Sumário
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A norma do nº 1 do artigo 55º do CIRS na redacção da Lei nº 82-E/2014, de 31.12 (aprovou a reforma do CIRS) não é aplicável aos rendimentos comuns de sujeitos passivos casados sob o regime de comunhão de adquiridos que optem pela tributação conjunta de rendimentos da categoria G, porque a comunicabilidade está associada à titularidade dos rendimentos.
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Nestes casos de contitularidade de rendimentos não se coloca a comunicabilidade de rendimentos da categoria G por via da tributação conjunta, pois a atribuição dos rendimentos a ambos os cônjuges resulta do artigo 19º do CIRS.
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Nestes casos “o resultado líquido negativo apurado” “relativamente a cada titular de rendimentos” para efeitos do nº 1 do artigo 55º do CIRS é metade do resultado líquido negativo que for apurado com a soma da totalidade dos rendimentos desta categoria auferidos pelos dois cônjuges.
Os árbitros Dr. Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. Augusto Vieira e Drª Ana Rita do Livramento Chacim (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo formado em 14 de Dezembro de 2023, acordam o seguinte:
I – Relatório
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A..., NF ... e B..., NIF ..., residentes na Rua..., ..., ...-..., Porto, adiante designados por “Requerentes”, vêm ao abrigo do disposto no Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo apresentado pedido de pronúncia arbitral (PPA), visando a anulação da liquidação de IRS nº 2022..., emitida pelo valor de € 83.929,80.
Terminam pedindo “a anulação da nota de liquidação referente ao IRS de 2022, substituindo-se por outra, que liquide o imposto nos termos legais, na parte respeitante ao rendimento apurado como mais-valia, reduzindo o rendimento global considerado de € 227.926,79, para € 131.918,74, com o consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais, desde a data de pagamento até ao efetivo e integral reembolso”.
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É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, adiante designada por Requerida ou AT.
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Os Requerentes fundamentam o pedido de pronúncia arbitral (PPA) nos seguintes termos:
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São casados no regime da comunhão de adquiridos e entregaram declaração modelo 3 do IRS de 2021, com opção por tributação conjunta e englobamento de rendimentos;
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Alienaram em 02/2021 o artigo U-..., da freguesia ..., por € 690.000,00, tendo o mesmo sido "adquirido" em 2 momentos, registando uma mais-valia de € 253 502,11, sujeita a tributação de 50%, no valor de € 126.751,05, a saber: (1) Por escritura, em 1993/05/05, retificada em 2007/11/19, foi doado a B..., NF..., por conta da quota disponível de C... (sua Mãe, NF ..., o referido artigo matricial; (2) e em 1997/01/22, foi obtido o alvará de licença de construção nº .../97, emitido pela Câmara Municipal de ..., tendo sido construída uma habitação, cujo custo suportado se encontra refletido nas faturas de todas as especialidades de construção juntas, tendo, em 11/12/1997, e após término das obras, sido emitida pela Câmara Municipal de ... o Alvará de licença de utilização no .../97;
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Ambos os Requerentes tinham perdas a reportar com valores mobiliários, transitadas de anos anteriores, em sede de mais-valias da categoria G, no montante total de € 11.078,75, aparecendo os € 1 1.078,75 de perdas unicamente imputadas ao sujeito passivo "A", A..., NF ...;
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Na declaração de rendimentos, foram apuradas menos-valias na alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, com perdas nos seguintes montantes: (1)A..., NF ... - € 84.929,31; (2) B... NF ... - € 3.370,58;
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Na liquidação impugnada a AT apenas deduziu às mais-valias da categoria G, as menos-valias na alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, do sujeito passivo "B" B..., NF ..., no valor de 3.370,58€;
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Pelo que a “questão controvertida incide sobre o regime de reporte de perdas da categoria G de IRS, resultante de alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, nos casos em que o agregado familiar é formado por cônjuges casados em regime de comunhão de adquiridos”.
