Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 671/2023-T
Data da decisão: 2024-04-05  IRS  
Valor do pedido: € 44.665,61
Tema: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS); intempestividade do pedido de constituição de tribunal arbitral.
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SUMÁRIO:

I - É o artigo 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT que fixa em 90 dias a apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral, sobrepondo-se, assim, ao disposto no n.º 1 do disposto no artigo 102.º do CPPT que fixa em três meses o prazo para apresentação da impugnação judicial.

II - Deve ter-se por intempestivo o pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado dois dias após o termos do prazo dos 90 dias previsto legalmente para o efeito.

III - A declaração de intempestividade determina a absolvição da instância da Requerida, mesmo se ela não suscitou, na Resposta, a exceção dilatória que impõe aquela consequência.

IV - Com efeito, o conhecimento da exceção dilatória de intempestividade ou de caducidade do direito de ação é oficioso, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais administrativos.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

O signatário, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 06 de dezembro de 2023, decide o seguinte:

 

I – RELATÓRIO

  1. A..., divorciada,  NIF...,(doravante Requerente) residente na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., vem requerer a Constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (PPA) tendo em vista a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento de Reclamação Graciosa e, bem assim, a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2022..., efetuada em 28-11-2022, respeitante ao ano de 2018, com data limite de pagamento em 11-01-2023, no montante de € 43.825,59.
  2. A Requerente fundamenta o seu pedido de pronúncia arbitral, em síntese, nos seguintes termos:
  1. Apresentou, com referência ao ano a que a que respeitam os rendimentos – ano 2018 – a respetiva declaração de rendimentos, em 20/06/2019, por via de submissão da Dec. Mod. 3 com o n.º..., através do Portal das Finanças, à qual coube o código de validação...;
  2. Da liquidação subsequente, com o n.º 2019-..., resultou num valor a pagar de € 840,02, oportunamente pago;
  3. Posteriormente, veio a AT proceder, oficiosamente, à correção da liquidação o n.º 2019-..., daí resultando o ato de liquidação ora impugnado, do qual só veio a ter conhecimento por via da citação que lhe foi efetuada no âmbito do processo de execução fiscal instaurada por falta de pagamento da liquidação antes identificada;
  4. Por não concordar com a liquidação que lhe fora efetuada e ainda estar em tempo, deduziu reclamação graciosa que foi indeferida, decisão esta que lhe foi notificada em 22 de junho de 2023.
  1. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada somente por “Requerida” ou “AT”).
  2. O pedido de constituição do tribunal arbitral deu entrada no CAAD às 12H45m do dia 22 de setembro de 2023 e foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 25-09-2023.
  3. A Requerida foi notificada da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 29-09-2023.
  4. O signatário foi designado, em 15-11-2023, como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos dos números 2, alínea a), e 3 do artigo 6.º do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e nos termos legalmente previstos.
  5. Em 15-11-2023 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  6. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 06-12-2023 e a constituição foi, na mesma data, notificada às Partes.
  7. Em 06-12-2023 foi a Requerida notificada para apresentar Resposta, requerer prova adicional e juntar o Processo Administrativo.
  8. A Requerida, apresentou Resposta e o Processo Administrativo em 22-01-2024, tendo deduzido defesa por impugnação.
  9. A Requerida concluiu pela manutenção do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação que dela foi objeto.
  10. No dia 23-01-2024 foi proferido despacho arbitral a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, uma vez que as questões a decidir eram exclusivamente de direito e também a apresentação de alegações, tendo sido o despacho notificado às partes no dia 24-01-2024.
  11. No dia 26-02-2024, entendeu o Tribunal proferir novo despacho, notificado às Partes no dia 27-02-2024, nos termos seguintes:
    1. O Tribunal determina que a Requerida, por não o ter feito na Resposta e a ele se encontrar vinculado nos termos do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, se pronuncie sobre a aplicabilidade ao caso sub judice do entendimento divulgado pelo Ofício-Circulado n.º 20262, de 2023-11-27, no seu ponto II. 
    2. De conformidade com o princípio da livre condução do processo pelo Tribunal e ainda do princípio do inquisitório ou da verdade material, determino que a Requerente e a Requerida, respetivamente:
    3. Junte aos autos o texto integral da reclamação graciosa, pois não o juntou com a p.i. e não consta, por razões alheias ao Tribunal, do PA apresentado pela Requerida;
    4. Junte ao PA a demonstração da liquidação impugnada tal como foi expedida para a Requerente ou, na impossibilidade de o fazer, dê conhecimento ao tribunal do domicílio fiscal da Requerente, constante do registo do cadastro à data da liquidação que vem impugnada.
  12. A Requerente apresentou o texto integral da reclamação graciosa no dia 11-03-2024.
  13. A Requerida respondeu no dia 12-04-2024 e reiterou a apresentação dos documentos solicitados em 14-04-2024
  14. No dia 12-04-2023, o Tribunal, confrontado na preparação da decisão arbitral com a eventualidade de se dar como verificada a exceção perentória de intempestividade na apresentação do PDA, proferiu o seguinte despacho:

Despacho:

1. Dos factos descritos e comprovados no processo decorre que, nos termos legais, o prazo para a dedução do pedido arbitral começou a contar no dia seguinte (al. b) do n.º 1 do artigo 279.º do Código Civil - CC) ao da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a qual ocorreu no dia 22 de junho de 2023.

2. O prazo para o efeito é de 90 dias, nos termos do disposto no artigo 3.º-A do RJAT, norma própria do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e que, assim, prevalece sobre o prazo de 3 meses consagrado no artigo 102.º do CPPT para a dedução de impugnação judicial.

3.Entendem, consolidadamente, a doutrina e a jurisprudência que o prazo para a propositura da impugnação judicial, ou do pedido de decisão arbitral, é um prazo substantivo, contado no termos do artigo 279.º do CC, resultando a intempestividade do ato quando praticado após o seu decurso.

4. O Pedido de Constituição do Tribunal e de Decisão Arbitral deu entrada e foi registado no CAAD no dia 22 de setembro de 2023, ainda que só tenha sido aceite no dia 25 do mesmo mês.

5. Parece, pois, colocar-se, embora não alegada pela Requerida, mas que é de conhecimento oficioso nos termos no n.º 2 do artigo 89.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ao Processo arbitral por via do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT, a questão da exceção dilatória prevista na alínea k) do n.º 4 da mesma LPTA.

6. Devendo, no entanto, ser sempre garantido o contraditório "enquanto princípio estruturante do processo, tal como previsto no artigo 3.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA, no termos do qual «...o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que  de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem»" (cfr. Acórdão do TCA Norte, de 17-01-2020, proferido no Processo 02203/18.2BEBRG):

Fixo em 10 dias o prazo para a Requerente e a Requerida, querendo, se pronunciarem sobre a questão da exceção dilatória de intempestividade ou caducidade do direito de ação.

Notifique.

  1. A Requerente respondeu ao solicitado no despacho de 27/02/2024 em 11/03/2024.
  2. A Requerida respondeu ao solicitado no despacho de 27/02/2024 em 14/03/2024, tendo completado o envio dos documentos pedidos em 22/03/2024.
  3. A Requerente não respondeu ao solicitado no despacho de 12/03/2024, tendo o prazo para o efeito terminado a 02/04/2024.
  4. A Requerida, por sua vez, exerceu o contraditório mediante requerimento que deu entrada no Tribunal Arbitral no dia 02/04/2024, pugnando pela verificação da exceção dilatória de intempestividade do pedido de constituição arbitral e defendendo que, por não ter dado origem ao processo, não deve ser condenada em custas.

 

II - SANEAMENTO

  1.  O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar a legalidade dos atos impugnados, tanto o que constitui o objeto imediato (decisão proferida na reclamação graciosa), como o que constitui o objeto mediato (liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano de 2021), nos termos previstos no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
  2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.
  3. O pedido de pronúncia arbitral é intempestivo, porque apresentado para além do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alíneas a) e e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contados da data da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que, sem oposição, foi fixada em 22-06-2023.
  4. O processo não enferma de nulidades.
  5. Configura-se, porém, a verificação de uma exceção dilatória de intempestividade do pedido, porque apresentado para além do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alíneas a) e e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contados da data da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que, sem oposição, foi fixada em 22-06-2023de que cumpre conhecer de imediato e oficiosamente, nos termos do disposto, respetivamente, na alínea a) do n.º 1 do artigo 88.º e do n.º 2 do artigo 89.º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável no processo arbitral nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29 do RJAT, dada que foi às partes exercerem o respetivo contraditório, o que apenas a Requerida fez.

