Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 885/2023-T
Data da decisão: 2024-03-29  IVA  
Valor do pedido: € 182.866,06
Tema: IVA. Serviços de construção civil. Direito à dedução. Inversão do sujeito passivo. Princípios de efectividade e neutralidade.
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Decisão Arbitral

 

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e Dra. Raquel Montes Fernandes (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-02-2024, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

A..., S.A., sociedade comercial com o NIPC..., sediada na Rua ..., n.º..., ..., ...--... - Barreiro (doravante designado como “Requerente”) apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade de liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, referentes aos períodos 202012T, 202103T, 202106T e 202109T.

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios, por indevido pagamento da prestação tributária.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 28-11-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 17-01-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 06-02-2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 13-03-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de armazenagem não frigorífica, mais concretamente, de ácido sulfúrico;
  2. Para esse efeito, a Requerente carece de tanques de elevada dimensão, feitos em aço, para armazenar o ácido sulfúrico, como o que se vê na fotografia que consta do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, que se dá como reproduzida;
  3. Esses tanques encontram-se localizados em zona específica do Porto de Aveiro (fotografia que consta do documento n.º 2, que se dá como reproduzida);
  4. A Requerente contratou com a B..., S.A (adiante B...) o fornecimento e montagem de 2 tanques, na sequência da aceitação da proposta que consta do documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  5. A Requerente contratou, ainda, com a mesma B..., a reparação de 2 tanques, de harmonia com a proposta que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  6. A B... é uma sociedade comercial que se dedica à fabricação e montagem de elementos de construção em metal, fabricação e montagem de produtos de caldeiraria e derivados em aços inoxidáveis, a que corresponde o CAE 25290, com a seguinte descrição na atual CAE-Rev 3: 

«Compreende a fabricação de recipientes e de reservatórios metálicos para gases sob pressão (comprimidos ou liquefeitos) e a fabricação de cubas, depósitos, cisternas e de outros reservatórios similares para outras matérias, de capacidade superior a 300 l.»

  1. Relativamente aos referidos fornecimento, montagem e reparação de tanques foram emitidas pela B... as seguintes facturas:

 

  1. O IVA liquidado nas facturas referidas foi entregue ao Estado pela B... (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Na declaração periódica do período 202012T, a Requerente deduziu o IVA liquidado nas facturas emitidas pela B...;
  3. Na sequência de um acordo de revisão de preços, relacionado com as operações acima mencionadas, foi emitida nota de crédito n.º 2020A12/14, pela B..., com IVA no montante de € 37.518,75, que deu origem, da parte da Requerente, a uma regularização de IVA a favor do Estado, no campo 41 da declaração periódica, a qual visa corrigir a factura n.º FT 2019A1/102 de 16-04-2019 (Relatório da Inspecção Tributária);
  4.  Ao abrigo da Ordem de Serviço OI n.º 2022..., os Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de Setúbal efectuaram uma acção interna de âmbito parcial, em sede de IVA, ao ano de 2020;
  5. Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Analisado o conteúdo das faturas (aquisição e reparação de imobilizado), bem como, o esclarecimento efetuado pelo sujeito passivo, verifica-se que a aquisição dos 2 tanques de armazenagem de produtos corrosivos inorgânicos e, a reparação de 2 tanques afetados pelo processo de corrosão, implicam trabalhos similares a construção civil, uma vez que os referidos tanques são de grande dimensão e, como tal, são transportados desmontados, sendo depois montados no local onde irão entrar em funcionamento. Apesar de os tanques poderem mudar de localização, é sempre necessária a sua desmontagem e posterior montagem, equiparando-se assim, a bens imóveis.

Face ao disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 2º do CIVA, conjugado com o oficio circulado n.º 30101 de 24-05-2007, a aquisição de bens, com montagem ou instalação na obra, considera-se abrangida pela regra de inversão do sujeito passivo, pelo que cabe ao adquirente efetuar a respetiva liquidação e entrega do imposto que se mostre devido, sem prejuízo do direito à dedução.

Assim, relativamente ao IVA deduzido no campo 20 da DP (AFT), verificando-se que não foi aplicada a regra de inversão do sujeito passivo na aquisição e reparação dos tanques, não confere o direito à dedução deste imposto, pelo que se propõe correções, conforme exposto e fundamentado no ponto V deste relatório.

 

(...)

V.1 Correção em sede de IVA - Dedução indevida

 

Conforme referido no ponto IV.2, o sujeito passivo deduziu no campo 20 da DP, imposto relativo a imobilizado, do qual se destaca a dedução referente às faturas (anexo 2), emitidas pelo fornecedor B... SA (NIF...):

 

 

As referidas faturas foram emitidas com liquidação de IVA e, respeitam à aquisição de 2 tanques de armazenagem de produtos corrosivos inorgânicos e reparação de tanques, tendo o SP deduzido o respetivo IVA na DP do período 202012T. Quanto à fatura com data de emissão de abril de 2019, cujo IVA foi deduzido em 202012T, a dedução encontra-se dentro do prazo previsto no n.º 2 do artigo 98º do CIVA.

 

Contudo, conforme já referido, os bens aqui em causa assumem uma natureza de bens imóveis, uma vez que se trata de tanques de grande dimensão, os quais não são possíveis deslocar de um lado para outro, sem a respetiva desmontagem e posterior montagem, pelo que nos parece que, efetivamente, estes tanques não sejam regularmente reposicionados, o que os torna bens imóveis, cuja montagem necessita de trabalhos equiparados a construção civil.

Estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 2º do CIVA, serem sujeitos passivos do imposto "(...) as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços(...)".

No entanto, de harmonia com a alínea j) do n.º 1 do artigo 2º do CIVA, "São sujeitos passivos de imposto(...) as pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicilio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada."

No sentido de um melhor esclarecimento sobre a aplicação da alínea j) do n.º 1 do artigo 2º do CIVA, foi emitido o ofício circulado n.º 30101, de 24-05-2007, da Direção de Serviços do IVA (DSIVA).

