Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 500/2023-T
Data da decisão: 2024-03-31  IRS  
Valor do pedido: € 55.174,29
Tema: IRS 2018 – Clausula Geral Antiabuso: prova; elemento intencional e elemento normativo.
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SUMÁRIO:

  1. A aplicação da CGAA pressupõe a verificação cumulativa dos 4 requisitos legais: elemento meio, resultado, intencional e normativo.
  2. Perante a prova produzida, não se verifica o elemento intencional: não se prova que a intenção principal do requerente tenha sido fiscal, quando se limitou a vender uma participação social minoritária (inferior a 4%), sem interesse na sua manutenção, num contrato cujas condições foram exigidas pelo comprador e o requerente não tinha qualquer capacidade de influência nos seus termos e condições.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O Árbitro singular Tomás Cantista Tavares, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decide o seguinte:

 

I. RELATÓRIO

1. A... e B..., nif ... e ..., respetivamente, residentes na Rua ..., ..., ..., ..., ...-... Queluz, apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento tácito de reclamação graciosa (e) contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2018, e juros compensatórios, no valor de 55.174,29€ (liquidação 2022...).

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro singular do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

4. O Tribunal Arbitral singular ficou constituído em 12 de setembro de 2023.

5. A Requerida apresentou a resposta, por impugnação, e juntou o processo administrativo.

6. Em 21 de dezembro de 2023 realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT; seguida, nesse mesmo dia, da inquirição das testemunhas C... e D... . A testemunha E.. não compareceu, apesar de devidamente notificada pelo tribunal. A parte que a indicou, prescindiu da inquirição da testemunha F... e a requerida solicitou que a testemunha G... não fosse inquirida, mas que fosse aproveitado o seu depoimento, prestado no proc. arbitral 497/2023-T com base nos mesmos factos, por inserção, neste processo, da gravação efetuada naquele. A requerente opôs-se; o Tribunal deferiu a pretensão da requerida, inicialmente, condicionada à audição da gravação e, depois de ouvido o áudio, de forma definitiva.

7. Por Despacho de 27/2/2024, o prazo da decisão foi prorrogado até dois meses após o fim dos seis meses iniciais, atenta a complexidade do caso e a ponderação dos temas de prova.

8. Ambas as partes apresentaram alegações escritas, reiterando, no essencial, as posições já defendidas nos autos.

 

II. SANEAMENTO

 

9. O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas. Não existem nulidade, exceções ou outros vícios ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

