Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 363/2023-T
Data da decisão: 2024-04-02   Outros 
Valor do pedido: € 102.256,48
Tema: ISP – Contribuição do Serviço Rodoviário – Prova da Repercussão
Versão em PDF

SUMÁRIO:

I – A CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.

II – Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CSR e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP.

III – Acresce que faturas apresentadas pela Requerente ao conterem uma parcela com a designação “Desconto”, sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, contribuem para a falta de rigor e criam a dúvida sobre a própria presunção da repercussão da CSR, na falta, ainda, de elementos que permitam esclarecer os termos da referida relação contratual e tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito desses operações comerciais relativas ao fornecimento de combustíveis pelo SP à Requerente.

IV – Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.

V – A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Cristina Aragão Seia e Raquel Franco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede em ..., ...-... ... (doravante, «Requerente») vem, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de promoção de revisão oficiosa apresentado em 30 de novembro de 2022, junto da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, relativo às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário («CSR») praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas Declarações de Introdução no Consumo («DIC») submetidas pela sociedade B..., S.A. (doravante designada, igualmente, por «fornecedora de combustíveis») e, bem assim, relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário àquela adquirido pela Requerente no período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, apresentar, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º-A, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária («RJAT») pedido de Pronúncia Arbitral sobre os referidos atos de liquidação de CSR e sobre os consequentes atos de repercussão.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 22 de maio de 2023.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 11 de julho de 2023, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O TAC encontra-se, desde 31 de julho de 2023, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Conforme despacho do Presidente do Conselho Deontológico de 26 de setembro de 2023, a Prof.a Doutora Eva Dias da Costa, árbitra-adjunta do tribunal arbitral coletivo constituído neste processo, veio renunciar às funções arbitrais invocando para tanto razões que são de considerar como justificativas. Consequentemente, nos termos e ao abrigo do disposto do Regulamento de Seleção e Designação de Árbitros em Matéria Tributária (artigo 6.º, n.º 5) determina-se a substituição, como árbitro-adjunto no presente processo, da Exma. Prof.a Doutora Eva Dias da Costa pela Exma. Dra. Raquel Franco.

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 26 de setembro de 2023.

Por despacho de 17 de novembro de 2023, o TAC proferiu o seguinte despacho:

“1. Notifique-se a Requerente para exercer o direito de resposta quanto à matéria da exceção invocada pela Requerida.

2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a prova produzida é meramente documental.

3. Por outro lado, notifica-se as partes para, querendo, produzirem alegações, no prazo de 15 dias, em simultâneo, a começar a contar depois de decorrido o prazo para direito de resposta às exceções, podendo depois o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.

5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

 

A Requerente apresentou Réplica, com a resposta às exceções e ambas as partes apresentaram Alegações escritas.

