Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 370/2014-T
Data da decisão: 2014-12-02  Selo  
Valor do pedido: € 23.281,80
Tema: IS – verba 28 da TGIS; terrenos para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Processo n.º 370/2014-T

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 6 de Maio de 2014, A…S.A., pessoa colectiva com o NIPC ..., com sede na Rua ..., Lisboa, Serviço de Finanças de Lisboa ..., (adiante designada “Requerente”), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral para declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto de Selo (IS), com o n.º 2014 ..., de 14.07.2013, no valor de € 11.640,90 (onze mil seiscentos e quarenta Euros e noventa cêntimos) e n.º 2014 ..., de 17.03.2014, também no valor de € 11.640,90 (onze mil seiscentos e quarenta Euros e noventa cêntimos) com anulação dos actos de liquidação de IS, devolução do imposto pago indevidamente, e o pagamento dos respectivos juros indemnizatórios.

2. No Pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, foi designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

4. O tribunal arbitral ficou constituído em 10 de Julho de 2014.

5. A Administração Tributária e Aduaneira (AT) apresentou a sua Resposta em 29 de Setembro de 2014, acompanhada do processo administrativo (PA), e de um requerimento onde, tendo em conta a ausência de qualquer excepção e de necessidade de produção de prova adicional, manifestou posição no sentido de dispensa de reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

6. Notificadas as Requerentes para se pronunciarem sobre a dispensa de reunião do artigo 18º do RJAT e sobre a necessidade de produção de alegações, não houve resposta, pelo que o Tribunal, por despacho de 25 de Novembro de 2014, decidiu dispensar a reunião e as alegações, e proferir decisão até ao dia 10 de Janeiro de 2015.

 

8. O Pedido de Pronúncia

A Requerente sustenta, em síntese:

-          As liquidações de Imposto do Selo relativas ao “terreno para construção” inscrito na matriz predial sob o artigo ... da freguesia de ... – a liquidação com o nº 2014 ..., de14.07.2013, notificada à Requerente em 05.02.2014, no valor de €11.640,90 referentes ao ano de 2012 e a liquidação com o nº 2014 ..., de 17.03.2014, também no valor de €11.640,90 padecem dos vícios de violação de lei ordinária, por erro sobre os pressuposto de aplicação da verba 28.1 da TGIS, e da lei constitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) nas vertentes capacidade contributiva e coerência do sistema fiscal.

-          Estão reunidas as condições para cumulação de pedidos (art. 3º RJAT) porque ambas as liquidações são de Imposto do Selo, ao abrigo da mesma verba 28.1, relativas ao mesmo imóvel, por aplicação das mesmas regras de direito, assim como são iguais os argumentos utilizados nos dois casos.

-          O terreno para construção de que a Requerente é proprietária, inscrito na matriz predial da mesma freguesia com o novo artigo n.º ... (antigo artigo ..., antes da reorganização administrativa das freguesias) e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o registo n.º ..., tem um VPT de € 1.164.090,00.

-          Segundo o disposto no artigo 6.º do Código do IMI o primeiro dos requisitos para que um prédio urbano seja considerado como habitacional é a existência de um edifício ou construção.

-          Mas o prédio em causa é um mero terreno para construção, uma mera escavação sem qualquer edifício ou construção nele edificado, não sendo possível afirmar que o seu uso normal será a afectação habitacional visto nele poderem vir a ser edificados espaços culturais como, por exemplo, museus.

-          Também não se pode confundir a afectação habitacional com os coeficientes de afectação (artigos 38.º e 41.º do CIMI): o artigo 41.º do CIMI determina que “O coeficiente de afectação (Ca) depende do tipo de utilização dos prédios edificados, de acordo com o seguinte quadro (...).”, o que implica a existência de um prédio edificado, o que não é certamente o presente caso, sendo que o destino deste poderia ser de habitação ou qualquer outro previsto naquele artigo (comércio, serviços, armazéns ou estacionamento não coberto).

-          É jurisprudência assente que para o cálculo do VPT dos terrenos para construção não se tem em conta o coeficiente de afectação previsto no artigo 41.º do CIMI.

