Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 805/2023-T
Data da decisão: 2024-03-11  IRC  
Valor do pedido: € 1.008.404,76
Tema: Derrama Estadual. Derrama Regional. Grupos de sociedades
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Decisão Arbitral

 

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. António Cipriano da Silva e Dra. Adelaide Moura (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26-01-2024, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

A..., S.A., sociedade comercial anónima com sede em ..., ..., ...-... Lisboa, titular do Número Único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial (“NIPC”)..., na qualidade de sociedade dominante do GRUPO B...,

C..., S.A., sociedade comercial anónima com sede na mesma morada, titular do NIPC ..., e

D..., S.A., sociedade comercial anónima com sede em Rua..., ...-... Aveiro, titular do NIPC..., na qualidade de sociedades dominadas daquele GRUPO (separada e respetivamente designadas como “1.ª Requerente”, “2.ª Requerente” e “3.ª Requerente” ou, conjuntamente, “Requerentes”), apresentaram pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a apreciação da legalidade das autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) plasmadas nas declarações periódicas de rendimentos Modelo 22 de IRC (“declarações Modelo 22”) n.ºs..., ... e..., referentes ao exercício de 2020, das quais resultou o montante total a recuperar de 10.667.853,48 EUR, e nas declarações Modelo 22 n.ºs..., ... e ..., referentes ao exercício de 2021, das quais resultou o montante total a pagar de 1.223.511,42 EUR, e, bem assim, das decisões de indeferimento expresso das reclamações graciosas que apresentaram.

As Requerentes pedem ainda reembolso das quantias que entendem ter pagado a mais, com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 13-11-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 08-01-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 26-01-2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 29-02-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. As Requerentes são sociedades comerciais anónimas que exercem, a título principal, a atividade de prestação de serviços na área das telecomunicações;
  2. As 2.ª e 3.ª Requerentes prosseguem a sua atividade comercial através de instalações físicas localizadas por todo o território nacional (quer continental, quer insular);
  3. Em 2020 e 2021, a 1.ª Requerente era a sociedade dominante do GRUPO B..., o qual era tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”) previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC;
  4. Em 2021, a 2.ª Requerente, que até então girava sob a designação de E..., S.A., alterou a sua denominação social para a atual;
  5. No exercício de 2020, para além da 1.ª Requerente (enquanto sociedade dominante) e das 2.ª e 3.ª Requerentes (enquanto sociedades dominadas), o GRUPO B... era ainda constituído pelas seguintes sociedades dominadas:

● F..., S.A. (NIPC...);

● G..., S.A. (NIPC...);

● H..., S.A. (NIPC...);

● I..., S.A. (NIPC ...);

● J..., S.A. (NIPC...);

● K…, S.A. (NIPC...);

● L..., S.A. (NIPC...);

● M..., SGPS, S.A. (NIPC...);

● N..., S.A. (NIPC...);

● O..., S.A. (NIPC...);

● P..., SGPS, S.A. (NIPC...);

● Q..., S.A. (NIPC...);

  1. No exercício de 2021, para além da 1.ª Requerente (enquanto sociedade dominante) e das 2.ª e 3.ª Requerentes (enquanto sociedades dominadas), o GRUPO B... era ainda constituído pelas seguintes sociedades dominadas:

● F..., S.A. (NIPC...);

● G..., S.A. (NIPC...);

● H..., S.A. (NIPC...);

● I..., S.A. (NIPC...);

● J..., S.A. (NIPC...);

● K…, S.A. (NIPC…);

● N..., S.A. (NIPC ...);

● P..., SGPS, S.A. (NIPC...);

● Q..., S.A. (NIPC...).

  1. As Requerentes efectuaram as autoliquidações de IRC plasmadas nas declarações Modelo 22 n.ºs..., ... e ..., referentes ao exercício de 2020, das quais resultou o montante total a recuperar de 10.667.853,48 EUR, e nas declarações Modelo 22 n.ºs..., ... e..., referentes ao exercício de 2021, das quais resultou o montante total a pagar de 1.223.511,42 EUR (documentos n.ºs 1 a 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. Nos exercícios de 2020 e 2021, a 1.ª Requerente, enquanto sociedade dominante, procedeu à entrega das declarações Modelo 22 do GRUPO B... – às quais foram atribuídos os n.ºs ... e... –, tendo declarado, no campo 373 do quadro 10 de cada uma daquelas declarações, respetivamente, os montantes de 10.317.059,06 EUR e de 11.207.863,05 EUR, a título de derrama estadual (Documentos n.ºs 1 e 4);
  3. O montante de derrama estadual refletido nas declarações Modelo 22 do GRUPO B... corresponde ao somatório dos montantes de derrama estadual apurados nas declarações Modelo 22 individuais da 2.ª e 3.ª Requerentes e demais sociedades dominadas;
  4. Nos exercícios de 2020 e 2021, a 2.ª e 3.ª Requerentes apuraram os seguintes montantes de derrama estadual:

 

(Documentos n.ºs 2, 3, 5 e 6)

  1. A 17 de maio, 7 e 14 de junho de 2023, as Requerentes apresentaram reclamações graciosas, em sede das quais peticionaram a anulação (parcial) daqueles actos tributários, na parte referente à derrama estadual (reclamações graciosas n.ºs ...2023..., ...2023..., ...2023..., notificadas através dos ofícios cujas cópias constam dos Documentos n.ºs 10, 11 e 12);
  2. A 3, 10 e 31 de julho de 2023, a 1.ª Requerente foi notificada dos projetos de decisão de indeferimento das reclamações graciosas (cópias dos projetos de decisão, juntas como Documentos n.ºs 13, 14 e 15, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  3. Em 11 e 16 de agosto e 28 setembro de 2023, a 1.ª Requerente foi notificada das decisões finais de indeferimento das reclamações graciosas, tendo a Autoridade Tributária convertido em definitivo os entendimentos anteriormente projetados (Documentos n.ºs 7, 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  4. Nas decisões de indeferimento das reclamações graciosas refere-se, além do mais, o seguinte:

13. Porém, as Reclamantes consideram que «o regime da derrama estadual - previsto no artigo 87.º-A, do CIRC - enferma de inconstitucionalidade material, pelo que, em conformidade, impor-se-á a anulação dos atos tributários sub judice.»

