|
|
Versão em PDF |
SUMÁRIO:
-
Reconhecendo os Requerentes que do Pedido e causa de pedir a ilegalidade da liquidação constitui um ato consequente da nulidade do negócio jurídico formal realizado (por simulação), resulta claramente que para que a liquidação ora impugnada seja anulada é preciso que o negócio jurídico interposto (negócio jurídico simulado) seja declarado nulo, isto é, desapareça da ordem jurídica.
-
Não tendo a Requerida tido oportunidade de apreciar esta causa de pedir, segundo o estatuído no artigo 39.º da LGT, preceito que consagra a favor da AT que, em caso de simulação de negócios jurídicos a tributação incide sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado, a declaração de nulidade solicitada só pode estar a ser dirigida, em primeira linha, a este tribunal.
-
Uma pronúncia deste tipo não cabe nas competências elencadas no artigo 2.º do RJAT, o qual pressupõe que a declaração de ilegalidade solicitada aos tribunais arbitrais incida sobre a prática de atos tributários ilegais da AT e não sobre a ilegalidade de negócios jurídicos. Estamos a falar de um contencioso de segundo grau dirigido a avaliar uma pronúncia prévia expressa ou tácita da AT.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Fernanda Maçãs (Árbitra-Presidente), Nuno Miguel Morujão e Francisco Melo (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I- Relatório
-
A..., NIF..., e esposa, B..., NIF ... (adiante designados, conjuntamente, por “Requerentes”), vieram, ao abrigo da al. a) e b) do n.º 2 do artigo 10.º do decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por “RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º e n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de tribunal arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
-
Os Requerentes pedem a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade e consequente anulação do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante designado por “IRS”), notificada em 14/01/2023 pela Área de Cobrança da AT, daí resultando a notificação para pagamento do valor de € 65.806,79 (sessenta e cinco mil, oitocentos e seis euros e setenta e nove cêntimos), com a indicação da data limite de pagamento em 01/03/2023.
-
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT, em 05/06/2023.
-
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
-
Em 25/07/2023, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.
-
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 14/08/2023.
-
Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
-
Os Requentes alegam, essencialmente, que:
-
Considerando que a liquidação de IRS sub judice da correção ao preço da venda de quota social (na sociedade “C..., LDA.”, NIF...), alienada pela Requerente B..., para o valor de € 293.311,98, ao invés dos € 5.000,00 declarados, a mesma é ilegal, uma vez que a requerente B... não praticou qualquer negócio oneroso de cessão de quotas.
-
A requerente B... é uma pessoa que tem uma forte relação de amizade pessoal com D... e a sua ex-esposa E..., e restante agregado familiar, desde 2010, tendo realizado um estágio no departamento de informática na sociedade comercial denominada “F..., LDA” NIF..., sociedade de que eram sócios D... e E... .
-
Neste contexto, D... e E..., abordaram a requerente B..., convidando-a para, no âmbito das suas competências na área da informática, prestar serviços nas empresas detidas por estes, nomeadamente na criação de redes partilhadas, proteção de dados, correio eletrónico entre outras funções.
-
Como estavam a equacionar a constituição de uma sociedade comercial nova, com o mesmo objeto sociedade que a sociedade “F..., LDA” NIF ..., sociedade de que eram sócios D... e E... e que estava a atravessar processo de insolvência, e como essa nova sociedade não poderia ser titulada por D... e E..., acordaram os termos de constituição da nova sociedade.
-
Assim, a requerente B... outorgou contrato da nova sociedade, “C... UNIPESSOAL, LDA.” NIF..., assumindo então, na aparência (no contexto de confiança e amizade), o papel de sócia-gerente, com procuração autenticada em 18/07/2016 (17 dias após a constituição da sociedade), a conceder todos os poderes de gerência a D..., bem como, poderes para transmitir a quota da sociedade, podendo realizar negócio consigo mesmo, quando solicitado.
-
A requerente B... não escolheu o nome da sociedade, não escolheu o escritório de advogados, não pagou a constituição da sociedade, não procedeu à constituição do capital social, não movimentou contas bancárias da sociedade, não contratou ou selecionou colaboradores, aliás uma colaboradora da sociedade era E..., na altura esposa de D..., ou seja, não praticou qualquer ato inerente à qualidade de titular/gerente de uma sociedade comercial.
-
Sendo remunerada mensalmente com o valor de € 278,50 brutos, e não tendo exercido na sociedade “C... UNIPESSOAL, LDA.” quaisquer funções de facto, a requerente B... acedeu à outorga da cessão de quota, sem receber qualquer preço, em 07/10/2019, a favor dos descendentes de D... e seu cônjuge E..., apenas foi interveniente num complexo negocial simulado, que culminou em cessão de quotas, tributada pala AT.