-          A ratio da introdução da verba 28 na TGIS é tributar manifestações de fortuna ostentadas através de prédios destinados a habitação com um valor patrimonial substancialmente elevado, resultando da dicotomia entre os prédios cuja propriedade é detida por residentes em território nacional e aqueles cuja propriedade é detida por sujeitos passivos com residência em território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável que quanto aos sujeitos passivos residentes apenas se pretende tributar os prédios com afectação habitacional, e não qualquer prédio sem distinção (como no caso de sujeitos residentes em território com regime fiscal claramente mais favorável)

-          O presente prédio é propriedade de sujeito passivo residente em território nacional, não estando afecto a habitação e nele podem vir a ser edificadas tanto habitações, como espaços de comércio, indústria ou serviços.

-          O facto de o legislador ter vindo, através da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014, alterar a redacção da verba 28.1 (que passou a dizer «Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.»), demonstra que não pretendeu incluir os terrenos para construção na versão em vigor até 31.12.2013 (e ao abrigo da qual foram realizadas as liquidações ora impugnadas).

-          As decisões do Centro de Arbitragem Administrativa e a jurisprudência do STA referentes a esta matéria têm sido unânimes: a verba 28.1 da TGIS não engloba terrenos para construção.

-          O tratamento diferenciado de sujeitos passivos traduz-se em violação do princípio da capacidade contributiva que acarreta a inconstitucionalidade material da verba 28 da TGIS (como já decidido no processo arbitral n.º 218/2013-T) por violação dos artigos 13.º e 104º, n.º 3 da CRP.

-          Inconstitucionalidade que vicia todos os actos praticados ao abrigo dessa legislação, incluindo as presentes liquidações, que assim deverão ser anuladas nos termos do artigo 135.º do CPA e artigo 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

-          E existe aqui situação de dupla tributação interna porque o objecto de tributação deste imposto é a propriedade dos bens imóveis do sujeito passivo de imposto cuja propriedade é tributada tanto em sede de IMI como em sede de IS e pelo mesmo período tributário, os anos fiscais de 2012 e 2013.

-          A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre cidadãos (art. 104º, n.º 3 da CRP) e o sistema fiscal visa uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza (art. 103º da CRP), mas enquanto 10 imóveis com um VPT de EUR 100.000,00 cada, serão sujeitos a tributação apenas em sede de IMI, o imóvel com um VPT de EUR 1.000.001,00 verá a sua propriedade ser tributada não só em sede de IMI, como igualmente em sede de IS, o que configura uma sobrecarga fiscal não justificada e discriminatória entre contribuintes com igual capacidade contributiva (coeteris paribus) e com património de igual valor.

-          O legislador, ao impor três obrigações tributárias distintas sobre o mesmo facto tributário, violou o princípio da igualdade na sua vertente do princípio da coerência e da sistematicidade do sistema fiscal, sendo de assinalar que a tributação em sede de Imposto do Selo acaba por se revelar mais gravosa que a própria tributação em sede de IMI – no concelho de ... as taxas de IMI são de 0,35 e 0,65 consoante o imóvel está ou não avaliado de acordo com as regras do CIMI; já a taxa de IS é de 1% para o IS do ano de 2013.

-          Existe violação do princípio da coerência do sistema fiscal - seria mais coerente alcançar este resultado através do aumento das taxas de tributação em sede de IMI para os referidos imóveis - consagrado pelos artigos 13º e 104, n.º 3 da CRP, com inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS.

 

9. A Resposta

A Requerida responde, em síntese:

-          O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a anulação da liquidação de Imposto de Selo no ano de 2012, no montante de € 11.640,90, e da nota de cobrança de Imposto do Selo, relativa à 1ª prestação, do ano de 2013, no montante de €3.880,30,

-          Mas a Requerente não pode associar ao pedido de anulação da liquidação de Imposto de Selo no ano de 2012 o pedido de anulação do imposto relativo ao ano de 2013, com base na nota de cobrança de IS no montante de €3.880,30, relativa à 1ª prestação, associando a este último o pedido de anulação do restante imposto relativo ao ano de 2013 (que ainda não lhe foi notificado relativamente às 2.ª e 3.ª prestações) quantificando o seu pedido de anulação relativo ao ano de 2013 em € 11.640,90 (assim decidiu o tribunal arbitral no proc. n.º 180/2013-T).

