Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 901/2023-T
Data da decisão: 2024-03-13  IRS  
Valor do pedido: € 65.986,26
Tema: IRS – Inutilidade superveniente da lide – extinção da instância
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SUMÁRIO:

Ocorre inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância se os Requerentes obtiveram a plena satisfação do pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, dos actos tributários impugnados.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Manuel Lopes da Silva Faustino e António Pragal Colaço, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A..., titular do número de contribuinte português ..., residente na ..., ... ..., Madrid, Espanha, B..., titular do número de contribuinte português ... e C..., titular do número de contribuinte português ..., cônjuges, ambos residentes na Avenida ..., ..., ..., ...,  ..., Madrid, Espanha, D..., titular do número de contribuinte português..., e E..., titular do número de contribuinte português ..., cônjuges, ambos com residência na..., ..., ..., ...,  ..., Madrid, Espanha (doravante designados apenas por “Requerentes”), apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023...e 2023..., referentes ao período de tributação de 2022.

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 30 de Novembro de 2023 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

            3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 18 de Janeiro de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            4. No pedido de pronúncia arbitral sustentaram os Requerentes, em síntese, que os actos de liquidação de IRS contestados eram ilegais por terem considerado, para efeitos de determinação do rendimento colectável, a totalidade da mais-valia decorrente da alienação de imóvel herdado, quando apenas deveria ter sido considerado 50% do respectivo valor, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS.

 

            5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 6 de Fevereiro de 2024, tendo nesse mesmo dia sido notificada a Requerida para apresentar a sua resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT.

 

            6. Em 19 de Fevereiro de 2024, veio a Requerida apresentar requerimento a informar que “por despacho da Subdiretora-geral de 2024-02-08, foi revogado o ato impugnado nos presentes autos”.

 

            7. Em 23 de Fevereiro de 2023, foi proferido despacho arbitral no qual se notificaram os Requerentes para se pronunciarem sobre o teor do requerimento apresentado pela Requerida, bem como para declararem se mantinham interesse na manutenção da instância ou, pelo contrário, nada tinham a opor à sua extinção.

 

            8. Em 25 de Fevereiro de 2024, vieram os Requerentes apresentar Requerimento a informar que “não mantém interesse no prosseguimento dos autos”.

 

            9. Em 4 de Março de 2024, foi proferido despacho arbitral no qual se dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. Naquele despacho foi fixado o dia 31 de Março de 2023 como data-limite para a prolação da decisão arbitral.

 

II. SANEAMENTO

 

            10. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades. O pedido de extinção da instância será apreciado na matéria de Direito.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos provados

 

            11. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Em 27 de Dezembro de 2022, os Requerentes alienaram, na sua totalidade, pelo valor de € 361.000,00, o prédio urbano com o artigo matricial ..., ..., sito na Rua ..., número ..., quarto andar esquerdo, ..., em Algés, na união das freguesias de..., ... e ... ..., concelho de Oeiras (doravante “Imóvel”), com um valor patrimonial tributário de € 113.040,55;
  2. A AT emitiu os actos de liquidação de IRS n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023... e 2023..., referentes ao período de tributação de 2022, no valor total de € 65.986,26;
  3. Os actos de liquidação referidos na alínea anterior tributaram a totalidade do saldo da mais‑valia apurada com a alienação do Imóvel;
  4. Em 29 de Novembro de 2023 os Requerentes apresentaram o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo;
  5. Em 30 de Novembro de 2023, foi enviado pelo CAAD um e-mail automático à AT a informar da entrada do pedido de constituição de Tribunal Arbitral e do número do processo que lhe foi atribuído, tendo a notificação sido confirmada por Fátima Soares às 14:42 horas;
  6. Em 6 de Fevereiro de 2024, foi constituído o Tribunal Arbitral;
  7. Por despacho de 8 de Fevereiro de 2024, da Sra. Subdirectora-geral, foram revogados os actos de liquidação de IRS contestados;
  8. A Requerida apenas deu conhecimento da revogação dos actos de liquidação mediante requerimento no processo arbitral apresentado em 19 de Fevereiro de 2024.

 

  1. Factos não provados

 

            12. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que se tenham considerados como não provados.

 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

13. Ao Tribunal Arbitral compete seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

            14. Nos presentes autos os actos de liquidação de IRS objecto de contestação foram revogados pela AT, que apenas deu conhecimento de tal facto aos Requerentes e ao CAAD após a constituição do Tribunal Arbitral. Perante esta revogação, a AT requereu que fosse determinada a extinção da instância, com a qual os Requerentes concordaram por não terem interesse na sua manutenção.

 

            15. Por conseguinte, carece de sentido útil nesta fase a manutenção da lide para apreciação de um pedido que tem por objecto um conjunto de actos que foram já revogados pela AT e relativamente aos quais os Requerentes já obtiveram a plena satisfação dos efeitos pretendidos.

 

            16. Quanto a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30 de Julho de 2014, no acórdão proferido no processo n.º 0875/14, nos seguintes termos: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.

 

            17. Em idêntico sentido, referem Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

 

            18. Perante o exposto, julga este Tribunal Arbitral procedente a inutilidade superveniente da lide relativamente à apreciação do pedido de pronúncia arbitral, isto é, relativamente à apreciação da legalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de IRS impugnados pelo Requerentes, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar extinta a instância;
  2. Absolver a Requerida da instância; e
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 65.986,26.

 

VII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 2.448,00, a suportar pela Requerida, já que foi esta que deu causa à presente acção, porque apenas comunicou a revogação dos actos de liquidação após a constituição do Tribunal Arbitral, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de Março de 2024

 

A Árbitra Presidente,

 

Carla Castelo Trindade

(Relatora)

 

O Árbitro Adjunto,

 

Manuel Faustino

 

O Árbitro Adjunto,

 

António Pragal Colaço