SUMÁRIO
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A qualificação como residente para efeitos fiscais em Portugal é determinada pela correta subsunção nos critérios constantes do art.º 16.º do Código do IRS.
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Não existe qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país.
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O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, na presente hipótese o dever processual é da Requerente.
DECISÃO ARBITRAL
O Árbitro João Santos Pinto, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 06 de Julho de 2021, decide no seguinte:
1. Relatório
A..., contribuinte fiscal n.º ... (adiante designada por “Requerente”), residente na Rua ... n.º..., ..., ...-... Matosinhos, requereu a constituição de Tribunal Arbitral e apresentou pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado por “RJAT”), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada por “AT” ou “Requerida”).
A Requerente peticionou ao Tribunal Arbitral que declare a ilegalidade tendo em vista a anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2020... (relativa ao ano de 2016), no valor total de € 3.999,06 e consequentemente que seja restituído o montante indevidamente pago, que ascende a 1.892,77 ordenando-se ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
A Requerente alegou em síntese que viveu e trabalhou no Reino Unido desde 2014 a 2017. Sustenta que por se encontrar grávida se terá ausentado a 21 de Julho de 2015 para Portugal para ter o parto, com data prevista para 28 de Agosto de 2015, e que regressou de imediato ao Reino Unido. Por essa via defende que no ano de 2016 trabalhou e residiu no Reino Unido e que reuniu elementos probatórios suficientes para demonstrar a sua residência fiscal naquele país.
O requerimento de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 31 de Maio de 2023, tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD na mesma data e seguido a sua normal tramitação.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 14 de Julho de 2023, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 01 de Agosto de 2023.
No dia 02 de Agosto de 2023, foi a Requerida notificada para apresentar Resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT.
Em 21 de Setembro de 2023, a Requerida apresentou requerimento de suspensão da instância, por entender que os elementos solicitados às autoridades fiscais inglesas serem imprescindíveis para a análise do ato ora impugnado e para a descoberta da verdade material.
Em 25 de Setembro de 2023, o Tribunal Arbitral Singular proferiu Despacho Arbitral a notificar a Requerente tendo em vista assegurar o cumprimento do princípio do contraditório, para, no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciar sobre o aludido pedido de suspensão da instância.
Em 4 de Outubro de 2023, veio a Requerente em resposta defender o documento junto emitido pela Autoridade Fiscal do Reino Unido, coadjuvado com a documentação adicional prestada e principalmente os valores considerados oficiosamente pela AT no documento 2 - correspondente à demonstração de liquidação de IRS do exercício de 2016, colocado em crise nos presentes autos, é suficiente para permitir assegurar a composição fáctica das ações.
Em 4 de Dezembro de 2023, a Requerida apresentou Resposta.
Em 29 de Dezembro de 2023 veio a AT requerer a junção aos autos de resposta das autoridades fiscais inglesas com os elementos solicitados pela Direção de Serviços de Relações Internacionais.
Em 22 de Janeiro de 2023, o Tribunal Arbitral Singular proferiu Despacho Arbitral a notificar a Requerente tendo em vista assegurar o cumprimento do princípio do contraditório, para, no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciar sobre os documentos juntos pela AT, bem como nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do RJAT a prorrogar o prazo da arbitragem por 2 meses.
Em 26 de Fevereiro de 2024 veio a Requerente em resposta alegar que residiu no Reino Unido no período de 16.05.2016 a 02.08.2016 com amigas com quem partilhou as despesas de habitação, água, luz, alimentação e demais encargos, tendo junto para prova do alegado o Doc. n.º 1 e n.º 2. Na mesma sequência, procedeu à junção dos recibos de pagamento concernentes aos anos de 2015 e 2016, conforme Doc n.º 3 a 23, sustentando que apenas os apresentava naquele momento em virtude dos mesmos terem sido disponibilizados em momento posterior pela autoridade competente.
Em 1 de Abril de 2024 foi proferido despacho arbitral a dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental, tendo sido dispensada a produção de alegações escritas por estar em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta. Foi ainda nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do RJAT prorrogado o prazo da arbitragem por 2 meses atenta a complexidade da matéria e notificada a Requerente para efectuar o pagamento da taxa arbitral subsequente.
Em 15 de Abril de 2024 foi proferido despacho arbitral a renovar o conteúdo do despacho anteriormente, mormente a instar ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
Em 16 de Abril de 2024 veio a Requerente proceder a junção aos autos de comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente, tendo ainda junto um documento destinado a demonstrar a residência da requerente no Reino Unido alegando ter recebido recentemente.