-          Relativamente à tributação respeitante a 2012, e à 1.ª prestação de 2013, a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, porque:

-          Com a alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10/2012, ao artigo 1.º do CIS, e aditamento da verba 28 à TGIS, o IS passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a €1.000.000,00.

-          Na ausência de qualquer definição, em sede de IS, do conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, há que recorrer ao CIMI, mandado aplicar subsidiariamente pelo art. 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo.

-          Terá que se ter em conta o conceito de prédio do n.º 1 do artigo 2.º do CIMI, assim como o disposto no artigo 6.º, n.º 1 do CIMI, sobre as espécies de prédios urbanos existentes (integrando neste conceito os terrenos para construção).

-          A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar o valor do imóvel em causa, por isso a noção de afectação do prédio urbano assenta na avaliação dos imóveis, devendo aplicar-se o art. 45.º, n.º 2, do CIMI que manda ter em conta o “…valor das edificações autorizadas”, sendo por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI.

-          Assim, se é claro que para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção terá que se ter em conta o coeficiente de afectação em sede de avaliação, a sua consideração não pode ser ignorada para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS.

-          O legislador não refere prédios destinados a habitação mas afectação habitacional, devendo o sentido desta expressão encontrar-se não no art. 6.º, n.º1, alínea a), do CIMI mas no art. 45.º do CIMI, o qual distingue a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir e a área de terreno livre; apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% como prevê o n.º 2 da referida norma, em virtude de a construção ainda não estar efectivada.

-          O valor do terreno adjacente à área de implantação é apurado nos mesmos termos em que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano.

-          É possível, antes da efectiva edificação do prédio, apurar e determinar a afectação do terreno para construção tendo em conta o regime de urbanização e edificação, RJUE e Planos Directores Municipais.

-          A Constituição da República, não impede diferenciação de tratamento, mas apenas discriminações arbitrárias, irrazoáveis, sem justificação e fundamento material bastante: a verba 28 da TGIS não viola a CRP porque sustenta o diferente tratamento dos imóveis (habitação/serviços/comércio) com opção do legislador em afastar, por razões políticas e económicas, os imóveis não afectos a fins não habitacionais.

-          A tributação em sede de Imposto do Selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis, encontrando-se legitimada enquanto mecanismo de obtenção de receita, e não violando o princípio da proporcionalidade ao aplicar-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a €1.000.000,00.

-          Porque as liquidações não padecem de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, deve julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.

 

10. Objecto do pedido

As questões jurídicas suscitadas na apreciação do presente pedido de apreciação da legalidade das presentes liquidações de Imposto do Selo são:

a)      Qual o montante de imposto susceptível de ser abrangido pelo presente pedido de apreciação de legalidade das liquidações de IS relativas a 2012 e 2013.

b)      Se um terreno para construção deve ser considerado “prédio com afectação habitacional”, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.

c)      Se a tributação prevista na verba 28 constitui uma dupla tributação.

d)   Constitucionalidade da verba 28 da TGIS.

 

 

11. Saneamento

O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

II Fundamentação

 

12. Factos provados

Com base nas peças juntas pela Requerente (Pedido de pronúncia arbitral e Documentos nº 1 a 7 juntos com o Pedido) e pela Requerida (Resposta), fixa-se a seguinte factualidade, sendo que os factos provados se mostram suficientes para emissão de pronúncia:

12.1.  A…S.A., pessoa colectiva com o NIPC ..., com sede na Rua ...Lisboa, é proprietária do prédio sito na Rua..., concelho e freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o registo n.º ...e inscrito na matriz predial da mesma freguesia com o novo artigo n.º ... (Caderneta predial/Documento nº 2, junto pela Requerente com o requerimento inicial e Documentos de cobrança, nºs 1 e 3, juntos com o Pedido).