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Consideram que para a apuramento do rendimento global deveriam abater-se às mais valias imobiliárias obtidas em 2021, as menos-valias apuradas em 2021 sobre os valores mobiliários e as transitadas de anos anteriores, na proporção de 50% para cada um dos sujeitos passivos, dado serem casados em comunhão de adquiridos, face ao preceituado nos artigos 1730º, 1724º e alínea b) do artigo 1725º todos do Código Civil, resultando as seguintes operações:
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Por despacho do Sr. Presidente do Tribunal Arbitral de 19.12.2023 foi a Requerida notificada para contestar, tendo respondido em 31.01.2024 e juntou o PA.
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A Requerida na sua Resposta, impugnando, refere o seguinte:
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Quanto ao valor a causa - o Tribunal deve proceder à alteração do valor da causa pois os Requerentes pretendem a anulação da liquidação nº 2022... no montante de € 83.929,80 e não € 96 008,06 que é o valor das perdas a reportar indicadas na liquidação aqui impugnada.
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Quanto à impugnação, começa por concordar com os Requerentes referindo que a questão a dirimir: “é a de saber se, para efeitos da dedução de perdas de anos anteriores, devem ser considerados globalmente os rendimentos da categoria G de ambos os Requerentes, que são casados em regime de comunhão de adquiridos, e optam pelo regime de tributação conjunta, ou apenas os rendimentos desta categoria obtidos por cada um deles”.
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A impugnação circunscreve-se à indicação do regime legal aplicável face à redacção do nº 1 do artigo 55º do CIRS conferida pela Lei nº 82-E/2014, de 31.12, reproduzindo a título conclusivo os sumários das decisões arbitrais nº 311/2022-T e nº 592/2022-T: “I - O Código do IRS acolhe um modelo de limitação de dedução de perdas entre as várias categorias de rendimentos, ou seja, a comunicabilidade horizontal mitigada. II - Instituindo-se um regime regra de tributação separada, o CIRS prevê a dedução de perdas vertical, isto é, relativamente a cada sujeito passivo, não se comunicando perdas horizontalmente. III - O resultado negativo apurado em sede de rendimentos resultantes da alienação de valores mobiliários por um dos cônjuges não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta”.
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Termina pugnando pela improcedência do PPA incluindo quanto ao pedido de juros indemnizatórios uma vez que a liquidação impugnada não padece de qualquer ilegalidade.
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Por despacho do Sr. Presidente do Tribunal Arbitral de 02.02.2024, foi promovido o contraditório face ao pedido de alteração do valor da causa, dispensada a reunião de partes face ao regime dos actos processuais inúteis e foram as partes convidadas a apresentar alegações escritas no prazo de 20 dias simultâneo.
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Por despacho do Sr. Presidente do Tribunal. de 17.02.2024 foi fixado o valor da causa em € 83 929,80.
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As partes não usaram da faculdade de apresentar alegações escritas.
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O pedido de constituição do tribunal arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo (TAC) os signatários desta decisão, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas da designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6. ° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo (TAC) foi constituído em 14 de dezembro de 2023, encontrando-se regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
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Os factos relevantes para a decisão da causa são os seguintes:
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Os Requerentes são casados no regime da comunhão de adquiridos – artigo 5º do PPA e não impugnação apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT
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Por escritura de 1993/05/05, retificada em 2007/11/19, foi doado a B..., NF..., por conta da quota disponível de C... NF..., sua mãe, o bem imóvel artigo U-..., Freguesia ...- artigo 6º - a) do PPA e não impugnação apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT
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No bem imóvel referido na alínea anterior foi construída pelos Requerentes uma habitação, cujo custo suportado se encontra refletido nas faturas de todas as especialidades de construção já apresentadas à AT - artigo 6º - b) do PPA e não impugnação apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT
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Em 1997/01/22, quanto ao imóvel edificado referido no ponto anterior, foi obtido o alvará de licença de construção nº .../97, emitido pela Câmara Municipal de ...- artigo 6º - b) do PPA e não impugnação apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT
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Em 11/12/1997, após término das obras, foi emitida pela Câmara Municipal de ... o Alvará de licença de utilização no .../972 - artigo 6º - b) do PPA e não impugnação apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT
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Em 2021 os Requerentes alienaram o bem imóvel artigo U-..., Freguesia ..., pelo preço de € 690 000,00 - artigo 6º do PPA e não impugnação apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT
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Em 2021 os Requerentes tinham perdas a reportar com valores mobiliários, transitadas de anos anteriores em sede de mais-valias da categoria G, no montante total de € 11.078,75, constando este valor unicamente imputado ao sujeito passivo "A", A..., NF ...- artigo 7º do PPA
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Em 28 de Junho de 2022 os Requerentes procederam à entrega da declaração de rendimentos do ano de 2021, declaração essa registada com o código, ...-2021-...-74, tendo optado pela tributação conjunta de rendimentos e declarado no Anexo G: (1) «Alienação onerosa do imóvel ...-U..., adquirido em dois momentos (1993-05 e 1997-12), declarada pelo Sujeito Passivo B (NF ...); (2) «Alienação de diversos de valores mobiliários, de ambos os sujeitos passivos” tendo originado a liquidação de imposto identificada com o nº 2022...., apurado imposto a favor da Fazenda Publica que se encontra regularizado voluntariamente – ponto 4 da Resposta da AT e artigos 5º e 6º do PPA.