-
Nos termos do artigo 240.º do Código Civil, “1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. 2. O negócio simulado é nulo”. Já nos termos do artigo 241.º (simulação relativa), “1. Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado. 2. Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei”.
-
Finalmente, de acordo com o artigo 242.º (legitimidade para arguir a simulação), “1. Sem prejuízo do disposto no artigo 286.º, a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta”.
-
Sendo certo que a validade dos negócios dissimulados cumpre os requisitos formais, respeitando a regra estipulada no artigo 241.º, n.º 2 do Código Civil.
-
Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 39.º da LGT, “1 - Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado”.
-
Nesse sentido, também importa considerar a jurisprudência, cf. Acórdão proferido pelo TCAS, em 09-07-2020, no processo n.º 964/08.6BELRA:
“3. A simulação é relativa porque congrega um negócio simulado, e um negócio real, correspondente ao querido pelas partes.
4. O negócio simulado é nulo nos ternos do artigo 240º/2 do Código Civil, o que implica o afastamento das vantagens fiscais pretendidas. É sobre o negócio real que recairá a tributação, desde que verificados os pressupostos legais da norma de incidência, conforme resulta do disposto no artigo 39º/1 LGT”.
-
Em consequência, a divisão e subsequente transmissão de quotas, com renúncia à gerência, operada por ata de assembleia geral da sociedade datada de 7 de outubro de 2019, é um contrato nulo por simulação, sendo que da vontade real dos simuladores resulta a validade ( negócio dissimulado) do contrato de divisão e transmissão de quotas da C..., Unipessoal, Ldª., constando como transmitente a título gratuito, ou seja, por doação, de D... (…).
-
A Requerente não foi, em nenhum momento, titular de qualquer quota social da sociedade “C...”, pelo que o negócio formal em crise é nulo, sendo válida a doação operada.
-
Deverá, portanto, ser considerado para efeitos de tributação, não o negócio simulado, mas sim o negócio dissimulado, de doação pelos ascendentes D... e seu cônjuge E..., para os seus descendentes menores (G... e H...), isentos de tributação em sede de IRS.
-
A própria AT conclui ser manifestamente impossível/credível, a concretização do negócio nos termos em que os documentos analisados espelham.
-
Sem prescindir, a não ser considerada a invalidade alegada de simulação do negócio jurídico alvo de tributação, como é mencionado no relatório inspetivo o valor da alienação da quota é determinado com base no último balanço da sociedade, o que perfaz o valor de € 293.311,98, e a mais valia apurada com a transmissão atinge o montante de€ 144.105,99.
-
Sucede que, acrescendo este valor aos rendimentos dos requerentes, conclui-se que a liquidação em crise, não concedeu a opção aos requerentes de englobar (ou não) os rendimentos provenientes da mais-valia, como lhes assistia o direito.
-
Ou seja, o englobamento dos rendimentos dos requerentes de 2019, nos termos concretizados pela AT resultou numa liquidação de € 60.752,11, e caso optassem pelo não englobamento do rendimento proveniente da mais-valia mobiliária, a liquidação seria de € 41.184,90.
-
A possibilidade não conferida aos requerentes resultou numa diferença de coleta fiscal no montante não inferior a € 19.567,21. Pelo que, os requerentes declaram optar pelo não englobamento fiscal do rendimento da mais-valia mobiliária, corrigindo-se a liquidação nos termos alegados.
-
Essa correção terá também reflexo na liquidação dos juros compensatórios calculados pela AT, impugnando-se expressamente o seu montante.
-
Por Despacho Arbitral, de 16/08/2023, nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, notificou-se a AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando dever ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do artigo 110.º do CPPT.
-
Por Despacho Arbitral, de 02/10/2023, notificou-se a Requerida da prorrogação do prazo para apresentação de Resposta.
-
A Requerida apresentou Resposta a 17/10/2023 com Processo Administrativo.
-
Alegou, em síntese, que:
-
Com a declaração de rendimentos modelo 3 entregue para efeitos de determinação do rendimento coletável em sede de IRS, o SP B declarou alienação de partes sociais, nomeadamente alienação do capital social da empresa “C... LDA”, NIF..., que havia adquirido (por 5.000,00 €) no ato de constituição da sociedade em 29/06/2016, correspondendo esta quota à totalidade do capital social da empresa, e realizou a sua venda em 07/10/2019, tendo declarado a venda pelo mesmo valor da aquisição, isto é, 5.000,00 €.