12.2. O tipo de prédio objecto dos autos é o de “terreno para construção” com as seguintes áreas: total de terreno 9.294,300 m2; implantação do edifício, 3.754,6500 m2; área bruta de construção, 10.223.7300 m2; área bruta dependente, 3.717,7200 m2 (Caderneta predial e documentos, nºs 1 e 3 de cobrança, juntos com o Pedido).

12.3. O prédio foi inscrito na matriz em 2003 e o valor patrimonial actual determinado segundo o CIMI é de € 1.164.090,00 (Caderneta Predial e documentos de cobrança).

12.4. Em 5 de Fevereiro de 2014, a Requerente foi notificada, através de documento de cobrança com o número 2014 ..., para pagar o Imposto do Selo referente ao ano de 2012, com liquidação datada de 14/07/2013, no montante de € 11.640,90 (Artigo 1º, a), do Pedido e Documento n.º 1 junto com o Pedido).

12.5. A colecta calculada resultava da aplicação da taxa de 1% ao VPT de € 1.164.090,00 e a fundamentação contida no DUC era que se tratava de uma liquidação de Imposto do Selo previsto na verba 28 da Tabela Geral, efectuada em conformidade com os dados constantes da matriz predial urbana do prédio abaixo indicado (Doc. nº 1, junto com o pedido).

12.6. Em 17 de Março de 2014, a Requerente foi notificada, através de documento com o número 2014 ..., para pagar a 1ª prestação no montante de € 3.880,30, durante Abril de 2014, do Imposto do Selo, cuja liquidação datada de 17/03/2014, e referente ao ano de 2013 atingia o valor de colecta de € 11.640,90 (Artigo 1º, b), do Pedido e Documento n.º 1 junto com o Pedido).

12.7. A colecta calculada resultava da aplicação da taxa de 1% ao VPT de € 1.164.090,00, sendo referida a verba 28.1 da TGIS.

12.8. O presente pedido arbitral foi apresentado em 6 de Maio de 2014.

 

13. Factos não provados

Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.

 

14. Apreciação de direito

14.1. Quanto à cumulação de pedidos e âmbito do pedido

No presente caso a Requerente pretende cumular dois pedidos de declaração de ilegalidade do mesmo imposto, relativo ao mesmo sujeito passivo, e ao mesmo imóvel, terreno para construção, referente aos anos de 2012 e 2013, estando em causa a aplicação das mesmas regras de direito, na apreciação da incidência sobre o mesmo prédio do Imposto do Selo previsto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, pelo que

 

Nada se opõe à cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, nos termos do artigo 3º, nº 1, do RJAT, pelo que o tribunal passará à apreciação e decisão do mérito da causa.

 

Coloca-se apenas a questão se, relativamente ao imposto referente ao ano de 2013, é objecto do pedido a liquidação pela totalidade ou apenas o montante objecto de notificação até à data de apresentação do requerimento.

 

Será esta questão retomada a final, para determinação do efeito da decisão e valor da causa.

 

14.2. A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS)

14.2.1. Regime aprovado pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro

A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), foi aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, com o seguinte conteúdo:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

 

Segundo resulta das alterações ao CIS, introduzidas pelo artigo 3º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, o imposto do selo previsto na verba 28 da TGIS incide sobre uma situação jurídica (nº 1 do artigo 1º e nº 4 do artigo 2º do CIS), em que os respectivos sujeitos passivos são os referidos no artigo 8.º do CIMI (nº 4 do artigo 2º do CIS), aos quais cabe o encargo do imposto (alínea u) do nº 3 do artigo 3º do CIS). 

 

As normas do CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, quer no artigo 4º, nº 6 (“Nas situações previstas na verba 28 da Tabela Geral, o imposto é devido sempre que os prédios estejam situados em território português”), quer no artigo 23º, nº 7 (“Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”), conjugados com o artigo 1º do CIMI, consideram o prédio como o facto que desencadeia a tributação desde que atinja o valor previsto na verba 28 da Tabela Geral do Selo.