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Em 2 de Dezembro de 2022, os Requerentes procedem à submissão de uma declaração de substituição, nº ...-2021-..., tendo originado a liquidação nº 2022..., resultando um rendimento global de 227 926,79 € e um valor de IRS a pagar de € 83 929,80, que é o aqui impugnado - ponto 4 da Resposta da AT, artigo 1º do PPA e Documento nº 1 em anexo ao PPA
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Na declaração de rendimentos atrás referida (de 2021) foram apuradas menos-valias na alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, com perdas nos seguintes montantes: (1) A..., NF ... - € 84.929,31; (2) B..., NF ... - € 3.370,58 – conforme artigo 8º do PPA
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Na liquidação nº 2022..., aqui impugnada, apenas foram deduzidas às mais-valias da categoria G, as menos-valias na alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, do sujeito passivo "B"B..., NF..., no valor de 3.370,58€ - conforme artigo 9º do PPA
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Em 15/02/2023 os Requerentes não concordando com a liquidação aqui impugnada apresentaram a Reclamação Graciosa nº ...2023... e em 17/07/2023 apresentaram, perante a presunção do seu indeferimento tácito, um Recurso Hierárquico que ainda não obteve decisão – parte final do ponto 4 da Resposta da AT, artigos 2º e 3º do PPA e Documentos nºs 2 e 3 em anexo ao PPA
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Em 02.10.2023 os Requerentes apresentaram o presente pedido arbitral invocando indeferimento tácito do Recurso Hierárquico atrás referido – conforme registo no SGP do CAAD
Factos não provados
Não há factos não provados que possam ser considerados relevantes para a decisão da causa.
Motivação da fixação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos factos articulados no PPA e na Resposta da AT que estão em conformidade com a posição assumida por ambas as partes e bem assim com base nos documentos juntos com o PPA que não mereceram reparo das partes.
III - Matéria de direito
A questão que é objecto deste dissídio versa sobre o regime de reporte de perdas da categoria G de rendimentos em sede de IRS, resultante de alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, nos casos em que o agregado familiar é formado por cônjuges casados em regime de comunhão de adquiridos.
O artigo 55.º, nº 1, alínea c), do CIRS, na redacção vigente em 2021, estabelece o seguinte:
Artigo 55º
Dedução de perdas
I - Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos:
d) O saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do nº 1 do artigo 10º, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.
A questão que é objecto do processo reconduz-se a saber se, para efeito da dedução de perdas de anos anteriores devem ser considerados globalmente os rendimentos da categoria G de ambos os Requerentes, que são casados em regime de comunhão de adquiridos e optaram pelo regime de tributação conjunta, ou os rendimentos desta categoria obtidos por cada um deles.
