Sumário
I - Os contribuintes titulares de rendimentos de pensões registados como Residentes Não Habituais(RNH) ao abrigo do regime anterior à Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, mantiveram e mantêm, em sede de IRS, o regime de tributação de que beneficiavam em Portugal, por um período de 10 anos contados nos termos da lei.
II - Não obstante a denúncia, pela Suécia, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada com Portugal (a “CDT”), e o facto de os rendimentos de pensões dos Requerentes respeitantes ao ano de 2022 terem sido tributados na Suécia, através de retenção na fonte por força dessa denúncia, em Portugal foi mantida a isenção na liquidação impugnada, em sintonia com a opção formulada pelos Requerentes na declaração Mod.3 de IRS.
III - Independentemente de se entender ou não que é de equacionar, nesta situação, uma violação do princípio da confiança, não se vislumbra enquadramento legal para a liquidação ser efectuada de forma diferente da que foi feita, designadamente atribuindo aos Requerente um crédito de imposto.
IV - Relativamente aos rendimentos da categoria H obtidos no estrangeiro por residentes não habituais, está prevista a aplicação do método da isenção, no n.º 6 do artigo 81.º do Código do IRS, na redacção anterior à Lei n.º 2/2020, tendo os sujeitos passivos a faculdade de optar por esse regime, como fizeram os Requerentes.
V- No contexto global do regime de eliminação de dupla tributação, mesmo quando é aplicável o método do crédito de imposto, a sua aplicação é limitada à suficiência de colecta no período de tributação em que os rendimentos obtidos no estrangeiro foram incluídos no rendimento coletável, como decorre dos n.ºs 1 e 3 do artigo 81.º do CIRS, pelo que, quando não haja colecta, é inviável a atribuição de qualquer crédito de imposto, pelo que não havia suporte legal para incluir na liquidação de IRS relativa ao ano de 2022 dos Requerentes qualquer crédito de imposto.
VI - O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa apreciar a legalidade ou ilegalidade de actos de liquidação, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. A responsabilidade do Estado por violação da Constituição ou do direito da União Europeia a que aludem os Requerentes, designadamente a decorrente de actos de natureza legislativa ou sua omissão (inclusivamente, a não inclusão no Código do IRS de uma norma que permitisse atribuir um crédito de imposto na situação em análise) tem meios próprios para ser efectivada, não sendo meio adequado o processo arbitral, em face da sua vocação restrita à apreciação a legalidade de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.
Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. João Taborda da Gama e Dr. Pedro Guerra Alves (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 09-01-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A... E B... (doravante, os “Requerentes”), contribuintes fiscais número ... e ..., respetivamente, ambos com nacionalidade sueca e com residência na Rua ..., ..., ...-... Lagos, apresentaram pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) com o n.º 2023... .
Os Requerentes pedem ainda juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 25-10-2023.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 18-12-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 09-01-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que suscitou excepções de incompetência e ilegitimidade passiva e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 28-02-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
A Requerente pronunciou-se sobre as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Importa apreciar prioritariamente as questões de competência suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de harmonia com o preceituado no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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Os Requerentes são cidadãos suecos que auferiam pensões de reforma;
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Em 2018, os Requerentes mudaram a sua residência para Portugal, tendo ambos obtido o estatuto de Residente Não Habitual (RNH);
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Em 24 de Junho de 2023, os Requerentes procederam à submissão da declaração de rendimentos de IRS (Modelo 3) relativa ao ano fiscal de 2022, à qual foi atribuída o número de identificação ... e o código de validação PR... (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Na referida declaração, os Requerentes declararam rendimentos de pensões (categoria H) no valor de € 261.954,81 e imposto pago no estrangeiro no valor de € 72.797,57;
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No anexo L da referida declaração, relativo a «Residente Não Habitual» os Requerentes indicaram, quanto a «OPÇÕES POR REGIMES DE TRIBUTAÇÃO» que foram fiscalmente residentes em território português até 31-03-2020 (campo 6B 1), e que não optavam pelo novo regime de tributação dos rendimentos obtidos no estrangeiro, nos termos do n.º 12 do art.º 72 do CIRS (campo 6B 2), nos termos do quadro infra:
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No campo C1 do referido anexo L, relativo a RENDIMENTOS OBTIDOS NO ESTRANGEIRO – ELIMINAÇÃO DA DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL, os Requerentes indicaram, para efeitos do regime transitório dos anos de 2020 e seguintes, que pretendiam que fosse aplicado o método de isenção, nos termos do quadro infra:
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Na sequência da apresentação da declaração, foi notificada aos Requerentes a demonstração de liquidação n.º 2023..., que consta do documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A escolha pelos Requerentes de Portugal, de entre vários países potencialmente elegíveis, teve em conta, com factor relevante, o regime fiscal oferecido a pensionistas, que foi divulgado por entidades conexionadas com o Governo português, como afastando a tributação das suas pensões durante 10 anos (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 16-05-2019, foi assinado um protocolo para alteração à Convenção entre a República Portuguesa e o Reino da Suécia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Na ausência de ratificação por Portugal, em Junho de 2021, a Suécia denunciou a Convenção para Evitar a Dupla Tributação referida (CDT);
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Em 01-02-2022, foi publicado no Diário da República n.º 22/2022, de 01-02-2022, o Aviso n.º 2/2022, do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, que tornou público que "por Nota Verbal datada de 16 de junho de 2021, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa recebeu notificação de denúncia pelo Reino da Suécia da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino da Suécia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Helsinborg em 29 de agosto de 2002 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Nos termos do Aviso, a denúncia produziu efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2022;
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Na sequência da denúncia da CDT, os rendimentos de pensões dos Requerentes A... e B... foram tributados na Suécia, através de retenção na fonte, nos montantes de € 72.797,57 e € 1.287,38, respectivamente;
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Em 24-10-2023, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com base me afirmações dos Requerentes a se presumem credíveis.
