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SUMÁRIO
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A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, era um imposto, não se verificando, por isso, na sua apreciação, nem a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, nem a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral.
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A CSR não prosseguia “motivos específicos”, na acepção do artigo 1º, 2, da Directiva 2008/118, na medida em que as suas receitas tinham essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação directa entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontravam consignados no respectivo quadro legal.
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A recusa do reembolso integral do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se for feita a prova, tanto de que o imposto foi suportado, na íntegra, por uma pessoa diferente do sujeito passivo, e em nenhuma medida pelo sujeito passivo, como de que o imposto não causou perdas económicas ao sujeito passivo.
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Os sujeitos passivos têm legitimidade processual activa na acção de impugnação através de processo arbitral, independentemente de ter havido, ou não, repercussão do imposto.
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Não houve nem há repercussão legal da CSR, não podendo presumir-se essa repercussão, nem dispensar-se a prova da repercussão efectiva.
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Não pode alcançar-se a anulação de liquidações através da mera impugnação de repercussões, sem sequer se identificar os sujeitos passivos das liquidações, nem o nexo entre liquidações e repercussões.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
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A contribuinte A..., S.A., NIPC..., doravante “a Requerente”, apresentou, no dia 19 de Maio de 2023, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
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A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do acto de indeferimento tácito do pedido revisão oficiosa apresentado em 30 de Novembro de 2022, e, mediatamente, das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) praticadas com base nas Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”) submetidas pelas sociedades B..., S.A. e F..., Lda., e consequentes actos de repercussão da CSR, consignados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário àquelas adquirido pela Requerente, no período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, de que resultou o suporte, pela Requerente, de CSR no montante total de € 120.698,96; peticionando o reembolso desse montante, acrescido de juros indemnizatórios.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
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O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
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As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
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Em 6 de Junho de 2023 a AT endereçou ao Presidente do CAAD um requerimento solicitando a identificação dos actos de liquidação, em cumprimento do disposto no art. 10º, 1, a) do RJAT e no art. 102º, 2 do CPPT, para efeitos de exercer, ou não, a faculdade prevista no art. 13º do RJAT.
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Por Despacho de 6 de Junho de 2023, o Presidente do CAAD remeteu a decisão para o Tribunal a constituir.
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O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 31 de Julho de 2023; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
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Por Despacho de 31 de Julho de 2023, foi a Requerente notificada para se pronunciar sobre as questões suscitadas pela Requerida no seu Requerimento de 6 de Junho de 2023 – ressalvando-se que a constituição do Tribunal precludia o exercício da faculdade prevista no art. 13º do RJAT, mas não impediria, já na pendência do processo, a revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto tributário pela AT.
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Em Requerimento de 8 de Setembro de 2023, a Requerente exerceu o contraditório sobre os pontos suscitados pela Requerida no seu Requerimento de 6 de Junho de 2023.
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Por Despacho de 11 de Setembro de 2023, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta – ressalvando-se, de novo, que a constituição do Tribunal precludia o exercício da faculdade prevista no art. 13º do RJAT.
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A AT apresentou a sua Resposta em 13 de Outubro de 2023, juntamente com o Processo Administrativo.
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Por Despacho de 6 de Novembro de 2023, concedeu-se à Requerente o contraditório sobre matéria de excepção suscitada na resposta da AT.
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Por Requerimento de 21 de Novembro de 2023, a Requerente respondeu a essa matéria de excepção, juntando ainda um documento.
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Por Despacho de 22 de Novembro de 2023, dispensou-se a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, sendo as partes notificadas para apresentarem alegações escritas.
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Por Requerimento de 30 de Novembro de 2023, a Requerente apresentou novo documento, cuja junção aos autos foi admitida por Despacho de 4 de Dezembro de 2023, no qual se concedeu à Requerida o exercício do contraditório.
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A Requerente apresentou alegações em 7 de Dezembro de 2023.
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A Requerida apresentou alegações em 19 de Dezembro de 2023.
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Subsequentemente, as partes apresentaram diversas decisões arbitrais, que o Tribunal admitiu por não constituírem documentos com impacto na matéria de facto, mas meras informações jurídicas a que o Tribunal poderia aceder pelos seus próprios meios.
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Por Despacho de 17 de Janeiro de 2024, foi prorrogada a data-limite para a prolação e comunicação da decisão arbitral.
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As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
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A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
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O processo não enferma de nulidades.
II – Matéria de Facto
II. A. Factos provados
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é o resultado da fusão da C..., S.A. e da D..., S.A. que deu origem à A..., S.A., e da fusão do E..., S.A. na A... S.A.
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A Requerente dedica-se à exploração de terminais rodo-ferroviários, movimentação de cargas, manuseamento e parqueamento de contentores, armazenagem de bens e mercadorias, prestação de serviços de natureza logística, bem como de outros serviços auxiliares e complementares do transporte, tendo como atividade principal o CAE 52213, “Outras actividades auxiliares dos transportes terrestres”.
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A Requerente não é um operador económico detentor do estatuto IEC de destinatário registado, concedido ao abrigo e nos termos do regime previsto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho.
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Entre Novembro de 2018 e Outubro de 2022, a Requerente adquiriu 1.067.631,00 litros de gasóleo rodoviário à B..., S.A., e 19.747,00 litros de gasóleo rodoviário à F..., Lda. (as duas empresas serão doravante designadas também como as “fornecedoras de combustíveis”).
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Nem a B..., S.A. nem a F..., Lda. são sujeitos passivos de ISP ou de CSR, tendo ambas assumido que revenderam, à Requerente, combustíveis adquiridos por elas a sujeitos passivos daqueles tributos (declarações apresentadas em 21 e 30 de Novembro de 2023).
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Alegando ter sido integralmente repercutido sobre si o montante de € 120.698,96 de CSR, através das facturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis, a Requerente deduziu, a 30 de Novembro de 2022, um pedido de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR, e dos consequentes actos de repercussão consubstanciados nas facturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis.
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Esse pedido foi tacitamente indeferido.
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Em 19 de Maio de 2023, a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.
II. B. Matéria de facto não-provada
Com relevância para a questão a decidir, ficou por provar (dado o standard de prova estabelecido pelo TJUE no seu despacho de 7 de Fevereiro de 2022 [Proc. nº C-460/21], nomeadamente vedando presunções):
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Quem, em todo o período de referência, foram os sujeitos passivos a quem as fornecedoras de combustíveis compraram os produtos que revenderam à Requerente.
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Quais os valores de CSR liquidados a esses sujeitos passivos desconhecidos, com base nas DIC por eles apresentadas, e os valores de CSR por eles pagos ao Estado.
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Que a CSR tenha sido repercutida integralmente por esses sujeitos passivos desconhecidos sobre as fornecedoras de combustíveis, ou sobre a cadeia de transmissões onerosas a montante das fornecedoras de combustíveis.
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Que a CSR tenha sido repercutida integralmente pelas fornecedoras de combustíveis sobre a Requerente.
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Qual o grau de repercussão da CSR nesses passos intermédios, caso não tenha havido repercussão integral.
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Quais os efeitos económicos da repercussão da CSR nos originais sujeitos passivos.
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Quais os efeitos económicos da repercussão da CSR na cadeia de transmissões onerosas e nas fornecedoras de combustíveis a jusante dos sujeitos passivos.
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A inexistência de prejuízos associados à diminuição do volume das vendas dos operadores a montante da Requerente, fosse qual fosse o grau da repercussão da CSR a jusante daqueles operadores.
II. C. Fundamentação da matéria de facto
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Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, e nos documentos juntos ao PPA, ao processo administrativo e a requerimentos oportunamente deferidos.
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Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
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Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
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Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
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Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
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O Tribunal considera que as declarações das fornecedoras de combustíveis, apresentadas por requerimentos da Requerente em 21 de Novembro de 2023 e 30 de Novembro de 2023, provam somente que ambas não são sujeitos passivos de ISP e de CSR, mas não fazem prova do que alegam, contendo meras afirmações conclusivas sem um suporte documental e sem uma análise jurídico-económica que permitissem, em conjunto, suprir as insuficiências probatórias acabadas de enumerar – nem sequer chegando a identificar os originais sujeitos passivos de ISP e de CSR, não podendo substituir-se a documentos que possam comprovar a liquidação conjunta de ISP e de CSR pelos sujeitos passivos: as Declarações de Introdução no Consumo, ou o Documento Administrativo Único / Declaração Aduaneira de Importação; documentos que, ao menos, permitissem identificar, com um mínimo de certeza, quem foram esses sujeitos passivos originários.
III. Sobre a Matéria de Excepção
III. A. Posição da Requerida no Requerimento de 6 de Junho de 2023
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Em Requerimento de 6 de Junho de 2023, na fase procedimental, a Requerida sugeriu, sem afirmá-lo, que se estaria perante uma ineptidão do pedido de pronúncia, dada a insuficiência na identificação dos actos tributários impugnados, que, mais do que violar o art. 10º, 2, b) do RJAT, impediria o exercício da faculdade prevista no art. 13º do RJAT.
III. B. Posição da Requerida na Resposta
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A Requerida, na sua Resposta, formula um conjunto de questões suscitadas pela alegada legitimidade da Requerente para peticionar o reembolso da CSR, enquanto entidade que, embora não revestindo a posição de sujeito passivo relativamente às liquidações em causa, declara ter suportado a CSR por via da repercussão, ocupando uma posição de “repercutido”.
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Num ponto prévio, a AT adverte para as consequências da procedência indiscriminada de pedidos de sujeitos passivos “repercutentes” e terceiros “repercutidos”, incluindo entre estes diversos intermediários até se chegar ao consumidor final, cada um deles alegadamente “repercutindo” a jusante a carga económica da CSR: mormente, a inadmissível consequência de uma multiplicação de reembolsos, com locupletamento injustificado dos reembolsados.
III. B. 1. Excepção de Ineptidão da Petição Inicial
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Na Resposta, a Requerida explicita o tema da ineptidão, alegando a existência, no pedido de pronúncia arbitral, de deficiências, mormente a violação do art. 10º, 2, b) do RJAT, que determinam a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme os arts. 186º, 1, 576º, 1 e 2, 577º, b) e 278º, 1, b) do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.
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Especificamente, sustenta que a requerente alude a actos tributários, mas se limita a apresentar facturas que não comprovam qualquer acto tributário – nem sequer identificando as liquidações de CSR a que teriam estado sujeitas as fornecedoras de combustíveis “repercutentes”; e que, por outro lado, nem a AT tem a possibilidade de suprir essa falta, recolhendo elementos de prova, dado não ser óbvia a correspondência entre as referidas liquidações e as facturas apresentadas.
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Não só a Requerente não é sujeito passivo de ISP e de CSR, mas não existe qualquer relação evidente entre as provas apresentadas e os factos alegados.
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Essa impossibilidade de estabelecimento de uma correspondência específica resulta em larga medida do modo de declaração e liquidação do ISP e da CSR: as companhias petrolíferas, que são os sujeitos passivos nesta relação tributária, declaram para introdução no consumo enormes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos sujeitos a imposto, mediante o processamento diário, por via electrónica, de DIC, as quais são, por sua vez, globalizadas no mês seguinte pelas alfândegas competentes, para efeitos de liquidação.
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A alfândega competente para a liquidação nem sequer é necessariamente a da sede do sujeito passivo, dependendo do lugar onde são apresentadas as DIC.
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Acresce que, no caso vertente, só a B... S.A. é sujeito passivo de ISP, e terá alegadamente apresentado DIC na Alfândega de Aveiro apenas em 2021 e 2022, pelo que se torna virtualmente impossível identificar as liquidações de ISP/CSR nos anos anteriores por referência aos produtos fornecidos à Requerente no período indicado.
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Esclarece a Requerida que é frequente, no sector dos combustíveis, existirem acordos de empresas dos quais resulta de umas empresas apresentam DIC relativos a produtos que são propriedade de outras companhias, tudo dependendo da logística dos entrepostos e sua localização geográfica.
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Além disso, o circuito envolve uma multiplicidade de destinos e de clientes para os produtos após a introdução no consumo, sendo virtualmente impossível acompanhar todos os passos e transacções que vão da introdução no consumo até ao consumo final – sendo raro, e não podendo presumir-se, que uma única liquidação de ISP e CSR seja referente a uma única transacção, aquela que eventualmente teria tido lugar entre o sujeito passivo dos tributos e um seu único cliente.
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A normalidade é a situação oposta, da multiplicidade de transacções a jusante da introdução no consumo – sendo portanto que uma qualquer factura que documente uma qualquer dessas múltiplas transacções não terá necessária e inequivocamente uma relação com uma única DIC, correspondente à liquidação praticada por uma única alfândega, ou até com os produtos introduzidos no consumo por uma única fornecedora de combustíveis.
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Em suma, sendo as vendas dos produtos declarados para consumo destinadas a uma multiplicidade de destinos, e não sendo coincidentes no tempo, em relação ao facto gerador do imposto, torna-se impraticável estabelecer uma relação biunívoca entre DIC e transacções a jusante (a isso acrescem dificuldades de mensuração dos produtos, de que a Requerida dá conta).
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Pela mesma razão, alega a Requerida que nem sequer se consegue apurar se foi tempestivo o pedido de revisão oficiosa, e, com ele, o presente pedido de pronúncia arbitral, levando em conta, não o prazo de 4 anos previsto na 2ª parte do art. 78º, 1 da LGT, mas o prazo de 3 anos previsto no art. 15º, 2 e 3, do CIEC.