 

O disposto na Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, quanto à nova verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo, entrou em vigor no dia seguinte à publicação da lei.

 

O artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, prevê disposições transitórias por virtude das quais, nesse primeiro ano de vigência, ou seja, 2012: o facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro (quando, de acordo com o artigo 8º do CIMI, aplicável por remissão do nº 4 do art. 2º do CIS, seria em 31 de Dezembro); o sujeito passivo do imposto é o titular do prédio (n.º 4 do artigo 2.º do CIS) também nesse dia 31 de Outubro; o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no CIMI por referência ao ano de 2011; a liquidação do imposto pela AT é efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012; o imposto deverá ser pago numa única prestação, pelos sujeitos passivos, até ao dia 20 de Dezembro desse ano 2012.

 

Quanto às taxas, a alínea f) do nº 1 do mesmo artigo 6º, da Lei nº 55-A/2012, prevê a aplicação em 2012 de uma taxa inferior à taxa de 1%, prevista na verba 28.1 da TGIS para prédios com afectação habitacional, distinguindo-se ainda entre os casos de prédios avaliados nos termos do Código do IMI (taxa de 0,5 %) e prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI (taxa de 0,8 %).

 

14.2.2. O conceito de prédio com afectação habitacional

A verba 28.1 refere-se a “prédios com afectação habitacional” mas este conceito nem surge definido em qualquer disposição do CIS nem é usado no CIMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.

 

Esta questão tem sido objecto de apreciação quer pelos tribunais arbitrais[1], quer pelos tribunais administrativos e fiscais, existindo já uma quantidade apreciável de decisões proferidas ao mais alto nível [2], verificando-se grande unanimidade de posições.

 

Por concordar com a apreciação feita nessas diferentes decisões, este tribunal citará alguns excertos das mesmas por responderem adequadamente a questões levantadas nos presentes autos.

 

Enquanto as Requerentes insistem na diferença entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, a AT, considera que o sentido de o legislador não utilizar a expressão “prédios destinados a habitação”, mas “afectação habitacional, tem de se encontrar não no artigo 6.º, n.º1 alínea a) do CIMI mas no art.45º do CIMI, porque a interpretação da expressão “afectação habitacional” assenta na avaliação dos imóveis.

 

Considera a AT que o artigo 45.º, n.º 2, do CIMI ao mandar ter em conta o “…valor das edificações autorizadas”, remete para o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI, a ter em conta na aplicação da verba 28 da TGIS.

           

Analisando exactamente este tipo de argumento, disse-se na decisão arbitral proferida no proc. 53/2013-T :“No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção. O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afectação e ocorre antes desta.”[3]

 