Na verdade. é de presumir, à face das regras da experiência que os árbitros devem aplicar na decisão da matéria de facto [artigo 16.º alínea e), do RJAT] que a mudança de residência dos Requerentes para Portugal tenha sido influenciada primacialmente pelo regime fiscal aplicável aos pensionistas e 2019, a se traduzia, no caso de rendimentos de pensões pagas pela Suécia na não tributação em qualquer dos países.
3. Questões de incompetência e de ilegitimidade passiva da Autoridade Tributária e Aduaneira
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral, pelas seguintes razões, em suma:
– os Requerentes não pretendem sindicar a legalidade de um acto tributário praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mas no fundo, sindicar uma qualquer responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função político-legislativa, designadamente a responsabilidade política do Reino da Suécia pela sua decisão política de denunciar o ADT e tributar as pensões por si pagas; ou
– os Requerentes pretendem sindicar os actos tributários de retenção na fonte efectuados pela autoridade tributária do Reino da Suécia sobre as suas pensões;
– este Tribunal Arbitral é incompetente, material e territorialmente, para sindicar, tais matérias;
– estamos perante imposto liquidado, devido e cobrado no Reino da Suécia, pelo que é silogística a conclusão de que estamos perante matéria cuja competência é exclusiva das jurisdições suecas;
– a Autoridade Tributária e Aduaneira é uma entidade totalmente estranha e alheia às retenções na fonte efectuadas pelo reino da Suécia.
Os Requerentes defendem o seguinte, em suma:
– as excepções são suscitadas com base num pressuposto errado de que parte a Autoridade Tributária e Aduaneira;
– a pretensão dos Requerentes traduz-se na anulação do acto de liquidação de IRS relativo ao ano de 2022, por força da não atribuição de um crédito de imposto no montante associado à retenção na fonte paga na Suécia, como referem no artigo 40.º do pedido de pronúncia arbitral;
– independentemente da causa que fundamenta a retenção na fonte realizada pelo estado da fonte, aquilo que o presente pedido de pronúncia arbitral visa é, apenas e só, a declaração de ilegalidade da liquidação realizada pelo estado português, por referência ao período de 2022, por força da não atribuição do crédito de imposto devido em sede de IRS;
– para além de assentar numa dimensão associada ao Direito Internacional e ao Direito Europeu, a pretensão dos ora Requerentes assenta em fundamentos relativos ao direito interno, nomeadamente, de natureza constitucional;
– os Requerentes peticionam a anulação da liquidação de IRS em crise, apresentando como fundamento da sua pretensão, nomeadamente, a circunstância de existir uma clara violação do princípio da segurança jurídica, na sua vertente da proteção da confiança, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);
– o facto de os ora Requerentes elencarem, em abstrato, um conjunto de meios diferentes através dos quais poderia ser atribuído o crédito fiscal devido, não significa que pretendam, por meio do pedido de pronúncia arbitral, apurar a responsabilidade civil extracontratual do Estado Português pelo exercício da função legislativa;
– os Requerentes apenas pretendem anular a liquidação de IRS de que foram notificados.
Decorre do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da legalidade de actos de liquidação de tributos.
No caso em apreço, como já resultava do teor do artigo 40.º do pedido de pronúncia arbitral, e é claramente confirmado pela resposta às excepções, os Requerentes entendem que a liquidação impugnada é ilegal por nela não ter sido incluído um crédito fiscal em montante equivalente ao montante do imposto que foi retido na fonte na Suécia e pretendem a sua anulação.
Assim, independentemente dos fundamentos de anulação invocados, está-se perante um pedido de apreciação da legalidade de uma liquidação emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que o pedido de insere na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
Por outro lado, tratando-se de uma liquidação relativa a IRS, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, é à sua dirigente máxima que cabe a competência para a representar no processo arbitral, como decorre do artigo 17.º do RJAT.
Pelo exposto, improcedem as excepções de incompetência e ilegitimidade passiva invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
4. Matéria de direito
Os Requerentes mudaram a sua residência para Portugal em 2018 e ambos obtiveram o estatuto de Residente Não Habitual (RNH), beneficiando, então, de total exclusão da tributação dos rendimentos de pensões provenientes da Suécia.