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Também por essa razão, conclui a Requerida que a não-identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral compromete irremediavelmente a finalidade da petição inicial, verificando-se assim excepção de ineptidão da petição inicial, o que determina a nulidade de todo o processo, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, e dando lugar à absolvição da instância, conforme arts. 186º, 1, 576º, 1 e 2, 577º, b) e 278º, 1, b), do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º do RJAT.
III. B. 2. Excepção da Ilegitimidade da Requerente
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A Requerida coloca em dúvida que a Requerente seja, sequer, o consumidor final dos combustíveis que foram objecto das transacções comprovadas por facturas, não podendo excluir-se que os tenha revendido, repercutindo a jusante a carga da CSR – criando-se assim um problema de legitimidade que verdadeiramente só não afecta os sujeitos passivos a quem o imposto foi liquidado e que efectuaram o correspondente pagamento – os mesmos que são identificados pelo art. 5º da Lei nº 55/2007, e a quem os arts. 15º e 16º do CIEC reconhece o direito ao reembolso.
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Conclui a Requerida que carecem de legitimidade para solicitar a anulação das liquidações com fundamento em erro, e consequente reembolso do montante correspondente, os requerentes de reembolso que não correspondam à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR. Sendo isso que resulta para os IEC nos termos dos arts. 15º e 16º do CIEC, é isso que é válido igualmente para a CSR (por força do art. 5º da Lei nº 55/2007).
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Trata-se aqui de impostos monofásicos, que incidem num único ponto do circuito económico, e, sem desconhecerem que uma multiplicidade de transacções e de sujeitos podem ocorrer a jusante ao momento da relação jurídica tributária originária, optam por não se envolverem nessa sequência, mantendo-a numa posição de irrelevância relativamente à liquidação dos tributos, do seu pagamento e do seu eventual reembolso.
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Entende a Requerida que esse é, de resto, o sentido do entendimento plasmado no Despacho proferido pelo TJUE em 7 de Fevereiro de 2022 no Proc. nº C-460/21, quando legitima o sujeito passivo como titular do direito ao reembolso, mesmo que os impostos tenham sido concebidos para serem repercutidos, na medida em que não se tenha provado a repercussão plena.
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Lembrando ainda que, de acordo com a jurisprudência do TJUE (Acórdão proferido em 20 de Outubro de 2011 no Proc. nº C-94/10):
“1) Um Estado‑Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil;
2) Um Estado‑Membro pode recusar um pedido de indemnização apresentado pelo comprador sobre quem o sujeito passivo tenha repercutido um imposto indevido, com base na falta de nexo directo de causalidade entre a cobrança desse imposto e o dano sofrido, desde que o comprador possa, com base no direito interno, dirigir esse pedido contra o sujeito passivo e que a reparação, por este, do dano sofrido pelo comprador não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.”
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Assim, a Requerente, quando adquiriu produto às fornecedoras de combustíveis, estabeleceu com elas uma relação comercial de direito privado entre empresas, à qual a AT é estranha, para efeitos do que aqui releva, que é a liquidação do ISP/CSR e o reembolso da CSR alegadamente repercutida no custo de aquisição de combustível.
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Sendo que também só dessa maneira se evitará a duplicação, ou multiplicação, de reembolsos sobrepostos, a sujeitos passivos “repercutentes” e a terceiros “repercutidos”, com locupletamento indevido de alguns deles, sem qualquer controlo sobre a sequência de transacções, e de eventuais repercussões, posteriores ao facto gerador do imposto.
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Conclui a Requerida que, não tendo efectiva titularidade do direito, falta à Requerente uma legitimidade substantiva que sustente a sua pretensão, devendo o Tribunal arbitral abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a AT da instância, em conformidade com os arts. 278º, 1, d), 576º, 1 e 3 e 579º, todos do CPC.
III. B. 3. Incidente de Intervenção Provocada
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Para o caso de o Tribunal reconhecer legitimidade processual à Requerente, a Requerida, subsidiariamente, suscita o incidente de intervenção principal provocada da B... S.A., nos termos e para os efeitos dos arts. 57º do CPTA e do art. 316º do CPC, por entender que a B... S.A., como fornecedora de combustíveis registada e como sujeito passivo da relação, a quem foi liquidada CSR e que pagou a CSR, tem de ser necessariamente demandada e de ter intervenção no processo, por ser uma contrainteressada a quem a sorte do processo interessa legitimamente.
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Isto porque, genericamente, a matéria relativa à discussão da legalidade de um acto de liquidação desta natureza implica, necessariamente, que sejam chamado à demanda o sujeito passivo, o único que tem legitimidade para pôr em crise o acto, ou actos, de liquidação, identificando-o(s).
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Reconhecendo que a intervenção em processos arbitrais é facultativa para a generalidade de potenciais interessados, e que não há fundamento legal para impor a intervenção da B..., S.A., a Requerida conclui que, se esta não intervier voluntariamente, o processo fica impossibilitado de alcançar uma solução global e justa do litígio.
III. B. 4. Excepção da Incompetência Relativa do Tribunal em Razão da Matéria
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A Requerida começa por sustentar que, sendo a CSR uma contribuição financeira e não um imposto, o Tribunal não teria competência para apreciar o litígio, seja por força do disposto nos arts. 2º e 4º do RJAT, seja pelo disposto na “portaria de vinculação” (Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março).
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Recapitulando os condicionalismos da criação da CSR na Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, a Requerida sustenta que, no núcleo da CSR, se encontra uma contraprestação / contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela Infraestruturas de Portugal (IP) aos utentes das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da concessão à IP, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 380/2007, de 13 de Novembro.
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Conclui que, tratando-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários (os utilizadores da rede rodoviária nacional), se efectiva na compensação da conservação e requalificação da rede rodoviária nacional, a CSR assume a natureza jurídica de contribuição financeira, e não de imposto.
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Assim, a CSR estaria excluída da arbitragem tributária. No fundo, seria decisiva a não-vinculação do Estado a decisões respeitantes a tributos sem o nome legal de “impostos”, algo similar à incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o art. 18º da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no art. 29º, 1, c) do RJAT e no art. 181º do CPTA), um acordo que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido nos termos do art. 4º do RJAT, e resultou na “portaria de vinculação”.
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Por uma outra via, a Requerida retira um argumento para excepcionar em termos de incompetência do Tribunal em razão da matéria: é que, no seu entender, o que a Requerente vem questionar é, não um conjunto de liquidações (e repercussões), mas o próprio quadro legislativo em si mesmo, em abstracto, a conformidade jurídico-constitucional do regime jurídico da CSR, visando suspender a eficácia de actos legislativos. Ora, exclui-se do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa.
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Por ambas as vias, a incompetência material do tribunal arbitral consubstancia uma excepção dilatória, nos termos do art. 577º, a) do CPC, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, implicando a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos arts. 99º, 1 e 576º, 2 do CPC.
III. C. Posição da Requerente quanto à matéria de excepção suscitada pela Requerida
III. C. 1. Posição da Requerente no Requerimento de 8 de Setembro de 2023
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Em Requerimento de 8 de Setembro de 2023, a Requerente tomou posição quanto às questões suscitadas pela Requerida no seu Requerimento de 6 de Junho de 2023.
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Contesta a ideia de que os actos tributários impugnados não sejam identificáveis, incluindo neles aqueles que consubstanciam a repercussão, que a Requerente sustenta que é uma repercussão legal, comparando, a esse propósito, a CSR com o Imposto de Selo.
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Assim, os actos de repercussão, corporizados nas facturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis (sujeito passivo da relação jurídico-tributária) aos consumidores de combustível (os terceiros repercutidos sobre os quais deve legalmente recair o encargo económico deste imposto) seriam documentação adequada dos actos impugnados.
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A Requerente sustenta ainda que existe uma relação causal entre liquidação e repercussão, pelo que a ilegalidade daquela implicará a ilegalidade desta.
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Pelo que o pedido de pronúncia tem por objecto primordial os actos de repercussão, e mediatamente os actos de liquidação aos quais estiveram sujeitas as fornecedoras de combustíveis “repercutentes”.
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Não apresentou os documentos dessas liquidações porque não tem acesso a elas, na sua qualidade de simples “repercutida”, mas faz notar que a AT tem evidente acesso, visto que esteve directamente envolvida nessas liquidações, cabendo, pois, à AT identificar todos os actos de liquidação pressupostos pelos actos de repercussão, não podendo a situação processual da Requerente sair prejudicada pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso (uma distribuição de ónus probatório que novamente assenta numa alegada analogia com o Imposto do Selo, apelando ainda aos princípios da verdade material e da colaboração).
III. C. 2. Posição da Requerente no Requerimento de 21 de Novembro de 2023
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Em Requerimento de 21 de Novembro de 2023, a Requerente tomou posição quanto à matéria de excepção suscitada pela Requerida na sua resposta.
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Começa por abordar o argumento do risco de reembolso duplicado, ou multiplicado, a “repercutentes” e “repercutidos”, entendendo que esse receio manifestado pela requerida decorre de um entendimento incorrecto do que é a repercussão, e daquilo que a Requerente presume ser uma repercussão legal.
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No caso da CSR, entende a Requerente que, tendo o legislador determinado que a CSR deve constituir um encargo dos utilizadores da rede rodoviária nacional (identificados por via do seu consumo de combustível), a CSR liquidada pela AT deve ser legalmente repercutida até atingir a entidade nomeada pelo legislador como devendo suportar, em termos finais, o encargo económico deste tributo: o apontado consumidor de combustível. Ou seja, o dever de repercutir só cessa quando o combustível chegue ao consumidor final.
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Destaca que, na jurisprudência do TJUE, já está consolidado que se o reembolso pelo sujeito passivo se revelar impossível ou excessivamente difícil, nomeadamente no caso de insolvência, o princípio da efetividade exige que o comprador “repercutido” tenha a possibilidade de dirigir o seu pedido de reembolso diretamente contra as autoridades fiscais e que, para o efeito, o Estado‑Membro preveja os instrumentos e modalidades processuais necessários (cfr. acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011, Danfoss A/S, Proc. C-94/10).
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E que perante a desconformidade de determinado tributo com o direito da União, o respetivo Estado-Membro deve restituir os impostos cobrados em violação do direito comunitário, fazendo-o diretamente ao repercutido se o comprador final puder obter, directamente das autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou – ou seja, se o ordenamento jurídico doméstico conferir essa faculdade ao repercutido (acórdão do TJUE de 14 de Janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95).
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E, em confirmação da sua convicção de que o repercutido terá sempre o direito a obter restituição do tributo suportado em violação do direito da União diretamente junto da respetiva autoridade tributária nacional, a Requerente aponta para uma terceira hipótese: mesmo que o ordenamento jurídico doméstico não confira ao repercutido a apontada faculdade de obter a restituição do tributo indevido directamente junto das autoridades nacionais, esse direito dever-lhe-á, não obstante, ser igualmente atribuído por força do princípio da efectividade, sempre que “repercutido” não possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo, e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil (cfr. acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011, Danfoss A/S, Proc. C-94/10).
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Ora, a Requerente entende que, no caso concreto da CSR, além de a lei atribuir aos repercutidos o direito de contestarem os actos tributários de repercussão de que sejam destinatários directamente junto da AT, esse é o único meio à sua disposição para o efeito, não lhes sendo possível obter essa restituição junto das entidades repercutentes por via de uma acção para repetição do indevido.
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A Requerente entende que não há repetição do indevido, que, nos termos do art. 476º, 1 do Código Civil, supõe ter havido intenção de cumprir uma obrigação inexistente, pelo facto de a Requerente ter suportado a CSR que constituía uma obrigação lícita e exigível, não lhe sendo propiciado sindicar os actos de repercussão legalmente estabelecidos.
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Sendo assim, estando vedada a reacção contra os “repercutentes”, a única via que lhe restaria seria a de obter a restituição da CSR indevidamente suportada através do recurso aos meios de reacção previstos na legislação tributária para contestar, directamente junto da AT, os actos tributários de repercussão legal.
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Daqui infere a Requerente que, sempre que seja reconhecida legitimidade aos repercutidos para peticionarem directamente o reembolso da CSR, essa legitimidade não deve ser reconhecida, em contrapartida, às entidades repercutentes. O que seria confirmado pela seguinte posição do TJUE: “se o comprador final puder obter o reembolso, por parte do operador, do montante do imposto que sobre si se repercutiu, esse operador deverá, por sua vez, poder obter o respetivo reembolso das autoridades nacionais. Em contrapartida, se o comprador final puder obter, diretamente das autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou, a questão do reembolso do operador não se coloca como tal” (acórdão do TJUE de 14 de Janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95, § 24).
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Sustenta mesmo que esse é um efeito normal da anulação administrativa ou judicial: o dever de reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado (arts. 172º, 1 do CPA, 173º, 1 do CPTA e 100º da LGT), envolvendo, portanto, tanto os actos principais de liquidação como os actos secundários de repercussão – um dever que obsta a que se tenha de proceder a uma anulação em separado dessas distintas classes de actos.
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Daqui decorreria, segundo a Requerente, a impossibilidade de multiplicação de reembolsos, e de locupletamento indevido dos reembolsados ao longo da cadeia de comercialização dos combustíveis.