14. «As Reclamantes estribam a sua posição nos seguintes fundamentos:

• Na errónea aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, em dissonância com os artigos 4. º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro;

• Na violação da autonomia e financeira das Regiões Autónomas prevista nos artigos 227.º, n.º 1, alínea i) e j), da Constituição da República Portuguesa ("CRP");

• Na preterição do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP e, bem assim, da liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE") (...)».

15. Para ilustrar as ilegalidades de que o regime ínsito no artigo 87.º-A, do CIRC padece, fornece o seguinte exemplo: uma sociedade residente noutro Estado-membro, que pretenda exercer a sua atividade em Portugal, escolhe o território insular para localizar a sua representação, em virtude da tributação mais favorável em sede de derrama regional, mas mantém atividade comercial no Continente. Ou seja, esta sociedade estaria, ab initio, condicionada na sua escolha visto que o artigo 87.º-A estabelece uma diferença de tratamento relativamente a sujeitos passivos com representação nas Regiões Autónomas.

16. Por outro lado, tal situação contrastaria com uma sociedade portuguesa que, apenas por ter a sua residência no Continente, estaria sujeita a uma tributação em sede de derrama (estadual) agravada.

17. Visto que a 2ª Reclamante desenvolve atividade tanto no Continente como na Região Autónoma dos Açores, entende que está igualmente sujeita a Derrama Regional nos termos dos Decretos Legislativos Regionais n.º 14/2020/M e n.º 21/2016/A, respetivamente, podendo beneficiar das taxas reduzidas aí consagradas.

18. Porém, não conseguiram submetera declaração de rendimentos, uma vez que sistema não permitiu a aplicação das taxas de derrama em função do volume de negócios imputável a cada circunscrição, acabando por submetera declaração sem considerar qualquer redução nas taxas de derrama regional.

19. As Reclamantes sublinham ainda que a recente decisão do Tribunal Arbitral, proferida no âmbito do processo n. 437/2022-T, está em consonância com sua posição: «os atos de liquidação de IRC, no que à derrama estadual concerne, devem refletir a parte do lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas, a qual deverá ser sujeita às respetivas taxas de derrama regional» e, consequentemente, os atos de liquidação aqui contestados, por não refletirem esta situação, devem ser anulados em conformidade.

(...)

22. Em suma, consideram as Reclamantes que, em virtude do que foi exposto, os atos tributários padecem de ilegalidade por inconstitucionalidade do artigo 87.º-A, do CIRC, por violação do princípio da igualdade, e violação do princípio da liberdade de estabelecimento, pondo em causa o primado do Direito Europeu e, por isto, deve ser restituído o valor de € 522.482,89 pago em excesso a título de derrama estadual sobre rendimentos gerados nas Regiões Autónomas.

23. Subsidiariamente, entendem que se deve calcular a derrama estadual de modo a refletir o lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas, o que representaria um valor inferior em€ 110.985,15 relativamente ao que foi declarado.

(...)

 

§IV.I.I. II. Da apreciação

 

25. As Reclamantes desenvolvem uma atividade comercial na área das telecomunicações em todo o território nacional, tendo ambas sedes ou direções efetivas em Portugal Continental.

(...)

27. Conforme se viu, as Reclamantes pretendem, em primeira instância, que ao lucro tributável gerado na Região Autónoma dos Açores sejam aplicadas as taxas de derrama regional prevista no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17.10, ao invés de se aplicarem as taxas previstas no artigo 87.º-A do CIRC, solicitando, assim, a restituição do valor pago em excesso a título de derrama estadual (...)

28. Subsidiariamente, de modo a que o cálculo da derrama reflita o montante do lucro tributável gerado na referida Região Autónoma, pretendem que o valor inscrito na DRM22 da 2ª Reclamante seja corrigido para menos (...) com a devida

repercussão na declaração do Grupo.

29. Portanto, a questão que se coloca nos presentes autos é então a seguinte: um sujeito passivo sedeado no Continente e titular de instalações nas Regiões Autónomas está sujeito a derrama regional por referência à proporção do lucro tributável imputável a cada uma das referidas circunscrições territoriais?

30. O problema colocado nestes termos remete-nos obrigatoriamente para o tema do poder tributário das Regiões Autónomas, afigurando-se-nos curial proceder nesta altura à sua abordagem, em virtude de nos permitir descortinar soluções para a questão atrás delineada.

31. De acordo com a Constituição, as Regiões Autónomas exercem «poder tributário próprio, nos termos da lei», têm ainda o poder de «adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República» e, finalmente dispõem, «nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou

geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado» (alíneas i) e j) do n. º 1 do artigo 227.º da CRP).

32. Dispõem, assim, as Regiões Autónomas de um poder tributário de adaptação, um poder tributário próprio e um direito a determinadas receitas.

33. Estes poderes devem ser exercidos em obediência ao princípio da coerência entre o sistema fiscal nacional e os sistemas fiscais regionais, previsto na al. a) do artigo 55.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas"(LFRA) e do princípio da suficiência (al. f) do artigo 55.º da LFRA), entre outros.

34. Quanto ao poder de criar impostos regionais, reza o artigo 57.º, n.º 1, da LFRA, que tal poder deve ser exercido em matérias não sujeitas à incidência efetiva ou potencial de impostos de âmbito nacional e que não funcionem como um obstáculo ao comércio com o território nacional.

35. No n.º. 3 do artigo 57.º da LFRA exemplificam-se as espécies de tributos que podem ser criados pelas Regiões Autónomas.

36. O reconhecimento de especificidades regionais levou também a que se previsse, na Constituição e depois na lei, a possibilidade de adaptação dos impostos nacionais à condição especial das Regiões.

37. Esta matéria encontra-se regulada na LFRA, nela se começando por identificar os princípios gerais a que deve obedecer a adaptação (artigo 52.º), procedendo-se depois a uma atribuição especificada de competências (artigo 59.º).