Configura-se que ambas as partes estão em sintonia de que o que aqui se discute é “saber se, para efeitos da dedução de perdas de anos anteriores, devem ser considerados globalmente os rendimentos da categoria G de ambos os Requerentes, que são casados em regime de comunhão de adquiridos, e optam pelo regime de tributação conjunta, ou apenas os rendimentos desta categoria obtidos por cada um deles”.
Os Requerentes defendem a posição sufragada na decisão arbitral colectiva CAAD P. 730/2020-T de que o nº 1 do artigo 55º do CIRS não se aplica aos casos de rendimentos comuns de sujeitos passivos casados sob o regime de comunhão de adquiridos que apresentem declarações de rendimento para tributação conjunta.
A Requerida defende a posição sufragada nas decisões singulares arbitrais CAAD P. 801/2019-T, P. 311/2022-T e P. 592/2022-T. Ou seja, de que a norma do nº 1 do artigo 55º do CIRS se aplica independentemente do regime de bens dos sujeitos passivos e do facto de se tratar de rendimentos comuns casal ou próprios de um deles.
Devemos salientar que nos processos CAAD indicados pela Requerida não se vislumbra ter sido discutida a aplicação da norma do nº 1 do artigo 55º do CIRS face ao regime de bens dos sujeitos passivos, até porque em nenhum processo tal foi levado à matéria de facto.
Este Tribunal vai aderir ao decidido na decisão arbitral colectiva P. 730/2020-T onde se escreveu no ponto 5.3.4 (substituem-se as passagens que divergem do caso concreto aqui em causa):
“O Código do IRS acolhe um modelo de limitação de dedução de perdas entre as várias categorias de rendimentos, ou seja, comunicabilidade horizontal mitigada. A Comissão propõe também que de modo a viabilizar um regime regra de tributação separada, se estabeleça a dedução de perdas vertical, isto é, relativamente a cada sujeito passivo; não se comuniquem perdas horizontalmente. Assim, o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges, não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta”
Esta confessada opção por este «modelo de limitação de dedução de perdas» implica uma amplificação da referida «solução anómala num imposto de carácter sintético como o IRS», que já constituía o regime anteriormente previsto no artigo 55.º do CIRS, revelando, por isso, uma acentuação das «razões fiscalistas» e preocupações de planeamento fiscal, que já estavam subjacentes à solução adoptada na redacção anterior.
Mas, sendo esta a ratio legis, a proibição de comunicabilidade vertical apenas visará obstar a comunicabilidade de perdas entre contribuintes nos casos em que ela resulta da opção pela tributação conjunta, que com a reforma de 2014 passou a ser opcional, e não aos casos em que a comunicação dos rendimentos obtidos por um cônjuge ao outro, resulta da própria lei, antes e independentemente de qualquer opção, designadamente por força de normas imperativas do regime de bens do casamento.
Aliás, se a contitularidade de rendimentos positivos e negativos resulta da própria lei, nem se poderá falar de comunicação de rendimentos entre os cônjuges, pois os rendimentos são, logo no momento em que são obtidos, pertencentes aos dois titulares.
Por outro lado, a solução proposta pela Comissão de Reforma de «o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges, não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta», pressupõe que haja resultados negativos e positivos na titularidade individual de um dos cônjuges.
A mesma conclusão conduz o texto do n.º 1 do artigo 55º, ao reportar-se a «cada titular de rendimentos» e falar dos «seus resultados líquidos positivos», o que pressupõe que cada titular tenha obtido resultados autónomos positivos ou negativos, que são só «seus» e não também do outro.
No casamento com regime de bens de comunhão de adquiridos, «os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso» (artigo 1730º do Código Civil), e o produto da actividade de compra e venda de valores mobiliários por ambos os cônjuges faz, em princípio, parte da comunhão, o que se presume, de harmonia com o preceituado nos artigos 1724º, alínea b), e 1725º do Código Civil.
Isto é, tratando-se de bens comuns, os efeitos de qualquer aquisição ou venda de valores mobiliários produzem-se automaticamente na esfera dos dois cônjuges, independentemente de aquelas serem efectuadas em nome de um deles ou de ambos.
O direito ao reporte de perdas de anos anteriores, como direito patrimonial que é, pertence a ambos os cônjuges em partes iguais.