2. Saneamento
O Tribunal Arbitral Singular é competente e foi regularmente constituído.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (cf. artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
3. Matéria de Facto
3.1. Factos Provados
Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, este Tribunal Arbitral Singular considera provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os seguintes factos:
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A Requerente exerce enfermagem como profissão.
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A Requerente, no período em que residiu no Reino Unido, trabalhou ininterruptamente num hospital de Manchester entre 2014 e Julho de 2015.
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No ano de 2015 a Requerente engravidou, tendo sido dado como data prevista do parto o dia 28 de Agosto de 2015.
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Em 19 de Maio de 2015 requereu baixa médica e licença de maternidade no local de trabalho pelo período de 39 semanas com o direito a receber 8 semanas com salário integral, 18 semanas com direito a metade do salário acrescido de subsídio de maternidade e 13 semanas de subsídio de maternidade sujeito a qualificação, o que foi concedido pela sua entidade patronal.
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Tendo-se deslocado a Portugal a 21 de Julho de 2015 para a realização do parto em território nacional.
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Regressou ao Reino Unido entre Junho e Agosto de 2016.
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A Requerente quanto ao ano de 2016 entregou na qualidade de residente a declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS submetida em 29 de Maio de 2017.
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Na referida declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2016, a requerente declarou rendimentos de atividade por conta própria exercida em território nacional no montante de € 8.766,22.
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Tendo declarado exercer como atividade principal a atividade de “SALÕES DE CABELEIREIRO” (CAE 96021), e como local do exercício de atividade o estabelecimento sito na R. Formosa, n.º 97, Porto.
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De acordo com a informação disponível na aplicação “Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes”, a requerente sempre teve a sua residência fiscal localizada em território nacional, devidamente comunicada à AT através do Cartão de Cidadão.
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No que se refere à permanência física em Portugal, consultada a informação disponível no sistema informático da AT, na aplicação “Obrigações Acessórias – Despesas para deduções IRS”, constatou-se que no ano de 2016, quer a requerente, quer a sua dependente, B... (NIF ...), incorreram em despesas gerais, despesas de saúde e, concretamente no caso da dependente, foram comunicadas despesas de educação pela entidade C... UNIPESSOAL LDA (NIPC ...), cujas atividades consistem em “ACTIVIDADES DE CUIDADOS PARA CRIANÇAS, SEM ALOJAMENTO” e “EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR” (cfr. anexos “Obrigações Acessórias - Despesas – B... .pdf”, “Obrigações Acessórias – Despesas Educação -B....pdf” e “Obrigações Acessórias - Despesas -A....pdf”), as quais foram, inscritas pela própria contribuinte no Anexo H da Declaração de Rendimentos Modelo 3 por si submetida em 29 de maio de 2017.
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No âmbito da troca automática de informação, nos termos do artigo 8.º da Diretiva 2011/16/EU do Conselho de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade (transposta para a ordem jurídica nacional através do Decreto-Lei 61/2013 de 10 de maio), a autoridade fiscal britânica comunicou à AT, que a Requerente, no ano de 2016, auferiu rendimentos de trabalho dependente de fonte britânica no montante de € 24.331,98.
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Uma vez que a requerente, no ano de 2016 constava como residente fiscal em Portugal, dada a falta de declaração dos rendimentos obtidos no estrangeiro por parte daquela, a AT, face à informação disponível, procedeu à elaboração de Documento Único de Correção (“DCU”), em conformidade com o disposto no artigo 65.º, n.º 4, do Código do IRS.
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O referido DCU foi elaborado em 27 de Novembro de 2020, e encontra-se registado sob o n.º ... - 2016 - ... – ..., tendo a declaração de rendimentos Modelo 3 passado a incluir adicionalmente o anexo J, com rendimentos de trabalho dependente obtidos no Reino Unido, no montante de € 24.331,98 e imposto pago no estrangeiro no valor de € 2.388,04, tal como foi comunicado à AT pela autoridade fiscal britânica.
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Tendo nessa sequência sido emitida a liquidação n.º 2020... no valor a pagar de € 3.990,06.
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Não se conformando com tais actos de liquidação, a Requerente apresentou nessa sequência reclamação graciosa.
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Tendo sido posteriormente notificada do despacho de indeferimento da mesma Reclamação Graciosa com o n.º de processo ...2021..., de cujo indeferimento apresenta o presente PPA.