38. Assim, as regiões autónomas têm poderes de adaptação em três áreas distintas: (i) diminuição das taxas de IRS, IRC, IVA e dos IECS; (ii) concessão de deduções à coleta; e concessão de benefícios fiscais.

39. O poder de adaptação regional do sistema fiscal nacional tem, no entanto, limites, quer de ordem interna, atento o valor superior das normas fiscais nacionais, que de ordem comunitária designadamente o regime comunitário das ajudas de Estado.

40. Com efeito, as regiões não poderão exercer o seu direito tributário próprio legislando contra as leis gerais de tributação, seja revogando-as, seja introduzindo-lhes alterações, nos seus elementos essenciais.

41. A Assembleia da República dispõe de um poder não partilhado nem limitado para a produção de normas fiscais que vigorarão em todo o espaço nacional.

42. O poder tributário das Regiões está, pois, limitado a um direito constitucionalmente atribuído sobre os impostos cobrados na Região, à criação de novos impostos relacionados com um interesse específico das regiões, se este novo imposto tiver alguma razão de ser que possa considerar-se extraída de alguma peculiaridade existente no território das regiões, e à adaptação não derrogatória do sistema fiscal nacional (sem a possibilidade de esta lei fiscal vir a revogar ou derrogar as leis gerias da República em matéria fiscal).

43. Sobre o conteúdo possível de tal poder tributário regional, designadamente quanto a saber se as Regiões Autónomas podiam vir a ter o poder de alterar o sistema fiscal da República (extinguindo ou modificando imposto), pronunciou-se o Tribunal Constitucional em sentido negativo, referindo que o poder tributário regional «se reporta unicamente à eventualidade de criar impostos regionais, não abrangendo a possibilidade de introduzir alterações ou fazer adaptações aos impostos gerais nos seus elementos essenciais»."

44. A propósito do direito das Regiões Autónomas às receitas fiscais, dispõe o artigo 24.ºda LFRA que «(...) as Regiões Autónomas têm direito à entrega pelo Governo da República das receitas fiscais relativas aos impostos que devam pertencer-lhes, (...), bem como a outras receitas que lhes sejam atribuídas por lei».

45. De entre as receitas que pertencem às Regiões Autónomas, a LFRA dá-nos, entre outros, os casos do IRS devido por pessoas singulares residentes em cada região (artigo 25.º), o IRC devido por pessoas coletivas com sede nas regiões ou sede no Continente e instalações nas Regiões (artigo 26.º), o IVA devido pelas operações realizadas em cada região (artigo 29.º), os impostos especiais de consumo cobrados sobre os produtos tributáveis que nas regiões sejam introduzidos no consumo.

46. A forma de apuramento das receitas fiscais das Regiões Autónomas encontra-se disciplinada na referida lei, que, no que toca ao IRC devido por pessoas coletivas com sede no Continente e instalações nas Regiões, como é o caso da 2ª Reclamante, dispõe que o seu apuramento se faz por referência à proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual total de negócios do exercício (artigo 26º, n.º 2 e 3 da LFRA).

47. Assim, em consonância, o n.º 1 do artigo 2.º, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, na redação em vigor à data dos factos, no qual o legislador define a incidência deste da derrama regional dos Açores, dispõe o seguinte:

(...)

48. Estamos, portanto, perante a referida adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, que permite a residentes ou não residentes que possuam um estabelecimento estável nas Regiões Autónomas a aplicação de taxas de derrama reduzidas.

49. Apresentado o enquadramento geral da matéria em apreço, estamos em condições de apreciar o pedido aqui efetuado pelas Reclamantes.

50. Como vimos, as Reclamantes defendem que a proporção do lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas deveria estar sujeita à Derrama Regional e não à Derrama Estadual.

51. É notório que na base deste entendimento reside uma clara confusão entre dois planos completamente distintos, o plano da incidência do imposto e o plano do apuramento das receitas fiscais pertencentes às Regiões Autónomas.

52. A incidência da derrama estadual encontra-se prevista no artigo 87.º-A do CIRC, sendo nesta norma que se encontram previstos os pressupostos de que cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação.

 

53. Por conseguinte, determina quem são, em abstrato, os sujeitos passivos da obrigação de imposto, qual a matéria coletável, isto é, a riqueza, os valores económicos, sobre que recai a tributação, qual a taxa do imposto e qual o facto dinamizante, gerador, que, reunindo os pressupostos tributários, permitirá que nasça uma obrigação de imposto.

54. Já no que toca à derrama regional, esta apenas se aplica a:

a) Residentes na Região Autónoma dos Açores;

b) Não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores.

55. Ora, conforme se referiu anteriormente, a 2ª Reclamante tem a sua sede e residência fiscal em Portugal Continental e exerce a sua atividade sujeita a tributação em IRC, de acordo com as regras de determinação do lucro tributável expressas nos artigos 17.º e ss., do CIRC.

56. Verifica-se, deste modo, que o requisito de incidência subjetiva previsto no n.º 1 do artigo 87. º-A, do CIRC, se encontra preenchido, estando a 2ª Reclamante, obrigada a liquidar derrama estadual nos termos e às taxas ali previstas.

57. De maneira que, no caso dos autos, se a 2ª Reclamante, no exercício de 2020, apurou lucro tributável superior a € 1.500.000,00, encontra-se sujeita a derrama estadual por aplicação das disposições constantes no artigo 87.º-A do Código do IRC, e não das taxas reduzidas previstas pelos Decretos Legislativos Regionais que estabeleceram as derramas regionais.

58. Refira-se, por um lado, que este entendimento está de acordo com o despacho de 09.02.2017 da Subdiretora-Geral da Área da Gestão Tributária dos Impostos sobre o Rendimento, emitido sobre a mesma matéria no âmbito do processo n. 3690/2016 da Direção de Serviços do IRC.

59. Por outro, em sentido semelhante ao aqui defendido, veja-se as decisões do CAAD, proferidas no âmbito dos processos n.ºs 610/2014, 611/2014 e 612/2014.