 

Conhecendo e decidindo:

  1. Tendo em vista o conhecimento e a decisão oficiosos, uma vez que a Requerida não suscitou a exceção na sua Resposta, dão-se como provados os factos seguintes:
  1. Constitui facto provado, e não controvertido, documentalmente por cópia do aviso de receção assinado pela Requerente, constante do PA, que a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que havia sido deduzida tempestivamente, deve ter-se por efetuada no dia 22 de junho de 2023, data em que o aviso de receção foi assinado, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 39.º do CPPT;
  2. Facto este, aliás, invocado expressamente pela Requerente no artigo 9.º da petição de pronúncia arbitral;
  3. No ofício n.º..., de 14-06-2023, da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., que notificou a decisão final e juntou a respetiva fundamentação, sobre os meios de reação, pelo destinatário, ao ato praticado, lê-se:

Fica ainda notificado de que deste despacho pode recorrer hierarquicamente no prazo de 30 dias, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 66.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) ou interpor impugnação judicial no prazo de três meses, nos termos do artigo 97.º e do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT);

  1. A Requerente optou por um meio impugnatório - o pedido de constituição de tribunal arbitral - não especificado nos meios de reação ao ato notificado no ofício de notificação;
  2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi, pela Requerente, com o e-mail ...@adv.oa.pt, apresentado no CAAD, por submissão eletrónica de dados, no dia 22 de setembro de 2023, às 12h45m, facto documentalmente provado.
  1. Do direito aplicável:
  1. Dispõe o artigo 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT que:

O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contados a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário[1], quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;

  1. Em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 36.º do CPPT:

As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o ato notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências;

  1. Chama-se, por último, à colação do disposto no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT:

Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, indicação dos meios de reação contra o ato notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para  reclamação, recurso hierárquico ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.

 

Fundamentação jurídica:

  1. Entende o Tribunal ter de apreciar oficiosamente, porque não suscitada nomeadamente pela Requerida, a verificação da exceção dilatória de intempestividade da prática do ato de propositura do pedido de constituição do tribunal arbitral, em face dos elementos constantes dos autos.
  2. É pacífico, na jurisprudência e na doutrina, que o prazo para deduzir pedido de constituição arbitral é um prazo de caducidade, de natureza substantiva e perentório que se conta nos termos do artigo 279.º do Código Civil, como dispõe o artigo 20.º, n.º 1, do CPPT.
  3. Contando-se por dias seguidos, sejam ou não dias úteis, este prazo apenas se difere para o dia útil seguinte se o seu termo ocorrer em dia não útil ou equiparado (sábado, domingo, feriado, tolerância de ponto) ou durante férias judiciais, caso em que pode ser cumprido até ao primeiro dia útil que se lhes seguir - ainda nos termos do mencionado preceito.
  4. Nestes termos, conclui-se que o pedido de constituição do tribunal arbitral, atento o disposto no artigo 10.º do RJAT, deveria ter sido apresentado até ao dia 20 de setembro de 2022, dia em que, contando-se os 90 dias, iniciados em 23-06-2023, o dia seguinte ao da notificação tal como se determina nas regras consagradas no artigo 279.º do Código Civil, que é mandado aplicar pelo n.º 1 do artigo 20.º do CPPT à impugnação judicial, pelo que é igualmente aplicável ao Pedido de Decisão Arbitral por aplicação subsidiária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
  5. Duas questões, porém, são suscetíveis de colocar-se e de cuja solução também depende a presente decisão:
    1. Em primeiro lugar, se a notificação da decisão proferida na reclamação graciosa cumpria os requisitos legais previstos no artigo 36.º, n.º 2, do CPPT. Com efeito,
  1. No ofício n.º..., de 14-06-2023, da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., que notificou a decisão final e juntou a respetiva fundamentação, sobre os meios de reação, pelo destinatário, ao ato praticado, lê-se:

Fica ainda notificado de que deste despacho pode recorrer hierarquicamente no prazo de 30 dias, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 66.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) ou interpor impugnação judicial no prazo de três meses, nos termos do artigo 97.º e do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT;.

  1. A Requerente optou por um meio impugnatório - o pedido de constituição de tribunal arbitral e o pedido de decisão arbitral - não especificado nos meios de reação ao ato notificado no ofício de notificação;
  2. Deve, pois, averiguar-se se tal notificação pode ter induzido, por omissão, a Requerente em erro. O Tribunal entende que não;
  3. Desde logo, porque a Requerente, ao ter optado por um meio impugnatório não constante do elenco dos notificados para reação à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, deveria adotar a diligência necessária ao conhecimento integral do respetivo regime, incluindo o prazo que o artigo 10.º do RJAT fixa para apresentação do pedido;
  4. Em segundo lugar, caso se lhe suscitasse dúvidas se o pedido de constituição arbitral era meio idóneo para impugnar a decisão de indeferimento e a ilegalidade da liquidação, deveria ter-se socorrido do mecanismo previsto no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT, requerendo certidão indicativa de todos os meios de reação ao seu alcance contra o ato impugnado;
  5. Na verdade, assim se decidiu no Acórdão do STA de 08/07/2015, no Processo n.º 0389/15, de cujo sumário, a que este Tribunal adere, se retira que:

I - A insuficiência do acto de notificação por falta de indicação dos meios de defesa não conduz à nulidade do acto, mas faculta ao notificado o direito de requerer a notificação dos elementos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, dentro do prazo fixado no n.º 1 do art. 37º do CPPT; usando dessa faculdade, o prazo para reagir contra o acto tributário conta-se a partir da notificação dos requisitos omitidos ou da certidão que os contenha.

