Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 552/2023-T
Data da decisão: 2024-03-26  IRS  
Valor do pedido: € 33.172,42
Tema: IRS – tributação de mais-valias – micro e pequenas empresas
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SUMÁRIO

 

  1. Em conformidade com a posição que tem sido adotada pela jurisprudência, a AT está impedida de, em sede de contencioso judicial, incluindo no processo arbitral, invocar fundamentos que não foram usados no ato impugnado.
  2. Nos termos do n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS, o saldo positivo das mais-valias respeitantes à alienação onerosa ou liquidação de micro e pequenas empresas é considerado em apenas 50 % do seu valor, não exigindo a lei que tais empresas sejam sedeadas em Portugal, desde que cumpram os critérios do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Jorge Belchior de Campos Laires, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

  1. Relatório

A..., contribuinte fiscal n.º..., residente em ..., n.º ..., ..., ...-.. Matosinhos (“Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra o despacho proferido pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Lisboa, que  indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2022..., que teve por objeto a análise da legalidade da liquidação de IRS n.º 2022..., relativa ao ano de 2021, que apurou um valor de IRS a pagar de € 99.019,97.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 25/07/2023, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.

O pedido foi comunicado à Requerida no dia 31/07/2023.

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro singular o signatário em 13/09/2023, sem oposição das partes.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 03/10/2023.

A Requerida foi notificada em 03/10/2023 para apresentar a resposta a que se refere o artigo 17.º do RJAT, o que fez em 06/11/2023.

Por Despacho de 21/12/2023 o Tribunal dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.

Ainda no mesmo Despacho facultou-se às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas, sucessivas, por prazo de 10 dias, o que o Requerente e Requerida fizerem em, respetivamente, 17/01/2024 e 30/01/2024.

  1. Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído face ao preceituado nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade.

O presente pedido de constituição de tribunal arbitral tem-se por tempestivo.

  1. Matéria de Facto

 

  1. Factos Provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. O Requerente tem residência fiscal em Portugal (cf. facto alegado no artigo 1.º do PPA e não contestado pela Requerida).
  2. O Requerente detinha 3.184 títulos da B..., S.L. (“B...”), uma sociedade comercial com sede em Espanha, adquiridas pelo valor de € 17.062,61 (cf. facto alegado no PPA e não contestado pela Requerida, e página 5 do documento n.º 1, junto com o PPA).
  3. A B... adota um período de tributação que não coincide com o ano civil, iniciando-se a 1 de setembro de cada ano, terminando no dia 31 de agosto do ano seguinte (cf. facto alegado no PPA e não contestado pela Requerida).
  4. Em 7 de julho de 2021, a Assembleia Geral de Sócios da B... deliberou dissolver e liquidar a sociedade (cf. página 3 do documento n.º 2, junto com o PPA).
  5. No âmbito da referida liquidação, foi alocada ao Requerente uma quota de liquidação de € 258.574,22 (cf. página 5 do documento n.º 1, junto com a PPA).
  6. Da referida quota de liquidação, foram retidos € 2.565,74 para pagamento da autoliquidação do imposto sobre o rendimento em Espanha devido pela B..., tendo o valor remanescente, correspondente a € 254.008,48, sido depositado na conta bancária do Requerente (cf. páginas 5 e 6 do documento n.º 1, junto com o PPA).
  7. Em 28.06.2022, o Requerente apresentou a sua declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2021 (cf. documento n.º 3, junto com o PPA), que deu origem à liquidação de IRS n.º 2022..., que apurou um valor de IRS a pagar de € 96.019,97 (cf. documento n.º 4, junto com o PPA).
  8. O Requerente não indicou na Declaração modelo 3, por falta de campo para o efeito no Anexo J, de que a B... qualificava como micro ou pequena empresa (cf. documento n.º 4, junto com o PPA).
  9. Em 24.08.2022, o Requerente procedeu ao pagamento da totalidade do valor apurado (cf. documento n.º 5, junto com o PPA).
  10. Por discordar da liquidação que lhe foi notificada, o Requerente apresentou reclamação graciosa, na qual solicitou a anulação parcial da liquidação adicional de IRS do ano de 2021, no valor de € 96.019,97, de modo a refletir o cálculo da mais-valia tributável com a liquidação da B..., considerando a dedução de 50% a que alude o n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS (cf. documento n.º 6, junto com o PPA).
  11. A 26.04.2023, a AT notificou o Requerente da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa (cf. documento n.º 8, junto com o PPA).
  12. A decisão de indeferimento da AT teve como fundamento a inaplicabilidade do benefício de redução de 50% às mais-valias resultantes da alienação de participações sociais em empresas não residentes, não tendo a AT se pronunciado quanto aos critérios da B... para qualificação como micro ou pequena empresa, em termos de número de trabalhadores e volume de negócios, nem baseado o indeferimento num eventual incumprimento, ou falta de prova pelo Requerente do cumprimento, desses mesmos critérios (cf. documento n.º 8, junto com o PPA). Reproduz-se de seguida o texto integral, na parte da fundamentação:

 

 

 

 

 

  1. Factos não Provados

Não existem factos não provados com relevância para a decisão.

  1. Motivação da Decisão de Facto

A matéria de facto foi fixada tendo por base a documentação junta com o PPA, bem como os elementos juntos como o Processo Administrativo.

  1. Matéria de Direito

 

  1. Posição das partes

Posição do Requerente

Em termos sucintos, o Requerente considera que a mais-valia realizada, que ascende a € 236.945,87, proveniente do produto da liquidação da sociedade que detinha em Espanha, deve ser tributada em IRS nos termos do n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS, na parte em que prevê que o saldo respeitante à alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, relativo a “micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é (…) considerado em 50 % do seu valor”.

O Requerente entende que a sociedade espanhola objeto de liquidação se enquadra no conceito de micro e pequenas empresas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, devendo por isso beneficiar da aludida redução de 50% do valor tributável.

O Requerente considera que resulta inequivocamente da lei que a aplicação da exclusão de tributação de 50% da mais-valia não se encontra limitada a alienações (ou liquidações, como neste caso) de sociedades portuguesas, por isso a circunstância de se tratar de uma sociedade com sede noutro país não deve prejudicar a aplicação da exclusão de tributação.

Refere ainda que os tribunais arbitrais têm vindo a emitir pronúncia de forma uniforme, designadamente nos processos n.ºs 46/2018-T e 155/2013-T, sobre a aplicação da exclusão de tributação à alienação de partes sociais de sociedades não residentes.

Na visão do Requerente, a letra da lei não afasta a qualificação das sociedades estrangeiras e, caso o fizesse, ou fosse feita uma interpretação restritiva do n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS, no sentido de limitar a aplicação desta exclusão a sociedades portuguesas, tal violaria frontalmente o Direito da EU, em concreto o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE.

Já em sede de alegações, o Requerente vem invocar o Acórdão do TJUE, processo C-472/22, em que este tribunal declarou que: “O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática fiscal de um Estado-Membro, em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, que reserva um benefício fiscal, que consiste na redução para metade da tributação das mais-valias geradas pela transmissão de participações sociais, apenas às transmissões de participações sociais em sociedades estabelecidas nesse Estado-Membro, com exclusão das transmissões de participações sociais em sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros.”.

Posição da Requerida

A Requerida argumenta que, do ponto de vista histórico, há que ter presente que o benefício em causa foi introduzido no código do IRS em 2010, pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, numa altura em que o país atravessava uma forte crise económica e se tornou necessário aprovar um conjunto de medidas de apoio às pequenas e médias empresas, que constituem o “grosso” do tecido empresarial.

Segundo a Requerida, foi com o propósito de apoiar as micro e pequenas empresas portuguesas, que foi aprovado o referido diploma, introduzindo-se no código do IRS o n.º 3 do artigo 43.º, pelo que a circunstância de a letra da lei não circunscrever o n.º 3 do artigo 43.º às empresas sediadas em Portugal não impede uma interpretação restritiva do mesmo, devendo ter-se em consideração os outros elementos que relevam no âmbito da interpretação jurídica.