Assim, a inversão do sujeito passivo aplica-se quando, cumulativamente, se verifiquem as seguintes condições:

i. Se esteja na presença de aquisição de serviços de construção civil - englobando todo o conjunto de actos necessários à concretização de uma obra, independentemente do fornecedor ser ou não obrigado a possuir alvará ou título de registo nos termos da Lei n.º 41/2015, de 03/06;

ii. O adquirente ser sujeito passivo de IVA, em território nacional e, aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA.

 

Sempre que, determinada operação reúna as condições cumulativas referidas nos pontos i. e ii. do parágrafo anterior, é obrigatório observar o disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA (inversão do sujeito passivo), cabendo ao adquirente a liquidação e entrega do imposto que se mostre devido (sem prejuízo do seu eventual direito à dedução, nos termos gerais do CIVA, designadamente nos termos dos seus artigos 19º a 26º), devendo a fatura emitida pelo fornecedor dos bens e/ou prestador do(s) serviço(s), nos termos do n.º 13 do artigo 36º do CIVA, conter a expressão 'IVA Autoliquidação'.

Considerando os esclarecimentos constantes do Ofício Circulado n.º 30101, de 24-05-2007, deve entender-se que a entrega de bens, com montagem/instalação na obra, considera-se abrangida pela regra de inversão do sujeito passivo, referida na alínea j) do n.º 1 do artigo 2º do CIVA, independentemente de o fornecedor ser ou não obrigado a possuir alvará ou título de registo nos termos da Lei 41/2015, de 3/06.

Questionado o sujeito passivo sobre a possível/eventual deslocação dos tanques, por forma a aferir se se tratam de bens móveis ou imóveis, veio o sujeito passivo esclarecer o seguinte (anexo 3) e, passo a citar:

 

"Os tanques metálicos são bens que podem ser transferidos para outros locais, devendo, para o efeito, serem desmontados em parcelas e no novo local serem colocados e montados, tal como foram instalados anteriormente. A base em que são assentes os tanques são em betão armado, com um custo, naturalmente muito mais reduzido, em relação aos tanques.

Dadas as dimensões dos bens é uma situação pouco prática a transferência dos tanques metálicos e pela definição de bens móveis como os bens, de natureza tangível, que pelas suas características podem ser facilmente transportados de um local para outro sem perdera sua integridade, consideramos que efectivamente os bens são de natureza imóvel. (...)"

Estando aqui em causa o fornecimento e montagem de tanques de grande dimensão, para os quais são necessários trabalhos de construção civil para a sua operacionalidade, constata-se que estes bens passam a estar materialmente ligados ao imóvel com carácter de permanência, pelo que é aplicável a regra de inversão do sujeito passivo, a que se refere a alínea j) do nº 1do artigo 2º do CIVA.

Estipula o n.º 8 do artigo 19º do CIVA, que "Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação".

Daqui decorre que, ainda que o transmitente (fornecedor) dos bens ou prestador de serviços liquide indevidamente IVA nessas operações, esse imposto não é dedutível.

Dado que o valor deduzido, não decorre de uma liquidação efetuada pelo SP, de acordo com as regras da inversão do sujeito passivo (alínea j) do nº 1 do artigo 2º do CIVA), não pode ser aceite o IVA mencionado nas faturas 2020A1/211 e 2019A1/102, deduzido pelo SP na DP do período 202012T no montante de 167.503,34€, nos termos do n.º 8 do artigo 19º do CIVA.

 

V.2 Resumo das Correções

 

 

Assim, o imposto em falta no período 202012T, é de 167.503,34€, nos termos dos artigos 27º e 41º, ambos do CIVA.

 

(...)

IX. Outros elementos relevantes

 

IX.1 Outras situações relevantes

 

► Quanto à Nota de Crédito n.º NC 2020A12/14, emitida pelo fornecedor B... SA (NIF...) (anexo 4), com IVA no montante de 37.518,75€ e, regularizada a favor do Estado, no campo 41 da DP, a qual visa corrigir a fatura n.º FT 2019A1/102 de 16-04-2019:

 

Não se procede a qualquer correção inerente à nota de crédito, pois as regularizações são retificações promovidas pelo fornecedor/prestador de serviços e, sendo esta uma opção exclusiva do fornecedor, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 78º do CIVA, com reflexos no imposto a favor do SP e a favor do Estado, compete ao fornecedor a sua retificação.

 

  1. Na sequência da inspecção foram emitidas as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:

 

  1. Em 26-06-2023, a Requerente procedeu ao pagamento das quantias liquidadas (documentos n.ºs 6 a 13 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício-Circulado n.º 30101, de 24-05-2007, cujo teor se dá como reproduzido, publicitado em:

https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/IVA-of_circ_30101.pdf

  1. Em 15-12-2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não se detectaram quaisquer indícios de fraude, designadamente relativos à entrega ao Estado das quantias de IVA liquidadas pela B... .

Não se provou que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha feito qualquer diligência tendo em vista apurar se a B... podia devolver à Requerente o IVA que esta lhe pagou, com referência às facturas impugnadas.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente pagou duas facturas emitidas pela B..., relativas ao fornecimento e montagem de 2 tanques e reparação de dois tanques, por esta efectuados.

Nessas facturas foi liquidado IVA à taxa de 23%, pela B..., que a Requerente pagou e a B... entregou ao Estado.

Posteriormente, a Requerente deduziu o IVA pago na declaração do período 202012T.

  Nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, «são sujeitos passivos do imposto» (...) «as pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada».

O nº 8 do artigo 19º do CIVA determina que «nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito à dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação».