Houve dois adiamentos, datados respetivamente de 30 de janeiro de 2024 e de 26 de março de 2024.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1.  A ora Requerente é uma sociedade de direito português que resultou da concretização de dois processos de fusão, a saber: i) em 2019, através da fusão da C..., S.A. e da D..., S.A. que deu origem à A..., S.A.; e ii) em 2020, através da fusão do E..., S.A. na A... S.A.
  2. A B..., S.A., entrega ao Estado, enquanto sujeito passivo da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos («ISP») e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquelas submetidas.
  3. No âmbito da sua atividade, a Requerente (propriamente dita e as sociedades objeto da referida fusão) adquiriu àquela fornecedora de combustíveis, no período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, 921.229,56 litros de gasóleo rodoviário (Docs. 1 e 2).
  4. A mencionada fornecedora de combustíveis repercutiu nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente este imposto (Docs. 1 e 2).
  5. Com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou, assim, a título de CSR, a quantia global de € 102.256,48 (Docs. 1 e 2).
  6. Nesta sequência, a Requerente deduziu, no passado dia 30 de novembro de 2022, junto da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, um pedido de promoção de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR e dos consequentes atos de repercussão consubstanciados nas faturas emitidas pela fornecedora de combustível, referentes ao gasóleo rodoviário àquela adquirido pela Requerente no mencionado período de novembro de 2018 a outubro de 2022 (Doc. 3).
  7. Porém, sobre o referido pedido de promoção de revisão oficiosa não recaiu, até à presente data, qualquer decisão (cf. procedimento administrativo).
  8. Não tendo a Requerente sido notificada, até à presente data, de qualquer decisão referente ao mencionado pedido de promoção de revisão oficiosa — e tendo, em consequência, se verificado a presunção de indeferimento tácito da sua pretensão —, vem a mesma apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade dos mencionados atos tributários.
  9. Encontrando-se verificada a antinomia entre a CSR e o regime geral dos impostos especiais de consumo vertido na Diretiva 2008/118 — e, nessa medida, a ilegalidade abstrata dos atos tributários aqui em causa — resta, então, demonstrar a existência da obrigação que recai(u) sobre a Administração Tributária e Aduaneira de desaplicar as normas de fonte interna que instituíram a CSR com fundamento na apontada desconformidade com o direito da União Europeia.
  10. Nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa («CRP»), «as disposições dos tratados que regem a União Europeia [entenda-se: o direito originário] e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências [i.e., direito derivado], são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático» (os destacados são da Requerente).
  11. Assim, do transcrito artigo 8°, n.º 4, da CRP extrai-se, a par do reconhecimento do primado do direito da União Europeia sobre o direito nacional e da imunidade do mesmo face ao controlo da constitucionalidade das normas pelo Tribunal Constitucional, o dever dos serviços do Estado de «afastar as normas de direito ordinário internas pré-existentes que sejam incompatíveis com o direito da UE e [de] tornar invalidas ou, pelo menos ineficazes e inaplicáveis, as normas subsequentes que o contrariem» (Gomes Canotilho e de Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, volume I, 4.ª ed. Revista, Coimbra Ed., p.p. 264 a 273).
  12. De igual modo, atenta a fórmula do princípio da prevalência na aplicação (primado) do direito da União Europeia, constante do acórdão Costa c. Enel, verifica-se que, de acordo com o TJUE, «a atribuição à Comunidade, pelos Estados membros, de direitos e poderes através das disposições do Tratado, origina, de facto, uma limitação definitiva dos seus direitos soberanos, contra a qual não poderá prevalecer a invocação de disposições de direito interno, qualquer que seja a sua natureza», devendo o direito nacional — independentemente da respetiva dignidade interna  (com ressalva, naturalmente, da violação do princípio do Estado de direito democrático) — ceder, por este motivo, perante o direito da União Europeia.
  13. É o que se retira, com efeito, de um conjunto impressivo de sucessivos Acórdãos em que o TJUE, além de reafirmar o princípio da plena eficácia do direito da União Europeia, sustentou ― rectius, tem sustentado — que as autoridades nacionais devem assegurar a plena eficácia do direito da União Europeia.
  14. De resto, repare-se que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, as autoridades nacionais vinculadas, nos termos referidos, a assegurar a plena eficácia do direito da União Europeia, e, correlativamente, a primazia ou prevalência na sua aplicação, compreendem, não somente os tribunais, mas, inclusivamente, a própria Administração, já que, se «os particulares têm o direito de invocar as disposições de uma directiva nos tribunais nacionais é porque os deveres que delas decorrem se impõem a todas as autoridades dos Estados-membros» (cf. Acórdão de 22 de Junho de 1989, Costanzo, Proc. 103/88, n.º 30).
  15. «Seria, por outro lado contraditório entender que os particulares têm o direito de invocar perante os tribunais nacionais as disposições de uma directiva que preencham as condições acima referidas, com o objectivo de fazer condenar a administração e, no entanto, entender que esta não tem o dever de aplicar aquela disposição afastando as de direito nacional que as contrariem (...) [pelo que] tal como o juiz nacional, a administração, incluindo a comunal, tem o dever de aplicar as disposições [juscomunitárias](...), não aplicando as de direito nacional que com elas não estejam em conformidade». (cf. Acórdão de 22 de Junho de 1989, Costanzo, Proc. 103/88, n.º 31) (os destacados são da Requerente).
  16. Por conseguinte, considerando que «a obrigação, resultante de uma directiva, de os Estados-membros atingirem o resultado nela previsto e a sua obrigação, por força do artigo 4°, n.º 3, TFUE, de tomarem todas as medidas gerais ou especiais adequadas para assegurar o cumprimento dessas obrigação [se] impõem a todas as autoridades dos Estados-membros (...), não sendo possível efectuar uma interpretação e uma aplicação da regulamentação nacional conforme com as exigências do direito da União, os tribunais nacionais e os órgãos da Administração têm o dever de aplicar integralmente o direito da União e de proteger os direitos que este confere aos particulares, deixando de aplicar, se necessário, qualquer disposição contrária de direito interno (...)» (cf. Acórdão do TJUE de 25 de Novembro de 2010, Gunter Fub contra Stadt Halle, Proc. C-429/09; Vide, no mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos do TJUE de 16 de Dezembro de 2010, Seydaland, Proc. C-239/09, de 22 de Dezembro de 2010, Gavieiro, Procs. C-444/09 e C-456/09, de 14 de Outubro de 2010, FuB, Proc. C-243/09, de 9 de Setembro de 2003, CIF, Proc. C-198/01, de 29 de Abril de 1999, CIOLA, Proc. C-224/97, de 7 de Setembro de 2006, Vassallo, Proc. C-180/04, de 14 de Junho de 2007, Medipac- Kazantzidis AE, Proc. C-6/05, e de 12 de Janeiro de 2010, Petersen, Proc. C-341/81) (os destacados são da Requerente).
  17. Noutra formulação, o princípio da legalidade — que conformado pelo da prevalência na aplicação (primado) do direito da União Europeia, vincula todos os serviços do Estado (incluindo, portanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira)  em toda a sua interação com o particular, constituindo o primeiro parâmetro de aferição da legalidade dos atos administrativos — em conjugação com o princípio da cooperação leal dos Estados-membros com as instituições europeias, impõe que todos os serviços do Estado se encontram vinculados a desaplicar as normas de fonte interna com fundamento na sua desconformidade com as normas europeias, evitando assim a consequente ilegalidade abstrata dos putativos atos de aplicação.
  18. Concluindo-se, forçoso é reconhecer, portanto, com substancial e decisivo apoio na jurisprudência do TJUE, que todos os órgãos dos Estados-Membros, incluindo a Administração pública, estão vinculados ao dever de garantir o cumprimento das obrigações decorrentes do ordenamento europeu, desaplicando, se necessário, as nomas de fonte interna que com aquele se encontrem desconformes.
  19. Isto visto, é, pois, indubitável que a Administração Tributária Aduaneira se encontra(va), em face da identificada antinomia entre as normas dispostas na Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto e a Diretiva 2008/118, vinculada a desaplicar as primeiras com fundamento na sua desconformidade com a segunda.
  20. Paralela e convergentemente, verificada a referida a obrigação de desaplicação das identificadas normas internas por desconformidade com o direito da União Europeia, impõe-se, igualmente, concluir pela existência de erro imputável aos serviços, designadamente para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária («LGT»).
  21. Com efeito, o erro imputável aos serviços — enquanto fundamento da revisão oficiosa prevista na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT — recorta-se em torno de uma errónea cristalização, no ato praticado, não só das circunstâncias de facto que o mesmo pressupõe (erro de facto) mas igualmente da efetiva aplicabilidade das disposições normativas invocadas (erro de direito).
  22. Deste modo, «não há que fazer qualquer tipo de distinção entre as razões que levaram a tal erro. Não há assim que curar de saber se estamos perante um erro em sentido estrito, resultante de uma deficiência técnica dos próprios serviços de liquidação, ou, pelo contrário, se estamos perante um erro em sentido lato, resultante de vício de violação de lei, sendo que então a liquidação está correcta de acordo com a lei, mas esta sofre, por exemplo, do vício de inconstitucionalidade, ou do vício de violação de lei comunitária» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de dezembro de 2001, Proc. 026487).
  23. Assim, como o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo, repetidamente, a afirmar «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de dezembro de 2001, Proc. 26.233) (os destacados são da Requerente).
  24. Em suma, como vem observado pelo Supremo Tribunal Administrativo — no que é acompanhado, conforme referido, pela jurisprudência do TJUE —, a Administração Tributária e Aduaneira está vinculada a desaplicar as normas nacionais que sejam, como no caso sob apreciação, desconformes com as normas do direito da União Europeia, constituindo as atuações opostas — as de não desaplicação de normas nacionais desconformes — situações de erro imputável aos serviços, passíveis, em face do assinalado incumprimento do referido poder-dever de desaplicação, de fundamentar o recurso ao procedimento de revisão oficiosa de atos tributários previsto no artigo 78.º da LGT, com o consequente dever de revogação, por parte do seu autor, dos atos tributários inquinados por esse vício.
  25. Sobre o dever de anulação dos atos tributários objeto do presente processo arbitral e do consequente direito da Requerente ao reembolso dos montantes pagos a título de CSR
  26. Como demonstrado: i) subsiste uma antinomia entre as normas que instituíram a CSR e o regime geral dos impostos especiais de consumo vertido na Diretiva 2008/118; ii) os atos praticados ao abrigo das referidas normas internas padecem, assim, do vício de ilegalidade abstrata; iii) a Administração Tributária e Aduaneira estava obrigada a desaplicar as referidas normas internas com fundamento na apontada desconformidade com o direito da União Europeia, por forma a evitar a consequente ilegalidade abstrata dos putativos atos de aplicação; iv) o erro (ilegalidade) ínsito nos atos tributários sub judice é imputável aos serviços, designadamente para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
  27. Neste contexto, impunha-se à Administração Tributária e Aduaneira determinar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa que antecede, a anulação dos atos tributários sub judice e, pelos mesmos motivos, proceder ao reembolso das quantias indevidamente suportadas pela Requerente a título de CSR.
  28. Não o tendo feito, a Administração Tributária e Aduaneira manteve na ordem jurídica atos tributários que são ilegais, razão pela qual se impõe — agora, em sede de contencioso arbitral — ao presente tribunal proceder à anulação dos mesmos.
  29. Em face de todo o exposto, devem, pois, os atos tributários objeto do presente processo arbitral ser anulados e, em consequência, devolvidas à Requerente as quantias pela mesma suportadas a título de CSR, no montante global de € 102.256,48.
  30. Como se extrai da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, em caso de revisão oficiosa, apenas serão devidos, em princípio, juros indemnizatórios depois decorrido um ano da apresentação do respetivo pedido.
  31. Sucede, porém, que, com o declarado objetivo de alterar «a Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, clarificando, com natureza retroativa, o dever das entidades públicas de pagar juros indemnizatórios pelo pagamento de prestações tributárias que sejam indevidos por a sua cobrança se ter fundado em normas declaradas judicialmente como inconstitucionais ou ilegais» (cf. artigo 1.º da Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro), o legislador aditou uma nova alínea [a alínea d)] ao n.º 3 do artigo 43.º, da LGT, através da qual investiu os contribuintes no direito ao recebimento de juros indemnizatórios a contar da data de pagamento indevido «Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução».
  32. Deste contexto, resulta, singela e linearmente, que as alterações promovidas através da Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, visaram assegurar o ressarcimento dos contribuintes pelos danos decorrentes da denominada ilegalidade abstrata dos respetivos atos de liquidação, ou seja, pelo dano causado pelo pagamento (indevido) de prestações tributárias cuja ilegalidade seja reveladora de um acentuado grau de censura imputável à atuação do Estado, como é manifestamente o caso daquelas que são liquidadas ao abrigo de normas judicialmente declaradas inconstitucionais ou ilegais.
  33. Em qualquer das hipóteses prefiguradas pela aditada alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT — de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de norma legislativa ou regulamentar —, estar-se-á «perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstrata ou absoluta da liquidação, que se distingue da ilegalidade em concreto por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do ato tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstrata a ilegalidade não reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o ato foi praticado» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de março de 2019,  Proc. 0558/15.0BEMDL).
  34. Transpondo a análise para o caso vertente, impõe-se começar por recordar, uma vez mais, que, nos casos em que seja identificada a subsistência de uma desconformidade entre determinada norma de direito interno e o direito da União Europeia, impor-se-á considerar a norma de direito interno ilegal, por violação de norma de parâmetro hierárquico superior (i.e., por violação do direito da União Europeia), e, em consequência, anular os atos praticados ao seu abrigo, por padecerem do — consequente — vício de ilegalidade abstrata.
  35. Perante o que antecede, verifica-se que uma decisão judicial que reconheça uma desconformidade entre uma norma de direito interno e o direito da União Europeia (julgando esta primeira norma ilegal e determinando a anulação dos atos de liquidação praticados ao seu abrigo por padecerem do vício de ilegalidade abstrata, com a consequente restituição do imposto pago ao seu abrigo), consubstanciará, ipso facto, uma «decisão judicial (…) que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução», nos termos prefigurados na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
  36. A ilegalidade normativa referida na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, compreende, portanto, as decisões judiciais (e, portanto, as decisões proferidas pelos tribunais arbitrais em matéria tributária) que declarem a desconformidade entre determinada norma interna e o direito da União Europeia, e que, consequentemente, promovam a anulação dos atos de liquidação praticados ao seu abrigo, com o inerente reembolso dos valores indevidamente pagos, a esse título, pelo contribuinte.
  37. Em suma, conclui-se, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, que tanto o objetivo prosseguido pelo legislador com o aditamento da alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da LGT (de assegurar o ressarcimento dos danos sofridos pelos contribuintes nos casos de ilegalidade abstrata dos respetivos atos de liquidação), como a hipótese abstratamente contida naquele preceito legal, integram todas as situações compreensíveis no âmbito da denominada legalidade abstrata dos atos de liquidação, incluindo, assim, as que, com fundamento na desconformidade entre as normas de direito interno e o direito da União Europeia, como tal sejam declaradas e julgadas.

 

Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

 

POR EXCEÇÃO E DA INTERVENÇÂO PRINCIPAL PROVOCADA

 

 

Ineptidão da Petição inicial – Da falta de objeto

 

  1. A ineptidão da petição inicial, ocorre quando esta contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, determinando a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.
  2. O presente pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido.
  3. Conforme dispõe expressamente o n. 2 do artigo 10.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro: 

“O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:

a) A identificação do sujeito passivo, incluindo o número de identificação fiscal, e do serviço periférico local do domicílio ou sede do sujeito identificado em primeiro lugar no pedido;

b) A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;

(…)”