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Sustentando que, a subsistirem dúvidas, se deveria lançar mão do reenvio prejudicial para o TJUE.
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Quanto à excepção de ineptidão do pedido de pronúncia, a Requerente entende que a AT suscita somente questões que se encontram directamente relacionadas com os efeitos procedimentais / processuais do fenómeno da repercussão legal de tributos e respectivos ónus de prova, para tentar forçar a conclusão de que, neste domínio, recairia sobre a Requerente o ónus de identificar e juntar os actos de liquidação de CSR praticados a montante da repercussão; mas que a Requerente, pelo contrário, faz prova suficiente de todos os actos tributários impugnados.
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Na verdade, a Requerente sustenta que, num contexto de repercussão legal – como considera que seja o caso no regime da CSR –, os repercutidos apenas têm o ónus de identificar e de comprovar os únicos actos tributários de que são destinatários no âmbito da relação jurídico-tributária sujeita a repercussão legal, ou seja, os actos de repercussão legal corporizados nas facturas ou documentos equivalentes que lhes são dirigidos pelos sujeitos repercutentes, mas não o ónus de identificação e de comprovação dos antecedentes actos de liquidação repercutidos, o qual caberá à própria AT – voltando a insistir que a situação fiscal do contribuinte não pode ser agravada pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que pode não ter acesso.
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A Requerente lembra que os actos de liquidação de CSR foram praticados pela própria AT e notificados, tão-somente, às entidades fornecedoras de combustível, enquanto sujeitos passivos primários e primeiros repercutentes, não tendo a Requerente, na sua qualidade de terceiro repercutido, acesso a eles; assim, sendo a AT a entidade incumbida de promover a liquidação da CSR, é ela quem está em condições de identificar os actos pressupostos pelos actos de repercussão.
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Assim, bastaria à Requerente fazer o que fez: juntar aos autos todas as facturas emitidas pelas entidades fornecedoras do combustível por si adquirido – documentos que corporizam os actos de repercussão cuja legalidade se contesta.
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Acrescenta que a projecção de um tal ónus probatório sobre a Requerente violaria também o princípio da efectividade vigente no âmbito do direito da União, tendo em consideração que tornaria impossível ou excessivamente difícil o exercício, por parte da Requerente, do seu direito a obter a restituição de um tributo suportado em violação do direito da União.
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Novamente sustenta que, a subsistirem dúvidas quanto à prevalência do princípio da efectividade, o Tribunal deveria promover o reenvio prejudicial do processo para o TJUE, nos termos previstos no art. 267º do TFUE.
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Insistindo no pressuposto de que está em causa uma repercussão legal, a Requerente infere que o que se passa a jusante da primeira repercussão é irrelevante, transitando a partir daí para o domínio da repercussão meramente económica – pelo que questões de mensuração, ou questões de multiplicação de intervenientes, seriam irrelevantes – tudo se consumando, afinal, neste cumprimento estrito do “dever de repercutir” que recairia sobre os sujeitos passivos da relação tributária – embora a Requerente admita ser ilidível a presunção de que a repercussão efectivamente ocorreu.
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Ora, não tendo a AT suscitado a questão do não-cumprimento desse dever de repercutir, deveria, no entender da Requerente, presumir-se cumprido o dever de repercutir das fornecedoras de combustíveis – e de repercutir para a Requerente.
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Sendo que, em comprovação disso, a Requerente juntou ao Requerimento de 21 de Novembro de 2023 uma declaração da B..., tal como juntaria, a 30 de Novembro de 2023, uma declaração da F... .
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Por outro lado, a Requerente entende que a jurisprudência vertida no despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2022 (Vapo Atlantic, S.A., Proc. C-460/21) deve ser lida no sentido de que, provada que esteja a repercussão, o reembolso do imposto não se dará a favor dos sujeitos passivos, e que essa prova não pode consistir numa presunção que tornasse excessivamente onerosa, ou impossível, a prova pelos sujeitos passivos.
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Mas volta a sustentar que no presente processo não é isso que está em causa, mas apenas a restituição por facto de repercussão, que a requerente entende estar plenamente provado mediante junção das facturas de consumo de combustível que lhes foram emitidas pelos sujeitos repercutentes e que corporizam os respectivos actos de repercussão legal da CSR de que a Requerente foi destinatária.
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Por outras palavras, para a Requerente não está em causa a comprovação de uma excepção mediante inversão de um ónus probatório por via de uma presunção (como apreciado a título principal no processo C-460/21), mas, tão-somente, a prova da repercussão por referência às regras vigentes no ordenamento jurídico doméstico, a propósito da qual o TJUE afirmou que “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (cfr. Despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2022, Vapo Atlantic, S.A., proc. C-460/21, § 44).
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E mais uma vez sustenta que, a subsistirem dúvidas quanto à prevalência do princípio da efectividade, o Tribunal deveria promover o reenvio prejudicial do processo para o TJUE, nos termos previstos no art. 267º do TFUE.
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Relativamente à excepção de intempestividade, a Requerente entende que não se pode fazer assentar juízos de intempestividade numa mera insinuação ou juízo probabilístico relativo à falta de identificação precisa dos actos impugnados; além disso, defende a inaplicabilidade do regime de reembolso prescrito pelos artigos 15.º e 16.º do CIEC ao caso vertente, dado que retira do art. 5º da Lei n.º 55/2007 que o regime especial do CIEC é, neste ponto, inaplicável à CSR, devendo aplicar-se, ao invés, os meios gerais de reacção previstos no ordenamento jurídico-tributário; e, como entende que a desconformidade entre o regime da CSR e o direito da União consubstancia um erro dos serviços, prevaleceria o regime geral do art. 78º da LGT.
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Por outro lado, a Requerente entende que não se conseguiu apurar o dies a quo, por falta da AT sobre a qual entende que recaía o ónus probatório, e portanto não se consegue inferir qualquer conclusão em termos de intempestividade.
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Além disso, alega que a AT invoca o incumprimento de um ónus que impende sobre si própria (o ónus de identificar os actos de liquidação de CSR) para fundamentar uma excepção que, por seu turno, imputa à Requerente e que teria por efeito a absolvição de instância da própria AT.
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A Requerente entende que a desconformidade entre o regime da CSR e a Directiva 2008/118/CE, que fundamentou o pedido de revisão oficiosa e o pedido de pronúncia arbitral, tem a potencialidade de consubstanciar um erro de direito imputável à AT, também para efeitos do disposto na última parte do nº 1 do art. 78º da LGT.
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Alega a Requerente que a observação, pelos Estados-Membros, do princípio do primado do direito da União e do princípio da cooperação leal dos Estados-Membros com a União Europeia não se encontra circunscrita ao adequado cumprimento das normas europeias que sejam directa e imediatamente aplicáveis nas respectivas ordens jurídicas (os regulamentos), devendo o direito nacional ceder, igualmente, perante as normas do direito da União, originário ou derivado (as directivas), dotadas do denominado efeito directo, isto é, as normas da União Europeia de conteúdo suficientemente preciso e incondicional e, portanto, invocáveis directamente pelos particulares perante o Estado (o denominado efeito directo vertical), ou mesmo perante outros particulares (efeito directo horizontal).
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Por conseguinte, comportando o art. 1º, 2 da Directiva 2008/118/CE o referido efeito direto vertical, impõe-se concluir que as autoridades nacionais (a administração e os tribunais) devem proceder à interpretação das disposições internas mais conforme à realização do subjacente objectivo daquela disposição ou, quando tal não seja possível, desaplicar as normas nacionais que com ela estejam numa relação de manifesta antinomia.
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Daqui retira a Requerente a conclusão de que perante a invocada desconformidade entre o regime da CSR vertido na Lei n.º 55/2007 e o art. 1º, 2 da Directiva 2008/118/CE, e perante o pedido para se pronunciar sobre a existência de um vício de ilegalidade abstracta a si imputável, a AT estava obrigada a proceder à análise do pedido de revisão oficiosa que lhe foi dirigido pela Requerente.
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Também aqui insistindo a Requerente que, no caso de subsistirem quaisquer dúvidas quanto ao sentido e alcance dos invocados princípios do primado do direito da União e da cooperação leal, ou do efeito directo do art. 1º, 2 da Directiva 2008/118/CE, então impor-se-á ao tribunal arbitral promover o reenvio prejudicial para o TJUE, nos termos previstos no art. 267º do TFUE.
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Sobre a excepção de ilegitimidade, a Requerente insiste que não só os arts. 15º e 16º do CIEC não são aplicáveis à CSR (fora das matérias de liquidação, cobrança e pagamento), como os repercutidos legais têm direito de recorrer ao meio de reacção estabelecido no art. 78º da LGT.
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Concluindo que a Requerente tem legitimidade para sindicar, através do procedimento de revisão oficiosa regulado no art. 78º da LGT, a legalidade de actos tributários de liquidação de CSR, enquanto titular de interesse legalmente protegido, dado que é na sua esfera patrimonial que se opera a repercussão desse tributo.
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Um entendimento contrário seria, segundo a Requerente, uma violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, por não acautelar os direitos dos repercutidos, e da igualdade, por discriminar negativamente os repercutidos relativamente aos demais sujeitos da relação jurídico-tributária de repercussão legal, sendo um tal sentido interpretativo, por esse motivo, materialmente inconstitucional.
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E, a prevalecer um tal entendimento, então teria de se concluir que o ordenamento jurídico doméstico não confere qualquer meio de reacção às entidades repercutidas para obterem, eficazmente, a restituição do tributo que tenham indevidamente suportado em violação do direito da União. Ora, de acordo com a jurisprudência do TJUE, nos casos em que o ordenamento jurídico doméstico não confira ao repercutido a apontada faculdade de obter a restituição do tributo indevido diretamente junto das autoridades nacionais, esse direito dever-lhe-á, não obstante, ser atribuído por força do princípio da efectividade, sempre que esse repercutido, não possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo, e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil. (cfr. acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011, Danfoss A/S, Proc. C-94/10).
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E volta a insistir que, caso subsistam dúvidas quanto à legitimidade da Requerente para solicitar a restituição da CSR suportada em violação do direito da União, promova o reenvio prejudicial do presente processo para o TJUE, em defesa do princípio da efectividade.
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Quanto à questão prévia da preterição de litisconsórcio necessário, a Requerente sustenta que as legitimidades de repercutentes e repercutidos é, no caso, mutuamente excludente (a legitimidade estará do lado que tiver suportado efectivamente o encargo económico da CSR, estabelecendo a Requerente um paralelismo com as situações de substituição), pelo que jamais se preencheriam os requisitos do art. 33º, 1 e 2, do CPC.
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Quanto às excepções de incompetência absoluta e relativa do tribunal arbitral, a Requerente admite que se trate de contribuição especial, todavia sujeita ao regime dos impostos, e como tal sujeita ao regime do RJAT e da portaria de vinculação. A Requerente entende que a CSR é uma contribuição especial por maiores despesas, segregada pelo legislador constitucional de 1997 do conceito de contribuições financeiras consagrado no art. 165º, 1, i) da CRP, e que deve ser perspectivada como um verdadeiro imposto.
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Por outro lado, sustenta a Requerente que, mesmo que se tratasse de uma pura contribuição financeira, nem assim deixaria de ser aplicável o RJAT, visto que este estabelece a arbitrabilidade de tributos, e não somente de impostos – o que se adequa ao facto de as contribuições financeiras serem administradas pela AT.
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A Requerente entende que seria inconstitucional uma leitura da portaria de vinculação que deixasse de fora as contribuições especiais como a CSR.
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Quanto à excepção de incompetência absoluta do tribunal arbitral para se pronunciar sobre a validade intrínseca de actos normativos, a Requerente entende que não é isso que está em causa, sendo a invalidade desses actos normativos um simples pressuposto do objecto do processo, que respeita à invalidade de actos de repercussão de um tributo desconforme ao direito da União.
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Rematando o Requerimento com a recapitulação das alegações de necessidade de reenvio prejudicial para o TJUE, configurado como um dever do tribunal, nos termos do art. 267º do TFUE.
III. C. 3. Posição da Requerente em Alegações
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Em alegações, a Requerente retoma o tema das excepções suscitadas na resposta da Requerida, e limita-se a recapitular, sintetizando-as, as razões para a improcedência das diversas excepções, e para a falta de cabimento das “questões prévias”.
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E novamente remata as alegações com considerações sobre a necessidade de reenvio prejudicial para o TJUE em caso de dúvidas sobre os argumentos apresentados, mormente sobre a legitimidade de um repercutido peticionar directamente o reembolso de CSR, sobre a exoneração de um repercutido em matéria probatória, sobre o valor probatório de facturas quanto ao facto da repercussão, e sobre o primado do direito da União.
IV. Sobre o Mérito da Causa
IV. A. Posição da Requerente no Pedido de Pronúncia
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A Requerente começa por analisar o circunstancialismo que determinou o regime da Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, a sua transposição pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, e o estabelecimento de um regime geral dos impostos especiais de consumo – explicando porque é que acabou por se manter na esfera dos Estados-Membros um poder de tributação residual, reconhecendo-se-lhes a faculdade de sujeitar, sob determinadas condições, os produtos abrangidos pelo referido regime geral a outros impostos indirectos – procurando acautelar-se que daí nascessem entraves às trocas comerciais.
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Exigindo-se que esses outros impostos indirectos tivessem um motivo específico, e fossem harmonizados quanto à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto.