Numa inspecção tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira, no Relatório da Inspecção Tributária (RIT), entendeu que se enquadram no conceito de «aquisição de serviços de construção civil», a aquisição e reparação de tanques de grande dimensão, de aço inoxidável, destinados a armazenar ácido sulfúrico, e a Requerente não podia ter deduzido o IVA, por entender, em suma, o seguinte:

– que o fornecimento, montagem e reparação «implicam trabalhos similares a construção civil, uma vez que os referidos tanques são de grande dimensão e, como tal, são transportados desmontados, sendo depois montados no local onde irão entrar em funcionamento. Apesar de os tanques poderem mudar de localização, é sempre necessária a sua desmontagem e posterior montagem, equiparando-se assim, a bens imóveis»;

– «os tanques metálicos são bens que podem ser transferidos para outros locais, devendo, para o efeito, serem desmontados em parcelas e no novo local serem colocados e montados, tal como foram instalados anteriormente. A base em que são assentes os tanques são em betão armado, com um custo, naturalmente muito mais reduzido, em relação aos tanques»;

– «Dadas as dimensões dos bens é uma situação pouco prática a transferência dos tanques metálicos e pela definição de bens móveis como os bens, de natureza tangível, que pelas suas características podem ser facilmente transportados de um local para outro sem perder a sua integridade, consideramos que efectivamente os bens são de natureza imóvel. (...)

– «está em causa o fornecimento e montagem de tanques de grande dimensão, para os quais são necessários trabalhos de construção civil para a sua operacionalidade, constata-se que estes bens passam a estar materialmente ligados ao imóvel com carácter de permanência, pelo que é aplicável a regra de inversão do sujeito passivo, a que se refere a alínea j) do nº 1do artigo 2º do CIVA.».

 

A Requerente imputa às liquidações impugnadas vícios de:

– falta de fundamentação;

– erro na aplicação do artigo 2.º, n.º 1, alínea j), do CIVA;

– violação dos princípios da efectividade, da neutralidade e da justiça, a duplicação de colecta e o enriquecimento sem causa;

– inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade;

– erro no apuramento do IVA deduzido, por ter ocorrido uma redução de preço, que não foi considerada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

            No caso de vícios geradores de anulabilidade, a alínea a) do n.º 2 daquele artigo 124.º estabelece que se deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 O vício de falta de fundamentação é de natureza formal e a eventual anulação com base nele não obsta necessariamente à renovação do acto anulado, com supressão do vício.

 Por isso, apreciar-se-ão prioritariamente os vícios de violação de lei, na medida em que o seu conhecimento não fique prejudicado.

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

 

 

3.1. Questões da falta de fundamentação e erro na aplicação do artigo 2.º, n.º 1, alínea j), do CIVA

 

3.1.1. Posições das Partes

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

– a administração fiscal considerou que «a aquisição dos 2 tanques de armazenagem de produtos corrosivos inorgânicos e, a reparação de 2 tanques afectados pelo processo de corrosão, implicam trabalhos similares a construção civil»;

– retirando todas as consequências de tal raciocínio, importa ter em conta que, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, há inversão do sujeito passivo, quando estejam em causa "serviços de construção civil";

– não estão abrangidos pela referida norma quaisquer outros serviços, ainda que possam ser similares a serviços de construção civil;

– sendo uma norma de incidência, não é permitida a sua interpretação extensiva, nem muito menos a sua aplicação por analogia, ainda que pudesse, de iure constituendo, entreter-se a conclusão de que o legislador disse menos do que queria;

– a alegada similitude nem sequer foi fundamentada pela administração fiscal;

– está ferida de ilegalidade a liquidação do IVA, porque as operações em causa, sendo, como expressa e irrevogavelmente considerou a inspecção, trabalhos similares a construção civil, não estão abrangidos pela mencionada regra de inversão do sujeito passivo e, consequentemente, a dedução do imposto não está abrangida pelo n.º 8 do artigo 19.º do CIVA;

– a inversão do sujeito passivo foi criada porque no âmbito da construção de edifícios, era frequente a existência de pequenas empresas, sem estrutura significativa que, em regra, em regime de empreitada ou subempreitada, actuavam neste sector e que não entregavam o IVA liquidado nos Cofres do Estado, cessando a atividade sem que a administração fiscal pudesse cobrar o imposto, mesmo recorrendo à via coerciva;

– a autorização legislativa em que o Governo se baseou para introduzir a alínea j) do n. 1 do artigo 2.º do CIVA referia-se às «prestações de serviços conexas com a construção de edifícios»;

– naquela alínea j) veio a determinar-se a aplicação desse regime aos «adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada»;

– a norma não explicita nem o conceito de "serviços de construção civil" nem o conceito de "bens imóveis";

– à face da Classificação Portuguesa das Actividades Económicas, exclui-se do conceito de construção a instalação de equipamento industrial;

– a B... fabrica equipamento industrial;

– um tanque de armazenamento industrial não é, obviamente, per si, um edifício nem qualquer outra construção. É um bem móvel, fabricado nas instalações da B... e transportado, em partes, para o local de montagem;

– e muito menos, na actividade da indústria metalúrgica (com grandes empresas) estão presentes os riscos (existência de pequenas empresas que prestam serviços em regime de empreitada ou subempreitada, desaparecendo sem o pagamento do IVA) que justificaram a adopção do regime de inversão do sujeito passivo;

– para haver "obra", teria de haver um trabalho de construção, que relevasse do sector da construção de bens imóveis;

– no limite, um tanque poderá passar a ser parte de um bem imóvel se for incorporado, com carácter de permanência, a um edifício ou construção pré-existente, mas isso não altera a natureza da operação efetuada pela B...;

– o Regulamento de Execução da Directiva n.º 2006/112/CE definiu o conceito de bens imóveis, mas a situação dos autos não se enquadra em qualquer das situações naquele previstas;

– segundo as notas explicativas sobre as regras da UE em matéria de IVA relativas ao lugar das prestações de serviços relacionados com bens imóveis «um edifício pode ser definido como uma estrutura (artificiai) com um tecto e paredes, como uma casa ou fábrica», o que não é o caso dos tanques;

– não há nenhum edifício nem construção de que os tanques façam parte;

– os tanques são assentes numa base de betão, não estão fixados ao solo nem à base de betão preexistente;