  1. A identificação do(s) ato(s) tributário(s) objeto do pedido de pronúncia arbitral é condição essencial para a aceitação do pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária, sendo que, aceite o pedido sem a identificação do ato ou atos tributários cuja ilegalidade a Requerente pretende ver sindicada, não pode o tribunal apreciá-lo.
  2. Ora, no caso sub judice, analisado, quer o pedido arbitral, quer a documentação a ele anexa, em lado algum se encontra identificado qualquer ato tributário.
  3. A Requerente suscita a “ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no decurso do período compreendido entre  novembro de 2018 e outubro de 2022, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustíveis”, limitando-se, todavia, a identificar faturas de aquisição de combustíveis ao seu fornecedor, mas não identifica qualquer ato tributário.
  4. Ainda segundo a Requerente, o seu fornecedor, a B... S.A., terá sido o operador económico que procedeu à introdução no consumo de produtos petrolíferos, isto é, o sujeito passivo de ISP/CSR, mas não identifica as “liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustíveis”.
  5. E tal identificação não é feita pela Requerente, nem é possível à AT suprir tal omissão, dada à impossibilidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência entre os atos de liquidação praticados a montante pelo seu fornecedor, o sujeito passivo de ISP/CSR, e as faturas de compra identificadas pela Requerente.
  6. Ou seja, esta situação de ineptidão inicial (no caso, do pedido arbitral) não é passível de superação através de atuações processuais, como seja a recolha de elementos por parte da AT.
  7. É que, sem a identificação, por parte da Requerente, do ato ou atos tributários, cuja legalidade pretende ver sindicada, e não sendo possível à AT, como se demonstrará adiante, identificar o ato ou atos de liquidação em crise, o dirigente máximo da AT não pôde exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT, antes da constituição do tribunal arbitral, questão que, aliás, a AT suscitou liminarmente no requerimento remetido ao Sr. Presidente do CAAD, em 06/06/2023.
  8.  Em resposta, na mesma data foi proferido despacho pelo Sr. Presidente do CAAD no sentido de o requerimento da AT ser enviado para o Tribunal Arbitral a constituir, “por ser esse o órgão competente para a sua apreciação”, e, constituído o mesmo em 31/07/2023, foi proferido despacho nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, para apresentação de resposta.
  9. Ora, passa-se que através das faturas apresentadas pela ora Requerente não é possível determinar a ligação entre as mesmas e qualquer liquidação ou liquidações concretas. Há uma absoluta falta de correspondência entre as quantidades de combustíveis declaradas para introdução no consumo pelo sujeito passivo de imposto (ISP/CSR) e as correspondentes liquidações, referentes ao período das faturas de aquisição à B... S.A. indicadas pela Requerente, que não permitem à AT identificar, os atos de liquidação em crise.
  10. Quanto à impossibilidade de identificação dos atos de liquidação salientam-se, considerando o regime legal aplicável aos impostos especiais sobre o consumo e, em especial ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e à Contribuição para o Serviço Rodoviário (CSR), à data dos factos (novembro de 2018 e outubro de 2022), as seguintes considerações:

-     Conforme dispõe o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do ISP. Na tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é aplicada uma taxa de ISP, a que acresce o montante legalmente estabelecido a título de CSR;

-     O facto gerador do ISP é a introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto, cf. artigos 7.º e 9.º do CIEC, resultando do artigo 8.º do CIEC que o imposto é exigível no momento da introdução no consumo;

-     Os sujeitos passivos de ISP/CSR são os operadores económicos identificados no artigo 4.º do CIEC;

-     A Introdução no consumo é formalizada através das Declarações de Introdução no Consumo (DIC), as quais são processadas por transmissão eletrónica de dados (e-DIC), cf. artigo 10.º do CIEC;

-     A DIC é uma declaração de introdução no consumo, que contem todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, ou seja, é o documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo bem como a liquidação do imposto correspondente;

-     As introduções no consumo efetuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática, cf. artigo 10.º-A do CIEC;

-     Neste caso, os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto, até ao dia 15 do mês da globalização e o imposto deve ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação, cf. artigos 11.º e 12.º do CIEC.