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Porque a requerente exibiu alguns documentos que indiciavam conexão territorial com o Reino Unido, foi desencadeado pela AT o mecanismo de troca de informação com a Autoridade Fiscal Britânica, no sentido de confirmar se aquela havia sido residente fiscal no Reino Unido no ano de 2016, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 4.º da CDT Portugal-Reino Unido, e aí sujeita a imposto pela universalidade dos seus rendimentos.
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Em 04 de Outubro de 2023 foi rececionada resposta da Autoridade Fiscal Britânica, tendo sido informado que: “As informações de que dispomos são insuficientes para me permitir dar uma resposta completa, mas parece que a cliente pode não ter sido residente no Reino Unido durante o período solicitado. Nos documentos que temos em nossa posse, ela declarou que chegou ao Reino Unido em 28/03/14 e saiu em 28/07/15 para ir para Portugal em licença de maternidade, com a intenção planeada de voltar a trabalhar no Reino Unido em 16/05/16. No entanto, o seu P85 indica que deixou o Reino Unido em 02/08/16, mas não sei se regressou ao Reino Unido depois de 28/07/15 e, em caso afirmativo, quando. É da responsabilidade do cliente auto-avaliar o seu estatuto de residência fiscal ao abrigo do nosso teste de residência legal, mas ela não esteve no Reino Unido durante 183 dias em 2016/17 ou (aparentemente) em 2015/16, pelo que não seria residente fiscal no Reino Unido ao abrigo do primeiro teste automático do Reino Unido. Preciso que a cliente forneça pormenores sobre qual dos testes do SRT considera que a torna residente fiscal no Reino Unido em 2015/16 e 2016/17 e confirme a(s) data(s) em que regressou e saiu do Reino Unido depois de 28/07/15 para que eu possa fornecer à autoridade fiscal portuguesa a nossa opinião sobre o seu estatuto de residência. Os nossos registos só têm uma morada portuguesa registada depois de 02/12/15, pelo que ela não parece ter tido uma residência permanente disponível no Reino Unido no período de 01/01/16 a 31/12/16 para ser tida em conta ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 4. O único rendimento de que temos conhecimento é um rendimento de trabalho ao qual se aplicariam as disposições do artigo 15.” [1]
3.2. Factos Não Provados
Com base nos elementos documentais disponibilizados nos autos e consensualmente aceites pelas partes, verifica-se que, com interesse para a decisão da causa, não ficou provado que:
No ano de 2016 a Requerente tenha residido e trabalhado no Reino Unido, com excepção do período que mediou entre Junho e Agosto.
3.3. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Os restantes factos resultam da livre apreciação da prova pelo tribunal, de acordo com um critério de normalidade e tendo em conta a experiência comum das coisas.
A factualidade julgada não provada ficou a dever esse juízo negativo, quanto à sua ocorrência, à absoluta falta de prova sobre ela.
No que concerne a permanência da Requerente no Reino Unido quanto ao ano de 2016 é convicção deste Tribunal que a mesma permaneceu apenas nos meses mencionados supra e não pela totalidade do ano.
Vejamos:
Resulta do doc n.º 11 junto com a PI que foi a própria requerente que solicitou em 19 de Maio de 2015 a concessão de baixa médica e licença de maternidade pelo período de 39 semanas com o direito a receber 8 semanas com salário integral, 18 semanas com direito a metade do salário acrescido de subsídio de maternidade e 13 semanas de subsídio de maternidade sujeito a qualificação:
Consta ainda que a Requerente assumiu a obrigação de retornar ao trabalho após a licença de maternidade por um período mínimo de 3 meses:
Tenciono regressar ao trabalho durante um período mínimo de 3 meses após o termo da licença de maternidade/adoção. Compreendo que, nos casos em que pago atualmente contribuições para o regime de pensões do NHS, as contribuições acumuladas serão deduzidas do meu salário no meu regresso ao trabalho durante um período igual ao período de licença sem vencimento. Aceito que, se não regressar ao trabalho, terei de reembolsar qualquer subsídio de maternidade/adoção recebido do Fundo.
(I intend to return to work for a minimum of 3 months after the expiry of maternity / adoption leave. I understand that where I currently pay contributions into the NHS pension scheme, the accrued contributions will be deducted from my pay on my return to work over a period of equal to my period of unpaid leave. I accept if I fail to return to work that I will repay any occupational maternity / adoption pay received from the Trust.)
Tendo indicado no mesmo documento que se comprometia a não regressar ao trabalho posteriormente a 16 de Maio de 2016.