– os tanques são originariamente bens móveis e o mero assentamento no solo de um bem móvel, não converte a transmissão em causa numa prestação de serviços de construção civil;

– os tanques estão assentes (nem sequer estão fixos) numa base de betão, numa parcela de terreno que foi concessionada à Requerente pela Administração do Porto de Aveiro, pelo período de 25 anos;

–  a mera conservação ou reparação de bens imóveis, não é, per si, como parece entender a inspecção, uma prestação de serviços de construção civil;

–  é necessário que essa conservação ou reparação utilize procedimentos próprios do sector de actividade da construção civil, isto é, que constitua uma obra.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

 

– a correcção tem como fundamento a al. j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA, porquanto “a aquisição de bens, com montagem ou instalação na obra, considera-se abrangida pela regra da inversão do sujeito passivo”, fundamentação essa que, recorde-se a Requerente manifestou ter bem apreendida, no esclarecimento prestado;

– sobre a noção de «serviços de construção civil», o citado ofício-circulado da DSIVA esclarece que «[a] norma em causa é abrangente (…)», devendo considerar-se como serviços de construção civil «(…) todos os que tenham por objecto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de atos que sejam necessários à sua concretização»;

– considera-se «(…) obra todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada.» (Cfr. ofício-circulado n.º 30 101 da DSIVA, de 24/05/2007);

– «Sempre que, no âmbito de uma obra, o prestador factura serviços de construção propriamente dita ou quaisquer outros com ela relacionados e necessários à sua realização, (v.g. aluguer ou colocação de andaimes, aluguer de gruas e de outros bens, serviços de limpeza, sinalização, fiscalização, remoção de entulhos, serviços de projectistas ou de arquitectura, etc), bem como materiais ou outros bens, entende-se que o valor global de factura, independentemente de haver ou não discriminação dos vários itens e da facturação ser conjunta ou separada, é abrangido pela regra de inversão de sujeito passivo.» (Cfr. ofício-circulado n.º 30 101 da DSIVA, de 24/05/2007).

– «Contudo, a facturação de serviços, ao prestador dos serviços de construção, tais como os indicados e que isoladamente não relevam do conceito de serviços de construção (v.g. aluguer ou colocação de andaimes, aluguer de gruas e de outros bens, serviços de limpeza, sinalização, fiscalização, remoção de entulhos, serviços de projectistas ou de arquitectura, etc) ou de meros fornecimento de materiais ou de outros bens, não é abrangida pelas normas de inversão, cabendo ao prestador dos referidos serviços ou ao transmitente dos bens a normal liquidação do IVA que se mostre devido.» (Cfr. ofício-circulado n.º 30 101 da DSIVA, de 24/05/2007);

– ao contrário do que sustenta a Requerente, a aplicação da regra da inversão do sujeito passivo não depende do tipo de atividade que o prestador presta;

– deve interpretar-se de forma ampla o conceito de “serviços de construção civil”, o que se retira da expressão: «bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo»;

– o fornecimento e a montagem dos tanques envolve, necessariamente, um processo construtivo;

– a Requerente alega que os tanques, apesar da sua grande dimensão, foram fornecidos desmontados e foram montados no local onde permanecem e não se encontram “fixos”, mas, tão-só, “assentes”, mas, os trabalhos de fornecimento e montagem dos tanques pressupõem a indispensável adaptação do solo onde os tanques vão assentar, seja através da construção de “sapatas” ou de outro tipo de técnica que assegure que os mesmos fiquem devidamente instalados, fixos ou assentes, de forma a cumprirem a sua função;

– trata-se da aquisição e montagem de equipamentos, neste caso de Tanques de armazenamento de ácido sulfúrico, adquiridos, montados e assentes no solo numa base de betão, por um período de 25 anos;

– as dimensões dos tanques, o assentamento dos mesmos no solo em bases de betão, conferem-lhe um caráter de permanência, retirando-lhe a natureza de um bem móvel;

– apesar da compra dos tanques à B..., o trabalho de construção dos mesmos, só fica concluído com a montagem, instalação e assentamento dos mesmos no solo em bases de betão, atos estes que permitem que a obra, neste caso os tanques, fiquem prontos para funcionamento/utilização, considerando-se estes atos como serviços de construção civil pois o produto final consiste na construção de um tanque amovível com vista ao armazenamento de ácido sulfúrico, pelo que se aplica a regra da inversão prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA;

– a entrega de bens, com montagem ou instalação na obra, considera-se abrangida pela regra de inversão, desde que se trate de entregas no âmbito de trabalhos contemplados pela Portaria 19/2004, de 10 de Janeiro;

– excluem-se da regra de inversão os bens que, inequivocamente, tenham a qualidade de bens móveis, isto é, bens que não estejam ligados materialmente ao bem imóvel com carácter de permanência;

– apesar da amovibilidade dos tanques, conforme alegado pela Requerente e verificado pelos SIT, a verdade é que para que os mesmos sejam movimentados, necessário se torna a sua posterior instalação, o que inclui (necessariamente) a realização de novos trabalhos de construção civil;

– após a montagem dos tanques e a sua fixação ou assentamento, verifica-se, inequivocamente, uma ligação material dessas coisas (tanques) ao imóvel, para além do mais, por via de canalizações e redes eléctricas, ambas de carácter permanente;

– os tanques só podem ser retirados do local onde foram montados através da realização de novo serviço de construção civil;

– idêntica conclusão se deve inferir relativamente aos serviços de reparação nos tanques;

– o valor global de factura, independentemente de haver ou não discriminação dos vários itens e da facturação ser conjunta ou separada, é abrangido pela regra de inversão de sujeito passivo;

– presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano;

– o facto de se tratar de “um equipamento industrial”, não altera, como pretende fazer crer a Requerente, as características objectivas dos bens.

 

3.1.2. Apreciação das questões da falta de fundamentação e da interpretação da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA

 

O artigo 199.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece, no que aqui interessa, que «os Estados-Membros podem prever que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário das seguintes operações:

a) prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis considerada como entrega de bens nos termos do n.º 3 do artigo 14.º».