§1 – Factos provados

10. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Em 1988, foi constituída a sociedade H..., Lda, em que I... era sócio, com 20% do capital social.
  2. Em 27/1/2012, I... faleceu e o ativo composto por essa participação social passou para a propriedade dos herdeiros, por via sucessória: K... (4/6); L... (1/6) e A..., aqui requerente (1/6).
  3. A...  (e os herdeiros) nunca tomaram posição ativa na H...: não eram trabalhadores, gerentes ou com capacidade de decisão e influência na vida e estratégia da H... .
  4. A atividade operacional, comercial e estratégica da H... estava dependente do Senhor C..., colaborador da empresa (e depois saiu um tempo), que dominava a tecnológica, os clientes, sobretudo petrolíferas e parceiros de negócio (apoio para as aplicações informáticas da atividade da empresa).
  5. Os sócios da H... estavam desavindos (pelo menos com E...) e desalinhados na estratégia do negócio e nas opções de gestão a tomar.
  6. Em 11/4/2016, o requerente A... (e demais herdeiros) e outros dois sócios venderam as participações sociais que detinham na H... . O comprador foi a empresa M..., que comprou 70% do capital social da H... .
  7. O requerente A... estava numa fraca posição negocial e estava vendedor: não conhecia o negócio; não trabalhava na empresa; não conseguia concertar-se com os demais sócios; não tinha capacidade de decisão pela pequena percentagem de capital que tinha; não conhecia outros potenciais compradores.
  8. A M... era controlada em 51% pelo Senhor C... .
  9. C... tinha uma forte posição negocial: conhecia o mercado e controlava os clientes, fornecedores e parceiros; era dificilmente substituível na empresa – e se saísse da empresa, a H... iria sofrer muito em termos de negócio, com muita dificuldade de recuperar, pois os outros sócios não tinham essa capacidade de reestruturar a empresa, perante o dano da saída de C... . 
  10. As condições essenciais do negócio de cessão de quotas foram as seguintes: (i) pelos 20% do capital social dos herdeiros foi pago o preço de 1 milhão de euros; (ii) o preço ficou em dívida (e sem garantias): seria pago entre o 13.º mês e o 21.º mês a contar da celebração do negócio; (iii) foi previsto um acréscimo de preço (219 mil euros para os herdeiros), caso a H... cumprisse certas condições (vendas imobiliárias), o que veio a acontecer.
  11. Em 2/2018 e 6/2018, a M... pagou o preço devido aos herdeiros – e, portanto, a quantia que corresponde ao requerente
  12. No início de 2018, a H... distribuiu lucros aos seus acionistas no valor de 5.3 milhões de euros – e portanto, 3.710.000,00€ à H..., que utilizou essas verbas para o pagamento do preço aos vendedores, e também ao requerente.
  13. A AT efetuou uma inspeção aos sócios – e também ao requerente, com a aplicação da clausula Geral Anti abuso do art. 38.º, n.º 2, da LGT: entende que pelas condições contratuais da cessão de quotas, permitiu-se que o preço fosse pago, com a distribuição de lucros e reservas da H...; em que a M... recebe dividendos com exclusão de imposto, pelo regime do art. 51.º do CIRC; e que essa quantia serve para pagar o preço (também ao requerente): e se o requerente tivesse recebido lucros da empresa, seria tributado à taxa liberatória de 28% (e teria sido isso que materialmente ocorreu); mas usando-se operação de venda das partes sociais, para estar sujeito ao regime das mais e menos valias, com poupança fiscal, que foi o único móbil da operação.
  14. Na sequência, a AT emitiu a liquidação adicional agora impugnada; os requerentes deduziram reclamação graciosa, e do seu indeferimento tácito, intentaram a presente ação arbitral.
  15. Em 24/1/2023, os requerentes pagaram a liquidação impugnada, no valor de 55.174,29€

 

§2 – Factos não provados

11. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não se considera provado que os requerentes (A...) soubessem que o diferimento do preço por 13 meses beneficiava a M..., por causa da aplicação do regime descrito no art. 51.º do CIRC; como não está provado que o requerente aceitasse as condições de negócio com o propósito de poupança fiscal ou de agente ou cúmplice de vantagens fiscais de terceiros ou do negócio; não está provado, além disso, que as vantagens fiscais da M... tenham impactado no preço de venda da cessão de quotas.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

12. O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. O Tribunal Arbitral não tem, contudo, um dever de se pronunciar quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

13. O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame da prova documental produzida e da ponderação das declarações proferidas pelas testemunhas C... e D..., que foram apreciadas e avaliadas com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados nos artigos 16.º, alínea e) do RJAT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

O depoimento de C... foi considerado isento e credível. Valorou-se o que disse acerca da sua posição de comando sobre o negócio da H..., em todos os domínios – e que, por esse motivo, “forçou” a venda à M..., por si detida, em que os vendedores, e o requerente, quase nada negociaram, pois não tinham essa capacidade. A testemunha era o cérebro da aplicação informática que a empresa vendia aos clientes, era ele que conhecia os clientes, e em quem os clientes confiavam, e também conhecia os parceiros do negócio.

O depoimento de D..., outro sócio vendedor da H..., depôs com rigor e conhecimento de causa, em relação sobretudo aos seguintes factos: força negocial de C...; guerra de sócios da H... que inviabilizava qualquer decisão entre eles; que o requerente, enquanto herdeiro, não conhecia o negócio da H..., não tinha capacidade de congregar os sócios e o que queria era vender, ao melhor preço possível nas suas circunstâncias desfavoráveis.