  • Assim, e no que se refere aos combustíveis, as companhias petrolíferas que se apresentam perante a AT como sujeitos passivos de imposto, declaram para introdução no consumo enormes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos sujeitos a imposto, mediante o processamento de e-DIC´s diárias, as quais são, todavia, globalizadas no mês seguinte pelas alfândegas competentes, para efeitos de liquidação.
  • Sendo que a alfândega competente para a liquidação (e consequente apreciação das vicissitudes dessa liquidação, incluindo o reembolso com fundamento em erro, se for o caso), não coincide necessariamente com a sede/domicílio do sujeito passivo.
  • Tal competência é aferida pelo local onde são apresentadas as declarações para a introdução no consumo dos produtos sujeitos a imposto, cf. artigos 10.º, n.º 6, e 15.º do CIEC, de acordo com o interesse do sujeito passivo.
  • É comum que os sujeitos passivos de ISP apresentem as suas declarações para consumo em mais do que uma alfândega. Por exemplo, os depositários autorizados apresentam as suas DICs na(s) alfândega(s) em cuja área de jurisdição se localizem o(s) entreposto(s) fiscais que detenham e a partir dos quais pretendam que saiam os referidos produtos para serem introduzidos no consumo.
  • No caso concreto, tendo em conta o produto (gasóleo rodoviário) e o período em causa (de novembro de 2018 a outubro de 2022), foi apurado que a fornecedora da Requerente, B... S.A., é sujeito passivo de ISP mas não foram identificadas quaisquer DIC deste operador em nenhuma alfândega para o período em questão.
  • Verificando-se, igualmente, situações em que, por interesse e acordo comercial entre empresas, um operador económico declara para introdução no consumo a partir de um seu Entreposto Fiscal, produtos que são propriedade de outra companhia petrolífera. O primeiro apresenta-se perante a AT como o sujeito passivo de imposto, o segundo é o proprietário, que vende os produtos petrolíferos aos seus clientes (mas que são expedidos a partir do EF do sujeito passivo). Ou seja, é absolutamente possível que a B... S.A., fornecedora da Requerente, tenha acordado a colocação dos produtos nos depósitos do entreposto fiscal de outro(s) operador(es) económico(s), para ser expedido a partir daí, cabendo, neste caso, a este(s) operador(es) económico(s) submeter a DIC relativa às introduções no consumo e, assim, assumir perante a AT a posição de sujeito passivo/devedor do ISP.
  • A multiplicidade de situações, está relacionada com os locais onde os operadores económicos detêm Entrepostos Fiscais e interesses comerciais válidos, relacionados, por exemplo, com menores custos de transporte na distribuição e colocação do produto no(s) cliente(s).
  • Todas estas operações são legítimas do ponto de vista da legislação aplicável e apenas evidenciam e reforçam que os IEC e, em especial o ISP, cujo regime foi estendido à CSR, tem por base um regime próprio com regras específicas que não podem ser desconsideradas para efeitos de enquadramento da questão em debate.
  • Há, assim, que salientar que, em qualquer caso, apenas os sujeitos da liquidação, isto é, apenas os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efetuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem solicitar a revisão das liquidações/reembolso da CSR junto da alfândega competente (única situação em que, de acordo com as regras aplicáveis, é possível identificar os atos de liquidação bem como as correspondentes alfândegas de liquidação competentes).
  • E que, atenta a multiplicidade de operações que se verificam, por interesses económicos vários e mediante acordo comercial entre empresas, não é possível afirmar categoricamente que um fornecedor de combustíveis, corresponda, necessariamente, ao sujeito passivo de ISP/CSR.
  • Pelo que a afirmação da Requerente constante do art.º 2.º da PI de que a sua “fornecedora de combustíveis entregou ao Estado, enquanto sujeito passivo da respectiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunto de (…) ISP e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquela submetidas”, carece de confirmação, ou seja, tem de ser provada por quem o invoca.
  •    Acresce que, no caso dos combustíveis, as enormes quantidades de produtos introduzidas no consumo durante um mês declarativo e objeto de globalização das DIC, para efeitos da efetivação de uma única liquidação, são destinadas a uma multiplicidade de destinos/clientes.
  • Ou seja, após a introdução no consumo e consequente liquidação das imposições, podem ainda existir vários intervenientes na cadeia de abastecimento/comercial até ao consumidor final (grossistas, distribuidores, e outros revendedores, designadamente, postos de abastecimento).
  • Nestas situações, é totalmente impossível para a AT identificar os atos de liquidação subjacentes à declaração desses produtos para o consumo que vão sendo transacionados ao longo da cadeia comercial.
  • Aliás, são poucas, ou mesmo raras, as situações em que a entidade que vende os produtos ao consumidor final coincide com o sujeito passivo que introduziu os produtos no consumo. Mas mesmo nestes casos, só poderiam ser identificados os atos de liquidação, caso as quantidades declaradas numa determinada DIC se reportassem a um único cliente, o que não parece ser o caso.
  • As transações que ocorrem após a introdução no consumo não têm por base um ato de liquidação específico, não podendo assim ser identificado, em concreto, o ato tributário que lhe está subjacente, o qual diz respeito, apenas e exclusivamente, ao correspondente sujeito passivo, tendo por base as declarações para introdução no consumo por este efetuadas.
  • Efetivamente, resultando a liquidação da globalização das declarações de introdução no consumo apresentadas em cada alfândega pelo sujeito passivo de imposto, não há qualquer possibilidade, relativamente às transações posteriores, de identificar o registo de liquidação correspondente, uma vez que as vendas e consequente repercussão das imposições são posteriores ao facto gerador do imposto – declaração de introdução no consumo pelo sujeito passivo que esteve na origem da liquidação.
  • Donde, tomando por referência o período e as faturas apresentadas pela Requerente, não seria possível fazer qualquer correspondência entre aquelas e as declarações de introdução no consumo alegadamente apresentadas pelo seu fornecedor, enquanto sujeito passivo de ISP/CSR, nem com os registos de liquidação correspondentes.
  • Para demonstrar o suprarreferido, a existirem, a AT poderia juntar as DICs apresentadas pela B... S.A. - que não é parte neste processo -, em determinado período, para confronto com as faturas identificadas pela Requerente, relativas ao mesmo período, não o podendo, no entanto, fazer por força do dever de sigilo e de confidencialidade previsto no n.º 1 do art.º 64.º da LGT, salvo se fosse decretado o levantamento do sigilo fiscal, nos termos da lei.
  • Todavia, a AT pode asseverar que desse confronto apenas se retiraria que as faturas de aquisição poderiam corresponder a qualquer uma das DIC, constantes da liquidação globalizada, praticada por esta ou por aquela alfândega, neste ou naquele período! 
  • Ou seja, não é possível identificar as DIC e os respetivos atos de liquidação que estiveram subjacentes à introdução no consumo dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente mediante as faturas apresentadas, até porque, no caso concreto, como já se disse, o fornecedor indicado, também sujeito passivo, com referência ao período indicado, não efetuou introduções no consumo.
  • Assim como a Requerente não consegue identificar as DIC e os atos de liquidação em causa, por ser, como reconhece, uma entidade terceira na relação que se estabelece entre a AT e o sujeito passivo devedor de ISP/CSR, também a AT não consegue estabelecer qualquer relação entre as faturas de aquisição e as DIC através das quais foi efetuada a introdução no consumo e os respetivos atos de liquidação, por ser estranha à relação comercial de direito privado que se estabelece entre a Requerente e a sua fornecedora.
  • Se dúvidas restassem, também não se encontra disponibilizada no sistema e-fatura, nem no sistema SAFT-T, que apenas indica o IVA associado a cada venda de combustível efetuado, qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações.
  • E não há, repete-se, qualquer possibilidade, relativamente às transações posteriores à introdução no consumo e liquidação, de identificar o registo de liquidação correspondente, uma vez que as vendas dos produtos declarados para consumo (e consequente repercussão das imposições) são destinadas a uma multiplicidade de destinos/clientes e não são coincidentes no tempo, em relação ao facto gerador do imposto: a declaração de introdução no consumo pelo sujeito passivo que esteve na origem da liquidação.
  • Por outro lado, também nunca seria possível fazer qualquer correspondência entre as quantidades de produtos introduzidos no consumo pela B... S.A. e as quantidades de produto adquiridas pela Requerente (tituladas pelas faturas elencadas).
  • Efetivamente, conforme se encontra determinado pelo artigo 91.º do CIEC, os produtos sobre os quais incide CSR, são tributados de acordo com a respetiva unidade de tributação.
  • Assim, no caso da gasolina e gasóleo, a unidade de tributação é de 1000 litros tendo em conta a temperatura de referência de 15º C.
  • Ou seja, aquando da declaração para introdução no consumo são consideradas as quantidades de acordo com a temperatura de referência a 15º C.
  • Nas vendas subsequentes desses produtos, não é possível fazer tal conversão sendo consideradas as quantidades em função da temperatura observada no momento o que, obviamente, originará oscilações (regra geral, quantidades superiores, tendo em conta a temperatura média nacional).
  • No limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado serão, por isso, superiores aos montantes de CSR efetivamente liquidados e cobrados ao sujeito passivo (considerando a temperatura de referência a 15º C).
  • Finalmente, quanto aos alegados montantes de CSR repercutidos, por um lado, a Requerente afirma que “a fornecedora de combustíveis repercutiu nas respectivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente este imposto”, sem, todavia, apresentar qualquer prova de ter a sua fornecedora repercutido a totalidade ou parte da CSR, no valor pago pelos combustíveis adquiridos pela Requerente, conforme se se explanará adiante.
  • Em suma, não é possível à AT estabelecer qualquer relação, por referência a datas, valores ou quantidades de produto, entre as faturas identificadas pela Requerente com as Declarações de Introdução no Consumo e as respetivas liquidações, efetuadas pelo sujeito passivo de ISP/CSR.
  • As transações que ocorrem após a introdução no consumo não têm por base uma DIC e/ou um ato de liquidação específico, não podendo assim ser identificado, em concreto, o ato tributário que lhe está subjacente (o qual diz respeito, apenas e exclusivamente, ao correspondente sujeito passivo tendo por base as declarações para consumo por este efetuadas).
  • Outrossim, as faturas de aquisição de combustível apresentadas pela Requerente, podem corresponder a qualquer DIC submetida pela B... S.A., a qual é sujeito passivo do ISP, podendo proceder a introduções no consumo em várias estâncias aduaneiras, não sendo possível identificar as liquidações/alfândegas de liquidação.
  • E no se refere à Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, estância aduaneira a quem a ora Requerente dirigiu o pedido de revisão oficiosa que foi objeto de indeferimento tácito e que precedeu o presente pedido arbitral, por ser, alegadamente, a estância onde foram praticados os atos de liquidação impugnados, verificou-se que a B... S.A. não apresentou DIC’s naquela delegação, nem, aliás, em qualquer alfândega, para o produto em causa (gasóleo rodoviário), com referência ao período de fornecimento de combustível indicado pela Requerente (entre novembro de 2018 e outubro de 2022).
  • De onde se conclui, que podem existir diversos atos de liquidação para o mesmo tipo de produto e para o mesmo período de tempo, praticados por várias alfândegas, pelo que, repete-se, as faturas de aquisição de combustível apresentadas pela Requerente, podem corresponder a qualquer DIC submetida pela B... S.A., incluindo noutro período que não o indicado pela Requerente, no pressuposto de que a sua fornecedora foi também o sujeito passivo/devedor do ISP/CSR incidente sobre os produtos adquiridos, facto que está por demonstrar, como atrás se referiu.
  • A AT não tem elementos que lhe permitam estabelecer qualquer relação entre as faturas de aquisição e as DIC e os atos de liquidação correspondentes, por ser estranha, para efeitos do que aqui se discute, que é a liquidação do ISP/CSR e o reembolso da CSR alegadamente repercutido no custo de aquisição de combustível, relativamente à relação comercial de direito privado que se estabelece entre a Requerente e a sua fornecedora.
  • Mais, a falta de identificação do ato/atos de liquidação em discussão impede, igualmente, de aferir da tempestividade do chamado “pedido de revisão oficiosa da liquidação” formulado pela Requerente. É que, a contagem do prazo para a apresentação do referido pedido, inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global).
  •   Ora, constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 19/05/2023, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado em 30/11/2022, ao abrigo do artigo 78.º da LGT (cf. PA).
  • E para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral, não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, como supra se demonstrou, é impossível.
  • Sucede, aliás, que tudo leva a crer que, muito provavelmente, o pedido de RO e, consequentemente, o pedido arbitral não seriam sequer tempestivos.
  • É que, tomando por referência o prazo indicado pela Requerente, as aquisições no “período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022”, em 30/11/2022, data em que foi apresentado do pedido de revisão oficiosa ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT (e bem assim, o facto de, no período indicado, a sua fornecedora não ter apresentado qualquer DIC, em nenhuma estância aduaneira, e o facto de o produto adquirido se poder referir a produtos introduzidos no consumo, com imposto liquidado e pago em período anterior ao indicado), há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa (de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR), previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
  • Razão pela qual a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro dos serviços, a estes imputável, o que permitiria utilizar o prazo de 4 anos previsto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
  • No entanto, estando a AT vinculada ao princípio da legalidade e tendo a AT efetuado a liquidação em estrita observância da norma legal aplicável não poderia a AT proceder por forma diversa daquela por que atuou, não podendo deixar de efetuar a liquidação impugnada, não existindo, pois, qualquer erro de direito imputável aos serviços.
  • Por outro lado, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto no CIEC, mais especificamente no seu artigo 15.º, que estabelece as regras gerais em matéria de reembolso dos IEC, e no artigo 16.º, relativo ao reembolso por erro na liquidação.
  • De acordo com estas normas apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto possuem legitimidade para solicitar o reembolso do imposto pago, devendo o pedido ser apresentado no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto, cf. artigo 15.º, nºs 2 e 3 do CIEC.
  • Verificar-se-ia, assim, que, à data do pedido de reembolso de CSR, em 30/11/2022, já teria precludido o prazo de três anos para requerer o reembolso do alegado CSR repercutido.
  • Face ao supra exposto, verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do ato tributário em crise, tem como efeito a impossibilidade de se aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e de reembolso de CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral.
  • Desta forma, a não identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, compromete irremediavelmente a finalidade da petição inicial.
  • Com efeito, ao não ser possível a identificação do (s) ato (s) de liquidação não é possível sindicar a respetiva legalidade, pelo que nunca poderia o tribunal determinar a respetiva anulação total ou parcial.
  • Assim sendo, verifica-se a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT para que possa ser aceite, o que determina a nulidade de todo o processo, e obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º RJAT.

 

Da ilegitimidade da Requerente

 

 

  1.  A Requerente dedica-se à exploração de terminais rodo-ferroviários, movimentação de cargas, manuseamento e parqueamento de contentores, armazenagem de bens e mercadorias, prestação de serviços de natureza logística, bem como de outros serviços auxiliares e complementares do transporte tendo como atividade principal, o CAE 52213 “Outras actividades auxiliares dos transportes terrestres”.
  2. O que, desde logo, levanta a questão de saber qual foi o destino final do combustível adquirido pela Requerente. Isto é, a Requerente diz que adquiriu combustível ao seu fornecedor, mas não diz se foi o consumidor final do produto, ou, porventura, se o revendeu, nomeadamente a outras empresas, repercutindo, assim, a jusante, até ao consumidor final, a CSR que alega ter suportado.
  3. Conforme já referido, as transações que ocorrem após a introdução no consumo, independentemente do número de intervenientes na cadeia de abastecimento/comercialização, não têm por base um ato de liquidação específico, não podendo assim ser identificado, em concreto, o ato tributário que lhe está subjacente.
  4. Donde, apenas, o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo a quem foi liquidado o imposto e que efetuou o correspondente pagamento, reúne condições (e pode identificar os atos de liquidação), para solicitar em caso de erro, a revisão desses atos de liquidação com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do CIEC).
  5. Estando em causa pedidos que visam a anulação de liquidações em sede de ISP, na parte relativa à CSR, há que ter em consideração, desde logo, o disposto na Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, diploma que criou a contribuição de serviço rodoviário.
  6. O artigo 5.º daquele diploma, na redação em vigor até 31/12/2022, estabelece que a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), na Lei Geral Tributária (LGT) e no Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), com as devidas adaptações.
  7. No âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades que, no exercício da sua atividade, são os responsáveis pelo cumprimento das obrigações de declaração e consequente pagamento do imposto correspondente, designadamente, os operadores económicos identificados no artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do CIEC.
  8. Assim, os requerentes de reembolso que não correspondem à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, carecem de legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações com fundamento em erro e consequente reembolso do montante correspondente (artigo 16.º).
  9. É o que resulta, de forma clara, do n.º 2, do artigo 15.º do CIEC, o qual estabelece que o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto, o que bem se compreende por força das caraterísticas dos impostos em causa.
  10. Regime este que é aplicável “mutatis mutandis” à CSR, por força do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007.
  11. Estas disposições legais do CIEC fundamentam-se no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.
  12. Diferentes são os impostos plurifásicos, como é o caso do IVA, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante.
  13. À opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do imposto, que tem por base as declarações de introdução no consumo apresentadas pelos sujeitos passivos, abranger vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária (adquirentes dos produtos).
  14. Como tal, no âmbito destes impostos, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não são considerados com legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente reembolso do imposto, estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia comercial (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais).
  15. É esse, aliás, o sentido que se pode retirar do entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc.º C-460/21, ao reconhecer a legitimidade do sujeito passivo do imposto, ao reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, que não tenha sido repercutido a jusante, pois “(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido”.
  16. Acresce que, ainda que, no caso concreto, a CSR tivesse sido efetivamente repercutida, e a Requerente tivesse legitimidade processual para peticionar a anulação das liquidações com fundamento em erro e o reembolso dos montantes correspondentes, e a repercussão resultasse provada, sempre seria de invocar a jurisprudência do TJUE, resultante do Acórdão proferido no Proc.º n.º C-94/10, de 20/10/2011, de acordo com a qual:

“As normas do direito da União devem ser interpretadas no sentido de que:

1) Um Estado‑Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil;

2) Um Estado‑Membro pode recusar um pedido de indemnização apresentado pelo   comprador sobre quem o sujeito passivo tenha repercutido um imposto indevido, com base na falta de nexo directo de causalidade entre a cobrança desse imposto e o dano sofrido, desde que o comprador possa, com base no direito interno, dirigir esse pedido contra o sujeito passivo e que a reparação, por este, do dano sofrido pelo comprador não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.”