II - Não sendo exercida a faculdade prevista no art. 37º nº 1 do CPPT, a aludida omissão irreleva para afastar os efeitos normais da notificação já efectuada.

III - O prazo para deduzir impugnação judicial é um prazo de caducidade, de natureza substantiva, que se conta nos termos do art. 279º do Código Civil, como dispõe o n.º 1 do art. 20º do CPPT.

  1. Ou seja, mesmo que se admitisse a insuficiência da notificação que deu conhecimento à Requerente do indeferimento da reclamação graciosa e indicou, de modo não completo, os meios de reação contra o ato praticado, a omissão do recurso ao mecanismo de reação à notificação insuficiente legalmente consagrada releva para afastar os efeitos normais da notificação efetuada
    1. Em segundo lugar, se a apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral e de decisão arbitral poderiam ter sido efetuados no terceiro dia útil seguinte ao termo do prazo de 90 dias, mediante pagamento de imediato de uma multa, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 139.º do CPC. O Tribunal entende que não, com os seguintes fundamentos:
  1. O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) regula de modo exaustivo, no seu artigo 58.º, o prazo para apresentação da impugnação dos atos anuláveis;
  2. O CPTA, para além dos justo impedimento, cujo regime remete para o CPC, como consta da alínea a) do n.º 3 do referido artigo 58.º, consagra ainda duas situações suscetíveis de adiarem o prazo de entrega (cessação do erro ou quando o atraso deva ser desculpável atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável ou à sua qualificação como ato administrativo ou como norma), as quais, todavia, o Tribunal considera inaplicáveis ao caso concreto, sendo certo que não foi invocado justo impedimento. Invocamos aqui MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHE, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, que, a pp. 429 e em comentário ao artigo 58.º, escrevem: Em todo o caso, é ao demandante que cabe alegar os factos constitutivos do seu direito - direito de apresentar a petição para além do prazo-regra -o que resulta de expressa indicação legal, no caso de justo impedimento (artigo 140.º, n.º 2, do CPC) e dos princípios gerais de direito, nos demais casos (artigo 342.º do CC), devendo a decisão ser tomada segundo a livre convicção do juiz, que deverá aferir a existência da situação de inexigibilidade pela diligência de um cidadão médio. Na sua apreciação, o juiz deve ter em particular linha de conta o princípio pro actione, consagrado no artigo 7.º, que impõe que, em situações de dúvida, a interpretação das normas seja efetuada no sentido de promover a emissão de uma decisão de mérito.
  3. Ora, na verdade é que continua aqui a ser notória a falta de diligência da Requerente, que nem utilizou, tendo-lhe sido concedida, a faculdade do contraditório, tendo, aliás, como já se referiu, avançado com o seu pedido para o CAAD sem, aparentemente, conhecer adequadamente o regime legal do meio que tinha elegido para reagir contra os atos de indeferimento de reclamação graciosa e de liquidação e nem ter utilizado o mecanismo legal ao seu dispor para requerer que os meios de reação, e respetivos prazos, lhe fossem notificados na totalidade;
  4. Sendo o CPTA exaustivo nesta matéria, não se torna necessário recorrer ao CPC, que com ele está numa relação de subsidiariedade, mesmo nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. Mas mesmo que assim se não admitisse e se atendesse ao prazo de 3 dias úteis previsto no artigo 139.º do CPC, sempre haveria que ter em conta o decidido pelo Acórdão do STA, de 08/01/2014, Proc. 01767/13, que, na parte que interessa e à qual se adere, a seguir se transcreve, advertindo-se, no entanto, que as referências ao artigo 145.º do CPC se devem ter como feitas para o atual artigo 139.º e ao artigo 144.º do CPC para o atual artigo 138.º):