13. Quanto ao concreto facto dado como não provado, julgou o Tribunal Arbitral não ter sido produzida prova que permitisse certificá-lo. O relatório de inspeção tributária não efetua prova concreta sobre isso, mas meramente indiciária ou por pretenso senso comum, tipo presunção natural. Mas isso não convenceu o tribunal: perante as concretas circunstâncias do caso, é muito mais provável e plausível que o requerente tenha alienado as quotas da H..., via contrato tipo de adesão, em que o comprador lhe formulou uma proposta em que ele nada pode interferir – seja no preço, seja nas condições (pagamento diferido e sem garantias), do que ter sido cúmplice da poupança fiscal de C..., e que essa poupança se tivesse refletido no preço acrescido da venda das quotas. Nada disso se provou minimamente.

 

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

14. No presente processo cumpre analisar se acaso se preenchem os requisitos de aplicação da Clausula Geral Antiabuso [doravante CGAA] (na sua redação anterior a 2019) em relação ao negócio de venda da H... por parte do requerente A...; saber se houve um conjunto de operações ordenadas à requalificação do negocio efetuado pelo requerente: que em vez de efetuar uma distribuição de lucros da H... para a sua esfera de sócio (com tributação no dos rendimentos de capitais, com taxa liberatória de 28% - art. 5.º e 71.º do CIRS) se efetuou antes um conjunto de operações cujo intenção principal tenha sido a evasão fiscal, transformando-a numa venda de quotas, sujeita ao regime das mais e menos valias de valores mobiliários, com menor tributação consolidada para o requerente.

 

15. No entender do Requerente, não se verificam os pressupostos cumulativos do art. 38.º, n.º 2, da LGT, com basem em súmula, no seguinte: o requerente limitou-se a vender um ativo, pelo preço arbitrado pelo mercado; as vicissitudes de negócio da H... impunham a venda a empresa do empreendedor, C...; sem a venda, a empresa entraria em dificuldades financeiras sérias; os termos do negócio foram efetuadas, nas regras estabelecidas pelo mercado, e foram escrupulosamente cumpridas pelas partes. A intenção não foi de poupança fiscal, mas de negócio; não se praticaram operações em abuso de formas, nem meios artificiosos ou fraudulentos.

 

16. Ao invés, a requerida entende verificados, em síntese, todos os pressupostos da CGAA: a intenção principal foi fiscal (redução e eliminação do imposto), transformando rendimentos de capitais, via distribuição de dividendos, tributados a 28%, para rendimentos aparentes de mais ou menos valias de valores mobiliários. E empregaram-se meios anómalos, desde a constituição da M... (sem atividade nem pessoal), até cessão de quotas com pagamento de preço diferido no tempo, por mais de 1 ano, sem garantias; e distribuição de lucros, com participation exemption a favor da M..., e com essas verbas é que se pagou o preço – no fundo pago com o “pelo do próprio cão”; e os sócios, e o requerente, caso não alienasse as participações, teria sempre direito a esses lucros, se os sócios os decidissem distribuir, mas não o fizeram e efetuaram antes a venda, apenas para poupança fiscal.

 

17. O art. 38.º, n.º 2, da LGT, na redação aplicável, dispunha: «São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou predominantemente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso de formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.»

 

18. A doutrina e jurisprudência desdobram este preceito em 4 requisitos ou pressupostos (de verificação cumulativa, para a aplicação da CGAA): Meio e Resultado: que os atos ou negócios jurídicos conduza(m) à “redução, eliminação ou diferimento temporal” dos impostos que seriam devidos se não houvesse abuso; OU à “obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas sem esses meios”; Intelectual ou subjetivo: os atos ou negócios jurídicos sejam “essencial ou principalmente dirigidos” à diminuição do imposto devido;  e Normativo: os atos ou negócios empreguem “meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas”

E a estatuição (elemento sancionatório) é a seguinte: não se produzem as vantagens fiscais – efetuando-se a tributação de acordo com as normas, na ausência de abuso.

 

19. Ora, no presente caso, perante a prova produzida, não se preenche, desde logo, o elemento intelectual ou subjetivo.

A CGAA exige uma relação causal entre a vantagem fiscal e as operações praticadas, no sentido que a vantagem fiscal foi a principal que determinou os negócios, tal como ocorreram. Tal implica um balanceamento, na comparação e doseamento entre as razoes fiscais e não fiscais para se concluir qual é a principal razão dos negócios, como foram efetuados. Mas como é evidente, a analise dessa intenção é efetuada na objetivação das razões apontadas, tendo em contas os factos concretos, seu contexto e juízos de normalidade do bom pai de família.