60. Estas decisões, apesar de dizerem respeito a factos ocorridos antes da entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, têm como questão de fundo a mesma que está aqui a ser tratada: saber se as taxas de derrama previstas no artigo 87.º-A do CIRC se aplicam a rendimentos gerados na RAA, mas auferidos por um sujeito passivo com residência no Continente.

61. Assim, verifica-se que a jurisprudência arbitral não é inteiramente pacífica sobre esta matéria.

62. Sobre o teor do acórdão arbitral n.º 437/2022-T importa assinalar que, salvo melhor opinião, o entendimento ali vertido foca-se exclusivamente na questão da definição de estabelecimento estável, ignorando a questão principal e o disposto no artigo 87.º-A do CIRC.

63. O n.º 1 desta norma delimita a incidência subjetiva deste imposto, definindo que seriam sujeitos passivos os residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português.

64. Deste modo, visto que as Reclamantes têm sede em Portugal Continental, preenchem necessariamente o requisito de incidência subjetiva previsto no artigo 87.º-A do CIRC.

65. É esta a questão que o referido acórdão arbitral não aborda.

66. Adicionalmente, as Reclamantes alegam ainda que o artigo 87.º-A, do CIRC é materialmente inconstitucional por violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas previsto no artigo 227.º, n.º 1, alínea i) da CRP; que a não aplicação da derrama regional ao lucro tributável gerados nestas Regiões encerra uma violação do princípio constitucional da igualdade previsto no artigo 13.º; e uma violação da liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º, do TFUE.

67. Cumpre desde logo salientar que a apreciação da constitucionalidade das normas, bem como a sua conformidade com o Direito Europeu, não faz parte do elenco de competências da Autoridade Tributária.

68. Com efeito, a subordinação da AT à CRP significa, desde logo, em geral, o dever de conformação da atividade administrativa, quer tenha ou não conteúdo normativo, pelas normas constitucionais, procurando conferir a máxima efetividade possível aos direitos fundamentais, significando isto, assim, em especial, nomeadamente, que são nulos e não anuláveis todos os atos administrativos ofensivos do conteúdo essencial dos direitos, liberdades e garantias.

69. Diante desta dimensão do princípio da constitucionalidade imediata impõe-se que a AT esteja ab initio vinculada às normas consagradoras no âmbito de direitos, liberdades e garantias."

70. Ao invés do que sucede com os tribunais, que têm constitucionalmente o direito e o dever de fiscalização da constitucionalidade das leis, desaplicando-as, caso estejam em contradição com as normas constitucionais, à AT, porém, não é reconhecido este direito de fiscalização prévia, impondo-se antes, como princípio geral, a observância da lei por força do denominado princípio da legalidade.

71. A AT não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade e a submissão desta à lei não visa apenas a proteção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos.

72. A concessão ao poder administrativo de ilimitados ou vastos poderes para o controlo da constitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, invertendo a relação entre a Lei e a Administração, atentando frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na CRP.

73. É este o entendimento que, aliás, se encontra maioritariamente firmado, quer na doutrina quer na jurisprudência, no sentido de se recusar, como regra geral, à Administração a competência para desaplicar normas que considere inconstitucionais.

 

74. Para GOMES CANOTILHO, "(...)o princípio básico é o de recusar à administração em geral e aos agentes administrativos em particular qualquer poder de controlo da constitucionalidade das leis, mesmo se dessa aplicação resultar a violação dos direitos fundamentais".

75. A este propósito, também JORGE MIRANDA sustenta não ser possível reconhecer à Administração um poder geral de controlo - necessariamente concreto - análogo ao dos tribunais, admitindo, apenas em determinadas situações, deixar àquela uma margem de não aplicação. A razão básica deste entendimento - justifica o autor - repousa na diferença de natureza das duas funções, a jurisdicional e a administrativa, e na diversa estrutura dos respetivos órgãos, na necessidade de evitar a concentração de poder no Governo que adviria se se admitisse o reconhecimento aos órgãos da Administração da faculdade de fiscalização da constitucionalidade, e por imperativos de certeza e de segurança jurídica.

76. Se a nossa Lei Fundamental aponta no sentido da necessária conformação da atividade Administrativa pelos preceitos e princípios constitucionais e se são nulos, e não anuláveis (por conseguinte, não sanáveis) os atos administrativos ofensivos de direitos, liberdades e garantias, têm de seros tribunais a decidir sobre essa conformação; e têm de seros tribunais administrativos, e não os órgãos da Administração dita ativa, a apreciar e a não aplicar leis inconstitucionais e a declarara nulidade ou a anular atos administrativos inconstitucionais.

77. No mesmo sentido, considera MARCELO REBELO DE SOUSA, a propósito do regime jurídico da nulidade no Direito Constitucional português, que tal vício tem de ser apreciado e declarado por um órgão jurisdicional, não existindo a possibilidade de a Administração Pública se recusar a obedecer a um ato que considera inconstitucional.

78. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA consideram que tem constituído solução tradicional e mais conforme ao sistema constitucional aquela segundo a qual, em princípio, a Administração está imediatamente subordinada à lei, não podendo deixar de cumpri-la a pretexto da sua inconstitucionalidade, não dispondo, portanto, de um poder de não aplicação de leis portal motivo.

79. Apesar de não competir à Autoridade Tributária a apreciação da constitucionalidade das normas, bem como da sua adequação ao Direito da União Europeia, e de lhe estar vedada a sua desaplicação com base nesses fundamentos, ainda assim importa tecer alguns comentários sobre os argumentos apresentados pelas Reclamantes.

80. Sobre a alegada violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas por aplicação tour court do artigo 87.º-A do CIRC, diga-se que, face ao que já foi exposto sobre esta autonomia, não nos parece que esta aplicação desta norma a sujeitos passivos residentes no Continente padeça de qualquer inconstitucionalidade.