-
Entre as duas datas B... foi sócia única e gerente única da C... que então tinha a denominação social: “C... Unipessoal Lda.”.
-
Da análise da informação disponível na AT relativamente à C..., nomeadamente informação proveniente das declarações entregues no cumprimento das obrigações fiscais declarativas, especificamente nas Declarações anuais de informação contabilística e fiscal – IES e Declarações de Rendimentos – Modelo 22 de IRC, verifica-se que esta empresa, no período compreendido entre os anos de 2016 e de 2019, apresentou resultados do exercício e fiscais positivos, tendo acumulado à data de 31.12.2019 Capital Próprio no montante de 300.054,05 €, (…).
-
Pelo que, o valor de alienação declarado de 5.000,00 € está totalmente desfasado da realidade refletida pelo Capital Próprio da empresa. Não se afigura credível que tendo sido identificada a oportunidade de negócio, concretizada com a constituição dessa sociedade, e tendo o negócio apresentado desenvolvimento positivo, a alienação da quota fosse realizada pelo seu valor nominal.
-
Verifica-se que pela atividade desenvolvida ao longo de três anos, refletida na contabilidade e nas declarações fiscais apresentadas, a empresa apresenta no final de 2018 Capital Próprio Total no montante de 293.311,28 €, logo o valor da quota transmitida será superior ao montante do capital social que se mantém nos 5.000,00 € iniciais.
-
Nos termos do artigo 52.º do CIRS, o legislador confere à AT a faculdade de proceder à fixação do valor de realização da transmissão geradora de mais-valias ou menos-valias, quando considere, fundadamente, que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão. Para tal, deve a AT justificar a razão pela qual considera que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão. Sendo esta justificação, condição essencial para a aplicação da presunção prevista no artigo 52.º do CIRS.
-
A AT determinou, então, o valor de aquisição nos seguintes termos: tendo ficado fundamentada a divergência entre o valor da transmissão e o valor declarado, nos termos do n.º 1 do artigo 52.º do CIRS, tem a Autoridade Tributaria e Aduaneira (AT) a faculdade de proceder à respetiva determinação. De acordo o n.º 3 deste artigo: “Quando se trate de quotas, presume-se que o valor de alienação é o que àquelas corresponda, apurado com base no último balanço”.
-
Pelo que, no quadro 09 do anexo G da declaração modelo 3 de IRS deverá constar como valor de realização o montante de 293.311,98 €.
O valor de aquisição atualizado, de harmonia com o artigo 50.º CIRS e Portaria n.º 362/2019, de 9/10, é de 5.100,00€ (5.000,00€ X 1,02), para efeitos de apuramento das mais-valias.
-
No presente caso, o sujeito passivo exerceu a opção pelo englobamento dos referidos rendimentos de mais-valias.
-
Ora, a sociedade cuja quota foi alienada é classificada de micro ou de pequena empresa, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, pelo que as mais-valias resultantes da transmissão onerosa das suas partes sociais são tributadas em 50% do seu valor, pois, aplica-se o n.º 3 do artigo 43.º do CIRS. Assim, a mais-valia apurada com a venda da quota ascende ao montante de 144.105,99€ [50%*(293.311,98€ - 5.100,00€)], sendo este o valor a acrescer aos rendimentos declarados pelo sujeito passivo.
-
Nestes termos, salvo melhor opinião, não poderá ser atendida a pretensão dos Requerentes.
-
Relativamente a juros compensatórios, estes, em conformidade com o acima alegado, são devidos.
-
Por Despacho Arbitral, de 18/10/2023, notificou-se a Requerente para, no prazo de 10 dias, indicar os pontos da matéria de facto sobre os quais requer prova testemunhal, que não sejam suscetíveis de prova documental.
-
Em 19/10/2023, a Requerida apresentou o Relatório de Inspeção Tributária.
-
Por Despacho Arbitral, de 25/10/2023, notificaram-se as partes quanto a agendamento da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT no dia 22/11/2023, tendo lugar a audiência de julgamento.
-
Em 27/10/2023, a Requerente apresentou Requerimento para alterar a data prevista para a audiência, por impossibilidade de presença do mandatário.
-
Por Despacho Arbitral, de 06/11/2023, notificaram-se as partes quanto à alteração do agendamento da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, para o dia 20/12/2023, tendo lugar a audiência de julgamento.
-
Em 19/12/2023, a Requerente apresentou Requerimento informando que a testemunha D... estava ausente do país, e por isso impossibilitado de comparecer à audiência prevista para o dia 20/12/2023.