 

No n.º 3 do artigo 45.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, foi concedida uma autorização legislativa ao Governo, estabelecendo-se, no que aqui interessa, como seu sentido e alcance, «definir, nas operações realizadas entre sujeitos passivos, como devedor de imposto o destinatário de prestações de serviços conexas com a construção de edifícios, bem como o adquirente, locatário ou cessionário no caso das operações sobre imóveis sujeitas a tributação, ainda que por opção».

O Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, emitido ao abrigo desta autorização legislativa, introduziu no n.º 1 do artigo 2.º do CIVA uma alínea j), em que se estabelece o seguinte:

1 – São sujeitos passivos do imposto:

(...)

j) As pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.

 

Nem a Directiva n.º 2006/112/CE nem o CIVA definem o que deve entender-se por «prestação de serviços de construção» ou «serviços de construção civil», esclarecendo, no entanto, que neles se incluem a «reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis» (Directiva n.º 2006/112/CE) e a «a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis» (CIVA).

Através do ofício-circulado n.º 30101, de 24-05-2007, a Administração Tributária publicitou o seu entendimento sobre o conceito de «serviços de construção civil» baseando-se no Decreto-Lei nº 12/2004, de 9 de Janeiro, considerando «serviços de construção civil todos os que tenham por objecto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de actos que sejam necessários à sua concretização» e definindo como «obra todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada».

Constata-se que não há total sintonia quanto às referências a construções que se fazem na norma da Directiva n.º 2006/112/CE que permite aos Estados-Membros adoptar a regra da inversão do sujeito passivo, na Lei de autorização legislativa e no Decreto-Lei que a usou, pois a Directiva n.º 2006/112/CE refere-se a «prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis», a Lei de autorização legislativa restringiu aparentemente a inversão do sujeito passivo às «prestações de serviços conexas com a construção de edifícios», na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA faz-se referência genérica a «serviços de construção civil», sejam ou não os serviços conexos com a construção de edifícios, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.

No que concerne à aparente restrição feita na autorização legislativa em relação à Directiva n.º 2006/112/CE, não se colocam problemas de compatibilidade, uma vez que esta se limita a autorizar os Estados-Membros a adoptarem o regime da inversão do sujeito passivo e  as «prestações de serviços conexas com a construção de edifícios», previstas na Lei n.º 60-A/2005, englobam-se na genérica «prestação de serviços de construção», referida na Directiva n.º 2006/112/CE.

No que concerne, à compatibilidade do regime da autorização legislativa com o Decreto-Lei n.º 21/2007, a questão é de solução mais duvidosa.  

Com efeito, o artigo 112.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) impõe a «subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa», pelo que o regime do Decreto-Lei n.º 21/2007, não podia exceder o objecto, o sentido e extensão da autorização legislativa, definidos nos termos do n.º 2 do artigo 165.º da CRP.

Na verdade, está-se perante matéria relativa à incidência subjectiva do IVA, que se insere na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, por força do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, pelo que o Governo apenas tem competência legislativa na medida da autorização concedida pela Assembleia da República, como decorre do preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 198.º da CRP. 

No entanto, a aparente extensão do regime da inversão do sujeito passivo a «serviços de construção civil» que não sejam «construção de edifícios», afigura-se não afectar a validade constitucional da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA quanto a sua aplicação ao caso dos autos, pois o único conceito de «edifícios» definido na Directiva n.º 2006/112/CE, que consta do primeiro parágrafo do n.º 2 do seu artigo 12.º, tem grande amplitude, pois «entende-se por “edifício” qualquer construção incorporada no solo».

Embora este conceito se reporte especificamente ao n.º 1 do artigo 12.º da Directiva n.º 2006/112/CE não é de excluir a possibilidade de a referida lei de autorização legislativa o ter utilizado, pois é, pelo menos, um dos sentidos possíveis do conceito de «edifício».

Desta perspectiva, a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA não será organicamente inconstitucional, ao aplicar-se à generalidade de construções incorporadas no solo.

Por outro lado, segundo a jurisprudência do TJUE (designadamente o acórdão de 28-02-2019, processo n.º C-278/18, n.º 23), a propósito do conceito de incorporação no solo, relativo a «bens imóveis», para efeitos da Directiva n.º 2006/112/CE, é no sentido de que «não implica que os objetos em questão devam estar indissociavelmente incorporados no solo. Basta que não sejam móveis nem facilmente deslocáveis (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de janeiro de 2003, Maierhofer, C-315/00, EU:C:2003:23, n.ºs 32 e 33, e de 15 de novembro de 2012, Leichenich,C-532/11, EU:C:2012:720, n.º 23)».

No caso em apreço, é de considerar estar-se perante uma situação de incorporação no solo, à luz desta jurisprudência do TJUE, uma vez que se está perante tanques de grandes dimensões, assentes numa base de betão, e, como referiu a própria Requerente, nos esclarecimentos apresentados à Autoridade Tributária e Aduaneira que constam do anexo 3 do RIT, «dadas as dimensões dos bens é uma situação pouco prática a transferência dos tanques metálicos e pela definição de bens móveis como os bens, de natureza tangível, que pelas suas características podem ser facilmente transportados de um local para outro sem perder a sua integridade, consideramos que efectivamente os bens são de natureza imóvel».

Assim, perante a reconhecida dificuldade de deslocação dos tanques, afigura-se que se está perante aquisição de «serviços de construção civil» e de reparação de bens imóveis, à face da jurisprudência do TJUE, pelo que foi correcto o enquadramento da situação da Requerente na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.