E, por seu turno, são as próprias autoridades do Reino Unido que, quanto ao ano de 2016, afirmam não ser conclusivo que a Requerente tenha sido residente fiscal no que concerne o 1º teste de residência fiscal a que se refere à permanência por mais de 183 dias.
E ainda que se pudesse admitir que a Requerente pudesse ter permanecido em casa de amigas e dividindo despesas, tal como veio posteriormente alegar, a mesma não demonstrou à saciedade a sua viagem de regresso ao território Britânico, o que teria sido particularmente fácil pela junção dos comprovativos de viagens, nomeadamente pela exibição dos respectivos bilhetes de avião. O que não o fez. Apenas juntou duas declarações em 26/02/2024 e 16/04/2024 de um terceiro alegadamente a residir no Reino Unido com quem teria partilhado casa, o que manifestamente não comprova a sua estadia naquele país.
No que tange o ano de 2016 a única documentação relevante são os respectivos recibos de vencimento - o que poderia hipoteticamente provar a permanência da Requerente no Reino Unido, tanto mais que o exercício das funções de enfermeira pressupõe, pela sua inerência, o exercício da actividade de enfermagem in loco, ou seja, no hospital em Manchester.
Contudo, compulsados os recibos de vencimento de Janeiro a Abril de 2016 (Docs 14 a 17 da PI), na parte referente às remunerações e subsídios (pay and allowances), as únicas verbas que constam são OMP e SMP entre Janeiro e Março e SMP em Abril.
Resulta da página 4/18 manual do sistema de previdência Britânico NHR https://www.nhsemployers.org/system/files/2023-08/Maternity-guidance-2022.pdf que OMP se trata de Occupational Maternity Pay e SMP o Statutory Maternity Pay.
Quanto a Abril de 2016 consta - Basic Pay e SMP.
O que claramente demonstra que a Requerente se encontrava de baixa de maternidade (estas mesmas rúbricas, aliás, também são as únicas constantes nos recibos de vencimento de Setembro a Dezembro de 2015, conforme consta dos Docs n.º 15, 16, 22 e 23 do requerimento datado de 26 de Fevereiro de 2024), o que contrasta aliás com os recibos de Junho a Agosto de 2016 em todos coincidentes, de onde resulta que a Requerente nesse período esteve a trabalhar no hospital em Manchester - veja-se inclusivamente os pagamentos adicionais por trabalho em feriado, no turno da noite e ao fim de semana (Bank Holiday ENH, Night Duty EN, Saturday EN, Sunday EN):
Sendo que do recibo de Setembro de 2016 na secção vencimento e subsídios, apenas apresenta uma rúbrica AfC Absence referente a Remuneração média das férias anuais (Average Pay for annual leave) https://peoplefirst.nhsbt.nhs.uk/NHSBT-DOCUMENT-LIBRARY/PayBenefitsandPensions/Guidance-EASY-Payslip.pdf
Não tendo sido junto pela Requerente quaisquer outros recibos de vencimento posteriores a Setembro de 2016. O que parece inculcar a ideia de que a Requerente terá apenas regressado ao Reino Unido para cumprir com o período mínimo de 3 meses após baixa por maternidade -Junho, Julho e Agosto de 2016, para não ser obrigada à devolução do mesmo subsídio.
Por esta via, e dado que apenas está em discussão a residência fiscal em duas jurisdições - Reino Unido e Portugal, a Requerente ao não comprovar a permanência num país terá que se forçosamente presumir que permaneceu no outro. Pelo que, da prova constante nos autos resulta que apenas esteve no Reino Unido 3 meses e o remanescente em Portugal.
4. Matéria de Direito
O objecto do presente pedido arbitral que cumpre analisar e decidir é se a Requerente foi residente fiscal no Reino Unido em 2016 e, por essa via, não residente fiscal em Portugal.
A questão assume particular importância, porquanto nos termos do artigo 15.º do CIRS, para as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território (n.º 1), e tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português (n.º 2).
Está assim em causa saber se os rendimentos de fonte britânica foram correctamente tributados pela AT em Portugal.
Por seu turno, o n.º 1 e n.º 2 do artigo 16.º do CIRS estipulam que:
1. São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.
Centremo-nos na análise das alíneas a) e b) supra referidas, porquanto as alíneas c) e d) não são aplicáveis ao caso em discussão.
Quanto ao critério da alínea a) é pacífico na doutrina e na jurisprudência que o respectivo pressuposto se cinge à presença física (corpus) no território nacional em que o Requerente teria de ter permanecido mais de 183 dias. Veja-se a título meramente exemplificativo as Decisões arbitrais prolatadas no Processo n. 332/2016-T e 63/2022-T, ambas do CAAD.