-
Em 20/12/2023, ocorreu a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e além da inquirição da testemunha presente, o Tribunal Arbitral:
-
Suscitou a questão de eventual incompetência do Tribunal, em razão do objeto: simulação relativa de negócio jurídico. Ouvidas as partes, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente e Requerida para no prazo de 10 dias se pronunciarem sobre a eventual exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.
-
Definiu o dia 26/01/2024, para efeitos de inquirição das restantes testemunhas.
-
Em 28/12/2023, a Requerente apresentou um Requerimento, pronunciando-se sobre a questão de exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, manifestando-se pela sua improcedência. A Requerida não se pronunciou.
-
Em 26/01/2023 foi realizada a reunião que havia ficado agendada, nos termos do artigo 18.º do RJAT, para inquirição da testemunha D... . Finda essa reunião, o Tribunal:
-
Notificou a Requerente e Requerida para apresentarem alegações no prazo de 15 dias sucessivos.
-
Prorrogou o prazo de prolação da decisão arbitral, para o dia 14/04/2024, nos termos dos artigos 18.º n.º 2 e 21.º n.º 1 e n.º 2 do RJAT.
-
Solicitou às partes o envio das peças processuais em formato WORD.
-
Advertiu a Requerente para a necessidade de proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o pagamento ao CAAD.
-
As partes não apresentaram alegações.
II- Saneamento
-
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, sendo beneficiárias de legitimidade processual (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
-
A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração e substabelecimento, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.
-
Em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), o Tribunal encontra-se regularmente constituído.
-
O Tribunal Arbitral suscitou oficiosamente a questão da incompetência do Tribunal para declarar a nulidade do negócio jurídico simulado, que será analisada mais adiante a título de questão prévia.
-
O processo não enferma de nulidades.
III- Fundamentação
III.1 – Matéria de facto
-
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
-
Em 01/07/2016, foi constituída a sociedade comercial “C..., LDA.” NIF..., figurando no contrato de sociedade a sócia B..., titular de uma quota de 5.000,00 € (cinco mil euro), e gerente (cf. documento 7.º junto ao PPA).
-
Em 18/07/2016 foi outorgada (cf. documento 8.º junto ao PPA):
-
Promessa de cessão de quota pelo preço de 5.000 €, a D... ou a quem este nomear; e
-
Promessa de renúncia às funções de gerência, aquando do negócio definitivo.
-
Em 07/10/2019, nos termos da ata n.º 5 da Assembleia Geral da sociedade “C..., UNIPESSOAL, LDA.”, foi deliberado:
-
Divisão da quota da propriedade da sócia B..., em duas, uma com o valor de € 3.700,00 (três mil e setecentos euros), e outra com o valor de € 1.300,00 (mil e trezentos euros).
-
Cessão da quota com o valor de 3.700,00 € (três mil e setecentos euros), a H..., e cessão da quota com o valor de € 1.300 (mil e trezentos euros), a G... .
-
Na declaração de rendimentos modelo 3, a Requerente declarou alienação de partes sociais, nomeadamente alienação do capital social da empresa “C... LDA”, NIF... .
-
A Requerente exerceu a opção pelo englobamento dos referidos rendimentos de mais-valias.
-
A cessão de quota foi realizada em 07/10/2019, tendo sido declarado como preço idêntico ao custo de aquisição (por 5.000,00 €), no ato de constituição da sociedade em 29/06/2016, correspondendo esta quota à totalidade do capital social da empresa.
-
Os Requerentes foram notificados em 14/01/2023 de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º: nº 2023..., respeitantes ao ano de 2019, com n.º de acerto de contas 2023..., datado de 2023/01/12, no montante de € 65.806,79, a pagar até 2023/03/01 (cfr. documentos n.ºs 1 e 2).
-
A fundamentação da liquidação de IRS é decorrente do procedimento de Inspeção à alienação de partes sociais, credenciado pela Ordem de Serviço n.º 0I2022..., cujo relatório final de Inspeção Tributária foi junto ao PPA com o doc. n.º 3.
-
Nesse procedimento de inspeção os Requerentes não exerceram o direito de audição prévia.
-
No Processo Administrativo pode ler-se, com relevo para os autos: No âmbito da ação desenvolvida, os SIT apuraram o seguinte:
“Com a declaração de rendimentos modelo 3 entregue para efeitos de determinação do rendimento coletável em sede de IRS, o SP B declarou alienação de partes sociais, nomeadamente alienação do capital social da empresa C... LDA, NIF ... .