No que concerne à fundamentação, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( [1] )

 

No caso em apreço, é irrelevante que, em primeira linha, a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha considerado, com insuficiente fundamentação, que o enquadramento da situação dos autos na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA se justificaria por se estar perante «trabalhos similares a construção civil», pois, aditou a essa fundamentação que, «dadas as dimensões dos bens é uma situação pouco prática a transferência dos tanques metálicos e pela definição de bens móveis como os bens, de natureza tangível, que pelas suas características podem ser facilmente transportados de um local para outro sem perdera sua integridade, consideramos que efectivamente os bens são de natureza imóvel» e «está em causa o fornecimento e montagem de tanques de grande dimensão, para os quais são necessários trabalhos de construção civil para a sua operacionalidade, constata-se que estes bens passam a estar materialmente ligados ao imóvel com carácter de permanência, pelo que é aplicável a regra de inversão do sujeito passivo, a que se refere a alínea j) do nº 1do artigo 2º do CIVA».  

Apreciando a globalidade desta fundamentação, percebem-se as razões essenciais que levaram a Autoridade Tributária e Aduaneira a enquadrar a situação na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que são o facto de, no seu entendimento, se estar perante bens imóveis, para cuja construção foram realizados trabalhos de construção civil.

Pelo exposto, não se verifica vício de falta de fundamentação nem erro no enquadramento da situação dos autos na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.

 

3.2. Questão da violação dos princípios da efectividade, da neutralidade e da proporcionalidade

 

A Requerente imputa às liquidações impugnadas violação dos princípios da efectividade, da neutralidade e da proporcionalidade, que são princípios essenciais do regime do IVA previsto na Directiva n.º 2006/112/CE.

A Requerente invoca o acórdão do TJUE, de 11-03-2019, no processo C-691/17, em que se decidiu que «os princípios da neutralidade fiscal e da efetividade, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma prática da autoridade tributária segundo a qual, na inexistência de suspeitas de fraude, a referida autoridade recusa a uma empresa o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado que esta empresa, enquanto destinatária de serviços, pagou indevidamente ao fornecedor desses serviços com base numa fatura por este emitida de acordo com as regras do regime ordinário do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), quando a operação pertinente estava abrangida pelo mecanismo de autoliquidação, sem que a autoridade tributária  – avalie, antes de recusar o direito a dedução, se o emitente dessa fatura errada pode devolver ao destinatário da mesma o montante de IVA indevidamente pago e se pode retificá-la e regularizá-la, em conformidade com a legislação nacional aplicável, para obter o reembolso do imposto indevidamente pago à Fazenda Pública, ou  – decida reembolsar, ela mesma, ao destinatário dessa mesma fatura o imposto indevidamente pago ao emitente desta e que este último, em seguida, pagou indevidamente à Fazenda Pública» e que «esses princípios exigem, contudo, nos casos em que o reembolso, pelo fornecedor de serviços ao destinatário, do IVA indevidamente faturado se revele impossível ou excessivamente difícil, nomeadamente em caso de insolvência do fornecedor de serviços, que o destinatário dos serviços possa pedir a devolução diretamente à autoridade tributária».      

O acórdão do TJUE invocado pela Requerente não dá apoio à sua posição, pois considera que os princípios da neutralidade fiscal e da efectividade não se opõem à recusa do direito a dedução, nos casos de autoliquidação, mesmo quando a autoridade tributária  não avalie se o emitente da factura errada pode devolver ao destinatário da mesma o montante de IVA indevidamente pago e se pode retificá-la e regularizá-la, para obter o reembolso do imposto indevidamente pago à Fazenda Pública, nem decida reembolsar, ela mesma, ao destinatário dessa mesma factura o imposto indevidamente pago ao emitente desta e que este último, em seguida, pagou indevidamente à Fazenda Pública.

Idêntico entendimento foi adoptado pelo TJUE, estendendo-o ao princípio da proporcionalidade, no acórdão de 26-04-2017, processo n.º C-564/15:

2) As disposições da Diretiva 2006/112, conforme alterada pela Diretiva 2010/45, e os princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que, numa situação como a do processo principal, o adquirente de um bem seja privado do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado que pagou indevidamente ao vendedor com base numa fatura emitida segundo as regras de tributação do regime comum do imposto sobre o valor acrescentado, quando à operação em causa era aplicável o mecanismo de autoliquidação, no caso de o vendedor ter pagado o referido imposto à Fazenda Púbica. Contudo, esses princípios exigem, desde que o reembolso, pelo vendedor ao adquirente, do imposto sobre o valor acrescentado indevidamente faturado seja impossível ou excessivamente difícil, nomeadamente em caso de insolvência do vendedor, que o adquirente possa pedir a devolução diretamente à autoridade tributária. 

 

Por outro lado, não se demonstrou que seja impossível ou excessivamente difícil o reembolso pela B... à Requerente, estando-se, designadamente, dentro do prazo de 4 anos a contar do nascimento do direito à dedução, em que é possível a regularização de facturas, à face da jurisprudência do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador de 23-11-2022, processo n.º 21/21.0BALSB.

Para além disso, não se está perante uma situação em que a Administração Tributária disponha de todos os elementos necessários para concluir que não há nem haverá prejuízo para o erário público decorrente da não observância do regime de inversão do sujeito passivo, pois a Requerente não autoliquidou IVA e a B... ainda está em tempo de pedir a regularização das facturas que emitiu.

            Assim, em suma, no âmbito do IVA prevêem-se várias formalidades legais cuja adopção se justifica pela necessidade de controle da legalidade da autoliquidação do imposto e do exercício do direito à dedução, de cujo cumprimento os sujeitos passivos não podem dispensar-se por seu puro arbítrio, mesmo nos casos em que do seu não cumprimento não resulte prejuízo para a arrecadação de impostos.

            Num Estado de Direito, baseado no primado da lei (artigo 3.º da CRP), os sujeitos passivos não podem sobrepor às formalidades legislativamente previstas os seus próprios critérios pessoais sobre quais as formalidades que devem ser observadas para assegurar a  prossecução do interesse público, mesmo que esses critérios sejam bem intencionados e correspondam ao que os sujeitos passivos entendem pessoalmente que devia ser a lei, se fosse a eles próprios e não ao legislador que a lei atribui poder legislativo.