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Quanto ao motivo específico, será necessário que o produto do tributo seja obrigatoriamente utilizado nos fins específicos que tenham sido invocados, de tal forma que exista uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (cfr. Acórdão do TJUE de 27 de Fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, Proc. C-82/12, § 30), ou, em alternativa, se for concebido, no que respeita à sua estrutura, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo (cfr. Acórdão do TJUE de 5 de Março de 2015, Statoil Fuel & Retail, Proc. C-553/13, § 42).
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No que especificamente respeita à CSR, a Requerente descreve a sua génese (a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto), a afectação das receitas à Estradas de Portugal, depois Infraestruturas de Portugal, por invocada contrapartida da utilização da rede rodoviária nacional, tal como ela é revelada pelo consumo de combustíveis rodoviários.
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Reconhecendo que a Lei n.º 55/2007 restringe a incidência subjectiva da CSR aos sujeitos passivos identificados no art. 4º do CIEC, a Requerente insiste que, por força daquilo que ela considera ser uma repercussão legal, é sobre o consumidor de combustíveis que recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo.
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Lembrando-se de referir que a CSR foi extinta através da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, com efeitos a partir do dia 1 de janeiro de 2023.
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A Requerente analisa a violação do direito da União Europeia que a CSR representou, e a consequente ilegalidade abstracta dos actos tributários que a consubstanciaram, remetendo para as ponderações do Despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21, centradas na inexistência de um “motivo específico” da CSR, de uma relação directa e exclusiva entre utilização das suas receitas e a finalidade enunciada para o tributo, sem conexões a finalidades concorrentes ou a finalidades mais gerais ou mais difusamente enunciadas – como aquelas que o TJUE detectou na CSR –, e na inexistência de uma estruturação do tributo que o torne susceptível de motivar ou condicionar as condutas dos sujeitos passivos em direcção à finalidade enunciada para o tributo.
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Verificada a antinomia entre a CSR e o direito da União, e dado o primado deste (art. 8º, 4 da CRP), que vincula todos os serviços do Estado, segue-se que a AT deveria desaplicar as normas de fonte interna que instituíram, aplicaram e regularam a CSR – sendo que, se não o fez, conclui a Requerente, isso representa um erro imputável aos serviços, designadamente para efeitos do disposto na segunda parte do art. 78º, 1 da LGT.
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Daí infere a Requerente que os actos tributários objecto do processo devem ser anulados e, em consequência, devolvidas à Requerente as quantias pela mesma suportadas, por repercussão, a título de CSR, no montante global de € 120.698,96.
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A Requerente termina peticionando, para lá do reembolso do imposto, o pagamento de juros indemnizatórios – não contados depois de decorrido um ano da apresentação do pedido de revisão oficiosa, como sucederia por aplicação do art. 43º, 3, c) da LGT, mas a contar da data do pagamento indevido, nos termos do art. 43º, 3, d) da LGT. E isto porque a Requerente considera que se está perante um caso de ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, dado que, no seu entender, uma decisão judicial que reconheça uma desconformidade entre uma norma de direito interno e o direito da União Europeia consubstanciará, ipso facto, uma decisão judicial que declara ou julga a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária, o que cabe na previsão do art. 43º, 3, d) da LGT – e que a Requerente, além disso, julga ser apoiada na jurisprudência do TJUE.
IV. C. Posição da Requerente em Alegações
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Em alegações, a Requerente retoma as posições expressas do seu Pedido de Pronúncia, a que adita alguns argumentos novos.
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Começa por insistir no carácter legal da repercussão da CSR, entretanto reafirmado pela atribuição de natureza interpretativa à nova versão do art. 2º do CIEC pelo art. 6º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, sendo que, nessa nova versão do art. 2º do CIEC se estabelece que os IEC são repercutidos.
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Desse carácter alegadamente “legal” da repercussão, infere a Requerente que há uma presunção, visto a repercussão constituir um dever dos sujeitos passivos – ilustrando com o facto de, em diversos processos arbitrais, a AT subscrever a noção de que a repercussão deve ser presumida. E assim, na falta de contraprova pela AT, a repercussão estaria comprovada através de presunção – além de que, lembra a Requerente, foram juntas aos autos declarações das entidades “repercutentes”, reforçando a comprovação de que a repercussão efectivamente ocorreu, e ocorreu completamente.
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Além disso, a Requerente interpreta a jurisprudência do TJUE como estabelecendo que a prova da repercussão não pode assentar numa presunção, a qual poderia redundar na oneração do sujeito passivo com uma prova de facto negativo, uma prova excessivamente difícil, senão impossível – o que seria consonante com o princípio da efectividade. E daí retira um argumento: o de que, no presente caso, não se trata das relações do Estado com os sujeitos passivos, nas quais essa presunção está proscrita, mas das relações com um terceiro repercutido, nas quais a repercussão legal faz da presunção dessa repercussão uma norma em benefício das entidades repercutidas, assente na mera prova documental das transacções nas quais essa repercussão se consumou.
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Depois de abordar, novamente, as excepções e questões prévias suscitadas pela Requerida na sua resposta, a Requerente conclui pelo dever da AT de anular os actos impugnados e de reembolsar a CSR indevidamente liquidada e repercutida; um dever que, não tendo sido cumprido por erro imputável aos serviços, torna procedente o pedido de pronúncia que deu origem ao presente processo.
IV. D. Posição da Requerida na Resposta
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Na sua resposta, e após invocar diversas excepções, a Requerida começa por recordar as circunstâncias precisas em que foi concebida e introduzida a CSR – como uma espécie de “cisão” do ISP, de modo a especificar-se que uma parte da receita anteriormente gerada pelo ISP passava a estar permanentemente “cativada” como receita da Infraestruturas de Portugal.
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A Requerida lembra que o art. 5º da Lei n.º 55/2007 estabelecia que a CSR era devida pelos sujeitos passivos do ISP, e que a liquidação, cobrança e pagamento da CSR seguiria essencialmente o disposto no CIEC, na LGT e no CPPT.
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O art. 4º do CIEC define quem são os sujeitos passivos dos IEC, e são eles que assumem deveres declarativos, nomeadamente por importação e por introdução no consumo dos produtos sujeitos a IEC, são eles que pagam o imposto após a liquidação do imposto, e são eles que, nos termos dos arts. 15º e seguintes do CIEC, têm direito ao reembolso do imposto pago.
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Havendo um regime específico de reembolso para os IEC, e mais precisamente um regime próprio de reembolso com fundamento em erro, a Requerida sustenta que a Requerente não reúne, como “repercutido fiscal”, as condições para solicitar a revisão do acto tributário e o reembolso do tributo, por não ser ela o sujeito passivo da relação tributária: seja nos termos e para os efeitos dos arts. 15º, 2 e 116º do CIEC, seja nos termos e para os efeitos dos arts. 78º, 1 da LGT e 86º, 4, a) do CPPT.
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Havendo repercussão, alega a requerida, à relação jurídica de imposto, entre o Estado e o sujeito passivo, junta-se uma outra relação jurídica, esta de direito privado, entre o sujeito passivo “repercutente” e um terceiro “repercutido”: cabendo aos sujeitos passivos no âmbito das suas relações comerciais, proceder, ou não, à transferência do valor da carga fiscal para outrem, os seus clientes, tendo em conta as consequências para a sua actividade, designadamente, em termos do aumento de preços para o consumidor final, e que, de acordo com a lei da procura, poderá redundar numa diminuição da quantidade procurada e do lucro obtido.
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Razão pela qual a Requerida aceita que não deve presumir-se a repercussão da CSR, cabendo a Requerente a prova dessa repercussão, e ainda da liquidação, ou liquidações, de que emerge cada transacção repercutora – nada podendo deduzir-se a partir de meras facturas, que não permitem determinar qual a parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido.
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Lembrando que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, ainda que se verificassem os pressupostos legais e processuais, e se considerasse efectuada a prova da repercussão da CSR, o Estado-membro poderá opor-se a um pedido de reembolso apresentado pelo comprador repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo, tal como ocorre no direito nacional.
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A Requerida insiste que a CSR era uma contribuição financeira com um “motivo específico”, e que as finalidades da sua criação foram alcançadas com um sucesso amplamente documentado, e são finalidade claramente não-orçamentais.
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Conclui a Requerida que, não tendo havido erro imputável aos serviços da AT, não há direito a juros indemnizatórios; que, mesmo que se admita que a CSR é um imposto, não cabe aos tribunais arbitrais tributários envolver-se na matéria de restituição de montantes, que deve ser remetida para sede de execução de sentença, até porque serão as alfândegas, que promovem as liquidações de CSR, que devem promover o reembolso, caso ele seja decidido pelo tribunal.
IV. E. Posição da Requerida em Alegações
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Em alegações, a Requerida retoma o essencial da sua resposta, sintetizando e aditando alguns argumentos, mormente para esclarecimento de pontos controvertidos.
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Insiste que a CSR é uma contribuição economicamente repercutível, mas que essa repercussão não tem natureza legal – pelo que a Requerente comete um erro de base quando insiste na ideia de repercussão legal, que o próprio TJUE afasta:
“Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos.” (Despacho proferido em 07/02/2022, no Proc. C-460/21, §44)
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Esse erro preside à escolha de exemplos jurisprudenciais que a Requerente convoca, o que, no entender da Requerida, ajuda a demonstrar o erro em que a Requerente incorre.
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Não havendo qualquer similitude com o Imposto de Selo, a repercussão da CSR dependerá de decisões tomadas nas relações comerciais tomadas ao longo do circuito de comercialização dos combustíveis. Não há um acto tributário autónomo na repercussão, e as facturas não documentam qualquer repercussão, mas somente uma compra e venda de combustíveis, sem se poder descortinar se o valor de CSR foi ou não repercutido – e se sim, em que medida.
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Ao contrário do que sucede com o Imposto de Selo ou com o IVA, em sede de IEC não é possível a identificação dos actos de liquidação, sendo que as quantidades de combustível vendidas não têm por base um acto de liquidação específico, e não constando das facturas um valor discriminado do valor dos IEC. E por isso o imposto monofásico recai sobre os sujeitos passivos, e não se envolve nas vendas subsequentes, que podem envolver uma extensa multiplicidade de intermediários e consumidores finais – e essa a razão pela qual todos esses participantes subsequentes no circuito de distribuição de combustíveis são excluídos da legitimidade para pedir reembolsos, nos termos dos arts. 15º e 16º do CIEC.
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Foi o próprio TJUE que entendeu que:
“um Estado-Membro só pode opor-se à restituição ao operador de um imposto cobrado em violação do direito comunitário se se provar que o imposto foi na totalidade suportado por outra pessoa e que a restituição ao referido operador implica para o mesmo um enriquecimento sem causa. Compete aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se estão preenchidas essas condições. Se apenas uma parte do imposto foi repercutida, as autoridades nacionais devem reembolsar ao operador o montante não repercutido; [§] a existência de uma eventual obrigação legal de incorporar o imposto no preço de custo não permite presumir que o imposto tenha sido repercutido na totalidade, mesmo no caso de a violação dessa obrigação implicar uma penalidade; (…)”
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Quanto às declarações juntas pela Requerente, a AT entende que elas não documentam nada, não têm data, têm assinaturas ilegíveis, mas provam que as fornecedoras de combustíveis à Requerente são empresas que nem sequer são sujeitos passivos de ISP ou CSR, como é assumido explicitamente nas declarações, que assumem que se tratou de uma revenda de combustíveis, anteriormente adquiridos a sujeitos passivos de ISP e de CSR.
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Não é de excluir que esses sujeitos passivos originários, que não são identificados, tenham já suscitado, administrativa ou judicialmente, a questão da legalidade da CSR, impugnando as liquidações de CSR e apresentando pretensão idêntica à visada pela ora Requerente. Aliás, também não se pode presumir que as próprias B... e F..., não obstante declararem ter “repercutido integralmente” a CSR, tenham prescindido de peticionarem a revisão e o reembolso da CSR.
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Por outro lado, segundo a AT a Requerente labora num outro erro, que é o de julgar que o que é tributado, no ISP ou na CSR é o consumo, quando o facto gerador daqueles tributos é, pelo contrário, a produção, entrada no território ou importação daqueles produtos, nos termos do art. 7º do CIEC – e essa a razão principal da demarcação dos sujeitos passivos aos intervenientes nesse momento inicial da introdução dos combustíveis no circuito nacional de distribuição.
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Daqui decorre a conclusão da Requerida de que o repercutido económico não tem legitimidade processual ou interesse de agir: não havendo repercussão legal, não aproveita ao repercutido o que se estabelece no art. 18º, 4, a) da LGT.
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Lembra também a Requerida que a legitimidade para pedir o reembolso está expressamente estabelecida no art. 15º do CIEC, que se articula com a legitimidade para pedir a revisão, prevista no art. 78º, 1 da LGT.
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E fica de fora o repercutido económico, até porque ele não pode pedir o reembolso de um tributo que nunca entregou ao Estado.
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A Requerente não é sujeito passivo, nem de ISP, nem de CSR; não efectuou, consequentemente, qualquer introdução no consumo de produtos petrolíferos; não é parte da relação tributária subjacente às liquidações contestadas, juntando documentos cuja veracidade é contestável, e dos quais não é possível inferir, com um mínimo de rigor, um valor discriminado de CSR, o qual também não consta, nem tinha de constar, das facturas que documentam as transacções com as fornecedoras.
