração de substituição com o n.º ...-2021- ...-... .
  9. Na sequência da apresentação dessa declaração de substituição, e ao abrigo do artigo 59.º/5 do CPP, foi oficiosamente a mesma convolada no processo de reclamação graciosa n.º ...2022..., tendo a mesma sido indeferida pela AT.
  10. Dando origem à nota de liquidação de IRS n.º º 2023 ... junta como Documento n.º 4 nos presentes autos, que apurou o montante de €45.203,12 a título de imposto, mas considerando o valor já pago pela Requerente da liquidação n° 2022 ..., no valor de €18.625,58, foi emitida a nota de acerto n.º 2023 ... (cf. Documento n.º 5) no valor de € 26.577,54, como sendo devido pela Requerente.
  11. Foram juntas como Documento n.º 6 as faturas 021/60 e 021/43, ambas no valor de €10.000 emitidas pela sociedade E..., Lda pela prestação de serviços de mediação imobiliária.
  12. A fatura FAC 021/60 tem o correspondente recibo que foi apresentado pela Requerente em sede de procedimento de análise e gestão de divergências - cf. Artigo 18.º da Resposta da Requerida.
  13. Por requerimento datado de 10-10-2023 a Requerente veio juntar contratos de mediação imobiliária com os n.ºs M2... e M5... que identifica o imóvel em causa nos autos, e, bem assim, recibo referente à fatura FAC 021/43.
  14. O presente Pedido Arbitral tem por objeto a anulação da liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2021 e, bem assim, o indeferimento expresso do Recurso Hierárquico n.º ...2023... - cf. Documento n.º 1 junto aos autos.

 

 

2. Factos Não Provados

 

 

Não existem factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.

 

 

3. Fundamentação da Decisão da Matéria de Facto

 

Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pela Requerente enquanto autora (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P. Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artº. 123.º, n.º 2, do CPPT).

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P. Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos.

 

 

 

III.    Do Direito

 

 

Como referido, o dissídio em causa nos autos prende-se com o tema da dedutibilidade das despesas e encargos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRS, nomeadamente as despesas necessárias à alienação e aquisição de imóveis para efeitos do cálculo da mais-valia tributável em sede de IRS.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRS, “Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem: 
a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º
”.

 

No presente litígio, a AT referiu que a Requerente apresentou um recibo relativo ao pagamento de uma comissão imobiliária, sendo que esse recibo não identificava o imóvel objeto da transação, limitando-se a remeter para a fatura FAC 021/60, bem como que os contratos não se encontravam assinados por ambas as partes e muito embora dos mesmos constasse o n.º de contrato, o que se verifica é que quer das faturas quer dos recibos não consta nem a referência do contrato nem a identificação do imóvel em causa, constando apenas “comissão de mediação imobiliária” com o valor líquido de 10.000,00 Euros. Como tal, arguiu a AT que não se comprovou a efetividade da despesa de mediação imobiliária, no sentido de que não é possível retirar das faturas que dizem respeito ao imóvel em concreto. Pelo que entendeu que não poderia ser considerado qualquer montante a título de comissão imobiliária.

 

No que concerne a estas despesas é, de facto, entendimento da AT que são dedutíveis as despesas com mediação imobiliária eventualmente incorridas para efeitos da alienação do imóvel desde que devidamente comprovadas. A comprovação requerida deve para a AT contemplar o efetivo pagamento das despesas pelo proprietário do imóvel e, ainda, a conexão destas com o imóvel alienado / intervenção do mediador imobiliário na alienação do imóvel em causa[1].

 

Ora, parece resultar claro da disposição em causa que as despesas com mediação imobiliária devem ser tidas como despesas dedutíveis para efeitos de apuramento da mais-valia sujeita a tributação em sede de IRS, desde que cumpridos os requisitos acima determinados pela AT, sendo que a interpretação que esta Autoridade faz desta questão configura direito circulatório interno que a vincula, mas não necessariamente o contribuinte ou os tribunais.

 

Neste âmbito, chama-se à colação o processo 581/2020-T em que o CAAD se pronunciou no sentido de que “Um contrato de mediação imobiliária não documentado externamente - porque não reduzido a escrito -, pode, ainda assim, assumir relevo fiscal se o sujeito passivo provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade, quer da relação contratual, quer da operação, e o montante da despesa.” Com efeito, entendeu o Tribunal “[…] que a prova da existência do contrato de mediação imobiliária pode ser efectuada através de outros documentos, coadjuvados por qualquer outro meio de prova (por exemplo, testemunhas ou documentos auxiliares)”.