            Assim, nesses casos em que há formalidades previstas na lei, como sucede no caso em apreço, em que a lei exige que os sujeitos passivos procedam à autoliquidação e, depois, exerçam o direito à dedução, não podem aqueles, em vez de as aplicarem, suprimi-las, criando para si próprio um regime alternativo de autoliquidação e exercício do direito à dedução implícitos, que se reconduziria a eliminar completamente os comandos legislativos.

            Se é certo, como se diz no citado acórdão do TJUE, que estas exigências devem ser afastadas nos casos em que o reembolso pelo fornecedor dos serviços ao destinatário se revele impossível ou excessivamente difícil, também o é que não se demonstrou essa impossibilidade ou dificuldade em a B... efectuar a regularização das facturas e reembolsar a Requerente.

            Por isso, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a estes vícios imputados pela Requerente.

 

3.3. Questão da violação do princípio da justiça

 

O artigo 266.º, n.º 2, da CRP estabelece que «os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé» e o artigo 55.º da LGT reafirma estes princípios no procedimento tributário, estabelecendo que «a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários».

Os princípios constitucionais e legais referidos, para além de terem aplicação no que concerne aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, introduzindo neste exercício aspectos vinculados cuja não observância é susceptível de constituir vício de violação de lei, não esgotam aí a sua aplicabilidade, aplicando-se também ao domínio de poderes vinculados, limitando o alcance das normas específicas que regulam situações determinadas, tendo no âmbito do direito administrativo e tributário uma função idêntica à que no âmbito do direito civil tem o princípio do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil). ( [2] )

No específico âmbito do direito tributário, em que são raros e pouco relevantes os casos de atribuição de poderes discricionários, a aplicação daqueles princípios constitucionais é reafirmada pelo artigo 55.º da LGT, cumulativamente com o princípio da legalidade, o que revela que são princípios que devem ser ponderados e aplicados concomitantemente, com as limitações recíprocas que forem necessárias para sua optimização, quando forem incompagináveis as soluções a que cada um deles conduz.

Assim, na aplicação das leis tributárias, as normas que regulam uma determinada situação específica não podem ser encaradas isoladamente, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico, com primazia para o direito constitucional, em que se englobam aqueles princípios, que também fazem parte do bloco normativo aplicável e são também definidores da legalidade.

Nesta linha de entendimento, a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a reconhecer que a aplicação do princípio da justiça prevalece sobre o princípio da legalidade estrita, nomeadamente em situações em que da violação deste não há prejuízo para o interesse público. ( [3] )

Mas, não se pode olvidar que o princípio da legalidade estrita (subordinação à Constituição e à lei) é também um princípio constitucional enunciado no n.º 2 do artigo 266.º da CRP, pelo que a optimização da aplicação conjunta desse princípio e dos princípios da justiça e da proporcionalidade será atingida, reservando a aplicação destes para os casos em que seja manifesta a inaceitabilidade das consequências da aplicação da solução normativa especificamente prevista para determinada situação. ( [4] )

No caso em apreço, não se está perante uma situação deste tipo, pois, como já se referiu, o direito à dedução foi exercido na declaração do período 202012 e, por força do disposto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, é possível a regularização das facturas e a substituição de declarações dentro do prazo de 4 anos a contar do nascimento do direito à dedução, como decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador de 23-11-2022, processo n.º 21/21.0BALSB.

Assim, havendo a possibilidade de regularização da situação pela forma prevista na lei, a não aceitação do exercício do direito a dedução pela Requerente não implica qualquer violação do princípio da justiça.

 

3.4. Questão da duplicação de colecta

 

 

A duplicação de colecta está prevista no artigo 205.º do CPPT, como fundamento de oposição à execução fiscal.

De harmonia com o n.º 1 deste artigo 205.º «haverá duplicação de colecta para efeitos do artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo».

A duplicação de colecta é doutrinal e jurisprudencialmente considerada uma «heresia» no nosso sistema fiscal ( [5] ), devendo ser conhecida oficiosamente, pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou pelos Tribunais, nos termos o artigo 175.º do mesmo Código.

Sendo proibida por lei a duplicação de colecta, quando ela deriva da emissão de uma nova liquidação e está pago por inteiro tributo liquidado, relativamente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo, constitui ilegalidade dessa nova liquidação, susceptível de ser invocada em processo de impugnação judicial, que pode ter como fundamento «qualquer ilegalidade» (artigo 99.º do CPPT).

Uma confirmação de que a invocação da duplicação de colecta não se restringe ao processo de execução fiscal, encontra-se no n.º 6 do art. 78.º da LGT em que se prevê a possibilidade de revisão do acto tributário com esse fundamento.

Como decorre do n.º 1 do artigo 205.º do CPPT, aplicado às situações em que são impugnados actos de liquidação, haverá duplicação de colecta quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.

Mas, é obstáculo ao reconhecimento da existência de uma situação de duplicação de colecta a eventualidade de o primeiro pagamento poder ser impugnado.

Na verdade, o regime da duplicação de colecta pressupõe que o primeiro pagamento está consolidado ( [6] ), pois o que justifica a não exigência de novo imposto é o facto de com a dupla aplicação da mesma norma tributária a uma situação concreta se gerar uma situação de enriquecimento injustificado do erário público.

No caso em apreço, não está consolidado o pagamento, pois é possível ainda a regularização das facturas, com reembolso à B... do IVA que pagou.

Por isso, não se pode entender que a exigência ao requisito do IVA indevidamente liquidado envolva duplicação de colecta.

 

3.5. Questão do enriquecimento sem causa

 

A existência de uma situação de enriquecimento sem causa do Estado dependeria, desde logo, da consolidação de uma situação em que recebesse duplamente o IVA respeitante às operações de prestações de serviços, o que consubstanciaria uma situação de duplicação de colecta.

 Pelo que se diz no ponto 3.4., não se está perante uma situação desse tipo, pois, sendo possível a regularização das facturas emitidas pela B..., não está consolidado na ordem jurídica o pagamento do IVA que com base nelas foi liquidado por esta empresa.