No âmbito deste regime de bens poderão existir bens próprios e rendimentos positivos ou negativos próprios, paralelamente aos bens e rendimentos positivos e negativos comuns.
É a estas situações em que existem bens próprios de um dos cônjuges que se aplica o regime do artigo 55º, nº 1, do CIRS, que, como bem diz a Autoridade Tributária e Aduaneira n artigo 18º da sua Resposta, «não permite a comunicabilidade de rendimentos próprios de um dos titulares para o outro titular».
Mas, esta norma não tem aplicação quanto aos rendimentos comuns, desde logo, porque a comunicabilidade está indelevelmente associada à titularidade dos rendimentos.
Assim, nos casos de casamento com comunhão de bens, é a estas situações em que há rendimentos próprios e resultados autónomos (não comuns) de qualquer dos cônjuges que se aplica a opção legislativa de que «o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges, não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro».
Mas, no caso em apreço, não é questionado que os Requerentes sejam casados em regime de comunhão de adquiridos, nem que sejam bens comuns os resultados da actividade de aquisição e transmissão de valores mobiliários, que ambos realizaram.
Por outro lado, quanto às operações do ano de 2021 (e anos anteriores a reportar) que geraram as perdas a reportar e o corresponde direito de reporte, na falta de qualquer alegação e prova de que se trate de resultados negativos próprios de qualquer dos cônjuges, consideram-se comuns, em partes iguais, por força do preceituado nos artigos 1725.º do Código Civil e 19.º do CIRS.
Assim, como se referiu, estando em causa apenas rendimentos positivos e negativos comuns, do ano de 2021 e de anos anteriores que geraram as perdas a reportar, eles pertencem a ambos os cônjuges, independentemente do cônjuge que desenvolveu a actividade de que provém o rendimento positivo ou negativo.
Está-se, assim, no caso em apreço, para efeitos de IRS, perante uma situação de contitularidade dos rendimentos obtidos enquadráveis na categoria G.
Nestes casos de «contitularidade de rendimentos», seja emergente de comunhão de bens, seja resultante de qualquer situação que gere titularidade conjunta de rendimentos, aplica-se o artigo 19º do CIRS, que estabelece que «Os rendimentos que pertençam em comum a várias pessoas são imputados a estas na proporção das respetivas quotas, que se presumem iguais quando indeterminadas».
Assim, todos os rendimentos da categoria G obtidos por ambos os cônjuges são imputados a ambos em partes iguais, como, aliás, os Requerentes fizeram na declaração que apresentaram, sem qualquer objecção da Autoridade Tributária e Aduaneira”.
O que se acaba de expressar só não se aplica no caso da mais valia relativa ao imóvel adquirido em 1993/05 com o VPT de 361,43 €, por doação da mãe da Requerente esposa e vendido em 2021/02 por 1 454,55 €, tendo gerado uma mais-valia de 829,38 € apenas a si imputável, por se tratar de um bem próprio por força da alínea b) do nº 1 do artigo 1722º do Código Civil.
Em termos práticos, a forma de determinação do rendimento global proposta pelos Requerentes e que consta da sua declaração Modelo 3 de substituição está em conformidade com a legalidade, a saber:
Continuando com o que se encontra expresso no ponto 5.3.4 da decisão arbitral colectiva CAAD P. 730/2020-T:
“Por isso, nestes casos de contitularidade de rendimentos, «o resultado líquido negativo apurado» «relativamente a cada titular de rendimentos», para efeitos do artigo 55º nº 1, do CIRS é metade do resultado líquido negativo que for apurado com a soma da totalidade dos rendimentos desta categoria auferidos pelos dois cônjuges.
Como decorre deste regime de contitularidade de todos os rendimentos da categoria G, não se coloca a questão da comunicação de rendimentos por via da opção pela tributação conjunta, pois a atribuição dos rendimentos a ambos os cônjuges, desde o momento em que são obtidos, já resulta do artigo 19.º do CIRS.
E, por força do regime da contitularidade previsto naquele artigo 19.º, os rendimentos positivos e negativos são imputados, por igual, a cada um dos cônjuges.