 

81. Repare-se que esta autonomia em questão diz respeito ao poder de adaptação das regras nacionais às realidades locais e, conforme já se destacou, o próprio Acórdão n.º 91/84 do Tribunal Constitucional referiu que o poder tributário regional «se reporta unicamente à eventualidade de criar impostos regionais, não abrangendo a possibilidade de introduzir alterações ou fazer adaptações aos impostos gerais, nos seus elementos essenciais».

82. Sobre a alegada violação do princípio da igualdade constante do artigo 13.ºda CRP, a aplicação do regime previsto no artigo 87.º-A do CIRC a sujeitos passivos que não têm residência fiscal na Região Autónoma dos Açores não comporta qualquer preterição deste princípio.

83. Esta norma define claramente os pressupostos de incidência subjetiva, a qual, evidentemente, é aplicável a todos os sujeitos passivos residentes em território nacional.

84. O princípio da igualdade seria posto em causa se, verificando-se que o sujeito passivo preenche os requisitos de incidência subjetiva, como é o caso da 2ª Reclamante, visto que é residente em território português, não se aplicasse o artigo 87.º-A do CIRC, como o seria a qualquer outra sociedade residente.

85. Por isso, o exemplo dado pelas Reclamantes - cf. parágrafos 100.º e 101.ºda sua petição – não demonstra que haja qualquer tratamento diferenciado, demonstra, pelo contrário, que as próprias reconhecem que, para beneficiar de uma tributação mais favorável, é necessário ter residência fiscal na Região Autónoma dos Açores ou, sendo não residente em território português, ter aí um estabelecimento estável.

86. O mesmo se poderá dizer sobre a alegada preterição da liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º, do TFUE, segundo o qual «são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro».

87. Não há qualquer tratamento diferenciador ou obstáculo para sociedades vindas de outro Estado-membro, estas aproveitam das mesmíssimas condições estabelecidas para as empresas residentes, consoante preencham ou não a incidência subjetiva legalmente definida.

88. Aliás, em nosso entender, o exemplo apresentado pela Reclamante - cf. parágrafo 114.º - não configura uma situação comparável, visto que o local de residência não é o mesmo.

89. Comparável seria dar como exemplo uma sociedade não residente com estabelecimento estável no Continente e rendimentos gerados na Região Autónoma.

90. Aliás, nada impede que as sociedades portuguesas, à semelhança de uma sociedade não residente em Portugal, estabeleçam a sua residência na Região Autónoma dos Açores.

91. Assim, face ao exposto, não nos cabe assumir outra posição senão a de rejeitar que as Reclamantes possam desconsiderar o lucro tributável alocado à Região Autónoma dos Açores para efeitos de apuramento da derrama estadual nos termos do n.º 1, do artigo 87.-A, do CIRC, mantendo-se o valor constante do campo 373 do quadro 10 da declaração de rendimentos individual da 2ª Reclamante.

92. Por fim, refira-se que, por tudo o que foi dito, não há lugar ao reconhecimento e pagamento de juros indemnizatórios por não se verificar o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 43.º, da LGT.

 

  1. Em 09-11-2023, as Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão que é objecto do processo e posições das Partes

 

A 1.ª Requerente é a sociedade dominante de um grupo tributado nos termos do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) em se integravam as 2.ª e 3.ª Requerentes.

As 2.º e 3.º Requerentes são residentes fiscais no território continental de Portugal, mas desenvolvem actividades na Região Autónoma dos Açores (RAA) e na Região autónoma da Madeira (RAM), onde têm instalações físicas.

A 1.ª Requerente autoliquidou derrama estadual, prevista no artigo 87.º-A do CIRC, com base na parte do lucro tributável o lucro tributável a ela sujeito apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo as 2.ª e 3.ª Requerentes.

As Requerentes defendem que não devia ter sido aplicada a derrama estadual ao lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas, mas, antes, as derramas regionais previstas no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, e no Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, às partes dos lucros tributáveis da 2.ª e 3.ª Requerentes gerados em cada uma das Regiões Autónomas.

As Requerentes dizem ter feito as autoliquidações nesses termos pelo facto de o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira não permitir outra forma de determinação das derramas, impondo que a toda a matéria tributável seja aplicado o regime da derrama estadual.

As Requerentes defendem que a aplicação da derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do CIRC, em vez das correspondentes derramas regionais, é ilegal pelo seguinte, em suma: 

  • erro na aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, em dissonância com os artigos 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro;
  • violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas prevista nos artigos 227.º, n.º 1, alíneas i) e j), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e, bem assim, dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores;
  • violação do artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, enquanto lei de valor reforçado, nos termos do artigo 112.º, n.º 3, da CRP;
  • preterição do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP; e
  • preterição da liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, nas decisões das reclamações graciosas e no presente processo, defende, em suma, o seguinte:

– quanto à Derrama Regional na RAM, dispõe o n.º 1 e n.º 2 do artigo 4.º do DLR n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, na redação dada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 18/2020/M, de 31 de dezembro), que esta apenas se aplica aos sujeitos passivos residentes na RAM, bem como aos não residentes com estabelecimento estável na RAM, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;

– do mesmo modo, n.º 1 do artigo 2.º do DLR n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, estabelece que a Derrama Regional na RAA incide unicamente sobre os sujeitos passivos residentes na RAA, bem como aos não residentes com estabelecimento estável na RAA, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

– as Requerentes (sociedade dominante e as demais sociedades do Grupo) não são sociedades residentes nas regiões autónomas nem são sociedades não residentes com estabelecimento estável em qualquer das regiões autónomas, pelo que, não se lhes aplica a derrama regional e, nos termos do n.º 3 do art.º 87.º A do Código do IRC, quando seja aplicável o RETGS, as taxas previstas no n.º 1 do art.º 87.º a do código do IRC, incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante;

– relativamente aos sujeitos passivos tributados no âmbito do RETGS, não podemos olvidar que, por imposição legal, a totalidade dos rendimentos das sociedades pertencente ao grupo, “está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada", conforme estabelece a alínea a) do n.º 3 do art.º 69.º do CIRC;

– nos termos do n.º 3 do art.º 87.º A do Código do IRC, quando seja aplicável o RETGS, as taxas previstas no n.º 1 do art.º 87.º a do código do IRC, incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

 

Assim, a questão essencial a apreciar é a de saber se, em vez das taxas de derrama estadual prevista no artigo 87-º-A do CIRC, devem ser aplicadas as taxas reduzidas de derramas regionais aos rendimentos dos sujeitos passivos com sede no Continente, mas obtidos em estabelecimentos estáveis situados nas Regiões Autónomas de Açores e da Madeira.