Para a Requerida as medidas adotadas pelos Estados-Membros com o propósito de apoiar as suas pequenas empresas nacionais estão legitimadas pelos atos e disposições comunitárias que visam apoiar as PMEs. Conclui, deste modo, que o n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS se enquadra no escopo da alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE (ex-artigo 58.º do TCE), nos termos do qual: “o disposto no artigo 63.o não prejudica o direito de os Estados-Membros: a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”.

Adicionalmente, a Requerida vem ainda defender que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, pelo que seria à Requerente que competia apresentar os documentos contabilísticos que comprovassem os requisitos da qualidade de PME. Segundo a Requerida, no caso de uma empresa com sede em Portugal, para além de se poder contar com um relato financeiro uniformizado, a AT tem ainda ao seu dispor um conjunto de mecanismos e documentos oficiais que lhe permitem confirmar a informação contabilística e financeira necessária à comprovação dos requisitos da qualificação como PME.

No presente caso, defende a Requerida, o Requerente juntou ao processo um conjunto de documentos contabilísticos e societários respeitantes à vida da sociedade. No entanto, são (na sua grande maioria) documentos de natureza particular, que não estão comprovados pela autoridade fiscal do país em causa e a AT não dispõe de meios que permitam confirmar os requisitos de que se trata de uma PME. Alega a Requerida que o Requerente não junta um documento, emitido por uma entidade pública, que ateste que a sociedade em causa configura uma PME.

  1. Análise

Falta da prova dos requisitos para qualificar como micro ou pequena empresa

Comece por analisar-se o argumento da Requerida de que o Requerente juntou ao processo um conjunto de documentos contabilísticos e societários respeitantes à vida da sociedade, mas que não estão comprovados pela autoridade fiscal do país em causa e a AT não dispõe de meios que permitam confirmar os requisitos de que se trata de uma micro/pequena empresa. Alega que o Requerente não junta um documento, emitido por uma entidade pública, que ateste que a sociedade em causa configura uma micro/pequena empresa.

Desta alegação da Requerida se presume que a sua posição é de que, mesmo que se entendesse assistir razão ao Requerente no que respeita ao enquadramento jurídico-fiscal da situação, ainda assim a AT invoca a falta de prova dos requisitos para cumprir os critérios legais de qualificação como micro ou pequena empresa.

Importa, porém, notar que esta fundamentação não foi utilizada no ato de indeferimento da reclamação graciosa, pelo que a sua invocação agora, ainda que lhe assistisse razão, não pode ser atendida pelo tribunal.

É abundante a jurisprudência nesse sentido,  citando-se o Acórdão do STA de 28/10/2020, proferido no processo 02887/13.8BEPRT, onde se decidiu: I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori. II - Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou”.

Assim, não procede o argumento da AT quanto a este ponto.

Da possibilidade de micro/pequenas empresas estrangeiras poderem qualificar para o benefício

Nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, “constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte”.

Dispõe o artigo 10.º, n.º 1, alínea b), 3) do Código do IRS que constituem mais-valias os ganhos obtidos na alienação onerosa de partes sociais, incluindo “o valor atribuído em resultado da partilha, bem como em resultado da liquidação, revogação ou extinção de estruturas fiduciárias aos sujeitos passivos que as constituíram, nos termos do artigo 81.º e 82.º do Código do IRC ”.

Nos termos do n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS, o saldo respeitante à alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, relativo a “micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor”

Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo “entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro”.

Os n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º do aludido Anexo ao Decreto-Lei definem limiares financeiros que não deverão ser excedidos de modo que as empresas se qualifiquem como micro ou pequenas empresas: (i) uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede € 10M; e (ii) uma micro empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total não excede € 2M.

A questão que opõe as partes é a de saber se este benefício fiscal se aplica a mais-valias que resultem da alienação ou liquidação de empresas que, qualificando para os requisitos acima, não sejam portuguesas.

E desde já se diga que assiste razão ao Requerente nesta contenda.

Desde logo porque a letra da lei não restringe a sua aplicação a empresas residentes, pelo que “se o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir”. Nem se afigura que, da letra da lei, resulte algum indício de que, na mente do legislador, qualificariam apenas as empresas nacionais. Na verdade, o benefício fiscal é dirigido às pessoas (o sócio de micro/pequenas empresas) e não às empresas em si.

