Sumário:
I – O tribunal arbitral é incompetente para julgar indeferimento de reclamação graciosa, que na sua génese se refere a pedido de reembolso de ISV, pois a contestação não assenta na ilegalidade de ato de liquidação de imposto.
II – A competência do Tribunal arbitral está definida por lei; e o Tribunal arbitral não adquire competência, pelo facto da ATA, por erro, ter informado o requerente que poderia recorrer à arbitragem tributária.
DECISÃO ARBITRAL
O Árbitro singular Tomás Cantista Tavares, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decide o seguinte:
I – Relatório
1. A..., LDA, nipc ..., com sede na R. ..., ..., ..., ...-... Leiria, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de indeferimento de reclamação graciosa, perante Despacho que indeferiu pedido de reembolso de imposto sobre veículos (ISV) n.º 83 de 12/4/2022, por si efetuado, no valor de 5.152,10€, solicitando, também, a devolução destas quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.
O requerente alega, em síntese, que tendo procedido à exportação dos veículos para a Alemanha, logo após a sua matrícula em Portugal, tem direito a reembolso de parte do ISV pago, por verificação dos pressupostos legais do art. 29.º do CISV.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro singular do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. O Tribunal Arbitral singular ficou constituído em 14 de dezembro de 2023.
5. A Requerida apresentou a resposta, por exceção e impugnação, e juntou o processo administrativo.
Alega, em síntese: o tribunal arbitral é materialmente incompetente, porque não se impugna uma liquidação de imposto, mas pedido de reembolso; e não se preencheriam os requisitos do reembolso do ISV, em termos objetivos e falta de prova a cargo do requerente.
6. A Requerente foi notificada para se pronunciar sobre a exceção, o que o fez em 14 de fevereiro de 2024.
7. Por Despacho de 17/3/2024, foi dispensada a reunião do art. 18.º do RJAT, por desnecessária, como foram dispensadas as alegações finais, porque o processo já contém todas as questões a decidir, enunciadas de forma clara e exaustiva pelas partes.
8. O tribunal arbitral foi regularmente constituído. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo não enferma de nulidades.
II – Decisão
A. Matéria de facto
A.1. Factos dados como provados.
a) Em 31/8/2021, a requerente adquiriu 6 viaturas e procedeu às respetivas matriculações, em Portugal, com pagamento do ISV;
b) Em 7/9/2021, expediu essas viaturas para o mercado alemão;
c) Em 1/10/2021, procedeu ao cancelamento das matrículas dessas viaturas;
d) Em 13/4/2022, efetuou pedido de reembolso do ISV pago em excesso, nos termos do art. 29.º do CISV;
e) Esse pedido foi indeferido, e perante isso, a requerente deduziu reclamação graciosa;
f) Em 3/6/2023, a reclamação graciosa foi indeferida, dizendo-se, entre outras formas de contencioso subsequente, que o requerente podia, querendo, apresentar ação arbitral no CAAD
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Os factos pertinentes para o julgamento são escolhidos em função da sua relevância jurídica (art. 596.º do CPC). Assim, da prova documental e do PA retiram-se os factos provados acima elencados, que são os relevantes para a causa da causa.
B. Do Direito
Antes da apreciação do mérito da causa, importa analisar a questão prévia suscitada, relativa a incompetência do Tribunal arbitral em razão da matéria.
O Tribunal arbitral só tem competência para analisar da ilegalidade dos atos de liquidação de impostos (art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT). O ato sindicado tem de ser uma liquidação de imposto; e tem de se solicitar a sua ilegalidade (anulação), por vícios congénitos, de violação de lei, procedimento ou fundamentação (art. 99.º do CPPT).
Não é isso o que ocorre no caso dos autos: a) o requerente matriculou 6 viaturas e pagou o ISV correspondente; b) depois, expediu-os para a Alemanha, e cancelou as matrículas; c) e perante isso, solicitou o reembolso de parte do ISV pago; d) e porque indeferido, deduziu reclamação graciosa ulterior e intentou depois a presente ação arbitral.
Quer dizer: o requerente não contesta as liquidações de ISV; não lhes imputa quaisquer ilegalidades congénitas; ocorre simplesmente, na sua ótica, circunstância posterior (exportação quase imediata para a Alemanha e cancelamento de matrículas) que legitima que a ATA lhe devolva parte do imposto pago (e legal), nos termos do art. 29.º do CISV.
Os atos originais sindicados não são liquidações de imposto (ISV); esses atos, quando emitidos são totalmente legais – e a requerente não lhes assaca qualquer ilegalidade; a posição da ATA sustenta-se em circunstâncias posteriores que legitimam a devolução de parte dos valores pagos, mas não envolvem a análise de qualquer ilegalidade das liquidações de imposto, que, por isso, não é o ato impugnado.
Donde, o tribunal arbitral não tem competência para conhecer a matéria deste processo.
É verdade, todavia, que na notificação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa, se indica, de forma expressa, que o requerente podia intentar ação arbitral junto do CAAD – o que veio a fazer, confiando nesta informação da ATA. Há um claro erro da ATA, e o contribuinte não deve ser prejudicado por isso, pelo princípio da confiança e da boa-fé. Mas estes vetores não vão ao ponto de conceder competência ao Tribunal arbitral (até por ser matéria totalmente sujeita ao princípio da legalidade). E, por isso, o Tribunal tem de se declarar incompetente, até porque não tem modo de promover a convolação da ação no meio processual adequado, por limitação da sua competência referida no art. 2º do RJAT. Mas o sistema jurídico tem válvulas de escape de tutela da posição do contribuinte, entre outras no que se refere no art. 37.º, n.º 4 do CPPT e art. 24.º, n.º 3, do RJAT.
Assim, o tribunal não conhece o pedido, por incompetência em razão da matéria, mas por facto não imputável ao sujeito passivo, que se limitou a seguir precisa indicação errada por parte da AT – que lhe disse que podia intentar ação arbitral junto do CAAD; o que cobra efeitos também na responsabilidade pelas custas. Como se dirá no final, a responsabilidade pela totalidade das custas é da ATA, porque a inutilidade e impossibilidade desta ação é da total responsabilidade da requerida: ao indicar ao autor que podia intentar ação arbitral, quando a lei não o consente, e a requerente limitou-se a seguir essa indicação de boa-fé e na confiança depositadas nas indicações do Estado.
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Ser este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para julgar o presente litígio, nos termos do artigo 2.º do RJAT e, em consequência, absolver a Requerida da instância
b) Condenar a requerida nas custas do processo, porque a inutilidade e impossibilidade deste processo é da sua total responsabilidade
Valor da causa
Fixa-se o valor do processo em € 5.152,10, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 612,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Porto, 31 de março de 2024
Tomás Cantista Tavares