“O SP adquiriu a quota de 5.000,00€ no ato de constituição da sociedade em 29.06.2016, correspondendo esta quota à totalidade do capital social da empresa, e realizou a sua venda em 07.10.2019, tendo declarado a venda pelo mesmo valor da aquisição, isto é, 5.000,00€. Entre as duas datas B... foi sócia única e gerente única da C... Lda que então tinha a denominação social: “C... Unipessoal Lda”.
“(…) Na sequência da análise realizada e perante a divergência de valores identificada, foi notificado o contribuinte para apresentar os seguintes elementos/esclarecimentos: a) Cópia do título translativo da respetiva quota (por exemplo, contrato, escritura, etc…); b) Indicação da razão pela qual foi o valor nominal e não outro método (valor patrimonial, valor dos fluxos descontados ou outro) o utilizado na avaliação da parte social; c) Cópia dos extratos bancários que mostrem os movimentos financeiros decorrentes desta transação.
“Em resposta ao pedido o contribuinte enviou os seguintes elementos esclarecimentos (resposta em anexo): 1) Cópia do título translativo da respetiva quota É apresentada a Acta n.º cinco, relativa a reunião tida em 07.10.2019, nos termos da qual a sócia única, B..., no ponto um da ordem de trabalhos, divide a sua quota em duas, uma com o valor de 3.700,00€ e outra de 1.300,00€; no ponto dois, cede pelo valor nominal, a quota de 3.700,00€ a H... e a quota de 1.300,00€ a G..., que sendo ambos menores, são representados pelos seu pais, D... e E...; no ponto quatro B... renuncia à gerência. 2) Indicação da razão pela qual foi o valor nominal e não outro método (valor patrimonial, valor dos fluxos descontados ou outro) o utilizado na avaliação da parte social
“A sociedade foi constituída em 29.06.2016 na sequência de um “plano de negócios que envolvia a criação de uma empresa”, plano esse, elaborado por D... .
“A sócia-gerente terá exercido a atividade com o “apoio estratégico” do mesmo D..., sendo que por motivos da sua vida pessoal a sócia-gerente terá deixada de ter disponibilidade para a empresa, que por esse motivo apresentaria esta quebra do Volume de Negócios e dos resultados em 2019.
A sócia-gerente apresenta um documento denominado “Contrato de Promessa de Cessão de Quotas” com indicação de ter sido elaborado a 18.07.2016 no qual prevendo a possibilidade de deixar de ter disponibilidade para a gerência do negócio, se compromete a dar preferência a D... “numa eventual futura cessão de quota”.
“Pelo que, perante a sua falta de disponibilidade a sócia-gerente decide acionar o contrato promessa e em conversações com D..., decidem que a quota seja dividida e transmitida aos filhos de D..., passando este a exercer as funções de gerência.
“(…) Cópia dos extratos bancários que mostrem os movimentos financeiros decorrentes desta transação
“A contribuinte declara ter recebido em numerário, pelo que não apresenta extratos bancários.
“Da análise da resposta dada pela Contribuinte, conclui-se que: B... constituiu uma empresa, a C... Unipessoal Lda, para o exercício de uma atividade económica. Durante um período de aproximadamente 3 anos exerceu as funções de gerência da mesma empresa, sendo que, em momento de menor disponibilidade pessoal, decidiu vender a totalidade do Capital da empresa, pelo seu valor nominal.”
-
A conclusão do aludido relatório, em síntese, foi a seguinte: De harmonia com o artigo 52.º do CIRS, o valor da quota societária da sociedade “C..., LDA.”, NIF..., alienada pela requerente B... foi corrigido para o valor de € 293.311,98, ao invés dos € 5.000,00 declarados, pelo que se impõe uma correção ao rendimento líquido da categoria G de IRS, e ao rendimento global líquido no valor de € 144.105,99. Assim, de um rendimento líquido global de IRS de 2019 de € 23.836,85, passa-se para um rendimento líquido global corrigido de € 167.942,84.
-
A factualidade provada teve por base a apreciação crítica da posição assumida por cada uma das partes, na análise crítica dos documentos juntos aos autos, incluindo o Processo Instrutor, cuja autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes.
-
Inexistem outros factos, com relevo para apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.
III.2 – Matéria de Direito
-
Os Requerentes formulam um pedido principal e um pedido subsidiário.
A) Pedido principal
-
Quanto ao pedido principal .
-
Os Requerentes formularam, a título principal, o seguinte pedido: declarar a ilegalidade da liquidação em apreço por enfermarem de vício de violação do artigo 39.º da LGT, por nulidade do negócio tributado o que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação.