  1. A entidade Requerente não integra, nem é parte da relação tributária subjacente à liquidação contestada, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, o que, não só impossibilita a identificação, quer das liquidações concretas na origem das imposições objeto da alegada repercussão, quer da alfândega que efetuou essa liquidação, com competência para a apreciação do pedido de revisão ou anulação da liquidação, se viesse a ser o caso.
  2. Quem integra e é parte da relação tributária subjacente à liquidação contestada é o sujeito passivo, nos termos definidos nos artigos 4.º, 15.º e 16.º do CIEC e do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007.
  3. A Requerente quando adquire combustível ao seu fornecedor, o sujeito passivo do ISP/CSR, estabelece uma relação comercial de direito privado entre empresas, à qual a administração tributária é estranha, para efeitos do que aqui se discute, que é a liquidação do ISP/CSR e o reembolso da CSR alegadamente repercutida no custo de aquisição de combustível.
  4. A aceitar-se que a Requerente tem legitimidade para efetuar o pedido de revisão e da anulação parcial da liquidação do ISP, reclamando o reembolso da CSR alegadamente suportada, o que não se concede, nem concebe, e apenas por dever de patrocínio se equaciona, e a manterem-se na ordem jurídica as decisões proferidas pelos tribunais arbitrais, de anulação de liquidações de CSR, com a condenação da AT à restituição dos montantes de CSR cobrados aos sujeitos passivos do imposto, a AT poderia ver-se na contingência de:

-     Para além de ter que restituir elevados montantes cobrados a titulo de CSR, bem como dos correspondentes juros, no período que medeia entre 2018 e 2022, aos sujeitos passivos/devedores de imposto;

-     Ter ainda que entregar/restituir o mesmo montante a outras entidades que aleguem ter suportado a CSR por via da repercussão  (que, inclusivamente, podem ter adquirido os produtos sobre os quais recaiu a contribuição a sujeitos passivos, a quem eventualmente tal contribuição pode já ter sido restituída ou pode vir a ser restituída na sequência de decisão arbitral, não havendo qualquer possibilidade de distinguir as situações, face à impossibilidade de identificar o ato de liquidação subjacente aos montantes de CSR suportados pela Requerente).

  1. E sem a possibilidade de identificar o registo de liquidação correspondente às transações posteriores, uma vez que as vendas e consequente repercussão das imposições são posteriores ao facto gerador do imposto, a declaração de introdução no consumo pelo sujeito passivo que esteve na origem da liquidação, no cúmulo, a AT poderia vir a ser sucessivamente condenada a pagar montantes de CSR, mais do que uma vez, a todos os diferentes operadores económicos intervenientes na cadeia comercial de combustíveis: desde o sujeito passivo de imposto, passando pelos grossistas, distribuidores, revendedores, etc., até ao consumidor final (vide exemplo formulado no ponto 6 da presente Resposta).
  2. Estas hipotéticas situações, não configurariam verdadeiros reembolsos do imposto pago, pois, nos termos do n.º 2, do artigo 15.º do CIEC, o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto, aplicável “mutatis mutandis” à CSR, por força do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, mas sim entregas de montantes pelo Estado sem qualquer fundamento legal.
  3. E, assim sendo, não se vislumbra que assista à Requerente legitimidade para requerer a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e a anulação da liquidação de CSR e o consequente reembolso dos montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado.
  4. Assim, não existindo efetiva titularidade do direito, como se verifica, carece a Requerente de legitimidade substantiva que sustente a sua pretensão, devendo o Tribunal arbitral abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a AT da instância, em conformidade com os artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

 

Incidente de intervenção provocada

  1. Caso o Tribunal arbitral considere que a ora Requerente goza de legitimidade para a interposição do presente pedido de pronúncia arbitral, o que apenas por mero dever de raciocínio se concede, vem a AT suscitar o incidente de intervenção principal provocada B... S.A., nos seguintes termos:
  2. De acordo com o artigo 57.º do CPTA, “para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”.
  3.  E, conforme dispõe o artigo 316.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º do CPPT,

“1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.

(…)
3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;

b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.”

  1. Ora, a considerar-se que a Requerente tem legitimidade para interpor a presente ação, a AT considera que é obrigatória a intervenção do sujeito passivo desta espécie tributária em juízo, indicado pela Requerente, ou seja, a B... S.A.
  2. De facto, a matéria relativa à discussão da legalidade de um ato de liquidação desta natureza implica, necessariamente, que seja chamado à demanda o sujeito passivo, o único que tem legitimidade para pôr em crise o ato ou atos de liquidação, identificando-os.
  3. Todavia, considerando que a intervenção em processos arbitrais é facultativa para a generalidade de potenciais interessados, apenas existindo vinculação legal para a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos definidos na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, emitida ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, não há fundamento legal para impor a intervenção da B... S.A.
  4. Ora, caso a B... S.A. não aceite intervir no processo há que concluir que o presente processo arbitral não se adequa ao seu fim, não podendo o mesmo prosseguir por ser inviável obter uma solução global e justa do litígio.

 

Da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria

  1. Não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum e respetiva competência deste tribunal arbitral para a apreciação do presente litígio.
  2. A espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.
  3. Nesta matéria, seguimos o teor do Acórdão proferido no Processo arbitral n.º 714/2020-T, que tem como objeto a Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético (CESE), ao estabelecer que:

“(…) o Acórdão proferido no Proc.º 48/2012-T, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte:

“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, nº 1, do RJAT;

  1. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.
  2. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.
  3. No caso, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos “cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária”. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, nº 1, do RJAT que respeitem a impostos – com exclusão de outros tributos – e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.
  4. Neste contexto, não oferece especial dúvida que a entidade com competência regulamentar pudesse optar por restringir a vinculação às pretensões referidas no artigo 2.º, nº 1, do RJAT, que apenas fossem incidentes sobre impostos, e deixasse de fora as questões relacionadas com taxas e contribuições que, além do mais, poderiam gerar um maior grau de conflitualidade e de incerteza quanto à qualificação jurídica e exigir uma maior especialização por via da especificidade das questões que pudessem suscitar-se.”

7. A Requerente insiste que não há motivo para interpretar restritivamente a referência a “impostos” que consta do proémio do artigo 2.º da Portaria de vinculação e nada impede que se inclua nesse conceito as contribuições financeiras como espécie que são de tributos.

Uma tal interpretação não tem, no entanto, a mínima correspondência na letra da lei, e, por outro lado, é a própria Lei Geral Tributária que, ao classificar os “tributos”, distingue claramente entre os impostos e outras espécies tributárias, criadas por lei, aí se incluindo as taxas e as contribuições financeiras (artigo 3.º).

(…)

  1. Resta considerar que no sentido da incompetência dos tribunais arbitrais para apreciar pretensões relativas a contribuições financeiras também se posiciona vária doutrina, e.g., SERGIO VASQUES/CARLA CASTELO TRINDADE, “O âmbito material da arbitragem tributária”, Cadernos de Justiça Tributária, nº 00 (Abril/Junho 2013), págs. 24-25; CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 78; SERENA CABRITA NETO/CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. II, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 439 e seguintes.”
  2. Sendo que, além da decisão proferida no indicado processo arbitral, a competência da Instância arbitral no que concerne à impugnação de contribuições financeiras foi igualmente objeto de análise nos Processos arbitrais n.º 123/2019-T, 138/2019-T, 182/2019-T, 248/2019-T e 585/2020-T, sendo consensual o entendimento de que, a sindicância de tais contribuições se encontra excluída da competência dos tribunais arbitrais tributários.
  3. E, quanto à natureza jurídica da CSR, não se suscitam dúvidas de que a mesma, à luz do direito aplicável à data dos factos, constitui uma contribuição financeira, distinguindo-se, assim, do imposto.
  4. De acordo com o disposto no artigo 1.º e no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, na redação aplicável à data dos factos, a CSR foi criada com o objetivo de financiar a rede rodoviária nacional, a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (doravante IP), nos termos do Contrato de Concessão Geral da rede rodoviária nacional celebrado com o Estado, e “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.
  5. Existindo um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, a rede rodoviária nacional a cargo da IP é financiada pelos seus utilizadores (princípio do utilizador-pagador), e apenas subsidiariamente pelo Estado, cf. artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, constituindo receita própria da IP.
  6. Representando, assim, a CSR, uma contraprestação/contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes/utilizadores das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da referida concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro.
  7. De acordo com o contrato de concessão, a IP está obrigada a “serviços públicos” específicos, como a conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.
  1. Tratando-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários (os utilizadores da rede rodoviária nacional), se efetiva na compensação da conservação e requalificação da rede rodoviária nacional, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira e não de imposto.