O artigo 227.º, n.º 1, alínea h), da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

Artigo 227.º

 

Poderes das regiões autónomas

 

1. As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos:

 

(...)

i) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei quadro da Assembleia da República;

j) Dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas;

 

(...)

 

O artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA, aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, estabelece o seguinte:

 

Artigo 26.º

 

Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas

 

1 - Constitui receita de cada região autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC):

a) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável numa única região;

b) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no número seguinte;

c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas coletivas ou equiparadas que não tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional.

2 - Relativamente ao imposto referido na alínea b) do número anterior, as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.

3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por volume anual de negócios o valor das transmissões de bens e prestações de serviços, com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA).

 

O artigo 87.º-A do CIRC estabelece o seguinte, na redacção vigente em 2020 e 2021:

 

Artigo 87.º-A

 

Derrama estadual

 

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

 

2- O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000:

 

a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %;

b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 9 %.

3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º

 

 

O Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 1.º

 

Derrama Regional

 

É criada a derrama regional a vigorar na Região Autónoma dos Açores e é aprovado o respetivo regime jurídico.

 

Artigo 2.º

 

Incidência

 

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, apurado por sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incide derrama regional às taxas constantes da tabela seguinte:

 

 

 

2 - O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros):

 

a) Quando superior a (euro) 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros) e até (euro) 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6.000.000,00 (seis milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 2,4 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros) à qual se aplica a taxa de 4 %;

b) Quando superior a (euro) 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6.000.000,00 (seis milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 2,4 %; outra, igual a (euro) 27.500.000,00 (vinte e sete milhões e quinhentos mil euros) à qual se aplica a taxa de 4 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 5,6 %.

 

3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica de rendimentos individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante, referida na alínea b), do n.º 6, do artigo 120.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama regional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.

 

 

Artigo 5.º

 

Disposições finais

 

 

1 - O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

 

 

2 - Não são aplicáveis aos sujeitos passivos, mencionados no artigo 2.º, os artigos 87.º-A, 104.º-A e 105.º-A do CIRC.

 

O Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, foi republicado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 1.º

 

Objeto

 

O presente diploma aprova as alterações ao regime jurídico da derrama regional, aprovado pelo artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, adaptando às especificidades regionais, os artigos 87.º-A e 105.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e republicado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.

 

Artigo 2.º

 

Derrama Regional

 

1 - Nos termos dos n.ºs 1 e 2 alínea b) do artigo 56.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, conjugado com os artigos 87.º-A e 105.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e republicado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com a aprovação nos artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, e alterações posteriores do artigo 16.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2011/M, de 10 de janeiro, do n.º 2 do artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março, do n.º 2 do artigo 17.º do Decreto Legislativo Regional n.º 42/2012/M, de 31 de dezembro, e prorrogado pelo artigo 19.º do Decreto Legislativo Regional n.º 31-A/2013/M, de 31 de dezembro, o regime da derrama regional passa a ter a seguinte redação:

 

 

A redacção do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M que resulta da republicação e vigorou em 2020 é a seguinte:

 

Artigo 4.º

 

Incidência

 

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

 

 

 

 

a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %;

b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 % e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 7 %.

3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o número anterior incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.

 

O Decreto Legislativo Regional n.º 18/2020/M, de 31 de Dezembro, alterou este artigo 4.º, dando-lhe a seguinte redacção:

 

Artigo 4.º

 

Incidência

 

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

 

2 - O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000:

a) Quando superior a € 7 500 000 e até € 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a € 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 2,1 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda € 7500 000, à qual se aplica a taxa de 3,5 %;

b) Quando superior a € 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a € 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 2,1 %; outra, igual a € 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 3,5 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda € 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 6,3 %.

3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o número anterior incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.

 

 

3.2. Questão do erro na aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, em dissonância com os artigos 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro

 

Como decorre do artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP, as Regiões Autónomas podem «exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei quadro da Assembleia da República».

O regime do exercício desse poder tributário próprio, inclusivamente a «adaptação do sistema fiscal nacional», consta da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA), em que se estabelecem os princípios que devem ser observados (artigo 55.º), e se estabelece que «as Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem ainda, nos termos da lei e tendo em conta a situação financeira e orçamental da região autónoma, diminuir as taxas nacionais do IRS, do IRC e do IVA, até ao limite de 30 % e dos impostos especiais de consumo, de acordo com a legislação em vigor».

No caso em apreço, o Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, e o n.º 21/2026-/A, de 17 de Outubro, são diplomas que, como neles expressamente se refere, fizeram a adaptação do regime da derrama estadual, previsto no artigo 87.º-A do CIRC, às especificidades regionais, traduzindo-se essencialmente em reduções de taxas aplicáveis a residentes ou não residentes titulares de estabelecimentos estáveis nas respectivas regiões autónomas.

Isto mesmo reconhece a Autoridade Tributária e Aduaneira no ponto 48 da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, em que refere que «estamos, portanto, perante a referida adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, que permite a residentes ou não residentes que possuam um estabelecimento estável nas Regiões Autónomas a aplicação de taxas de derrama reduzidas».

No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende na decisão da reclamação graciosa que deve ser aplicado o regime da derrama estadual, previsto no artigo 87.º-A do CIRC, por entender que estão preenchidos os seus pressupostos (pontos 55 a 57):

55. Ora, conforme se referiu anteriormente, a 2ª Reclamante tem a sua sede e residência fiscal em Portugal Continental e exerce a sua atividade sujeita a tributação em IRC, de acordo com as regras de determinação do lucro tributável expressas nos artigos 17.º e ss., do CIRC.