Assim, não se verifica uma situação de enriquecimento sem causa.

 

3.6. Questão da inconstitucionalidade do artigo 19.º, n.º 8, da CRP

           

            A Requerente imputa ao artigo 19.º, n.º 8, do CIVA violação do princípio da  proporcionalidade, aludindo também à aplicabilidade de sanções contra-ordenacionais ou criminais.

No que concerne à eventual ofensa do princípio da proporcionalidade decorrente da aplicação de sanções contra-ordenacionais e criminais, a que alude a Requerente, trata-se de matéria cuja apreciação não se insere nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, limitadas nos termos do artigo 2.º do RJAT. De qualquer modo, a ocorrer ofensa do princípio da proporcionalidade decorrente da aplicação de sanções dessa natureza, a recusa de aplicação deverá limitar-se às normas que prevêem essas sanções e não às que prevêem o regime de inversão do sujeito passivo, como entendeu o TJUE no acórdão de 26-04-2017, processo n.º C-564/15.

O referido artigo 19.º, n.º 4, estabelece que «nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação».

Esta norma é corolário do regime de inversão do sujeito passivo, visando assegurar a sua observância, obstando ao exercício do direito à dedução com base nas facturas emitidas pelo fornecedor, com indevida liquidação de IVA.

Este regime justifica-se pelas preocupações de combate à fraude e evasão fiscal que estão subjacentes à criação do regime de inversão do sujeito passivo.

De qualquer modo, tratando-se do princípio da proporcionalidade em matéria de Direito da União Europeia, haverá que atender aos «termos definidos pelo direito da União», em face do preceituado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP,  e aplicar a jurisprudência do TJUE, que entendeu no acórdão de 26-04-2017, processo n.º C-564/15,  «os princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que (...) o adquirente de um bem seja privado do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado que pagou indevidamente ao vendedor com base numa fatura emitida segundo as regras de tributação do regime comum do imposto sobre o valor acrescentado, quando à operação em causa era aplicável o mecanismo de autoliquidação, no caso de o vendedor ter pagado o referido imposto à Fazenda Púbica», excepto quando «o reembolso, pelo vendedor ao adquirente, do imposto sobre o valor acrescentado indevidamente facturado seja impossível ou excessivamente difícil, nomeadamente em caso de insolvência do vendedor».

Assim, como no caso em apreço não se está perante uma situação de impossibilidade ou excessiva dificuldade de reembolso pelo vendedor ao adquirente do imposto indevidamente cobrado por aquele, a aplicação do regime do artigo 19.º, n.º 8, do CIVA não é incompatível com o princípio da proporcionalidade.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a este vício.

 

3.7. Pedido de reenvio prejudicial

 

 

A Requerente peticiona que, em caso de dúvida, seja apresentada uma questão prejudicial ao TJUE, perguntando se é ou não contrário ao direito da União a existência de uma norma (n.º 8 do artigo 19.° do CIVA), de procedimentos processuais e de uma prática administrativa que inviabiliza a recuperação do IVA indevidamente deduzido, por erro na aplicação da regra de inversão do sujeito passivo, mas que foi entregue nos Cofres do Estado pelo prestador de serviços.

No artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia prevê-se o reenvio prejudicial para o TJUE, que é obrigatório quando uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.

 Como se vê pelos acórdãos do TJUE que se citaram, existe jurisprudência do TJUE sobre o regime de inversão do sujeito passivo aplicável à situação dos autos, pelo que não se justifica o reenvio prejudicial.

Assim, indefere-se o requerimento de reenvio prejudicial.

 

 

4. Pedidos de reembolso e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede reembolso da quantia de € 182.866,06, que pagou em 26-06-2023, relativamente às liquidações impugnadas, acrescida de juros indemnizatórios.

Do anteriormente exposto conclui-se que as liquidações impugnadas não enfermam dos vícios que a Requerente lhe imputa.

Como o reembolso depende da anulação das liquidações e elas deverão ser mantidas, tem de improceder o pedido de reembolso.

O mesmo sucede quanto aos juros indemnizatórios, que dependem da existência de um pagamento indevido do imposto liquidado (artigo 43.º, n. 1, da LGT).

Por isso, improcede também o pedido de juros indemnizatórios.

           

 

            5. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.

 

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 182.866,06, indicado pelo Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 29-03-2024

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 

 

(Raquel Montes Fernandes)

 

 

 

 

 



[1]             Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do STA: de 4-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 6-6-1999, processo n.º 42142; de 9-2-2000, processo n.º 44018; de 28-3-2000, processo n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366.

[2] Essencialmente neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS et al., Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, nas anotações 7 a 9 ao artigo 55.º.

[3] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25-06-2008, processo n.º 0291/08 (em que se decidiu que não se justifica a aplicação do princípio da especialização dos exercícios, quando não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios) e de 19-11-2008, processo n.º 0325/08 (em que se entendeu «constatando-se que contribuinte incorreu em vários erros na aplicação do princípio da especialização dos exercícios e constatando-se que, da globalidade deles, resultou ele próprio prejudicado, por ter invocado tardiamente mais custos do que os que antecipou, não há lugar a aplicação de juros compensatórios pela invocação de custos antecipados, por imperativo do princípio da justiça»).

[4] Essencialmente neste sentido, em alguma medida, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 363/2001, de 12-07-2001, proferido no processo n.º 667/00, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 50, página 867: «O princípio da justiça, como parâmetro aferidor da conformidade constitucional das normas jurídicas pressupõe que esteja em causa uma solução normativa absolutamente inaceitável, que afecte uma dada dimensão do núcleo fundamental dos interesses essenciais da pessoa humana e que colida com os valores estruturais do ordenamento jurídico».

[5] TEIXEIRA RIBEIRO, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 120.º, página 278, e acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-11-1989, processo n.º 011877.

[6] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19-4-2012, processo n.º 0150/12, e de 27-2-2013, processo n.º 01079/12.