Também as decisões arbitrais nºs 158/2913-T e 288/2013-T rejeitaram a tese da AT sobre a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral aos terrenos para construção, o que torna aplicável a tais imóveis o coeficiente de afectação previsto no artigo 41º do CIMI), da seguinte forma: “ É certo que o CIMI determina a aplicação, à avaliação dos terrenos para construção, da metodologia de avaliação aplicável aos edifícios construídos, incorporando para tal, no valor do terreno, o valor estimado do edifício a construir; e que este valor é determinado, por sua vez, pelo tipo de afetação prevista para os prédios a edificar. Posto em termos mais simples, a lei (CIMI) diz que para determinar o valor patrimonial dos terrenos para construção, incorpora-se neste uma parte do valor estimado dos edifícios a construir; e para estimar o valor dos edifícios a construir, tem-se em conta a afetação prevista para os mesmos. Ao contrário do que sustenta a AT, resulta precisamente da letra destes preceitos a inaplicabilidade do conceito de “afetação” aos terrenos para construção. A afetação que é tida em conta, para efeitos de avaliação, mesmo dos terrenos para construção, é sempre e apenas a afetação dos edifícios a construir. A afetação prevista para os edifícios a construir influencia o valor patrimonial tributável dos terrenos para construção, mas nada mais. Da norma relativa à determinação do valor dos imóveis que determina que, no valor dos terrenos para construção se incorpora o valor estimado dos edifícios a edificar, o qual, por sua vez, é influenciado pela afetação futura dos mesmos edifícios, não pode retirar-se que a afetação em causa é uma afetação dos próprios terrenos, e isto por duas razões: A primeira, porque esta interpretação seria contrária à própria literalidade dos preceitos que mandam ter em conta, na avaliação dos terrenos para construção, a afetação dos prédios a edificar; e a segunda, porque o modo como a lei manda avaliar uma determinada realidade patrimonial não pode ser determinante da natureza ou da qualificação jurídica da mesma realidade, tendo em vista, sobretudo, o princípio da tipicidade das normas de incidência tributária. O facto de a lei mandar aplicar a uma realidade patrimonial a mesma metodologia de avaliação que é aplicada a outra realidade diferente não faz que a primeira realidade passe a comungar da natureza da segunda. Assim, se é certo que o valor das edificações autorizadas ou previstas influenciam o valor real dos terrenos de construção, devendo por isso aquele valor ser refletido no valor patrimonial dos mesmos terrenos, daí não decorre que um terreno passe a ter afetação habitacional ao estar prevista a construção, nele, de prédios habitacionais, extraindo-se esta distinção de modo claro das próprias normas de avaliação do CIMI.”

 

Também a argumentação da AT tem sido rejeitada pelo Supremo Tribunal Administrativo, reproduzindo-se, por todas, excerto de uma decisão (Acórdão de 14-05-2014, in proc. 0317/14) que, também ela, refere outras decisões: “Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador. E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades. O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cf. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI). Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência objectiva da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI). Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno. Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”

 

Este tribunal subscreve as análises contidas nos excertos reproduzidos.

 

E considera que esta interpretação é confirmada pelo facto de o legislador ter, no Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), procedido a alteração da letra da verba 28.1, que passou a dizer: “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI “.

 

Esta alteração de redacção significa claramente que se quis mudar o texto para abarcar o que antes não se encontrava nele incluído. Com efeito, se alguém tinha pretendido, já anteriormente, incluir terrenos para construção na incidência da verba 28 da TGIS, tal desiderato não só não encontrava expressão verbal adequada na letra da lei como era contrariado pelo elemento histórico, através do relato dos trabalhos parlamentares.

 

As declarações do SEAF acima transcritas são disso a prova: o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou serem expressão determinante da capacidade contributiva, os prédios urbanos com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00 sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional.

 

“Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00”.” (...)[4] .“A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal."

 

Ora se o legislador revelou, claramente, querer tributar casas de luxo afectas a habitação, não é possível retirar da letra da lei, com a redacção aprovada em 2012, a  interpretação que sustenta que a tributação abrange os terrenos para construção de edificações, ainda que a afectar a habitação.

 

Citando de novo o Acórdão do STA proferido no rec. nº 317/14 : “a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI)”.

 

Portanto, a redacção dada à verba 28.1, no OE para 2014, é claramente inovadora, não se pondo a questão da sua aplicabilidade a anos anteriores. Que o legislador nem tentou, repete-se.


14.3. Conclusão quanto à legalidade da liquidação

Tendo em conta que o prédio da Requerente é um terreno para construção, não se está perante prédio com afectação habitacional actual, não sendo, então, objecto de incidência do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS, na redacção vigente ao tempo dos factos.

 

Por isso, as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida enfermam de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).

 

15. Questões de conhecimento prejudicado

 Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo por errada aplicação da verba 28 da TGIS, na redacção vigente à data dos factos, ao incluir os terrenos para construção no conceito de “prédios com afectação habitacional”, torna-se desnecessário, face ao disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, conhecer das questões de dupla tributação e inconstitucionalidade do artigo 28º da TGIS, invocadas pela Requerente no seu Pedido.

 

16. A questão dos efeitos da decisão e valor da causa

Como visto acima, o artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, prevê disposições transitórias por virtude das quais, no primeiro ano de vigência do IS agora previsto na verba 28 da TGIS, a liquidação do imposto pela AT é efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012 e o imposto pago numa única prestação, pelos sujeitos passivos, até ao dia 20 de Dezembro desse ano 2012.