Na verdade, por força do disposto no artigo 18.º da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino da Suécia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/2003, publicada no Diário da República, I Série, de 19-03-2003 (doravante “CDT”) , «as pensões e outras remunerações similares pagas a um residente de um Estado Contratante em consequência de um emprego anterior só podem ser tributadas nesse Estado», isto é, só podiam, ser tributadas Estado da residência e não no da fonte, o que está em sintonia com o artigo 18.º da Convenção Modelo da OCDE.
Por outro lado, em Portugal, o estatuto de RNH que os Requerentes obtiveram, era garantido pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português, desde que fossem considerados residentes em território português, em qualquer momento de cada um desses anos (artigos 16.º, n.ºs 9 e 11, do CIRS), assegurava-lhes a isenção de tributação em IRS desses rendimentos de pensões, por via da alínea b) do n.º 6 do artigo 81.º do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 2/2020, de 31 de Março.
Apesar de este regime de isenção ter sido revogado por aquela Lei n.º 2/2020, ele continuou a ser aplicável aos Requerentes, que se encontravam inscritos como residentes não habituais, à data da sua entrada em vigor, por força da disposição transitória do n.º 2 do seu artigo 329.º e a opção que fizeram, relativamente ao ano de 2022, no campo 6B do anexo L da respectiva declaração modelo 3 que apresentaram.
Com a denúncia pela Suécia da CDT referida, os rendimentos de pensões dos Requerentes respeitantes ao ano de 2022 foram tributados na Suécia, através de retenção na fonte, mas em Portugal, na liquidação impugnada, foi mantida a isenção, em sintonia com a opção formulada pelos Requerentes no campo C1 do referido anexo L.
Independentemente de se entender ou não que é de equacionar, nesta situação, uma violação do princípio da confiança, não se vislumbra enquadramento legal para a liquidação ser efectuada de forma diferente da que foi feita, designadamente atribuindo aos Requerente um crédito, como pretendem.
Na verdade, relativamente aos rendimentos da categoria H obtidos no estrangeiro por residentes não habituais, está prevista a aplicação do método da isenção, no n.º 6 do artigo 81.º do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 2/2020, e os Requerentes optaram pela continuação da aplicação desse regime, ao abrigo da faculdade concedida pelo n.º 3 do artigo 329.º da Lei n.º 2/2020, manifestando expressamente a pretensão de aplicação do método de isenção.
Por outro lado, no contexto global do regime de eliminação de dupla tributação, mesmo quando é aplicável o método do crédito de imposto, a sua aplicação é limitada à suficiência de colecta no período de tributação em que os rendimentos obtidos no estrangeiro foram incluídos no rendimento coletável, como decorre dos n.ºs 1 e 3 do artigo 81.º do CIRS, o que se reconduz, na situação dos autos, em que não há qualquer colecta no ano de 2022, à inviabilidade de atribuição de qualquer crédito de imposto, neste ano.
Por isso, tem de se concluir que não há suporte legal para incluir na liquidação de IRS relativa ao ano de 2022, qualquer crédito de imposto, e que a Autoridade Tributária e Aduaneira, obrigada a observar o princípio da legalidade (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), não podia deixar de emitir a liquidação nos termos em que o fez.
Sendo assim, a liquidação impugnada não enferma de qualquer vício que justifique a sua anulação.
Isto não significa que não se possam equacionar, com pertinência, como fazem os Requerentes, as questões da violação do princípio constitucional da confiança e dos princípios de Direito da União Europeia da não discriminação, da liberdade de estabelecimento e liberdade de circulação de trabalhadores.
Mas, o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa apreciar a legalidade ou ilegalidade de actos de liquidação, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].
A responsabilidade do Estado por violação da Constituição ou do direito da União Europeia a que aludem os Requerentes, designadamente a decorrente de actos de natureza legislativa ou sua omissão (inclusivamente, a não inclusão no CIRS de uma norma que permitisse atribuir o crédito que os Requerentes pretendem) tem meios próprios para ser efectivada, não sendo meio adequado o processo arbitral, em face da sua vocação restrita à apreciação a legalidade de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.
Neste contexto, tem de se concluir que não se justifica o reenvio prejudicial sugerido pelos Requerentes, pois a decisão das questões de Direito da União sugeridas não tem qualquer relevância para a decisão da causa.
Nestes termos improcede o pedido de pronúncia arbitral.
5. Juros indemnizatórios
O direito a juros indemnizatórios tem fundamento em erro de liquidação imputável aos serviços, como decorre do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Não se demonstrando qualquer erro da liquidação, improcede o pedido de juros indemnizatórios.
6. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar improcedentes as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
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Indeferir o pedido de reenvio prejudicial;
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Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação;
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Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios;
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Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 74.084,95, indicado pelos Requerentes, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes.
Lisboa, 07-03-2024
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(João Taborda da Gama)
(Dr. Pedro Guerra Alves)