É que o prazo para a impugnação judicial é de natureza substantiva e não adjectiva, conforme, desde logo, resulta de o nº 1 do art. 20º do CPPT o mandar contar de acordo com as regras constantes do art. 279º do CCivil, e não conforme o art. 144º do CPC. Sendo que esta natureza não judicial do prazo de propositura da impugnação se justifica por, aquando da interposição, não haver, ainda, qualquer processo judicial em curso, o qual só de inicia, precisamente, com essa interposição. Como salienta o Prof. Alberto dos Reis (quando responde à questão de saber se a caducidade é um facto de carácter substantivo ou de carácter processual e se o prazo de caducidade deve considerar-se civil ou judicial) esta «… questão há-de resolver-se, em última instância, pela análise da natureza do facto de que se trata. Ora, o exame atento da caducidade mostra claramente que estamos em presença, não de um facto processual, mas de um facto de direito substancial. O prazo dentro do qual há-de ser proposta uma determinada acção é um elemento integrante do regime jurídico da respectiva relação de direito substantivo ou material.» E, continua o mesmo autor, se se aceitar que a função do prazo judicial consiste em regular a distância entre os actos do processo «é fora de dúvida que não satisfaz a este requisito o prazo para a propositura duma acção. A função deste prazo não é regular a distância entre quaisquer actos do processo; é determinar o período de tempo dentro do qual pode exercer-se o direito concreto de acção, o direito de acção no seu aspecto de direito material.» (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pp. 56 e 57.
Sobre a matéria cfr., também, Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 105º, p. 26).) 
 

Neste contexto, porque estamos perante um prazo de caducidade, cujo decurso faz extinguir o direito a demandar, e não perante um prazo estabelecido para a prática de um acto inserido num processo judicial pendente, haveremos então de concluir que, relativamente aos indicados prazos para deduzir impugnação, não tem aplicação o disposto nos nºs. 5 e 6 do art. 145º do CPC: este regime apenas se reporta aos prazos judiciais (ficando de fora dele os prazos de caducidade, conforme vem entendendo a jurisprudência deste Tribunal, na esteira, aliás, da doutrina - vejam-se, por todos, os acórdãos de 21/4/1993, no recurso nº 15.117 (publicado no Ap. ao DR de 30/4/1996, pp. 1207 a 1210) bem como a doutrina ali referenciada (Pires de Lima, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 93º, p. 79; Vaz Serra, ibidem, ano 94º, p. 317 e ano 98º, p. 249; e Antunes Varela, ibidem, ano 103º, p. 300.); de 13/10/1999 (publicado no Ap. ao DR de 30/9/2002, pp. 3275 a 3281); e de 4/7/2001, recurso nº 25.789 (publicado no Ap. ao DR de 8/9/2003, pp. 1808 a 1810).


E independentemente de opções legislativas futuras (de jure condendo), não se vê que face ao regime legal actualmente positivado caiba fazer, nesta matéria, qualquer integração analógica: nem estamos em face de situação que a lei não preveja (ela própria define o modo de contagem do prazo, mandando-o contar segundo as regras constantes do art. 279º do CCivil e não conforme o art. 144º do CPC), nem o regime do art. 145º do CPC se reconduz a caso análogo em termos de regulamentação do prazo de instauração da impugnação judicial.


Assim, sendo de aplicar as regras previstas no art. 279° do CCivil, conforme expressamente previsto no art. 20° do CPPT, começando em 8/1/2011 (termo inicial) o prazo de 90 dias para a impugnação e findando o mesmo em 8/4/2011 (sexta-feira) e tendo a impugnação sido instaurada em 11/4/2011 (segunda-feira), estava caducado o direito de impugnar.


E não sendo aplicável ao caso o disposto no nº 5 do art. 145º do CPC (por estar em causa um prazo de natureza substantiva, que não processual) nem havendo caso omisso que implique a pretendida integração analógica à luz do disposto no art. 10º do CCivil, legalmente decidiu a sentença recorrida, que não enferma, por isso, do erro de julgamento que os recorrentes lhe imputam.

 

III - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, dá-se por verificada a exceção dilatória de intempestividade ou da caducidade do direito de ação e, em consequência:

  1. Absolve-se a Requerida da Instância;
  2. Condena-se a Requerente nas custas do processo por decaimento.

 

V- VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 44.665,61, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida.

 

VI – CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2 142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 05 de abril de 2024

O árbitro singular,

 

Manuel Faustino



[1] O n.º 2 do artigo 102.º do CPPT consagrava o prazo especial de 15 dias para a impugnação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, e, embora o artigo 10.º do RJAT ainda se lhe refira, ele foi revogado pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro. No entanto, compreendendo o processo judicial tributário a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos atos tributários nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 97.º, o respetivo pedido (de impugnação judicial) deve ser apresentado no prazo geral constante do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.