 

Já relativamente a posteriores liquidações, rege o artigo 23º, nº 7 do Código do imposto do Selo: “Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.

 

Dispõe, por sua vez, o artigo 113º do CIMI que “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita” (nº 1) e que essa liquidação “é efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte” (nº 2).

E, quanto à respectiva cobrança, “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios” (nº 1 do art. 119º do CIMI, cuja epígrafe é “documentos de cobrança”), devendo o imposto ser pago em uma prestação (Abril), em caso de montante igual ou inferior a (euro) 250; duas prestações (Abril e Novembro) em caso de montante superior a (euro) 250 e igual ou inferior a (euro) 500 ou em três prestações (Abril, Julho e Novembro), quando o seu montante seja superior a (euro) 500 (nº 1 do artigo 120º do CIMI, na redacção dada pela Lei n.º 66-B/2012, que aprovou o OE para 2013).

Dos preceitos acima enunciados cremos concluir-se que, passado o período transitório correspondente ao primeiro ano de vigência, a liquidação do imposto do Selo ocorre, tal como a do IMI, anualmente, durante os meses de Fevereiro e Março.

Outra questão é o pagamento que, conforme o valor do imposto, será efectuado em uma, duas ou três prestações.

Mas, precisamente, trata-se de imposto já liquidado, embora eventualmente não exigível ainda na totalidade.

O facto de os contribuintes não terem ainda recebido a nota de cobrança (DUC) referente a todas as prestações não significa que não exista a liquidação, cujo valor lhes é notificado com a primeira nota de liquidação, documento para pagamento da 1ª prestação. Aí é indicado o VPT e a colecta devida anualmente. A não recepção desse documento não desobriga o contribuinte do encargo do imposto nem do dever de o pagar nos prazos legais fixados[5].

A liquidação ocorre desde aí, e a obrigação existe embora não vencida na totalidade, sendo que o nº 4 do art. 120º do CIMI dispõe que “no caso previsto nos n.ºs 1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes”.

17. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo impugnadas, relativas aos anos de 2012 e 2013.

 

18.Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 23.281,80 (vinte e três mil duzentos e oitenta e um euros e oitenta cêntimos).

 

19. Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

Lisboa,  2 de Dezembro de 2014

 

 

A árbitro

 

 

 

 

Maria Manuela Roseiro

 

 [Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo ortográfico de 1990, com excepção eventual de citações].

 



[1] No âmbito do CAAD é possível consultar já número considerável de decisões sobre a aplicação da verba 28.1 aos terrenos para construção (cf. processos nºs 42/2013-T;48/2013-T;49/2013-T; 53/2013-T; 75/2013-T;144/2013-T;158/2013-T;180/2013-T;189/2013-T;191/2013-T;215/2013-T;231/2013-T;288/2013-T; 310/2013-T).

[2] Cf. Acórdãos do STA (Secção CT), todos proferidos em 2014 : 9 de Abril (processos nºs 1870/13 e 48/14); 23 de Abril (processos nºs 270/14; 271/14; 272/14); 14 de Maio (processos nºs 1871/13, 46/14; 55/14; 274/14; 317/14); 28 de Maio (processos nºs 395/14; 396/14 e 425/14); 2 de Julho (proc. .467/14); 9 de Julho (proc. 676/14), in www.dgsi.pt.

[3] A mesma decisão também já concluíra que “deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afectação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim.” E “Que é este o sentido da expressão «afectação», no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que «estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», que evidencia que a afectação é concreta, efectiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afecto a ela, o que evidencia que a afectação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante”.

 

[4] Decisão arbitral no proc. 219/2013-T e decisões aí citadas (proc. 48/2013-T e 50/2013-T).

[5] O nº 3 do art. 119º do CIMI dispõe que caso o sujeito passivo não receba o documento mencionado no n.º 1 deve solicitar em qualquer serviço de finanças uma 2.ª via.