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Trata-se, segundo a Requerida, de declarações genéricas e vagas que não permitem estabelecer uma relação entre o combustível adquirido pela Requerente e as liquidações de CSR, algures a montante.
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A Requerida enumera múltiplas deficiências na documentação junta ao pedido de pronúncia, que tornam, em seu entender, mais insuprível a deficiência grave de não estarem sequer identificados os sujeitos passivos de ISP e de CSR, e por isso faltar a identificação rigorosa de DIC, actos de liquidação e comprovativos de pagamento dos tributos, aos quais pudessem associar-se eventuais repercussões a jusante – pois, sem essa identificação, nem a AT poderá fornecer provas do que se terá passado nessa relação inicial com os sujeitos passivos.
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As próprias facturas apresentadas não cumprem os requisitos exigidos na Lei n.º 5/2019, de 11 de Janeiro, relativa ao Regime de cumprimento do dever de informação do comercializador de energia ao consumidor, e no Regulamento n.º 141/2020, de 20 de Fevereiro, que estabelece o Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL ao Consumidor – que estabelecem que as facturas de venda de produtos combustíveis devem reflectir o tipo de produto em causa, de forma detalhada e discriminada por tributo, o que permitiria fazer um juízo quanto à eventual repercussão dos impostos em causa no consumidor, incluindo a CSR.
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Conclui a Requerida que nenhum dos documentos apresentados pela Requerente sustenta qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nem constitui prova bastante quanto a valores alegadamente suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova.
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Culminando no facto de a Requerente não demonstrar, sequer, que os seus fornecedores sejam os sujeitos passivos da CSR. Ora, sustenta a Requerida, o interesse do sujeito passivo é claro, até pelo reconhecimento da perda do direito de vir a pedir o reembolso da CSR efectivamente paga por ele, quanto ao período em causa, se a Requerente, por hipótese, viesse a obter ganho de causa.
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Por outro lado, atenta a regra geral prevista no art. 342º, 1 do Código Civil, não incumbe à AT fazer a prova da não-repercussão, entendendo a jurisprudência que, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, a maior complexidade da prova de factos negativos necessitará de ter como resultado uma menor exigência probatória por parte do magistrado, mas não uma inversão do ónus da prova como a prevista no art. 344º do Código Civil (cfr. Acórdão do STA de 17.12.2008, Processo n.º 0327/08).
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Conclui a Requerida que não se comprova que houve efectiva repercussão económica da CSR, na Requerente enquanto consumidora final, nem que esta efectuou qualquer pagamento nessa sequência, e nessa qualidade.
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Sendo que só a efectiva repercussão legal do imposto, distinta da repercussão meramente económica ou de facto, legitima o pressuposto processual positivo do interesse em agir, que se transfere do repercutente para o repercutido, não está, assim, a CSR abrangida pela parte final da alínea b) do n.º 4 do art. 18º da LGT, pelo que pode inferir-se que a Requerente não fez prova bastante dos factos invocados no pedido arbitral.
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Quanto a juros indemnizatórios, a Requerida lembra que o art. 43º, 3, c) consagra um critério especial para os casos em que seja apresentado pedido de revisão da liquidação, e que uma abundante jurisprudência do STA, e jurisprudência arbitral, tem apoiado esse entendimento de que, como lei especial, é essa a norma que prevalece. Tendo sido apresentado o pedido de revisão em 30/11/2022, só haveria pagamento de juros indemnizatórios um ano após a apresentação daquele pedido.
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Insiste assim a Requerida que deve ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a AT, face à verificação da excepção da ineptidão da petição inicial, da excepção caducidade do direito de acção, da excepção da ilegitimidade da Requerente ou da excepção da incompetência do tribunal arbitral; ou, caso assim não se entenda, ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente.
V. Fundamentação da decisão
V.A. Considerações prévias: 1- uma contradição no pedido.
A Requerente, logo no início do seu pedido de pronúncia arbitral, indica que o seu pedido é apresentado:
“na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de promoção de revisão oficiosa apresentado em 30 de novembro de 2022, junto da Alfândega de Aveiro, relativo às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário («CSR») praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas Declarações de Introdução no Consumo («DIC») submetidas pelas sociedades B..., S.A. e F..., Lda. (doravante, abreviadamente designadas, em conjunto, por «fornecedoras de combustíveis») e, bem assim, relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário àquelas adquirido pela Requerente no período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022” (sublinhado nosso)
E, com efeito, no pedido apresentado ao Director da Alfândega de Aveiro em 30 de Novembro de 2022, a ora Requerente, apresentando-se como “contribuinte da Contribuição de Serviço Rodoviário”, requereu a revisão oficiosa
“das liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira, refletidas nas faturas emitidas pela B..., S.A. e pela F..., Lda., referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela REQUERENTE no período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, constituindo, assim, o objeto do presente pedido os referidos atos antecedentes e consequentes” (sublinhado nosso)
Sucede, todavia, que a Requerente indica erradamente que as sociedades B..., S.A., e F..., Lda., foram os sujeitos passivos da relação tributária de ISP e de CSR, e que foram elas que submeteram à AT as Declarações de Introdução no Consumo.
Com efeito, quando a Requerente junta aos autos, em 21 e em 30 de Novembro de 2023, duas declarações, uma de cada uma dessas sociedades, ambas apresentam a mesma fórmula, ipsis verbis:
“(…) pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si suportada na aquisição de combustível a sujeitos passivos deste tributo foi, por sua vez, integralmente repercutida por si, por referência ao combustível fornecido à entidade A..., S.A. (…)” (sublinhado nosso)
Fórmulas que não deixam margem para dúvida quanto ao facto de ambas as sociedades terem adquirido combustível a sujeitos passivos de CSR – e, portanto, não serem elas esses sujeitos passivos, ao contrário do que a Requerente indicara no pedido de pronúncia.
Sucede, também, que a Requerente indica erradamente que as liquidações de CSR se encontram reflectidas nas facturas emitidas pela B..., S.A. e pela F..., Lda., porque tais facturas não contêm essa indicação, nem tinham de contê-la.
Com efeito, o Documento nº 1 anexo ao pedido de pronúncia consiste numa folha de cálculo que se limita a presumir que houve repercussão completa de CSR em cada uma das transacções de combustíveis, a um valor fixo de CSR por litro – é um simples exercício de conjectura, num contexto no qual, ao contrário do que a Requerente presume, nem sequer existia repercussão legal.
E as facturas compiladas no Documento nº 2, além de nem todas endereçadas à Requerente, nem todas emitidas pelas “fornecedoras de combustíveis” e nem todas respeitantes ao período de referência, tal como assinalado pela Requerida em Alegações (um mero lapso probatório, admita-se), apenas discriminam o valor-base e o valor de IVA, sendo apropriadamente omissas quanto a montantes de ISP e de CSR repercutidos, ou não-repercutidos.
Sucede, ainda, que a Requerente indica erradamente, tanto no pedido de revisão oficiosa como no pedido de pronúncia arbitral, que os actos a impugnar são as liquidações de CSR, quando na verdade não chega a identificar correctamente, sequer, os sujeitos passivos de ISP e CSR, e muito menos identifica essas liquidações – sendo que, se a B..., S.A. e a F..., Lda. fossem deveras os sujeitos passivos, a Requerente poderia ter obtido, de ambas, a documentação comprovativa de tais liquidações, em vez das referidas declarações.
Mais ainda, transparece das peças processuais apresentadas pela Requerente que a única coisa que ela pretende impugnar – a única em relação à qual julga ter feito prova com a documentação entregue – são os actos de repercussão que ela presume serem inerentes à transmissão onerosa de combustíveis.
i) Assim, no Pedido de Pronúncia, os actos de repercussão passam, no final, a ser o objecto imediato da acção:
“O presente pedido arbitral deverá ser considerado procedente, por provado e fundado, declarando-se a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no decurso do período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pelas fornecedoras de combustíveis (…)” (sublinhado nosso).
ii) No Requerimento de 8 de Setembro de 2023:
“confrontando a identificada formulação legal da CSR com o pedido de pronúncia arbitral, verifica-se que a Requerente, entidade terceira sobre a qual a CSR foi legalmente repercutida, veio, através da presente ação arbitral — proposta na sequência da presunção de indeferimento tácito do pedido de promoção de revisão oficiosa apresentado junto da Alfândega de Aveiro —, contestar, em primeiro lugar, a legalidade dos referidos atos de repercussão da CSR (corporizados nas faturas que lhe foram emitidas pelas fornecedoras de combustível), e, em segundo lugar, em face da existente correlação causal entre os dois tipos de atos acima indicados, a legalidade dos antecedentes atos de liquidação de CSR (praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira e notificados, tão somente, às referidas entidades repercutentes)” [art. 9º]
“Significa o que antecede, portanto, que o objeto da presente ação arbitral comporta: i) primordial e autonomamente, os atos de repercussão de CSR ínsitos nas faturas emitidas pelas fornecedoras do combustível adquirido pela Requerente” [art. 10º]
“Consequentemente, no que aos atos de repercussão da CSR diz respeito — objeto principal do presente processo arbitral” [art. 12º]
“Os atos de repercussão de CSR (e que constituem os principais atos objeto do presente processo arbitral) foram juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, encontrando-se os mesmos, por conseguinte, total e perfeitamente identificados pela Requerente” [art. 23º] (sublinhados nossos)
iii) No Requerimento de 21 de Novembro de 2023:
“nos presentes autos (em que a Requerente, na qualidade de consumidora de combustível legalmente repercutida, pretende a restituição da CSR indevidamente suportada” [art. 16º]
“perfila-se como lógico e linear que, no âmbito de uma relação de repercussão legal de tributos, os repercutidos apenas tenham o ónus de identificar e de comprovar os – únicos – atos tributários de que são destinatários no âmbito da relação jurídico-tributária sujeita a repercussão legal, ou seja, os atos de repercussão legal corporizados nas faturas ou documentos equivalentes que lhes são dirigidos pelos respetivos sujeitos repercutentes” [art. 47º]
“permite-se concluir que, no âmbito de uma relação jurídico-tributária sujeita a repercussão legal (como a de CSR), os atos de repercussão legal consubstanciam atos tributários autonomamente sindicáveis por parte dos respetivos repercutidos (in casu, a Requerente), cabendo-lhes, ao abrigo do princípio geral de repartição do ónus da prova consagrado no artigo 74.º da LGT, o ónus de identificação e de comprovação dos pertinentes atos tributários de repercussão que pretendam contestar (corporizados nas faturas que lhes foram emitidas pelas entidades repercutentes), mas já não o ónus de identificação e de comprovação dos antecedentes atos de liquidação repercutidos, o qual caberá à própria AT.” [art. 48º]
“restando à Requerente prosseguir com a demonstração do preenchimento, no caso concreto, dos requisitos de que dependia o dever de revisão oficiosa, ao abrigo do regime geral vertido no artigo 78.º da LGT, dos atos de repercussão legal de CSR contestados na presente ação arbitral.” [art. 100º] (sublinhados nossos)
iv) Em Alegações:
“(…) impõe-se reter no âmbito das presentes alegações finais, em síntese, o seguinte: (v) Que a Requerente, na sua qualidade de entidade legalmente repercutida, tem legitimidade para sindicar os respetivos atos tributários de repercussão ao abrigo do procedimento de revisão oficiosa recortado pelo artigo 78.º da LGT (resultando esta legitimidade, quer da interpretação linear daquele preceito legal, quer do alcance que a jurisprudência doméstica lhe vem conferindo, quer, ainda, da jurisprudência firmada pelo TJUE acerca da legitimidade de entidades que sofram a repercussão de tributos desconformes com o direito da União), tendo, nessa medida, igualmente legitimidade para intentar a presente ação arbitral” [art. 22º]
“(…) impõe-se reter no âmbito das presentes alegações finais, em síntese, o seguinte: (vii) Quanto à incompetência relativa do tribunal arbitral em virtude da violação da portaria de vinculação, que a CSR deve, atenta a sua qualidade de contribuição especial por maiores despesas (segregada pelo legislador constitucional de 1997 do conceito de contribuições financeiras consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa), ser perspetivada como um verdadeiro imposto, quer em sede constitucional, quer, consequentemente, em sede infraconstitucional, impondo-se concluir que todos os atos tributários relacionados com a CSR – como sucede com os atos tributários de repercussão legal objeto da presente ação – são plenamente arbitráveis” [art. 22º]
“O presente pedido arbitral deverá ser considerado procedente, por provado e fundado, declarando-se a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no decurso do período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas” [conclusão das Alegações] (sublinhados nossos)
Verifica-se, manifestamente, quer uma margem de ininteligibilidade na indicação do pedido, quer uma contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Quanto à margem de ininteligibilidade – afinal, o objecto do pedido são as liquidações, ou são as repercussões? – ela pode ser eventualmente sanada nos termos do art. 186º, 3 do CPC (aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
Mais difícil será sanar a contradição entre o pedido (a anulação das liquidações e do indeferimento tácito da revisão dessas liquidações) e a causa de pedir (a repercussão de um tributo inválido por desconformidade desse tributo com o Direito da União, para efeitos de reembolso do que foi repercutido – isto, relativamente a um tributo cuja liquidação não se provou, por se assentar na ideia errada de que vigorava para esse tributo um regime de repercussão legal, e de que, de um tal regime, decorria que a repercussão pudesse ser presumida, seja no seu quid, seja no seu quantum, permitindo inferir, da ilegalidade das liquidações, a ilegalidade das repercussões, fosse qual fosse o nexo entre liquidações e repercussões).