 

POR IMPUGNAÇÃO

 

 

  1. Em 30/11/2022, a Requerente requereu junto da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, a revisão oficiosa das liquidações de CSR praticadas pela AT, com base nas DIC’s submetidas pela sua fornecedora de combustíveis e dos consequentes atos de repercussão, consubstanciados nas faturas de aquisição de gasóleo, no decurso do período de novembro de 2018 a de outubro 2022.
  2. Tal pedido de revisão oficiosa foi objeto de indeferimento tácito.
  3. Em 19/05/2023, a Requerente apresentou junto da Instância Arbitral, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a declaração de ilegalidade da repercussão da CSR sustentada nas faturas de aquisição de gasóleo relativas ao período que decorreu de novembro de 2018 a outubro de 2022, e a anulação parcial das correspondentes liquidações praticadas pela AT com base nas DIC’s submetidas pela sua fornecedora, com reembolso do valor 102.256,48 €, acrescido de juros indemnizatórios.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. A ora Requerente é uma sociedade de direito português que resultou da concretização de dois processos de fusão, a saber: i) em 2019, através da fusão da C..., S.A. e da D..., S.A. que deu origem à A..., S.A.; e ii) em 2020, através da fusão do E..., S.A. na A... S.A.
  2. A B..., S.A., entrega ao Estado, enquanto sujeito passivo da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos («ISP») e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquelas submetidas.
  3. No âmbito da sua atividade, a Requerente (propriamente dita e as sociedades objeto da referida fusão) adquiriu àquela fornecedora de combustíveis, no período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, 921.229,56 litros de gasóleo rodoviário (Docs. 1 e 2).
  4. A mencionada fornecedora de combustíveis repercutiu nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente este imposto (Docs. 1 e 2).
  5. Com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou, assim, a título de CSR, a quantia global de € 102.256,48 (Docs. 1 e 2).
  6. Nesta sequência, a Requerente deduziu, no passado dia 30 de novembro de 2022, junto da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, um pedido de promoção de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR e dos consequentes atos de repercussão consubstanciados nas faturas emitidas pela fornecedora de combustível, referentes ao gasóleo rodoviário àquela adquirido pela Requerente no mencionado período de novembro de 2018 a outubro de 2022 (Doc. 3).
  7. Porém, sobre o referido pedido de promoção de revisão oficiosa não recaiu, até à presente data, qualquer decisão (cf. procedimento administrativo).
  8. Não tendo a Requerente sido notificada, até à presente data, de qualquer decisão referente ao mencionado pedido de promoção de revisão oficiosa — e tendo, em consequência, se verificado a presunção de indeferimento tácito da sua pretensão —, vem a mesma apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade dos mencionados atos tributários.

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

A Requerente manifestou a sua discordância com os atos tributários inerentes à liquidação de CSR, inicialmente perante a Requerida e, face ao indeferimento tácito, apresentou pedido de pronúncia arbitral perante a CAAD, como exposto supra.

A Requerida na resposta veio alegar as diversas exceções supracitadas, as quais serão apreciadas no ponto seguinte.

IV.2.A. EXCEÇÕES

                       

  1. Ineptidão da Petição inicial – Da falta de objeto

 

 

A Requerida defende a que o pedido de pronúncia arbitral é inepto por a Requerente não identificar os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.

Diz, em suma, “que através das faturas apresentadas pela ora Requerente não é possível determinar a ligação entre as mesmas e qualquer liquidação ou liquidações concretas. Há uma absoluta falta de correspondência entre as quantidades de combustíveis declaradas para introdução no consumo pelo sujeito passivo de imposto (ISP/CSR) e as correspondentes liquidações, referentes ao período das faturas de aquisição à B... S.A. indicadas pela Requerente, que não permitem à AT identificar, os atos de liquidação em crise”.

O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.

Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que «se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».

No caso em apreço é manifesto que a ineptidão arguida pela AT não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a).

No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.

No entanto, percebe-se o que pretende a Requerente com os pedidos que formula: “a declaração de ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no decurso do período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela fornecedora de combustíveis, determinando-se, nessa medida, a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente, com o reembolso à Requerente de todas as quantias suportadas a esse título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios contados nos termos acima referidos”.

Como resulta da matéria de facto fixada, a mencionada fornecedora de combustíveis repercutiu nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente este imposto (Docs. 1 e 2) e com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou, assim, a título de CSR, a quantia global de € 102.256,48 (Docs. 1 e 2).

A eventual dificuldade que a AT possa ter para identificar as liquidações que ela própria emitiu aos fornecedores de combustíveis relacionadas com as faturas em causa, é um problema de organização dos seus serviços, pelo que é ela própria quem deve suportar os seus hipotéticos inconvenientes

Como se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, a liquidação da CSR era efetuada com base nas DIC, que deviam ser processadas até ao final do dia útil seguinte àquele em que ocorra a introdução no consumo (artigo 10.º, n.ºs 1 e 3, do CIEC), pelo que se afigura que era possível à AT apurar qual a DIC relacionada com cada fatura e a respetiva liquidação que emitiu.

Neste contexto, não era exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a AT emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa, nem essa identificação é necessária para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas em causa.

A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efetiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente atos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica.

Pelo exposto, improcede a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

  1. Da ilegitimidade da Requerente

 

 

Quando é cobrado imposto em violação do direito da União Europeia, tem sido entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardadas situações de enriquecimento sem causa.

O pedido em apreciação consiste em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, os restantes intervenientes nas operações comerciais e, em regra, os contribuintes consumidores finais a quem o imposto possa ter sido repercutido e que o possam ter suportado economicamente têm o direito de exigir diretamente da Requerida/Estado a apreciação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto indevidamente pago, caso seja provado ter sido acrescido ao preço de compra do bem/produto por eles adquirido.

As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, no caso a CSR, nos operadores a jusante. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro poder ser repercutido -repercussão fiscal - nos intervenientes na atividade comercial, maxime, no consumidor final.

A legitimidade deve ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas - têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem um interesse legalmente protegido. - Cf. n.º 2 do art. 1.º e art.º 65.º da LGT.

Nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.

Nesse sentido, o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” – Cf. art. 9.º do CPPT.

No caso da CSR alegadamente paga pela Requerente, enquanto consumidor final, existe a demonstração de um interesse legalmente protegido e que merece a tutela do direito, porquanto é no contribuinte consumidor final que, em regra, recai o pagamento dos tributos indiretos.

Por fim, atenta a jurisprudência da UE, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”

A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de ação e de pedirem o reembolso ao Estado – artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente a outros sujeitos da relação tributária a efetiva reparação dos prejuízos incorridos - os contribuintes que possam ter suportado efetivamente o imposto e ser objetivamente lesados pelos respetivos atos de liquidação.

Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.

Termos em que a Requerente, na qualidade de consumidor final dos produtos sujeitos a ISP e, subsequentemente a CSR, a quem este imposto possa ter sido repercutidos, é titular de um interesse legalmente protegido e, ipso facto, de legitimidade processual, enquanto forma de acesso à justiça e de proteção dos direitos e reparação dos prejuízos que suportou com o pagamento da CSR considerada em desconformidade com o direito da União.

Por sua vez, o invocado pela Requerida direito de acesso à justiça, em matéria tributária, através da jurisdição civil contra o SP, o qual se limitou a cumprir a lei vigente e que, em princípio, não obteve qualquer ganho, mas antes um prejuízo, afigura-se que tal possibilidade seria muito difícil ou inexistente, na medida em que não ocorre nenhuma das situações previstas no artigo 476º do Código Civil. Observa-se que a repetição do indevido dependeria, ainda, do enriquecimento sem causa do SP, o qual, em regra, não ocorreu por ter entregado ao Estado um imposto que repercutiu no consumidor final.

Por fim, atento o princípio da efetividade deve ser reconhecido ao consumidor final, em regra, o repercutido de impostos indiretos, o direito de reclamar diretamente junto da administração tributária os montantes de imposto indevidamente liquidados e alegadamente pagos - (Cf. Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, Proc. C-94/10).

 

 

  1. Incidente de intervenção provocada

 

Entende-se que a intervenção de terceiros no processo tributário, não constitui um caso omisso, a preencher diretamente pelas normas do Código de Processo Civil. – Cf. Proc. n.º 5/2012-T.

Na presente ação entende-se não haver lugar a litisconsórcio, porquanto os interesses de ressarcimento do imposto pago por declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, no caso concreto, em abstrato, o interesse do contribuinte consumidor final exclui o interesse do SP em relação aos factos tributários em apreciação e eventual reembolso, sendo reconhecido o imposto indevidamente pago e o reembolso devido ao contribuinte consumidor fiscal, desde logo, excluía, a mesma pretensão e decisão em relação ao SP.

Observa-se ainda que “Atenta a natureza subjetiva do contencioso tributário em geral e a estrutura do processo de impugnação judicial … se não encontra espaço para a defesa de contra interesses particulares na manutenção do ato impugnado…” Processo 0624/10, Acórdão de 17-11-2010.

Por sua vez, no âmbito da jurisdição arbitral vigora, plenamente, o princípio da livre condução do processo pelos árbitros, não sendo, portanto, de aplicação automática qualquer norma de natureza processual que não resultem daquela respetiva lei, sem prejuízo dos conteúdos normativos diretamente transponíveis para o processo arbitral, mas tal transposição é sempre, e em qualquer caso, mediada pelo prudente critério dos árbitros, sempre “com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas.” – Cf. artigo 16.º do RJAT.

 

  1. Da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria

 

O TJUE no despacho proferido no processo C‑460/21, a 7 de fevereiro de 2022, afirma-se que a CSR foi criada com uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita (imposto), não lhe estando subjacente qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social, dando-se por reproduzidos os demais argumentos.