Por outro lado, deve valorizar-se o facto de a lei remeter para os requisitos de aplicação dos critérios que resultam “do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro”, ou seja, não convoca todo o diploma legal, mas sim a parte do diploma que define os critérios objetivos de qualificação, sobressaindo assim que qualquer empresa, ainda que não residente, pode qualificar para o benefício.

Mas ainda que tal não se entendesse, e conforme bem alega o Requerente, importa respeitar a decisão do TJUE quanto à mesma controvérsia. De facto, no Acórdão do TJUE, proferido no processo n.º C-472/22, o tribunal declarou que: “O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática fiscal de um Estado-Membro, em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, que reserva um benefício fiscal, que consiste na redução para metade da tributação das mais-valias geradas pela transmissão de participações sociais, apenas às transmissões de participações sociais em sociedades estabelecidas nesse Estado-Membro, com exclusão das transmissões de participações sociais em sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros.”.

Em sede de fundamentação, alega o TJUE que “esta diferença de tratamento em função do lugar de investimento dos capitais tem por efeito dissuadir um residente fiscal português de investir os seus capitais numa sociedade estabelecida noutro Estado e tem também um efeito restritivo em relação às sociedades estabelecidas noutros Estados, uma vez que constitui no que lhe diz respeito um obstáculo à recolha de capitais em Portugal”.

Tal como alegado pela AT no presente processo, também a citada decisão do TJUE analisa a possibilidade de, como causa de justificação do tratamento diferenciado, o benefício visar “apoiar as empresas nacionais e estimular a atividade económica em Portugal”. Observa, porém, o TJUE que, “em conformidade com jurisprudência constante, um objetivo de natureza puramente económica não pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma restrição a uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE”    

Assiste assim razão ao Requerente na alegação de que o benefício fiscal em causa, para efeitos de IRS, deve ser aplicado às mais-valias geradas com a liquidação da sociedade espanhola, devendo assim o saldo ser considerado em apenas 50% do seu valor.

  1. Juros indemnizatórios

A par da declaração da ilegalidade do ato que indeferiu a reclamação graciosa e a anulação parcial da liquidação, o Requerente peticiona ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, matéria que se insere no âmbito das competências deste Tribunal, tal como expressamente prevê o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT.

Conforme resulta do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Alega o Requerente que, “ao preencher a sua declaração Modelo 3, o Requerente não pôde assinalar que o valor auferido em resultado da liquidação da B... dizia respeito à liquidação de uma pequena empresa, uma vez que o Anexo J desta declaração não inclui um campo em que seja possível fazê-lo”.

Efetivamente, esta impossibilidade, que aliás está em consonância com a posição da AT nesta matéria, determina que se trate de um erro imputável aos Serviços, o qual inquina o ato de liquidação desde a sua prática e não apenas com a interposição e indeferimento da reclamação graciosa.

Acresce ainda que, nos termos do n.º 2 do citado artigo 43.º, “considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas”, sendo que, neste caso, a própria AT reconheceu na fundamentação do indeferimento que age segunda orientações genéricas quanto a esta matéria, ou seja, quanto à posição de que o benefício fiscal em causa não se aplica quando se trate de empresas estrangeiras.

Está assim a Requerida adstrita à obrigação de pagamento de juros indemnizatórios sobre a importância indevidamente liquidada e paga, com contagem a partir da data do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito, conforme estatui o n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT.

  1. Decisão

De harmonia com o exposto, decide o Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência:

  1. Anular o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente contra a liquidação de IRS n.º 2022... .
  2. Anular parcialmente a liquidação de IRS n.º 2022..., condenando a AT a refazer a liquidação de IRS para a conformar com a presente decisão.
  3. Condenar a AT a reembolsar ao Requerente as quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios calculados desde a data de pagamento até à data de emissão da respetiva nota de crédito.
  4. Condenar a AT ao pagamento das custas do processo.

 

  1. Valor do Processo

Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, quando seja impugnada a liquidação o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende. Fixa-se como valor do processo o indicado pelo Requerente de € 33.172,42.

  1. Custas

Custas no montante de € 1.836,00, a cargo da Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 26 de março de 2024

O Árbitro,

          Jorge Belchior de Campos Laires