Dificuldade, desde logo porque este tribunal pode pronunciar-se sobre a legalidade de liquidações, que são actos tributários, não sobre a legalidade de fenómenos de repercussão económica, que não são actos tributários: pelo que o pedido poderia ser apreciado por este tribunal, mas não com uma tal causa de pedir.
V.B. Considerações prévias: 2- a inexistência de repercussão legal.
Comecemos por demonstrar que não está em causa – não o estava, nem o pode estar retroactivamente – um regime de repercussão legal; mas não sem, antes, esclarecermos alguns pontos relativos a legitimidade processual.
A questão nasce dos efeitos da consideração da hipótese de repercussão plena do imposto – o que faria com que, não obstante o sujeito passivo de CSR ser aquele que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta contribuição seria economicamente suportado pelo consumidor do combustível, ou por alguém a jusante do sujeito passivo no circuito económico da distribuição de combustíveis, o que poderia sugerir a adopção de uma solução de substituição tributária – em termos de o contribuinte de facto da CSR passar a ser a única parte legítima para peticionar a declaração de ilegalidade dos respectivos actos de liquidação, retirando aos “repercutentes” o seu interesse em agir.
Adiantemos, desde já, que é o art. 9.º, 1 e 4 do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, 1 do RJAT, que define a legitimidade activa no processo arbitral tributário, e lá não se prevê que essa legitimidade se possa perder por efeito de uma repercussão que propiciasse a identificação de um interesse, concorrente ou exclusivo, na esfera de um “repercutido” que não seja o sujeito passivo.
E essa conclusão não se modifica com a alteração da redacção do art. 2.º do CIEC pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, a converter a “repercussão económica” em “repercussão legal”, mesmo que essa alteração tenha alcance interpretativo / retroactivo (ou seja, mesmo que não fosse inconstitucional): porque também aí não ocorre, nem passa a ocorrer, substituição tributária, visto que não só não é o consumidor final quem responde pela prestação tributária, como também é a própria lei que exclui do conceito de sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.
Por outras palavras, não ocorre nesta situação uma deslocação da obrigação tributária, do contribuinte directo para um terceiro, o contribuinte “de facto” – aquele que, por repercussão, suporta o peso do imposto. E, sem essa deslocação da obrigação, sem essa vinculação jurídica do contribuinte “de facto”, não pode ocorrer uma verdadeira substituição tributária, nos termos dos arts. 20º e 28º da LGT.
Com efeito, para que exista a substituição tributária a que se refere o art. 20º da LGT, é preciso que ocorra a deslocação da obrigação tributária, do contribuinte directo (isto é, de quem se encontra abrangido pelas normas de incidência do imposto) para um terceiro: sendo que a responsabilidade do substituto tributário, nos termos do art. 28.º da LGT, se traduz na obrigação de dedução das importâncias que estiverem sujeitas a retenção, e da respectiva entrega nos cofres do Estado, em termos que exoneram o substituído da entrega dessas mesmas importâncias.
A conjugação do art. 9º, 1 e 4 do CPPT com o art. 18º, 3 da LGT dissipa quaisquer dúvidas sobre a ilegitimidade processual da Requerente: têm essa legitimidade os contribuintes, e contribuinte é o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou colectiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.
Não sendo a Requerente sujeito passivo do ISP, de acordo com a norma de incidência subjectiva constante do art. 4.º, 1, a), do CIEC, não é responsável pelo pagamento da CSR, por força do disposto nos arts. 4.º, 1, e 5.º, 1, da Lei n.º 55/2007 – não sendo consequentemente, na qualidade de contribuinte directo, titular da relação jurídica tributária, e parte legítima no processo (art. 9º, 1 do CPTA).
Por outro lado, uma vez que a competência dos Tribunais arbitrais se circunscreve, no que é aqui relevante, à avaliação de actos de liquidação, os actos de repercussão são, qua tale, inarbitráveis – restando, como únicos factos relevantes para apurar a legitimidade da Requerente para impugnar os actos de liquidação da CSR, os referentes às relações estabelecidas com os verdadeiros sujeitos passivos que intervieram nesses actos.
Além disso, havendo um regime especial de revisão no CIEC, para o qual remetia o art. 5º, 1 da Lei n.º 55/2007, que criou a CSR, o círculo dos potenciais impugnantes dos actos de liquidação da CSR tenderá a convergir com o círculo dos potenciais credores do reembolso delimitado no art. 15º, 2 do CIEC: “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto”; ou seja: “o depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado”, ou ainda “a pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação”. Esses círculos de legitimidade tenderão a convergir, mas não necessariamente a coincidir, visto que, como é óbvio, um pedido de revisão não se confunde com um pedido de reembolso – até porque ambos podem cumular-se.
Em todo o caso, impressiona a circunstância de o art. 15º, 2 do CIEC se ter mantido inalterado ao longo da história desse Código, e de os arts. 15º, 2 e 4º, 1 e 2, a) só terem sofrido, também eles, uma única alteração substancial, o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva” – o que só pode significar que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.
Querendo isto dizer, muito pragmaticamente, que só os sujeitos passivos aí identificados, e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre erros na liquidação.
O entendimento subscrito quanto à ausência, no caso, de substituição tributária prejudica amplamente a atribuição de relevância à repercussão económica deste tributo (e a questão da retroactividade “interpretativa”, dada a inconstitucionalidade, prejudica o alcance da respectiva requalificação como “repercussão legal”).
Se assim não fosse, poderíamos admitir que, tendo havido repercussão plena, e provando-se essa repercussão plena (ou não se ilidindo uma eventual presunção de repercussão plena), fossem os repercutidos a ter legitimidade para impugnar os actos que concretizassem a repercussão, ou os actos que a antecedessem (através dos arts. 18º, 4, a), 54º, 2, 65º e 95º, 1 da LGT, e 9º, 1 e 4 do CPPT): pois, num caso desses, apenas o repercutido seria afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo, e o substituto só teria legitimidade na medida em que não tivesse repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade (por analogia com o estabelecido no art. 132º do CPPT) – podendo haver concorrência de legitimidades, a reclamar a solução do litisconsórcio necessário, embora não pela via da intervenção provocada (arts. 33º e 316º, 1 do CPC), que não se afigura admissível no contencioso arbitral tributário, na medida em que a intervenção em processos arbitrais, dada a natureza destes, estará restrita a duas hipóteses: a apresentação voluntária ou um requerimento de intervenção espontânea.
Sem esquecermos, de novo, que o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (art. 9º, 1 e 4 do CPPT). No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E o art. 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.
Não se tratando, no caso presente, de sujeito passivo originário, mas de mero “repercutido económico”, coloca-se, em relação à Requerente, a questão de saber se se constituiu uma relação jurídico-tributária com o credor tributário Estado; podendo, quando muito, fazer-se apelo à noção de “interesse legalmente protegido” para conferir à Requerente uma legitimidade, via arts. 9º, 1 e 4 do CPPT e 18º, 3 da LGT.
No entanto, afigura-se claro que a CSR não constituía, à data dos factos, um caso de repercussão legal: a Lei n.º 55/2007, que instituiu a CSR, não contemplava qualquer mecanismo de repercussão legal, e nem sequer de repercussão meramente económica – ainda que se saiba que, dado o seu escopo lucrativo, as empresas tendem a repassar para os adquirentes, através dos preços, uma parte dos gastos em que incorrem, incluindo entre eles, mas não exclusivamente, os gastos tributários.
É verdade que, como repetidamente temos referido, entretanto a repercussão legal veio a ser associada ao ISP e à CSR, por força da nova redacção do CIEC introduzida pela Lei n.º 24-E/2022, com uma pretensão de retroactividade, acrescentada pelo facto de se atribuir natureza interpretativa a essa nova redacção do art. 2º do CIEC (art. 6º da Lei nº 24-E/2022).
Só que, por um lado, essa solução é problemática, não apenas porque não parece que seja possível ou juridicamente admissível uma retroactividade desse género, e através desse artifício (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021, Proc. nº 843/19), mas também porque uma tal solução lança a AT para os domínios de uma contradição flagrante na abordagem processual deste tema – como se verá adiante.
Por outro lado, essa nova “repercussão legal”, se fosse válida, surgiria desacompanhada de meios de controlo e prova que permitissem a sua gestão e a dissuasão de abusos, como por exemplo ocorre com a repercussão legal prevista no art. 37º do CIVA, que, essa sim, surge acompanhada de mecanismos adequados para esses efeitos (começando pela obrigatória discriminação do IVA na facturação).
Seja como for, insistamos: mesmo que tivesse ocorrido repercussão plena da CSR, mesmo que se tivesse provado essa repercussão plena, mesmo que se excluíssem efeitos da CSR sobre o volume de vendas da Requerente independentemente da repercussão, a ponto de ficar estabelecido que o encargo do tributo foi completa e rigorosamente transferido da Requerente para as suas contrapartes, ainda assim a legitimidade procedimental e processual destas últimas dependeria, em primeiro lugar, da demonstração de um interesse legalmente protegido, nos termos e para os efeitos do art. 9º do CPPT; e dependeria ainda, consequentemente, da demonstração de que estas foram os consumidores finais de combustíveis sobre os quais recai, ou deve recair, o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo – ou seja, da demonstração de que estas últimas, por sua vez, não constituíram um simples elo intermédio do circuito económico, ou seja, não repercutiram economicamente a jusante, elas próprias, a CSR “embutida” no preço, repassando o encargo económico do tributo para a sua própria clientela.
Ou seja, mesmo a ter havido repercussão, devidamente comprovada, isto não retiraria parcialmente aos sujeitos passivos “repercutentes” legitimidade processual, nem a atribuiria aos “repercutidos”, a menos que estes demonstrassem, para adquirirem legitimidade concorrente e residual:
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a existência de um interesse directo e legalmente protegido na sua esfera – não bastando a invocação e comprovação, pelos repercutidos, da existência de uma repercussão, fosse ela legal, fosse ela meramente económica;
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a ausência de repercussão a jusante no circuito económico, pelos próprios repercutidos, através do preço de bens e serviços entregues ou prestados à sua clientela.
Mas nunca retiraria completamente aos sujeitos passivos a sua legitimidade processual, visto que – insista-se – não ocorria na CSR, à data dos factos, repercussão legal[1].
A complicar este raciocínio está o facto de a Lei n.º 55/2007 não fazer qualquer referência a quem deve suportar, do ponto de vista económico, o encargo da CSR, mas apenas estabelecer, no seu art. 5º, 1, que “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”.
Ou seja, como assinalado antes, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, não remetendo, o referido art. 5º, 1, para o art. 2º do CIEC, no qual se prevê a repercussão legal nos IEC, mas somente para as normas do CIEC que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
Mas compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura dessa legitimidade suscitaria:
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quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão económica e a determinação do seu quantum;
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quer no potencial de multiplicação de devoluções de imposto indevido – simultaneamente ao sujeito passivo e aos múltiplos repercutidos económicos dentro da cadeia de valor – de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
Sobre esta segunda consequência, não podemos deixar de referir advertências formuladas recentemente:
“o parque automóvel português é composto por 6,5 milhões de veículos ligeiros, a que acrescem 500 mil veículos pesados, num total de cerca de 7 milhões de veículos em circulação. [§] Se, por hipótese, admitirmos que cada automobilista fará, relativamente à CSR, um “pedido de revisão do ato de liquidação” e considerando que podem ser revistos os atos de liquidação relativos aos últimos quatro anos, temos que este contencioso poderá somar 28 milhões de processos!”[2]
A ter havido um qualquer grau de repercussão económica, nada impede os repercutidos, não obstante a sua ilegitimidade activa no presente Processo, de buscarem o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra a Requerente, seja nos termos gerais do Direito nacional, seja, a nível europeu, nos termos declarados pelo TJUE em Acórdão de 20 de Outubro de 2011 (Proc. C-94/10, Danfoss A/S (§§ 24 a 29) – preservando-se, por qualquer das vias, o princípio fundamental da tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da CRP).
Não esqueçamos que, a ter havido verdadeira repercussão, mesmo repercussão plena, entre o terceiro repercutido e o Estado credor (o sujeito activo), não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do imposto, não nascendo a sua obrigação da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga a faculdade de repercutir, que cabe ao sujeito passivo, e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo, quando este exerça aquela faculdade.
Daqui decorre que as relações entre o sujeito passivo e qualquer repercutido se regem pelo Direito Privado – uma razão suplementar, para lá do que consta dos arts. 2º a 4º do RJAT, para se sustentar a incompetência do Tribunal arbitral para se envolver na ponderação dessas relações “repercutente - repercutido”, e respectivas implicações – isto, não obstante dever enfatizar-se que a circunstância de o repercutido estar à margem da relação jurídica tributária não significa que ele esteja à margem do Direito, e não lhe assista alguma protecção, ainda que num plano subalterno face à tutela reservada aos sujeitos passivos (como resulta do disposto na LGT – por exemplo, do art. 18º, 4, a), em casos de repercussão legal – ou do art. 9º, 1 do CPPT, mediante prova de “interesse legalmente protegido”).