A circunscrição do elemento intelectual foi objeto de recente Acórdão do STA (de 12/1/2022, proc. 02507/15.6BEBRG), em que um contribuinte deliberou amortização com redução de capital (por entender que havia excesso de capital, por acumulação de reservas) – com mais valias isentas de imposto pagas aos sócios, em tranches – e, ao mesmo tempo, deliberou um aumento de capital por incorporação de reservas.

Perante isso, o STA decidiu, por referência ao elemento intelectual (conforme sumário): “A prova exigida no âmbito da aplicação da CGAA não pode ser uma prova diabólica, ou seja, a AT não tem de provar uma intencionalidade “abusiva” do sujeito passivo. Não é exigível que a AT faça prova de que o sujeito passivo optou pela construção que conduz ao aforro fiscal para, intencionalmente, evitar a solução que estaria sujeita a tributação. Basta que a AT faça prova de que a operação realizada não tem um propósito racional à luz do ordenamento jurídico mobilizado e que, por isso, a sua intencionalidade se esgota no aforro fiscal a que conduz. Feita esta prova, os pressupostos do artigo 38.º, n.º 2 da LGT devem considerar-se preenchidos” (os negritos são nossos).

Nesse caso, o STA advogou (e bem) que deliberar uma redução de ca­pi­tal (por capital excessivo) e, ao mesmo tempo, decidir um aumento de capital (por capital é deficitário) – são opera­ções sem um propósito racional à luz do ordenamento jurídico (abuso da razão de ser do ins­tituto da redução de capital); e que, por isso, a sua intencionalidade se esgota no aforro fiscal a que conduz (verificando-se, assim, o elemento subjetivo ou intelectual).

 

Nada disso ocorre no presente caso: as operações realizadas (cessão de quotas) têm propósitos racionais à luz do ordenamento jurídico (económicos e jurídicos, com mobilização de racionais e adequados institutos); a sua intencionalidade não se esgota no aforro fiscal – a razão fiscal não é essencial ou a principal.

O tribunal entende que o elemento intelectual tem de ser aferido na perspetiva do requerente,  A..., como sócio minoritário da H... (com 1/6 de 20% do capital) e não apenas ou sobretudo na perspetiva da M... (e seus acionistas, nomeadamente C...).

Perante a prova produzida no processo, não se provou que a intenção (essencial, principal ou uma das principais) do requerente tenha sido fiscal, seja pela análise da prova concreta, seja pela análise dos factos, segundo critérios de normalidade de vida. Vejamos:

Em 2016, A... estava na seguinte situação: herdou uma quota na H... (pouco acima de 3% do capital), há 4 anos, numa sociedade que não trabalhava, não dominava o mercado, nem por concertação com os demais sócios. Em boa verdade, o normal é que a quisesse vender, mas ninguém, por si, quer comprar uma parte tão pequena do capital. Esse ativo não tem liquidez. Apareceu então um comprador (M...) que propõs a compra da H... a vários sócios, incluindo o requerente, para obter o domínio, oferecendo um certo preço e dadas condições de negócio. E o requerente ou aceitava o negócio – e tinha todo o interesse em o fazer, porque não tinha outra forma de viabilizar a sua participação na H...; ou o recusava e ficava com uma participação que não tinha interesse estratégico, e que dificilmente conseguiria rentabilizar ou gerar liquidez com a venda a outra pessoa. Ou seja, limitou-se a efetuar um negócio (compra e venda) adequado aos seus principais propósitos.

Perante isso, limitou-se a aceitar o negócio: o preço podia ser superior? Sim, podia. Mas isso não é critério por si, para a aplicação da CGAA e tem de se atender às circunstâncias do requerente na consumação do negócio. E o mesmo em relação às condições do contrato – sobretudo com pagamento a prazo, sem garantias. Mas não havia qualquer alternativa, e aceitou o acordo, até porque os demais sócios vendedores conheciam o comprador C... e viam nele pessoa séria que honraria os seus compromissos. E C... tinha todo o interesse nisso, pois queria comprar a sociedade, pagar o preço, terminar com as tensões anteriores e avançar com o negócio da empresa, concentrando-se apenas nisso.