Assim, os prejuízos comuns são dedutíveis sem qualquer restrição aos rendimentos comuns desta categoria G, sendo indiferente, na prática, que se autonomizem as contas relativamente a cada um dos cônjuges ou se façam conjuntamente em relação à totalidade dos rendimentos e totalidade dos prejuízos.
O que significa que, nesta situação de contitularidade total de rendimentos da categoria G, não tem aplicação o regime do artigo 55.º, nº 1, do CIRS, que se aplica apenas aos rendimentos autónomos de cada dos cônjuges, obstando a que os prejuízos individualmente suportados por cada uns dos cônjuges possam ser utilizados para abater ao saldo dos rendimentos do outro.
Solução esta que se justifica, desde logo, por não valerem em relação a estas situações de contitularidade obrigatória de rendimentos as preocupações de evitar planeamento fiscal através da opção pela tributação conjunta para aplicar transmissão de prejuízos, que estão subjacentes à «solução anómala» adoptada no artigo 55.º, n.º 1, do CIRS.
Esta é também a solução para que aponta a «substância económica dos factos tributários», a que o nº 3 do artigo 11º da LGT manda atender na interpretação das normas tributários, pois, repercutindo-se os efeitos económicos de qualquer aquisição ou transmissão inelutavelmente sobre o património de ambos, a situação gerada com as operações é precisamente a mesma, quer as operações sejam efectuadas em nome de qualquer dos cônjuges ou quer sejam efectuadas em nome de ambos.
E esta é também, como defendem os Requerentes, a solução que se compagina melhor com o princípio constitucional da tributação do rendimento pessoal tendo em contra dos rendimentos do agregado familiar, enunciado no artigo 104.º, nº 1, da CRP.
Pelo que também aqui se conclui como se concluiu no ponto 5.3.4 da decisão arbitral colectiva CAAD P. 730/2020-T:
“Pelo exposto, a liquidação impugnada, ao aplicar o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as perdas comuns a reportar resultantes da actividade de um dos Requerentes só podiam ser deduzidas aos ganhos resultantes da respectiva actividade de cada um deles, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, na parte em que considerou na determinação da matéria tributável o valor de € 227 926,79 ...”.
Procede, pois, o PPA, porquanto as liquidações padecem de desconformidade com o artigo 19º e o nº 1 do artigo 55º do CIRS, na leitura aqui adoptada.
IV - Reembolso de importâncias pagas a mais e juros indemnizatórios
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Os Requerentes pedem ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso das importâncias indevidamente pagas, acrescendo os juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago em excesso.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Revertendo o que se referiu para o caso concreto deste processo, será de considerar o que refere v.g. o acórdão do STA de 8 de março de 2017, proferido no proc. 01019/14, em sintonia com jurisprudência constante do mesmo Tribunal, o seguinte:
“Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).”
Esclarece o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
No caso em apreço, a ilegalidade do acto de liquidação é imputável à AT, porque por sua iniciativa procedeu à liquidação impugnada, em divergência com a declaração de IRS de substituição apresentada, pelo que os Requerentes têm direito, em conformidade com os artigos 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do imposto pago em excesso e aos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código do Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), calculados sobre os valores pagos a mais e desde a data do seu pagamento, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
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Decisão
De harmonia com o exposto, este TAC decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação de IRS nº 2022..., emitida pelo valor de € 83.929,80;
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Julgar procedente o pedido de reembolso dos valores liquidados e suportados a mais, por se ter considerado um rendimento global de € 227 926,79 e não o valor de € 131 918,74 e bem assim o pedido de juros indemnizatórios a contar da data em que suportaram o valor liquidado em excesso.
Valor da causa
Fixa-se o valor da causa em € 83 929,80, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2 754,00, a cargo da Requerida em função do decaimento.
Notifique.
Lisboa, 11 de março de 2024
O Tribunal Arbitral Colectivo,
José Poças Falcão
(Presidente)
Dr. Augusto Vieira
(relator)
Drª Ana Rita do Livramento Chacim
(vogal)