56. Verifica-se, deste modo, que o requisito de incidência subjetiva previsto no n.º 1 do artigo 87. º-A, do CIRC, se encontra preenchido, estando a 2ª Reclamante, obrigada a liquidar derrama estadual nos termos e às taxas ali previstas.

57. De maneira que, no caso dos autos, se a 2ª Reclamante, no exercício de 2020, apurou lucro tributável superior a € 1.500.000,00, encontra-se sujeita a derrama estadual por aplicação das disposições constantes no artigo 87.º-A do Código do IRC, e não das taxas reduzidas previstas pelos Decretos Legislativos Regionais que estabeleceram as derramas regionais.

 

 É inquestionável que as situações das Requerentes se enquadram no artigo 87.º-A do CIRC, que prevê o regime geral da derrama estadual, mas, obviamente, quando estão preenchidos os pressupostos da aplicação de regimes especiais, é afastada a aplicação do regime geral, o que é corolário da regra básica, que aflora no artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil,  de que os regimes especiais, nos seus específicos domínios de aplicação, prevalecem sobre os regimes gerais (lex specialis derogat legi general).

A lei especial é a que se aplica a situações de facto abrangidas, todas elas, pela lei geral (sendo que esta abrange um leque mais amplo de situações de facto), consagrando um regime distinto ( [1] ).

Está ínsito nesta possibilidade de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais que, na medida em que for aplicado o regime específico adaptado, deixa de ser aplicado o regime previsto no sistema fiscal nacional, como, aliás, consta expressamente do artigo 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A.

Sendo assim, não tem relevância a fundamentação utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão da reclamação graciosa, para manter a aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, pois o enquadramento das situações nesta norma não basta para assegurar a sua aplicação, sendo afastado se as situações se enquadrarem simultaneamente nas normas especiais.

Por isso, apenas o eventual não enquadramento da situação das 2.ª e 3.ª Requerentes nos regimes especiais de derrama regional, poderá permitir manter a aplicação do a regime geral previsto no artigo 87.º-A do CIRC.

 Para enquadramento das situações das 2.ª e 3.ª Requerentes nas hipóteses normativas das derramas regionais é necessário que elas tenham residência na respectiva região autónoma ou aí tenham estabelecimento estável.

No caso em apreço, é ponto assente que nenhuma das 2.ªe 3.ª Requerentes tem residência em qualquer das regiões autónomas, mas que desenvolvem aí as suas actividades através de instalações que se enquadram no conceito de «estabelecimento estável», definido no artigo 5.º do CIRC.

 

3.2.1. Questão da aplicação da derrama regional da Madeira

 

Relativamente à derrama regional da Madeira, incide sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

O artigo 26.º, n.º 1, da referida Lei Orgânica n.º 2/2013 (Lei das Finanças das Regiões Autónomas – LFRA) refere na sua alínea b) as «pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição».

«Circunscrição», é o território do continente ou de uma região autónoma, consoante o caso, como se refere na alínea b) do artigo 23.º da LFRA.

É manifesto que as situações das 2.ª e 3.ª Requerentes se enquadram nesta norma, pois, tanto em 2020 como em 2021:

– tinham sede em território português;

– possuíam instalações permanentes em mais de uma circunscrição, designadamente no continente e em pelo menos uma das regiões autónomas.

 

Por isso, conclui-se que às 2.º e 3.ª Requerentes era aplicável a derrama regional da Madeira e não a derrama estadual, relativamente aos rendimentos obtidos nesta Região Autónoma.

 

3.2.2. Questão da aplicação da derrama regional dos Açores

 

No que concerne à derrama regional dos Açores, aplica-se, nos termos do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, aos sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

As 2.ª e 3.ª Requerentes não eram residentes na Região Autónoma dos Açores, mas tinham nela instalações enquadráveis no conceito de estabelecimento estável, definido no artigo 5.º do CIRC.

Assim, a questão que se pode levantar, com pertinência, é a de saber se a referência a «sujeitos passivos não residentes» se reporta a não residentes em território nacional ou a não residentes no território da Região Autónoma dos Açores.

Como há muito vem decidindo o Supremo Tribunal Administrativo, a propósito da questão paralela que se coloca a nível das reduções de taxas de IRC nas regiões autónomas, a referência a «não residentes» reporta-se todos os sujeitos passivos que não residem na região autónoma, quer residam no estrangeiro quer em outra parte do território nacional: «o conceito de estabelecimento estável para efeito dessa redução de taxa abrange instalações, onde seja exercida efectiva actividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não no território nacional, sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP)». ( [2] )

Neste artigo 13.º da CRP estabelece-se o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.

Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. ( [3] )

No caso em apreço, não se vislumbra qualquer razão que possa levar a que empresas com sede e direcção efectiva fora da Região Autónoma dos Açores que nela tenham instalações idênticas qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, e que desenvolvam a mesma actividade, possam beneficiar de taxas de IRC e derrama diferentes pelo facto de a sede ou direcção efectiva, fora da área daquela Região, se situar no território nacional ou no estrangeiro.

Na verdade, para além da identidade material da situação real a nível da Região Autónoma dos Açores, as razões que justificou a criação de taxas reduzidas de IRC e de derrama para entidades não residentes, que são melhorar «a competitividade e criação de emprego das empresas com actividade no arquipélago, que suportam os custos incontornáveis da insularidade» (Preâmbulo do determinação do lucro tributável 2/99/A, de 6 de Março) e a «promoção da economia e reforço dos meios dos agentes económicos na concretização de investimento e criação de emprego, em benefício do desenvolvimento sustentável da Região Autónoma dos Açores» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A) valem igualmente tanto para o investimento por empresas estrangeiras como para o investimento por empresas nacionais.

Assim, é de concluir que a interpretação do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A no sentido da aplicação da taxa reduzida de derrama a todas as entidades que não tenham sede ou direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do artigo 5.º do CIRC, é a única que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade.

Por isso, há que adoptar esta interpretação conforme à Constituição.