E para o requerente, o negócio tem termos normais e usuais: efetua uma compra e venda das suas quotas, o negócio mais normal e corrente de todos.

Mas, não poderia o requerente decidir a distribuição de dividendos e reservas da H... e obteria valores idênticos aos recebidos (mas com imposto) e manteria ainda assim a participação no capital da sociedade? E nesse sentido, não fica provada que a cessão de quotas tem interesse apenas fiscal? Em abstrato, poderia ser assim, mas nada se provou em concreto. A prova efetuada nos autos vai no sentido da existência de divergências entre os acionistas da H... – e que não se conseguiriam colocar de acordo em relação a este ponto. E seria sempre precisa uma maioria para a sua deliberação, que o requerente não consegue, por si, tal objetivo e nem tinha poder para convencer os demais sócios. Para além de que continuaria a ser sócio da empresa, com todas as obrigações e responsabilidades decorrentes – e A... não era isso que pretendia: queria deixar de ser sócio.

Quer dizer: admite-se que os demais sócios possam ter um interesse fiscal na venda e não na distribuição de lucros, até porque as suas quotas estariam excluídas de tributação, porque adquiridas antes de 1989. E que C... pudesse ter interesse na configuração do negócio desta forma, via intervenção da M... e com diferimento temporal no pagamento do preço para poder aceder ao regime da participaion exemprion. Mas, e é isto que importa no presente caso, esses interesses fiscais de terceiros não se assumem automaticamente como interesses fiscais principais do requerente.

E como não se prova que o requerente atuou com a intenção de ser cúmplice ou facilitador da poupança fiscal de terceiros. A sua vontade era irrelevante: quem tem menos de 5% do capital, não consegue comandar os termos e condições de venda da participação – limitou-se a aceitar os termos propostos por terceiro. E, por isso, o seu intuito é apenas de efetuar o negócio e nunca qualquer interesse de poupança fiscal.

Mais ainda: não se provou igualmente que o preço pago pela M... tivesse sido mais alto, fruto das vantagens fiscais propiciadas pelos termos do negócio, com poupança fiscal para os vendedores e para o comprador – e isso poderia ser um indicador de verificação do elemento subjetivo ou intencional.

Em suma: não se preenche o elemento intencional ou subjetivo, como não se verifica igualmente o elemento normativo, face ao explanado acima. O requerente A... limitou-se a alienar uma participação (negócio direto, sem abuso de formas, artificioso ou fraudulento) e todas as demais vicissitudes do negócio, ainda que anómalas, não lhe são imputáveis ou assacáveis (entrada da M..., diferimento do preço, participation exemption, alternativa de fazer uma distribuição de lucros, sem a venda), pois o requerente é-lhes totalmente alheio e não as podia decidir ou condicionar decisivamente.

Perante isso, não se verificam todos os elementos da CGAA – e a liquidação adicional impugnada tem de ser anulada, por errada apreensão dos factos e errónea aplicação do direito (art. 38.º, n.º 2, da LGT).

 

20. O requerente efetuou o pagamento da liquidação impugnada e solicita a final que lhe são devidos juros indemnizatórios. E tem razão, por verificação dos requisitos do art. 43.º da LGT: determina-se em meio judicial (arbitragem tributária) que o requerente efetuou pagamento superior ao devido, dada a anulação da liquidação; e que houve um erro imputável aos serviços ao procederem a uma liquidação de imposto que é afinal ilegal, não com base em vício formal, mas em termos materiais, por errada apreciação dos factos e aplicação do direito – cfr. por todos Ac. TCA Norte de 12/1/2023, proc. 02408/16.0BEPRT.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral
  2. Anular a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios do ano de 2018 contra os requerentes (liquidação 2022...)
  3.  e, consequentemente, ordenar a devolução aos requerentes da quantia de imposto por eles paga, no valor de 55.174,29€
  4. Acrescida de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia paga, à taxa legal, desde a data do pagamento (24/1/2023) até integral devolução
  5. Condenar o Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 55.174,29.

 

VII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de €2.142,00, a suportar pela Requerida conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Porto, 31 de março de 2024

 

O árbitro singular,

 

Tomás Cantista Tavares