As taxas da CSR possuem valor fixo, estabelecido na própria Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, incidindo sobre os litros do produto transacionado/introduzido no consumo e não sobre o valor da transação, reforçando a sua natureza de imposto específico, uma vez que possui um valor fixo, independente do nível de preço.

Quando ao demais afirmado pela Requerida sobre a incompetência do Tribunal, observa-se que na interpretação das peças processuais devem observar-se o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o Tribunal deve extrai da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante.

Observa anterior decisão e respetiva fundamentação, concluindo, em síntese, que “não procede a alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos” (…) Nos termos do corpo do art.º 99.º do CPPT, “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, entendendo-se que aqui se inclui a ilegalidade abstrata da liquidação (CAAD, decisão arbitral de 31.01.2018, proc. nº 104/2017-T).” – Cf. Proc. 304/2022T.

Acresce, estarmos perante uma questão jurídica que integra a competência do Tribunal arbitral, relacionada com a apreciação de atos tributários e respetiva legalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc. C-460/21.

Termos em que se conclui pela regular constituição e competência material do Tribunal arbitral – Cf. al. a) n.º 1, art.º 2.º e art.º 4.º, ambos do RJAT.

 

 

 

 

IV.2.B. Sobre o mérito da causa – sobre a ilegalidade das liquidações da CSR e o imposto alegadamente suportado pelo contribuinte consumidor final por repercussão fiscal

 

 

A questão jurídica sub judice relaciona-se com a ilegalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme com o direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008.

Por força do princípio do primado e da colaboração leal estabelecido no artigo 4º do TUE, as decisões do TJUE devem ser adequadamente observadas, sendo a decisão sobre a CSR amplamente seguida em decisões sobre a ilegalidade das respetivas liquidações - Proc. C-460/21, do TJUE.

De acordo com o referido entendimento do TJUE, diversos sujeitos passivos de ISP/CSR e outros interessados, têm vindo a suscitar junto do CAAD a ilegalidade dos atos tributários e subsequente o direito de reembolso do imposto indevidamente liquidado.

Na sequência do referido Proc. C-460/21, do TJUE, a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro veio alterar significativamente a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, consignando parcialmente a receita do ISP ao serviço rodoviário, antes financiado pela CSR, agora eliminada.

Em face declaração de ilegalidade da CSR pelo TJUE e os subsequentes pedidos de revisão dos atos de liquidação e pedido de reembolso, a Requerida não emitiu orientações para o reembolso da CSR, contrariamente à prática em outros EM na sequência da declaração de ilegalidade de tributos.

O pedido em apreciação consiste, desde logo, em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, para além dos SP, o contribuinte consumidor final a quem o imposto seja presumivelmente repercutido e o possa ter suportado economicamente tem o direito de exigir diretamente da Requerida a revisão dos atos de liquidação e o reembolso de imposto indevidamente pago, no caso, da CSR repercutida no preço dos combustíveis adquiridos.

Na sequência da apreciação das exceções invocadas pela Requerida e do reconhecimento da legitimidade da Requerente, consumidor final, esta tem um interesse legalmente protegido e o direito de ação e de interpelar diretamente a Requerida, por forma à revisão dos respetivos atos de liquidação de CSR e ser ressarcida dos prejuízos decorrentes do alegado pagamento indevido do imposto, caso confirmada a sua repercussão no preço dos produtos adquiridos.

As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, ao tempo, a CSR nos operadores a jusante, incluindo, nos consumidores finais. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro ser, em regra, repercutido nos restantes operadores da atividade comercial, maxime, no consumidor final.

Na sequência da liquidação de imposto em violação do direito da União Europeia, o TJUE tem entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardando situações de enriquecimento sem causa – Cf. Proc. C 94/10, conclusões de 24 março de 2011.

A jurisprudência da UE afirma que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento sem causa» - cf. Acórdão Comateb e Acórdão C-566/07, Stadeco e cfr. Proc. 02185/17.8BEPRT - TCAN

Atenta a jurisprudência, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”

Sublinha-se que “No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça referiu, contudo, que a restituição ao sujeito passivo do montante do imposto, apesar de este o ter repercutido sobre o comprador, equivaleria para aquele a um pagamento em dobro suscetível de ser qualificado como enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador. O Tribunal de Justiça reconheceu, assim, que o imposto contrário ao direito da União pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e que existe uma necessidade de devolver o montante do imposto ao património desta pessoa.” Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011.

Nesse sentido, atentas as especificidades e casuísmo das respetivas operações comerciais, os elementos de prova são essenciais, inclusive para determinar quem efetivamente suportou imposto, o quantum efetivamente pago, pelo que nas referidas conclusões afirma-se ainda: “A jurisprudência do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual a questão da repercussão ou não de um imposto indireto constitui uma questão de facto em cada caso concreto, na medida em que repercussão efetiva, total ou parcial, depende de vários fatores próprios a cada transação comercial” – Cf. Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard (331/85, 376/85 e 378/85, Comateb e o. (já referidos) e Weber’s Wine World e o. (C-147/01).

Assim, “a reparação dos prejuízos através do direito ao reembolso tem também, por fim, efeitos sobre a questão de saber como poderão ser eliminadas as consequências económicas para o comprador final do imposto cobrado em violação do direito da União.” – Cf. conclusões citadas.

Termos em que o direito de reembolso do consumidor final da CSR face ao Estado pode ser reconhecido por motivos de equivalência e efetividade – Cf. Acórdãos de 6 de outubro de 2005, MyTravel (C-291/03) e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C-35/05).

Acresce que o reembolso e reparação do dano seria manifestamente mais difícil caso apenas se admitisse a possibilidade de o consumidor final pedir indemnização ao sujeito passivo, como referido, pelo que o princípio da efetividade visa assegurar que o consumidor final se possa dirigir diretamente ao Estado para realizar os seus direitos e reparar os danos sofridos por pagamento de impostos ilegais.

Na falta de regulamentação, na EU e interna, de natureza processual ou substantiva, para o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, cabe aos Tribunais a decisão de cada caso sub judice.

Termos em que o princípio da efetividade se apresenta especialmente relevante no sentido de tornar efetiva a aplicação das normas jurídicas, bem como assegurar que os direitos, garantias e deveres estabelecidos pela legislação sejam realmente aplicados e produzam os resultados pretendidos – no caso a proteção de direitos e a reparação dos prejuízos sofridos pelos contribuintes lesados.

A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de pedirem o reembolso ao Estado– artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente os titulares desse direito e impedindo-se a efetiva reparação dos prejuízos incorridos pelos contribuintes objetiva e efetivamente lesados, como referido.

Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.

No âmbito do reconhecimento do direito ao reembolso da CSR e de entre as diferentes interpretações possíveis dos regimes legais, deve privilegiar-se aquela que melhor concretize os direitos e garantias dos interessados, essencial, ainda, para adequada realização do princípio do acesso à justiça, porquanto para os direitos serem efetivos torna-se essencial que se reconheça aos cidadãos contribuintes a legitimidade para reivindicá-los perante os Tribunais, em especial, perante atos ilegais de liquidação de impostos.

O contribuinte consumidor final que demonstre que a CRS foi repercutida no preço dos produtos que adquiriu tem o direito de obter o reembolso da CSR indevidamente suportada, mediante o recurso aos meios de reação previstos na legislação tributária e, junto da AT, contestar diretamente os respetivos atos tributários – Vd nesse sentido o acórdão do TJUE de 14 de janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95, ponto 24.

A apreciação das liquidações de CSR, enquanto imposto indireto, implica conhecer todos os factos tributários que deram origem à receita desse imposto. A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP, materializando-se nos atos de comercialização e o consumo desses produtos, sendo esses factos/acontecimentos que, de acordo com a lei, geram a obrigação tributária.

A liquidação de um tributo envolve diversos elementos fundamentais para sua correta execução, de entre os principais elementos da liquidação, tudo se inicia com o facto gerador, enquanto acontecimento da vida real previsto na lei que dá origem à obrigação tributária principal, ou seja, a obrigação de pagar o imposto. O conhecimento do fato gerador é o primeiro passo para a liquidação do imposto, pois define todos os elementos da respetiva relação jurídico-tributária.

O conhecimento preciso desse facto tributário, através dos respetivos elementos de suporte e de registo, revela-se essencial para verificar os direitos e as obrigações geradas, os intervenientes na relação tributária e a conformação dos respetivos direitos e deveres.

Assim, no caso sub judice, de ilegalidade das liquidações de CRS, por forma à respetiva apreciação, reposição da legalidade e subsequente ressarcimento dos contribuintes lesados é crucial conhecer quem efetivamente pagou o imposto em cada um dos diferentes atos comerciais ocorridos.

O SP que entregou ao Estado o imposto indevidamente liquidado, em regra, é o titular do direito ao reembolso, caso não obtenha um benefício indevido pelo pagamento efetivo desse imposto pelo consumidor final – enriquecimento sem causa como referido.

Para esse efeito e no caso da CSR, a prova documental e objetiva do efetivo pagamento pelo contribuinte consumidor final é essencial para comprovar por quem o imposto, total ou parcialmente, foi suportado e pago.

Na apreciação das liquidações indevidas de CSR e o subsequente direito ao reembolso, reveste especial relevo o conhecimento preciso dos elementos, objetivos e subjetivos, que integraram os acontecimentos/factos tributários que estiveram na origem dessas liquidações. O rigoroso conhecimento desses elementos é essencial face à natureza do imposto indireto como a CSR, domínio em é essencial conhecer quem pagou efetivamente o imposto, a quem e quem efetuou a sua entrega ao Estado, por forma à adequada compreensão e apreciação das respetivas relações jurídico-tributárias e, subsequentes direitos e deveres.

Observa-se que a anulação «de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado…” (…) e, no plano tributário, “em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, - Cf. n.º 1 do artigo 172.º do CPA, n.º 1 do artigo 173.º do CPTA e artigo 100.º da LGT.