De resto, é também esta a interpretação que permite melhor satisfazer o primacial interesse visado com a redução de IRC, que é incentivar ao investimento na Região Autónoma dos Açores, pelo que é de presumir ter sido a solução adoptada na lei, por ser a mais acertada (art. 9.º, n.º 3, do CC). ( [4] )

E é também esta a interpretação que se melhor se compagina com a imputação das receitas de IRC às regiões autónomas que se faz no artigo 26.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, da LFRA, em que se incluem as devidas por pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português que tenham na região um estabelecimento estável, sendo as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.

Na verdade, nestas normas do artigo 26.º da LFRA explicitamente se dá relevância a instalações de pessoas colectivas residentes em território português qualificáveis como estabelecimentos estáveis, o que confirma o entendimento que vem sendo adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se referiu. 

Pelo exposto, também em relação à actividade das Requerentes nos Açores, era aplicável às Requerentes a respectiva derrama regional e não a derrama nacional.

 

3.2.3. Compatibilização das derramas regionais com a derrama estadual

 

Tendo as 2.ª e 3.ª Requerentes actividade no continente, a par das actividades nas regiões autónomas, desenvolvidas através de instalações qualificáveis como «estabelecimentos estáveis», torna-se necessário compatibilizar a aplicação das derramas. 

Como se refere no acórdão arbitral de 21-08-2023, proferido no processo n.º 792/2022-T, «quanto a este ponto, haverá que recorrer ao critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei das Finanças Regionais, que fixa uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à actividade efectivamente desenvolvida em cada região». Isto é, no cálculo do quantum devido a título de derrama estadual não deverá ser tida em consideração a proporção do lucro tributável imputável aos estabelecimentos estáveis sitos na RAA e na RAM, que se encontra sujeito às derramas regionais especificamente previstas em cada uma daquelas circunscrições.

 

3.2.4. Conclusão

 

Do exposto, conclui-se que as autoliquidações e as decisões das reclamações graciosas que as confirmaram enfermam de vício de violação de lei por erro de interpretação do artigo 87.º-A do CIRC e dos artigos 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, e 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M de 5 de agosto, nas redacções do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, e 18/2020/M, de 31 de Dezembro.

Estes vícios justificam a anulação parcial das autoliquidações e das decisões das reclamações graciosas que as confirmaram, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento nestes vícios, que asseguram eficaz tutela dos interesses das Requerentes, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente às autoliquidações e decisões das reclamações graciosas impugnadas.

 

 

 

4. Pedidos de reembolso e juros indemnizatórios

 

4.1. Pedido de reembolso

 

As Requerentes pedem reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação da parcial das autoliquidações, as Requerentes têm direito a ser reembolsadas das quantias que tiverem pagado a mais, o que é consequência da anulação.

No entanto, não se provou qualquer pagamento de quantias e, se é certo que em relação a algumas das autoliquidações há impostos a recuperar, há também autoliquidações de que resulta haver pagamentos a fazer (documentos n.ºs 2, 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

Na falta de prova de pagamentos, não pode proceder o pedido de reembolso, sem prejuízo de o direito a reembolso dever ser considerado em execução do presente acórdão.

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

O direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

Das várias situações em que são devidos juros indemnizatórios indicadas no artigo 43.º da LGT, haverá lugar aos mesmos se se entender que ocorreu erro imputável aos serviços.

No caso em apreço, embora o imposto tenha sido autoliquidado, as Requerentes referem, sem oposição da Administração Tributária e Aduaneira, que as autoliquidações ilegais resultam de o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira para apresentar a declaração modelo 22 de IRC não lhe permitir a imputação às derramas regionais das partes dos rendimentos gerados nas respectivas circunscrições.

Neste contexto, devem considerar-se imputáveis à Administração Tributária e Aduaneira as ilegalidades das autoliquidações, quanto ao cálculo da derrama estadual.

Trata-se de uma situação que se enquadra no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, por interpretação declarativa e maioria de razão, pois mais eficaz do que orientações administrativas que influenciem o comportamento do contribuinte é a sua imposição, por inadmissibilidade física de adopção de outro comportamento.

Por isso, as Requerentes têm direito a juros indemnizatórios calculados com base nas quantias a reembolsar, contados desde a data ou datas em que efectuaram pagamentos e a data ou datas em que vierem a ser pagas as quantias a reembolsar.

Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

No entanto, como o dever de pagamento de juros indemnizatórios depende de terem sido efectuados pagamentos de imposto em montante superior ao devido e não se provou terem sido efectuados pagamentos, não pode julgar-se procedente o pedido de juros indemnizatórios, que devem ser determinados em execução do presente acórdão, com base nas quantias a reembolsar.  

 

 

            5. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto aos pedidos de anulação;
  2. Anular parcialmente as autoliquidações de IRC plasmadas nas declarações periódicas de rendimentos Modelo 22 de IRC n.ºs ..., ... e..., referentes ao exercício de 2020, e n.ºs..., ... e ..., referentes ao exercício de 2021, nas partes respeitantes à derrama estadual e na medida em que no seu cálculo foi considerado o lucro tributável obtido com a actividade desenvolvida através das instalações situadas nas regiões autónomas;
  3. Anular as decisões das reclamações graciosas n.ºs ...2023..., ...2023..., ...2023...;
  4. Julgar improcedentes os pedidos de reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios, sem prejuízo de deverem ser determinados em execução do presente acórdão.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € € 1.008.404,76, indicado pelo Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 14.076,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 11-03-2024

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(António Cipriano da Silva)

 

 

 

(Adelaide Moura)

 



[1] BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, página 170; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, 2012, páginas 225-228.

[2] Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 26-11-2008, processo n.º 0666/08, de 07-01-2009, processo n.º 0669/08, de 21-01-2009, processo n.º 0668/08, de 17-06-2009, processo n.º 0292/09, de 14-01-2015, processo n.º 058/14, e de 18-11-2020, processo n.º 0958/10.1BELRS.

[3] Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

– n.º 155/92, de 23-4-1992, proferido no processo n.º 204/90, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 416, página 295;

– n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129;

– n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152;

– n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284;

– n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.

[4] Segue-se de perto, adaptando a fundamentação, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-01-2009, processo n.º 0669/08.