Não consta do RJAT a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, como previsto no art. 29º, 1, do RJAT, em concreto, e de acordo com a natureza dos casos omissos, das normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.
A regra geral do direito processual, que consta do art. 30º do CPC, é a de que é parte legítima quem tem “interesse directo” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida” – sendo a mesma regra reproduzida no processo administrativo, conferindo-se legitimidade activa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (art. 9º, 1 do CPTA).
A legitimidade no processo decorre do conceito central de “relação material”, que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um acto tributário, cujo sujeito passivo é delimitado nos termos do art. 18º, 3 da LGT.
Deste preceito resulta que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade do repercutido só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido.
No art. 5º, 1 da Lei n.º 55/2007, como referimos já, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, nem sequer no art. 3º, 1, quando estabeleceu que a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis” – sendo ainda que, como referimos também, a remissão para o CIEC, na Lei n.º 55/2007, é expressamente circunscrita aos procedimentos de “liquidação, cobrança e pagamento”.
De tudo isto decorre que compete à AT demonstrar, nos procedimentos administrativos ou nas acções instauradas pelos sujeitos passivos da CSR, que se verificou a repercussão efectiva e completa do imposto sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional para, desse modo, evitar um reembolso do imposto indevidamente liquidado que redundasse em enriquecimento sem causa de sujeitos passivos “repercutentes”, e na possibilidade de um duplo reembolso do imposto – que ocorreria se, na ausência de litisconsórcio, os repercutidos lograssem demandar com sucesso a AT para tutela do “interesse legalmente protegido” de não serem o suporte fáctico do encargo económico de um tributo indevido, porque ilegal.
É pelo facto de os sujeitos passivos da CSR serem partes inequivocamente legítimas que, nos casos em que os Requerentes não têm essa qualidade de sujeitos passivos, invocando a de “repercutidos”, a AT tem reagido com a invocação do litisconsórcio necessário, suscitando o incidente de intervenção provocada – que, como vimos, deve entender-se excluída do âmbito dos processos arbitrais –, mas deixando claro que, no entender da AT, sem a intervenção dos sujeitos passivos, dada a própria natureza da relação jurídica, a decisão a proferir não produzirá o seu efeito útil normal, deixando de ser possível a composição definitiva dos interesses em causa (art. 33º, 2 do CPC).
Isto, sem embargo de poder discordar-se da pertinência da invocação de litisconsórcio necessário, impondo-se a constatação de que as entidades repercutentes e repercutidas têm diferentes interesses em demandar, e quanto a elas não se verifica qualquer dos critérios legais que justificam o litisconsórcio necessário.
Há mais uma diferença entre sujeitos passivos e terceiros “repercutidos” que não podemos deixar de mencionar, em apoio da ilegitimidade processual dos repercutidos, como a ora Requerente: tem sido comum que a AT invoque, nos processos referentes à CSR, a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral. A AT tem tido esta reacção habitualmente, e teve-a no presente processo, depois de notificada e antes da constituição do tribunal arbitral, tendo o CAAD, invariavelmente, remetido a ponderação de um tal incidente à competência do próprio tribunal arbitral a constituir, o qual deve apreciá-la como questão prévia, prejudicial da pronúncia sobre o mérito.
A razão para a AT suscitar essa questão está claramente ligada ao problema que mencionámos: pode ser impraticável fazer prova de quais são os actos de liquidação específicos dos quais derivam, a jusante, cada uma das transacções que, após a introdução no consumo, acarretam a repercussão económica por meio da incorporação do tributo nos preços – sendo portanto razoável admitir-se que, por um conjunto de circunstâncias, os repercutidos não reúnam condições para identificar os actos de liquidação, de modo a poderem solicitar a respectiva revisão.
Daí que, no presente processo, a AT tenha seguido por esse caminho: não sendo a Requerente o próprio sujeito passivo da relação tributária, quem declarou os produtos para consumo, a quem foi liquidado o imposto, e quem efectuou o correspondente pagamento, a Requerente não está em condições de proceder a uma identificação completa, e documentada, dos actos de liquidação específicos que ela pretende impugnar: por exemplo, relacionando os DIC com as facturas das vendas de combustível, e com as liquidações que sobre eles recaíram.
Já assinalámos a entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (Altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262).
O art. 3º dessa Lei dá nova redacção ao art. 2º do Código dos IEC:
“(…) Os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.”
E o art. 6º dessa Lei nº 24-E/2022 estabelece o seguinte:
“A redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC tem natureza interpretativa.”
O tema, há muito controvertido, das leis interpretativas na lei fiscal permite dois caminhos para uma tal lei:
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o de tornar certo direito que era incerto, aclarando ou declarando direito preexistente, preenchendo alguma lacuna, caso em que temos uma retroactividade puramente formal;
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o de modificar direito preexistente e certo, intervindo em disputas doutrinárias ou jurisprudenciais, violando expectativas quanto à continuidade desse direito preexistente, colidindo com prerrogativas jurisdicionais, caso em que temos retroactividade material.
Deste modo, leis e normas autodeclaradas como interpretativas, mas que sejam inovadoras, são materialmente retroactivas.
Ora, como lapidarmente se estabelece no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021, Proc. nº 843/19,
“a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição”.
Fica juridicamente vedada a inferência de que, sendo esta uma norma de aplicação retroactiva, o ISP, e com a ele a CSR, é, e foi, sempre repercutido nos consumidores.
Pode encarar-se a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, somente como um reconhecimento da invalidação da CSR pelo TJUE, e a consequente ilegalidade da CSR – e daí a abolição da CSR através da sua “reincorporação” no ISP, consumada naquele diploma.
Uma leitura possível do art. 6º da Lei nº 24-E/2022 é a de que a repercussão dos IEC nos consumidores é um efeito legal, ou seja, passa a presumir-se “iuris et de iure” que a repercussão é inerente à tributação especial do consumo – dada a retroacção propiciada por essa norma interpretativa: só que essa leitura do art. 6º da Lei nº 24-E/2022 é inconstitucional, como resulta claramente do supracitado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021.
Além disso, mesmo que essa leitura não fosse inconstitucional, ainda assim ficariam por satisfazer alguns dos critérios estabelecidos no despacho de 7 de Fevereiro de 2022 do TJUE: nomeadamente, ficaria por realizar-se a comprovação da repercussão efectiva da CSR nos consumidores através da subida de preços; e, por implicação, a comprovação da medida efectiva do enriquecimento sem causa, se este existisse e pudesse ser provado.
Adicionalmente, e em observância da jurisprudência do TJUE (Acórdão Weber’s Wine World, Proc. nº C-147/01, Ponto nº 95), faltaria ainda uma norma interna que permitisse à Requerida fazer uso da excepção do enriquecimento sem causa para afastar o direito ao reembolso de um imposto cobrado em violação do Direito Europeu, norma essa que encontramos no Código do IVA, mas que não se encontra no Código dos IEC – uma razão adicional para não se poder excepcionar ao reembolso, aos sujeitos passivos, da CSR indevida, porque uma tal atitude de “excepção sem lei” constituiria violação do princípio da legalidade tributária consagrado no art. 103.º da CRP.
Esta a questão jurídica em torno do tema da retroactividade, cuja solução destrói os propósitos do expediente de recurso a normas “interpretativas” para resolver um problema jurídico, e interferir na adjudicação judicial e arbitral de interesses em processos já em curso.
Só que aqui se revela, adicionalmente, uma incongruência, que convirá referir, por imperativo de justiça.
Lembremos o esforço de prevenção da duplicação de reembolsos, seja fazendo convergir o direito ao reembolso com o direito à revisão, seja lançando-se mão da figura do litisconsórcio necessário, sempre que se trate de pedidos de pronúncia apresentados por operadores económicos que não sejam os sujeitos passivos da relação tributária, invocando somente a condição de “repercutidos”.
Se não fosse essa prevenção, se se admitisse que a invocação de ilegalidade de liquidações de CSR assentes nas DIC apresentadas pelas fornecedoras de combustíveis pudesse alastrar irrestritamente àqueles que invocassem a repercussão dessas liquidações, então seria difícil evitar a duplicação, ou multiplicação, de reembolsos, e um eventual locupletamento repartido entre repercutentes e repercutidos, passando a fazer todo o sentido as advertências antes transcritas.
Outra forma de reagir é a que acabámos de classificar como inconstitucional – a introdução retroactiva de uma “repercussão legal” como forma de travar indiscriminadamente os reembolsos aos sujeitos passivos – com o efeito colateral de alimentar, ou incrementar, as pretensões dos “repercutidos”.
E há ainda a forma incongruente de reagir a esse perigo, e que consiste em, ao mesmo tempo:
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invocar a repercussão contra os próprios sujeitos passivos da CSR, alegando que, tendo ocorrido essa repercussão, esses sujeitos enriqueceriam sem causa se lhes fosse reembolsado o tributo;
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não reconhecer legitimidade activa aos repercutidos, independentemente da comprovação de uma repercussão económica completa, invocando o litisconsórcio necessário com os repercutentes, insistindo no chamamento à demanda destes sujeitos passivos.
Desta combinação de reacções – insistir na repercussão e depois negar-lhe efeitos – pode resultar um obstáculo importante à possibilidade de duplicação de reembolsos, mas resulta também uma atitude incongruente, claramente incongruente, da Requerida, a AT.
Pode, com efeito, admitir-se que a AT insista em demarcar um círculo estrito de legitimidade activa – nomeadamente assumindo que apenas os sujeitos passivos que declararam a introdução dos produtos para consumo, e efectuaram o pagamento do imposto, podem solicitar a anulação das liquidações e o reembolso por erro na liquidação.
Mas não pode admitir-se que a AT, esgrimindo o argumento da repercussão – o mesmo argumento que recusa aos repercutidos – procure furtar-se a reembolsar o imposto, seja aos sujeitos passivos que pagaram o imposto, seja aos repercutidos sobre os quais tenha comprovadamente recaído, seja parte, seja a totalidade, do suporte económico daquele pagamento.
Negando-se injustificadamente a reembolsar um imposto ilegal, será o Estado a locupletar-se, sem causa, com receitas tributárias indevidas.
Impõe-se reconhecer que, não obstante o apoio de princípio que é concedido por lei à posição dos repercutidos, posto que residual, o simples ónus probatório que sobre eles recai pode ser muito oneroso, a ponto de se revelar impraticável – bastando pensarmos que as repercussões são eventuais efeitos de transacções que ocorrem após a introdução no consumo, a jusante dos sujeitos passivos na relação de imposto, independentemente do número de clientes ou de intervenientes na cadeia de abastecimento e comercialização, pelo que cada uma dessas transacções não tem que ter por base um acto de liquidação específico, o que pode inviabilizar, completa e definitivamente, a identificação, em concreto, do acto tributário que lhe está subjacente.
É razoável, assim, o argumento de que somente o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo, a quem foi liquidado o imposto e que efectuou o correspondente pagamento, reúne condições para identificar, com facilidade e segurança, os actos de liquidação, para solicitar a respectiva revisão com vista ao reembolso dos montantes cobrados – sendo que essa informação escapa, em princípio (salvo contraprova), aos repercutidos a jusante dessas entidades responsáveis pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR – mais ainda quando, como no caso vertente, há intermediários (quantos?) entre o sujeito passivo e a “repercutida” Requerente.
O que é reprovável, e causa perplexidade, é a dualidade de critérios, e a evidente incongruência da argumentação, que podemos formular ainda de outro modo:
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Nos processos arbitrais em que sejam Requerentes os sujeitos passivos, a AT defende a ilegitimidade processual deles, na medida em que, alega, o encargo da CSR é, na verdade, suportado pelo consumidor dos combustíveis.
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Nos processos arbitrais em que sejam Requerentes os consumidores finais dos combustíveis, a AT sustenta que estes não têm legitimidade, por não serem os sujeitos passivos do tributo, reclamando-se a presença, no processo, desses sujeitos passivos “repercutentes”.
Quando, na verdade, e como ficou estabelecido no Despacho do TJUE proferido no Proc. nº C-460/21, o reembolso duplicado, ou multiplicado, é evitado pela prova, ou falta de prova, da repercussão: se não tiver havido repercussão ou ela não for provada, só o sujeito passivo tem direito ao reembolso; se tiver havido repercussão completa, e esta for provada, e não existirem efeitos comprovados ao nível de “volume de vendas”, só o repercutido terá direito ao reembolso; e o reembolso será parcial, e reverterá exclusivamente para o sujeito passivo, em caso de ter havido, e ser comprovada, uma repercussão parcial:
“(…) um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido.” [§ 42]
Em suma, não havia – nem há, porque seria inconstitucional – uma repercussão legal de CSR.
Mas, mesmo que houvesse, ela não poderia sobrepor-se à exigência de comprovação da repercussão, lapidarmente estabelecida pelo TJUE no despacho proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no Proc. C-460/21, tendo por objecto um pedido de decisão prejudicial apresentado no âmbito do processo n.º 564/2020-T:
“A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas” (§39) (sublinhado nosso)
Para o caso de subsistirem dúvidas quanto à existência de “repercussões legais” ou de “repercussões presumidas”, o mesmo despacho de 7 de Fevereiro de 2022 do TJUE conclui lapidarmente:
“O Direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros (…)”
Vale a pena transcrever alguma da fundamentação do despacho, que esclarece plenamente a irrelevância, para o direito da União, de “repercussões legais”, ou de “repercussões presumidas”, mesmo quando elas existam no direito interno dos Estados-membros:
“43. Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo.
44. Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos.
45. Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção.
46. O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão.
47. Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.”
Daqui decorre, novamente em consonância com o decidido pelo TJUE, que o Estado não pode recusar a restituição do imposto com fundamento numa presunção de repercussão do mesmo, e consequente enriquecimento sem causa do sujeito passivo.
Não havendo prova concreta de efectiva repercussão, e de repercussão plena, do imposto, mas meros juízos presuntivos, e não havendo prova de que a repercussão que tenha existido não tenha redundado numa quebra de vendas e de receitas dos sujeitos passivos e demais “repercutentes” a montante da Requerente, e que portanto a restituição redunde necessariamente em enriquecimento sem causa dos sujeitos passivos, não existe fundamento para recusar aos sujeitos passivos o reembolso do imposto indevidamente pago, sendo essa a consequência natural da declaração de ilegalidade das liquidações.
Assim, independentemente de haver, ou não, “repercussão legal”, ou “repercussão presumida” na lei portuguesa – que já vimos não ter havido quanto à CSR, nem à data dos factos, nem posteriormente –, as pretensões da Requerente só valeriam, nos termos do direito da União, se tivesse sido feita prova de uma repercussão total e efectiva da CSR sobre terceiros, consumada a partir das primeira transacções dos sujeitos passivos com a respectiva clientela a jusante, e adicionalmente a prova de que a Requerente é consumidor final (isto é, sem a possibilidade de também ela repercutir o tributo); e de que o reembolso da CSR paga não constituiria um efectivo enriquecimento sem causa dos “repercutentes” ou dos “repercutidos”.
Resta acrescentar, secundando o TJUE, que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo, e mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, e o grau em que o foi, o respectivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas: pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto.
No caso, nem sequer se identificam os sujeitos passivos, pelo que está ausente qualquer prova de que as margens de lucro deles não se reduziram no período em análise, ou a prova de que o volume de vendas dos distintos produtos não sofreu uma redução no mesmo período – para se apurar se o requisito do enriquecimento sem causa, exigido pelo Direito da União, se verifica, ou não – voltando a sublinhar-se que a repercussão do imposto, seja ela legal ou económica, não é, só por si, suficiente para alicerçar a excepção de enriquecimento sem causa.
V.C. A matéria de excepção.
Temos a encarar as seguintes questões:
-
A excepção da ineptidão da petição inicial (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter como objecto actos de liquidação que não são sequer identificados, e a Requerente arguir, em vez disso, a impugnação de actos de repercussão).
-
A excepção de intempestividade (por efeito da ineptidão no respeitante à determinação dos prazos).
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A excepção de ilegitimidade processual da Requerente (pelo facto de a Requerente não ser sujeito passivo da relação tributária, suscitando o incidente da Intervenção Provocada do sujeito passivo).
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A excepção da incompetência relativa do Tribunal em razão da matéria (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter como objecto actos de liquidação de um tributo qualificável como “contribuição financeira”).
-
A excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da causa de pedir (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter por objeto a apreciação em abstracto da legalidade da CSR, e não a mera anulação de actos de liquidação da CSR).
Sendo, como é óbvio, que a procedência de qualquer destas excepções prejudicará o conhecimento das demais.
V.C.1. A excepção da ineptidão da petição inicial (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter como objecto actos de liquidação que não são sequer identificados, e a Requerente arguir, em vez disso, a impugnação de actos de repercussão).
Mesmo que a questão não tivesse sido suscitada, a ineptidão da petição inicial é de conhecimento oficioso, nos termos do art. 196º do CPC (aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
Mas o facto é que a Requerida invocou a excepção da ineptidão da petição inicial, por entender que a não-identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral compromete irremediavelmente a finalidade da petição inicial, dada a violação do art. 10º, 2, b) do RJAT:
“Artigo 10.º (Pedido de constituição de tribunal arbitral)
(…)
2 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via electrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:
(…)
b) A identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral;
(…)”
Podendo invocar-se igualmente o art. 78º do CPTE (aplicável ex vi art. 29º, 1, c) do RJAT):
“Artigo 78.º (Requisitos da petição inicial)
(…)
2 - Na petição inicial, deduzida por forma articulada, deve o autor:
(…)
e) Identificar o ato jurídico impugnado, quando seja o caso;
f) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação;
(…)”
Sendo que a Requerente não só não identifica esses actos, nem os verdadeiros sujeitos passivos (que afinal não eram os seus imediatos “repercutentes”), como não os comprova, apresentando facturas que a Requerente julga servirem somente como prova de um repercussão que ela própria entende, erradamente, ser uma repercussão legal, e, logo, presumida.
Ficando, por isso, por estabelecer qualquer conexão entre aquilo que a Requerente alega e aquilo que documentou – uma omissão agravada pela circunstância de as repercussões não terem necessária conexão com uma única introdução no consumo, não podendo estabelecer-se, entre liquidações e repercussões de IEC, quaisquer relações biunívocas.
Vimos que a Requerente alegou que fizera a identificação que lhe competia (embora não assuma o erro de ter indicado as suas fornecedoras como sujeitos passivos), sustentando, no pressuposto (igualmente errado) da existência de “repercussão legal”, e de uma relação “causal” entre liquidação e repercussão, que a mera entrega de facturas, a documentar as transacções, bastaria como prova da repercussão da CSR.
Reconhecendo que não comprovara a liquidação, alega não só a sua condição de mera repercutida, mas também que o objecto primordial do pedido de pronúncia são os actos de liquidação, para concluir ainda que, dada a natureza “legal” ou “presumida” da repercussão, caberia à AT fazer a prova das liquidações, nas quais esta tivera intervenção directa.
A Requerente envolve, nesta distribuição de ónus de prova que decorre do seu entendimento peculiar sobre a natureza da repercussão, o próprio direito da União, entendendo que a insistência na produção de prova a onerar a Requerente violaria o princípio da efectividade, na medida em que tornaria excessivamente oneroso o exercício de um direito que lhe assiste.
Como concluímos no final das “considerações prévias” relativas à detecção de uma contradição no pedido, verifica-se, manifestamente, quer uma margem de ininteligibilidade na indicação do pedido, quer uma contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Quanto à margem de ininteligibilidade – que se reporta ao facto de ficarmos sem saber se o que se pretende é a anulação de liquidações, se a de repercussões – vimos que ela poderia ser eventualmente sanada nos termos do art. 186º, 3 do CPC (aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT), na medida em que a Requerida foi respondendo às questões suscitadas sem se deixar enredar nesse impasse relativo à definição do objecto imediato da acção, apenas realçando as insuficiências probatórias emergentes de tal indefinição de objecto.
Mas também referimos que será mais difícil sanar a contradição entre o pedido e a causa de pedir:
-
o pedido, formalmente, é a anulação das liquidações e do indeferimento tácito da revisão dessas liquidações – e é-o formalmente, porque é assim que está inicialmente formulado o pedido de pronúncia.
-
a causa de pedir é a repercussão de um tributo tido por inválido, por desconformidade desse tributo com o Direito da União, para efeitos de reembolso do que foi repercutido – isto, relativamente a um tributo cuja liquidação não se provou, por se assentar na ideia errada de que vigorava para esse tributo um regime de repercussão legal, e de que, de um tal regime, decorria que a repercussão pudesse ser presumida, seja no seu quid, seja no seu quantum, permitindo inferir, da ilegalidade das liquidações, a ilegalidade das repercussões, fosse qual fosse o nexo entre liquidações e repercussões.
Na verdade, esta contradição é fatal para o prosseguimento da acção, porque este tribunal pode pronunciar-se sobre a legalidade de liquidações, que são actos tributários, mas não pode pronunciar-se sobre a legalidade de fenómenos de repercussão económica, que não são actos tributários: pelo que o pedido poderia ser apreciado por este tribunal, mas não com uma tal causa de pedir.
A causa de pedir, além de existir e de ser inteligível, deve estar em conformidade com o pedido, formando com a qualificação jurídica as premissas que constituem o corolário da pretensão formulada[3].
A contradição entre pedido e causa de pedir torna procedente a excepção de ineptidão da petição inicial, nos termos do art. 186º, 2, b) do CPC (aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT):
“Artigo 186.º (Ineptidão da petição inicial)
1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2 - Diz-se inepta a petição:
(…)
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
(…)”
Por causa do entendimento que erradamente perfilhou sobre a natureza da repercussão da CSR, a Requerente procedeu a uma identificação errónea de quem foram os sujeitos passivos, criando, com isso, um lapso insuprível, mesmo através de prova oferecida pela AT: sem se saber quem foram os sujeitos passivos de ISP e CSR na origem da cadeia de distribuição de combustíveis, como identificar a documentação relevante? Como fazer a prova de liquidação à qual o próprio direito da União obriga, removendo presunções que pudessem prejudicar a legitimidade activa dos sujeitos passivos?
Como, em suma, satisfazer o pedido a partir de uma causa de pedir ostensivamente contraditória com ele, incompatível com ele, à luz do direito português e do direito europeu?
A deficiência na formulação da causa de pedir, e na sua articulação com o pedido, verifica-se quando falte totalmente a indicação dos factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo concedentes do direito em causa. E é isso que determina a nulidade do processo.
E não se diga que a Requerente fez referência às liquidações de CSR da melhor forma que podia: pelo contrário, desvalorizou-as, entendendo-as presumidas, e não carecidas de prova sua, por força de um regime legal que supôs ser o vigente.
Não cabendo a este tribunal emitir juízos de equidade (art. 2º, 2 do RJAT), não terão aqui cabimento considerações sobre a desculpabilidade de um tal erro de direito, ou se um tal erro pode, ou não, aproveitar a quem o cometeu.
A procedência da excepção de ineptidão da petição inicial determina a nulidade de todo o processo (art. 186º, 1 do CPC).
Trata-se de uma excepção dilatória (art. 577º, b) do CPC), que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância – não obstando, portanto, que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto (arts. 278º, 1, b) e 2, 279º e 576º, 2 do CPC).
V.D – Aplicação uniforme do Direito.
Na fundamentação da decisão, e em obediência ao princípio geral consagrado no art. 8º, 3 do Código Civil, seguimos de perto as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.os 564/2020-T, 304/2022-T, 305/2022-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T, 296/2023-T, 298/2023-T, 332/2023-T, 374/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 409/2023-T, 410/2023-T, 465/2023-T, 486/2023-T, 490/2023-T, 523/2023-T e 534/2023-T, todos do CAAD[4].
V.E – Questões prejudicadas.
Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, pela ordem disposta pelo art. 124º do CPPT, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT.
VI. Decisão
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Declarar nulo o processo, por ineptidão da petição inicial;
-
Absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira;
-
Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 120.698,96 (cento e vinte mil, seiscentos e noventa e oito euros e noventa e seis cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, 1, a), do RJAT e art.º 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VIII. Custas
Custas no montante de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros) a cargo da Requerente (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).
Lisboa, 20 de Março de 2024
Os Árbitros
Fernando Araújo
Jesuíno Alcântara Martins
Rui Miguel Sousa Simões Fernandes Marrana
[1] A jurisprudência do STA já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tinha legitimidade para impugnar a respectiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (cfr. Acórdão de 1 de Outubro de 2003, Proc. n.º 0956/03).
[3] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta & Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I- Parte Geral e Ação Declarativa, 2ª ed., p. 232.
[4] Processos n.os 564/2020-T (Carlos Fernandes Cadilha, Elisabete Louro Martins, Arlindo José Francisco), 304/2022-T (Nuno Cunha Rodrigues, Nina Aguiar, António de Melo Gonçalves), 305/2022-T (Manuel Macaísta Malheiros, Luís Menezes Leitão, Jesuíno Alcântara Martins), 644/2022-T (Fernando Araújo, Nina Aguiar, Francisco Carvalho Furtado), 665/2022-T (Regina de Almeida Monteiro, Alberto Amorim Pereira, António Manuel Melo Gonçalves), 702/2022-T (Fernando Araújo, Catarina Belim, António A. Franco), 24/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Raquel Franco, Nina Aguiar), 113/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Sílvia Oliveira, Eva Dias Costa), 294/2023-T (Jorge Lopes de Sousa, Fernando Miranda Ferreira, Catarina Belim), 296/2023-T (Victor Calvete, Luís Menezes Leitão, Marcolino Pisão Pedreiro), 298/2023-T (José Poças Falcão, Maria Alexandra Mesquita, António A. Franco), 332/2023-T (Victor Calvete, José Nunes Barata, João Menezes Leitão), 374/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Magda Feliciano, Pedro Miguel Bastos Rosado), 375/2023-T (Alexandra Coelho Martins, Miguel Patrício, Maria do Rosário Anjos), 408/2023-T (Alexandra Coelho Martins, Tomás Cantista Tavares, Marcolino Pisão Pedreiro), 409/2023-T (Victor Calvete, Marisa Isabel Almeida Araújo, Ana Rita do Livramento Chacim), 410/2023-T (Jorge Lopes de Sousa, Sílvia Oliveira, Marta Vicente), 465/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Rui Marrana, António Franco), 486/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Maria Alexandra Mesquita, António Franco), 490/2023-T (Victor Calvete, Hélder Faustino, Amândio Silva), 523/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, João Taborda da Gama, Miguel Patrício), 534/2023-T (Sílvia Oliveira).
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