-
A fundamentação da liquidação de IRS é decorrente do procedimento de Inspeção à alienação de partes sociais, credenciado pela Ordem de Serviço n.º 0I2022... .
-
A conclusão do aludido relatório foi, em síntese, a seguinte: De harmonia com o artigo 52.º do CIRS, o valor da quota societária da sociedade “C..., LDA.”, NIF..., alienada pela requerente B... foi corrigido para o valor de € 293.311,98, ao invés dos € 5.000,00 declarados, pelo que se impõe uma correção ao rendimento líquido da categoria G de IRS, e ao rendimento global líquido no valor de € 144.105,99. Assim, de um rendimento líquido global de IRS de 2019 de € 23.836,85, passa-se para um rendimento líquido global corrigido de €167.942,84.
-
Discordando com as correções efetuadas, os Requerentes apresentaram o presente pedido de constituição do tribunal arbitral, alegando, no essencial, quanto ao pedido principal, que a liquidação em causa é ilegal, em virtude de a Requerente não ter praticado qualquer negócio oneroso de cessão de quotas, tendo sido, pelo contrário, interveniente num negócio simulado de cessão de quotas em que o negócio dissimulado teve por objeto uma doação de ascendentes para descendentes. Assim, concluem os Requerentes, a tributação deve incidir sobre o negócio real e não sobre o negócio jurídico simulado.
-
Na sessão relativa ao artigo 18.º do RJAT, que teve lugar no dia 12 de Dezembro de 2023, o Tribunal confrontou os Sujeitos Passivos sobre a eventual incompetência absoluta do Tribunal para declarar nulo o negócio jurídico simulado, concedendo-se às partes dez dias para exercerem contraditório sobre a matéria de exceção, nos termos consignados na respetiva Ata, que se dá por reproduzida para todos os devidos e legais efeitos.
-
No seguimento do mesmo, vieram os Requerentes argumentar, entre o mais, que, sendo o negócio que originou a liquidação fiscal declarado nulo, em consequência, nos termos do artigo 39º da LGT, a liquidação em crise também será dada sem efeito. No sentido da competência apontam jurisprudência do CAAD sobre litígios em que a causa de pedir alegada pelos requerentes era a simulação de negócio jurídico (cfr. Processo n.º 154/2017-T).
A Requerida não se pronunciou.
Vejamos.
-
Como vimos, as correções da Requerida incidiram sobre o valor da quota societária da sociedade “C..., LDA.”, NIF..., alienada pela requerente B..., com base no artigo 52.º do CIRS, nada tendo dito os Requerentes porquanto não exerceram o respetivo direito de audição prévia.
-
Porém vieram agora os Requerentes alegar, de forma inovadora, que afinal o negócio formal em crise (divisão e subsequente transmissão de quotas, operada em 7 de outubro de 2017, por Ata da assembleia geral da sociedade), é um contrato nulo por simulação, porque a requerente B... nunca foi titular de qualquer quota na referida sociedade, sendo o negócio real uma doação da referida quota do verdadeiro proprietário (D...) aos filhos.
-
Repare-se, os Requerentes solicitam “a declaração de ilegalidade da liquidação” e acrescentam (…) “por nulidade do negócio tributado o que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação”. Ou seja, apesar de não formulam diretamente um pedido de declaração de nulidade do negócio jurídico, percorrendo o pedido arbitral e a pronúncia quanto à matéria de exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, extrai-se que reconhecem expressamente que tal pedido tem como causa de pedir a nulidade do negócio jurídico simulado, logo nulo.
-
Por conseguinte, o que defendem, do ponto de vista material, é que a declaração de nulidade do negócio jurídico simulado constitui pressuposto que desencadeia a ilegalidade da liquidação. Dito por outra palavras, a ilegalidade da liquidação constitui um ato consequente da nulidade do negócio jurídico formal realizado.
-
Do exposto os Requerentes reconhecem claramente que para que a liquidação ora impugnada seja anulada é preciso que o negócio jurídico interposto (negócio jurídico simulado) seja declarado nulo, isto é, desapareça da ordem jurídica. Ora, não tendo a Requerida tido oportunidade de apreciar esta causa de pedir, segundo o estatuído no artigo 39.º da LGT, preceito que consagra a favor da AT que, em caso de simulação de negócios jurídicos a tributação incide sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado, a declaração de nulidade solicitada só pode estar a ser dirigida, em primeira linha, a este tribunal.