Consequentemente, no pedido de reembolso pelo SP este deve demonstrar a repercussão do CSR e a AT apreciar os inerentes atos tributários e as operações materiais - factos tributários - que suportam e fundamentam os atos de liquidação e pagamento do imposto. A apreciação das liquidações e o reconhecimento do reembolso de CSR ao SP, implica, igualmente, conhecer se o SP economicamente suportou o imposto, tido por indevido, face à natureza e à prática da repercussão fiscal inerente a esse imposto.

“A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)” – Proc. 0581/17.0BEALM, acórdão STA de 28-10-2020.

Termos em que o reconhecimento da legitimidade de ação do contribuinte consumidor final no imposto indireto – CSR - e o equilíbrio entre o direito material e direito processual, exige a clara e rigorosa demonstração dos elementos essenciais para decisão, em especial, meios de prova detalhados que permitam apurar inequivocamente quem efetivamente suportou o imposto, ou seja, a presença de elementos completos sobre o facto tributário subjacente às liquidações do imposto.

A Requerente como elementos de prova apresentou tabelas (Doc. 1) e as faturas emitidas pelo SP (Doc. 2), as quais especificam três parcelas: o “Valor Base”, “Valor de IVA”, “Total em EUR”, para além de identificar o “Desconto”, desconhecendo-se, para além das tabelas que são da exclusiva autoria da Requerente, as diferentes componentes que permitem aferir se a CSR integra o preço, ou seja, se foi, total ou parcialmente, repercutida na Requerente pelo SP.

A CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.

Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CRS e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP.

Acresce que faturas apresentadas pela Requerente ao conterem uma parcela com a designação “Desconto (desc.)”, sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, contribuem para a falta de rigor e criam a dúvida sobre a própria presunção da repercussão da CSR, na falta, ainda, de elementos que permitam esclarecer os termos da referida relação contratual e tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito desses operações comerciais relativas ao fornecimento de combustíveis pelo SP à Requerente.

Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.

Em anteriores decisões arbitrais, tem-se entendido que “A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.” – Cf. Processo n.º: 304/2022-T – CAAD.

No sentido dessa posição, entende-se que a prova da repercussão do imposto (CSR) invocada pelo consumidor final (Requerente) deve ser objetiva e inequivocamente demonstrada por documentos que identifiquem claramente o efetivo pagamento do imposto, não podendo ser presumida, nem aceite, ainda, mediante mera “declaração” genérica e sem os requisitos declarativos, maxime, quando as partes conhecem o conteúdos das suas relações comerciais e o SP se encontra legalmente obrigado a registar as respetivas operações/transações, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos tributários.

E essa obrigação de informação existe e poderia ser fornecida pela Requerente no âmbito da sua relação contratual com o SP, o qual reúne, ainda, as condições de prestar as informações necessárias, completas e rigorosas ao contribuinte final/Requerente, a qual tem um interesse jurídico atendível nessas informações e registos detalhados e integrais, os quais igualmente suportaram a CSR cobrada e a entregue ao Estado pelo SP, enquanto elementos essências para apreciar as liquidações de CSR controvertidas.

A prova de um facto positivo – repercussão fiscal da CSR - impende sobre quem a invoca – a Requerente -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR.

Por fim, recorda-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos – Vd, neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96.

A Requerente vem pretender justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto assenta em meros juízos presuntivos e declaração genérica, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas, pelo que o presente pedido arbitral deve improceder na totalidade, com as legais consequências.

 

  1. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente o presente pedido arbitral;
  2. Condenar a Requerente ao pagamento das custas.

 

  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 102.256,48, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 3.060,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido principal foi improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 02 de abril de 2024

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

(Cristina Aragão Seia) (vencida conforme declaração anexa)

 

 

 

(Raquel Franco) (vencida quanto à questão da competência, conforme declaração de voto em anexo)



DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Eu teria decidido pela pretensão do pedido arbitral porquanto:

  1. A Requerida alega que o pedido arbitral padece de ineptidão por falta de objeto, por não terem sido identificados, no pedido de pronúncia arbitral, os actos tributários impugnados, aduzindo, em síntese, que não é possível estabelecer a correlação entre os actos de liquidação praticados a montante pelo fornecedor de combustíveis, sujeito passivo do imposto, e as facturas de compra elencadas pela Requerente.

Há que recordar, a este propósito, o artigo 18º, n.º 4, a) da LGT quando dispõe que: não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias.

Como daí se depreende, e seguindo de perto o decidido no processo nº 298/2023-T, com as necessárias adaptações, «o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito directamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reacção contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um acto ilegal de liquidação (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, pp. 116-117).

Quer isso dizer que nada obsta a que a Requerente possa deduzir um pedido de pronúncia arbitral contra os actos tributários de liquidação da CSR, sendo certo que esses actos se encontram identificados e documentados pelo único meio possível qual seja a emissão de facturas emitidas pelo fornecedor do combustível que consubstancia a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica dos adquirentes, estando estes impossibilitados de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não serem eles o sujeito passivo do imposto.

Acresce que, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, constituindo um afloramento deste princípio o disposto no artigo 58.º da LGT. Por outro lado, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações”, princípio esse igualmente consagrado nos artigos 11º, n.º 1, do CPA, 59º da LGT e 48º do CPPT. (…) Aliás, o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios (cfr. acórdão no Proc. n.º 467/2020-T).»

Pelo que improcederia a excepção de ineptidão do pedido arbitral.

  1. Alega a Requerida a ilegitimidade da Requerente. Ora, conforme já foi decidido no já referido acórdão do CAAD, «resulta do disposto no artigo 18.º, n.º 4, a), da LGT, que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os actos de liquidação que geram a repercussão.

De qualquer modo, para além da legitimidade activa da Requerente se encontrar coberta pelo referido preceito, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.» No mesmo acórdão acrescenta-se que «remete-se para o despacho do TJUE de 7-02-2022, proferido em reenvio prejudicial, quando se diz que “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44).

Entendemos, à semelhança do que também já se decidiu nos processos arbitrais n.ºs 564/2020-T, 24/2023-T e 113/2023-T, que compete à AT demonstrar, nos procedimentos administrativos ou nas acções processuais instauradas pelos sujeitos passivos da CSR, que se verificou a repercussão efectiva do imposto nos utilizadores da rede rodoviária nacional para, desse modo, evitar o reembolso do imposto indevidamente liquidado com base na situação de enriquecimento sem justa causa por efeito da repercussão do imposto nos consumidores.»

Improcederia, assim, a excepção de ilegitimidade da Requerente.

3. Defende a Requerente serem as liquidações ilegais por violarem o que determina a Directiva 2008/118 do Conselho, de 16 de Dezembro.

Mais uma vez nos mantemos fiéis ao fixado no supra citado acórdão do CAAD: «Ora, tal directiva, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo, entre outros, dos produtos energéticos, dispõe, no n.º 2 do artigo 1º:

- “Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções”.

A propósito de um reenvio prejudicial requerido no âmbito do processo arbitral 564/2020-T, foi proferido pelo TJUE, no Proc. C-460/21, em 07-02-2002, despacho que considerou que:

- “Para se considerar que prossegue um motivo específico, na acepção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa”.

- Só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo quando prossegue um motivo específico, na acepção do artigo 1º, n.º 2 da Directiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria colectável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes nem sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respectivo consumo.

- No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.° 26 do presente despacho, que, embora a afectação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, essa afectação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.

- Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na acepção desta disposição, a CSR deveria destinar‑se, por si só, a assegurar os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C‑103/17, EU:C:2018:587, n.° 38).

- Em terceiro lugar, como resulta do n.° 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afectação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto‑lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.

- Em quarto lugar, os dois objectivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redacção da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afectadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.

- Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adoptar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria susceptível de reduzir os acidentes.

- Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efectuar atendendo às indicações que figuram nos n.o 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na acepção do artigo 1°, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 31 a 35)”.

Para concluir que:

- “O artigo 1°, nº 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Directiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na acepção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afectadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”.»

Aderindo a tal entendimento, do mesmo modo que o decidido nos processos arbitrais 304/2022-T e 298/2023-T, concluímos que “a CSR não tem um «motivo específico», antes se destina ao financiamento de despesas de carácter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são susceptíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de «motivo específico» o artigo 1°, n.° 2, da Diretiva 2008/118. Ao ser a lei que cria o tributo ilegal por violar a Diretiva 2008/118, as liquidações impugnadas padecem do vício de ilegalidade abstracta”.»

Assim sendo, o pedido arbitral devia ter sido considerado procedente.

 

Cristina Aragão Seia

 

*************

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Teria decidido de forma diferente a questão da competência do Tribunal, pelos mesmos argumentos que foram seguidos no processo 372/2023-T, resumidamente, por entender que:

  1. Em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considerada «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»).
  2. Paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.
  3. No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.
  4. Por outro lado, da relegação da definição do âmbito da vinculação para diploma de natureza regulamentar depreende-se que, subjacente à restrição que se pretendeu efectuar estarão também razões pragmáticas relacionadas com a criação das condições práticas para implementação do novo regime, que normalmente se reservam para diplomas de natureza executiva, como são as relativas à disponibilidade de meios humanos da Administração Tributária com formação adequada para a representarem adequadamente nos processos tributários que exijam formação mais especializada. Neste caso, pelas limitações ao âmbito da jurisdição arbitral que se fazem nas alíneas c) e d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a litígios relacionados com matéria aduaneira, entrevê-se que estarão razões desse tipo subjacentes a essas restrições à arbitrabilidade de litígios.

 

Assim, teria decidido pela incompetência do Tribunal por falta da vinculação exigida pelo artigo 4.º do RJAT. A falta de vinculação não implica incompetência absoluta, em razão da matéria, a que alude o artigo 16.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pois a competência para apreciação da generalidade de atos de liquidação de tributos se insere nas competências dos tribunais arbitrais definidas no artigo 2.º do RJAT. Estamos, isso sim, perante uma incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos], acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à Autoridade Tributária e Aduaneira através da vinculação prevista no artigo 4.º do RJAT.

 

Lisboa, 02.04.2024

 

Raquel Franco

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.