 

Ainda que nessa decisão arbitral, apesar do cerne da questão para a qualificação da despesa como dedutível, ser distinto do presente caso, é relevante assinalar que se admitia o recurso a outros meios para fazer prova do contrato de mediação imobiliária. No presente caso, a Requerente juntou as facturas 021/60 e 021/43, ambas no valor de € 10.000 emitidas pela agência imobiliária que efetivamente demonstram que foram prestados serviços de mediação imobiliária, e que apesar de não mencionarem o imóvel em questão, é de facto feita referência ao contrato de mediação imobiliária em que há lugar à identificação do imóvel, tendo igualmente junto recibo que comprova o seu pagamento.

 

Logo, para este Tribunal, resulta provado que foi efetivamente celebrado um primeiro contrato de mediação imobiliária e posteriormente um segundo contrato de mediação imobiliária que foram apresentados junto deste Tribunal, ficando provada a relação entre as faturas e os contratos em causa, consubstanciando a existência de despesas com mediação imobiliária.

 

No que concerne ao IMT enquanto despesa dedutível ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRS, trata-se a mesma claramente de uma despesa dedutível, no montante de € 2.194,28, o que aliás já havia sido reconhecido pela AT quando em 4 de agosto de 2023 revogou parcialmente o ato de liquidação de imposto na sequência da apreciação do pedido de pronúncia arbitral.

 

Termos em que a liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral deve ser anulada, devendo ser emitida uma nova liquidação de IRS que reflita os gastos não aceites e expressamente aqui impugnados e que procederam no juízo deste Tribunal.

           

No que concerne ao ponto 65.º e seguintes do pedido de pronúncia arbitral em que a Requerente efetuou como pedido alternativo/subsidiário a consideração do valor de € 56.005,00, respeitante ao proporcional das tornas pagas pela Requerente na divisão de coisa comum, ser acrescido no valor de aquisição do imóvel, cumpre referir o seguinte:

 

  1. A Requerente, ainda que não explicitamente, nas alegações finais aparenta desistir deste pedido, pois não faz qualquer menção ao mesmo;
  2. Ainda que tal não se tivesse verificado, não seria de conhecer deste pedido, na medida em que a procedência de um dos pedidos formulados em relação de subsidiariedade (qualquer um), afasta ou impede em absoluto a possibilidade de procedência de qualquer dos outros, pelo que, ficaria sempre prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário formulado pela Requerente perante a procedência do seu pedido principal.

 

 

Quanto ao pedido da restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios

 

Procedendo o pedido e tendo a Requerente pago o imposto que se veio a revelar indevido, teria esta direito a juros indemnizatórios.

 

 O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, cujo n.º 1 estabelece que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

Ora, tal situação corresponderia à do dissídio em causa caso a Requerente tivesse entregado todos os suportes documentais que lhe foram solicitados pela AT em sede do procedimento de gestão e análise de divergências, o que não ocorreu no presente caso. Como tal, não se pode considerar que haja um erro imputável aos serviços no sentido em que não dispunham de toda a informação necessária para decidir em conformidade.

 

IV.    Decisão

 

À face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:

  1. Anular a liquidação com o n.º 2023... e respetiva nota de acerto n.º 2023 ... referente ao período de tributação de 2021, no valor de € 45.203,12;
  2. Condenar a AT a proceder à emissão de uma nova liquidação de IRS que tenha em consideração os gastos expressamente impugnados no presente PPA;
  3. Não condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, pois a Requerente não entregou todos os suportes documentais que lhe foram solicitados pela AT;
  4.  em sede do procedimento de gestão e análise de divergências. Como tal, não se pode considerar que haja um erro imputável aos serviços no sentido em que não dispunham de toda a informação necessária para decidir em conformidade;
  5. Condenar a Requerida nas custas do processo, por ter dado azo à ação.

 

V.      Valor da Causa

 

 Fixa-se ao processo o valor de € 45.203,12, por ser aquele que corresponde ao valor da liquidação expressamente impugnada e respetiva nota de acerto cuja anulação se pretende, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, e do artigo 3.º, n, º 2, do RCPAT. 

No presente caso, a Requerente solicitou no seu PPA a anulação da liquidação n.º 2023... no montante de € 45.203,12. Como já tinha pago € 18.625,58 foi emitida a nota de acerto n.º 2023... no valor de € 26.577,54.

Este Tribunal considera que o valor da ação deve ser fixado em € 45.203,12, pois entende que o montante que deve relevar para definir o valor da mesma é o montante que corresponde à liquidação de IRS expressamente impugnada pela Requerente que pretende a sua anulação.

 

 

 

VI.       Custas

 

Custas no montante de € 2.142,00, a suportar pela Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de Abril de 2024.

 

 

A árbitra,

 

Sónia Martins Reis



[1][1] A este respeito, veja-se a Ficha Doutrinária de IRS, de 14 de julho de 2008, referente ao Processo n.º 12/2008.