-
Acontece que, em primeiro lugar, uma pronúncia deste tipo não cabe, ao contrário do que defendem os Requerentes, nas competências elencadas no artigo 2.º do RJAT, o qual dispõe como se segue:
“A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.”
-
Segundo este preceito a declaração de ilegalidade que é solicitada aos tribunais arbitrais incide sobre a prática de atos tributários ilegais da AT e não sobre a ilegalidade de negócios jurídicos. Estamos a falar de um contencioso de segundo grau dirigido avaliar uma pronúncia prévia expressa ou tácita da AT.
-
No contexto dos presentes autos, este tribunal é incompetente para a declaração de nulidade do negócio jurídico, por simulação, competência que é exclusiva dos tribunais civis.
-
Esta orientação não vai contra a jurisprudência invocada pelos Requerentes. Com efeito, nos acórdãos invocados o que está em causa não é a destruição dos efeitos de um negócio jurídico, mas sim avaliar a prova da materialidade/ veracidade de determinadas operações materiais, alegadamente simuladas, para efeitos da sua relevância fiscal. Dito por outras palavras, o Tribunal é convocado a analisar a matéria de facto e avaliar da subsistência real de operações materiais, cuja veracidade, ou existência é colocada em causa, o que cabe naturalmente nos poderes gerais investigatórios/inquisitórios dos tribunais e igualmente na competência dos tribunais arbitrais. Por exemplo, também no caso das denominadas cláusulas anti-abuso (artigo 38.º da LGT) os tribunais arbitrais não são chamados a declarar a respetiva nulidade. Ao contrário, os tribunais arbitrais são chamados a pronunciar-se sobre a eventual ilegalidade da atuação da Requerida na apreciação dos pressupostos de facto e de direito desta figura, ou seja, como vimos, em segunda linha e sobre a eventual ilegalidade de atos tributários.
Em segundo lugar, estando nós perante um contencioso de mera legalidade, ainda que se admitisse que o tribunal pudesse julgar ilegal a liquidação, por a mesma dever incidir sobre o negócio jurídico real, segundo o estatuído no artigo 39.º da LGT, esta decisão não tinha a virtualidade de por si só satisfazer os interesses dos Requerentes.
-
Com efeito, ao nível da figura da simulação, desde o dia 1 de Janeiro de 2014, que o artigo 39º da Lei Geral Tributária deixou de conter o seu n.º 2, o qual até então obrigava a que, para a tributação do negócio jurídico real, imprescindível seria que a Autoridade Tributária, e só ela, obtivesse decisão judicial a declarar a nulidade do negócio simulado, sendo que à data dos factos aqui em apreciação subsistia e subsiste o n.º 1 do referido normativo, nos termos do qual se prevê que: “Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado”.
Que o mesmo equivale a afirmar que, desde 2014, que a AT deixou de estar vinculada à prévia obtenção de decisão judicial sobre negócio simulado para poder operar à tributação sobre a operação jurídica real. O que o artigo 39.º da LGT consagra, a favor da AT é a simulação dos negócios jurídicos como fundamento para a tributação do negócio jurídico real, e não sobre o negócio jurídico simulado. Neste sentido, cfr. Decisão Arbitral proferida no processo n.º 122/2013-T.
-
Ora, os Requerentes no processo administrativo acabaram por reiterar a veracidade dos negócios jurídicos celebrados pelo que não suscitaram a figura da simulação perante a Requerida nem tão pouco invocaram como causa de pedir a eventual errónea aplicação do artigo 39.º da LGT de forma a suscitar, em segundo grau, uma pronúncia anulatória deste tribunal. Sendo que tiveram todas as condições para o fazer em audição prévia, para o que foram devidamente notificados, no âmbito do Relatório da Inspeção Tributária.
-
O que significa que, consagrando o artigo 39.º (tal como o 38.º) da LGT uma faculdade exclusivamente à Requerida, segundo a verificação de determinados pressupostos, cuja análise a lei remete para si, não pode este Tribunal substituir-se à Requerida, na formulação de juízos que lhe são próprios, ou seja, declarar, no caso, que a liquidação deveria incidir sobre o negócio real, sob pena de violação do princípio da separação de poderes. Aliás, similarmente é a AT que pode fundamentar as correções por aplicação do artigo 38.º da LGT, podendo a partir daí, naturalmente, os sujeitos passivos contestar com fundamento em qualquer ilegalidade a aplicação da referida norma.