Dado que a Requerente se ausentou do Reino Unido a 21/07/2015 e terá regressado a este país em Junho de 2016, de acordo com a matéria dada como provada, do período de 12 meses que medeia entre 21/07/2015 a 20/07/2016, dúvidas não restam que permaneceu mais de 183 dias no território nacional. O mesmo inclusivamente sucedendo se apenas se tivesse em conta o ano de 2016, totalizando 274 dias em Portugal e apenas 91 dias no Reino Unido.
Assim, significa que a Requerente permaneceu no território Português mais de 183 dias no que tange ao ano de 2016. Pelo que, foi residente fiscal em Portugal nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS.
Deste modo fica precludida a análise da subsunção dos factos sub judice à alínea b) da norma supra referida.
Acresce que, no que concerne à hipotética residência fiscal da Requerente no Reino Unido vem a AT alegar que de acordo com informação prestada pela autoridade fiscal britânica no ano transato, o documento apto a certificar a residência fiscal no Reino Unido é o certificado de residência fiscal emitido nos termos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido, pois é o documento que demonstra a sujeição plena a imposto sobre o rendimento naquele Estado.
Antes de mais, cumpre assinalar que inexiste qualquer norma legal, mormente no CIRS, que limite os meios de prova de que o contribuinte se pode socorrer para comprovar a sua residência fiscal. Neste mesmo sentido já se pronunciou o CAAD, nas decisões proferidas no âmbito 101/2023-T e 155/2022-T.
Não resulta, igualmente do ADT que o Requerente só através de um certificado de residência fiscal poderia provar a sua residência fiscal no Reino Unido, dada a remissão para a Lei interna quanto à definição de residente prévia à aplicação do ADT.
Dito de outro modo, nada impede que um contribuinte possa provar a sua residência fiscal num determinado país para efeitos do n.º 1 do artigo 4.º do ADT Portugal/Reino Unido, através de outros meios de prova para além de um certificado de residência fiscal.
E a prova da residência fiscal é decisiva neste ponto, dado que a aplicação das regras de desempate (tie-breaker rule) nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do mesmo convénio e em linha com a Convenção Modelo OCDE, apenas tem aplicação se a pessoa em causa for considerada residente fiscal de acordo com legislação interna de cada um dos Estados Contratantes.
In casu, o próprio Reino Unido não considerou a Requerente residente fiscal em 2016. Acresce ainda que, também a Requerente não ofereceu nenhum meio de prova credível, que pudesse ter atestado a sua residência no território Britânico no ano de 2016. Pelo que, não se verifica nenhum conflito de dupla residência fiscal que tenha de ser dirimido à luz das regras convencionais.
Ora se no caso vertente, a Requerente ao invocar que trabalhou e residiu no Reino Unido com vista a ser determinada a sua residência fiscal, cabe-lhe provar a ocorrência dos factos em que assenta esse direito, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, prova que não foi efetuada na presente acção arbitral. Destarte, verifica-se que a Requerente foi residente fiscal em Portugal no ano de 2016.
Pelo exposto, tem de improceder o peticionado pela Requerente.
5. Decisão
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar improcedente o pedido arbitral, dele se absolvendo a Requerida;
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condenar a Requerente nas custas processuais.
6. Valor do processo
Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 3.999,86.
7. Custas arbitrais
Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em € 612,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4, e 13.º, n.º 1, ambos do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 19 de Abril de 2024
O Árbitro,
João Santos Pinto
[1] “The information we hold is insufficient for me to give a full reply but it appears that customer may not have been UK resident during the period requested. On documents we hold UK on 16/05/16. However, her P85 states she left the UK on 02/08/16 but I do not know whether she returned to the UK after 28/07/15 and, if so, when. It is the responsibility of the customer to self assess her tax residence status under our Statutory Residence Test but she was not in the UK for 183 days in 2016/17 or (apparently) 2015/16 so would not be UK tax resident under the first automatic UK test. I would need customer to provide details of which of the tests in the SRT she considers make her UK tax resident for 2015/16 and 2016/17 and confirm the date(s) she returned to and left the UK after 28/07/15 for me to be able to provide the Portuguese tax authority with our view of her residence status. Our records only have a Portuguese address noted after 02/12/15 so she does not appear to have had a permanent home available in the UK in the period 01/01/16 to 31/12/16 to be taken into account under Article 4(2)(a) of the DTC. The only income of which we are aware is employment income to which the provisions of Article 15 of the DTC would apply.”