-
Nesta sequência, uma mera sentença anulatória não teria nunca a virtualidade de satisfazer a pretensão dos Requerentes. Para esse efeito sempre seria necessária a emissão de pronúncia constitutiva dirigida a reconhecer aos Requerentes o direito à tributação pelo negócio jurídico ou a condenar a Requerida na adoção de um comportamento, qual seja, no caso, na reformulação da sua decisão segundo o estatuído no artigo 39.º da LGT, respeitando os juízos valorativos que lhe são próprios. Dito por outras palavras, este tribunal teria de emitir pronúncia que excederia sempre a mera anulação e os poderes deste Tribunal, ou seja, teria de emitir uma pronúncia constitutiva. Sendo que a mesma compete aos tribunais civis (declaração de nulidade do negócio jurídico simulado) ou aos tribunais tributários estaduais (ação de reconhecimento do direito ou ação de condenação da Requerida a atuar segundo o disposto o artigo 39.º da LGT).
-
Termos em que, no contexto exposto, se conclui pela verificação da exceção de incompetência material suscitada.
A incompetência material do Tribunal consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da instância da entidade Requerida, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC e do artigo 89.º, n.º 4, alínea a) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
B) Pedido subsidiário
-
A título subsidiário, pedem os Requerentes que o Tribunal declare a retificação da liquidação de IRS, juros compensatórios/moratórios vencidos e vincendos, optando os requerentes pelo não englobamento do rendimento proveniente da mais-valia mobiliária.
-
Sublinha-se, em primeiro lugar, que a Requerente não contestou a inexistência de pressupostos de facto e de direito para a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 52.º. Isto é, não contestou a falta de fundamentação na divergência alegada pela Inspeção Tributária entre o valor declarado e o valor real da transmissão.
A Requerente pretende, sim e apenas, que a mais-valia apurada seja tributada segundo a taxa especial de 28% prevista no artigo 72.º, reconduzindo-se, portanto, o pedido à anulação parcial da liquidação contestada.
Vejamos.
-
A Requerente optou pelo englobamento das mais-valias obtidas com base nos valores declarados, muito provavelmente porque a tributação lhe era mais favorável.
-
Com efeito, a obrigatoriedade pelo englobamento está apenas consagrada para as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sendo opcional em todas as restantes situações, como decorre do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º do CIRS.
Estamos, pois, perante uma opção fiscal lícita, legítima e que não pode ser qualificada como planeamento fiscal agressivo, e, muito menos, como fraude ou evasão fiscal.
-
Tendo sido posteriormente alterado, significativamente, pela inspeção tributária, o valor de alienação, por aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 52.º, de que resultou o apuramento de uma mais-valia muito superior à inicialmente apurada, a Requerente tinha o direito a se pronunciar sobre se mantinha a opção pelo englobamento ou se, pelo contrário, optava pela tributação à taxa especial de 28% prevista no artigo 72.º. A opção original não pode ser irreversível quando o aspeto quantitativo é, como foi no caso, tão significativamente alterado. Tendo ocorrido alterações substantivas na relação jurídica tributária impunha-se que a Requerida tivesse dado expressamente aos Requerentes a possibilidade de optarem ou não pelo englobamento, com a consequente violação do direito de audiência dos interessados e errónea distorção interpretativa do preceito jurídico, o qual consagra uma verdadeira opção para os contribuintes.
-
Termos em que se julga procedente, nesta parte, o PDA.
III-3- Juros indemnizatórios
-
O direito a juros indemnizatórios depende da existência de direito de quantia a reembolsar, dessa competência para decidir sobre o direito a juros indemnizatórios infere-se que ela se estende à apreciação do direito a reembolso.
-
No caso em apreço, as liquidações impugnadas enfermam parcialmente de vício de violação de lei imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que efetuou as liquidações.
-
Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT, na parte procedente, a liquidar em execução de sentença, uma vez que não vem comprovado o pagamento do imposto indevido.
-
Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data de pagamento até reembolso das quantias pagas.
IV. Decisão
Nos termos expostos, este Tribunal decide:
-
Julgar a incompetência material do tribunal quanto ao pedido principal de declaração de nulidade do negócio jurídico simulado, com as legais consequências,
-
Julgar procedente o pedido subsidiário, com a consequente anulação da liquidação nessa parte.
V. Valor do Processo
A Requerente indicou como valor da causa o montante de 66.642,01 €, que não foi contestado pela Requerida, pelo que, atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 66.642,01 €.
VI. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no montante de 2.448,00 €, repartidas, no valor de 32, 21 % a cargo da Requerida e 67, 79% a cargo dos Requerentes, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de Março de 2024.
A Árbitra Presidente,
Fernanda Maçãs
O Árbitro Vogal,
Nuno Miguel Morujão.
O Árbitro Vogal,
Francisco Melo
|
|