Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 352/2023-T
Data da decisão: 2024-03-06  ISV  
Valor do pedido: € 2.236,87
Tema: Imposto sobre Veículos. Taxa reduzida para veículos híbridos. Momento em que ocorre o facto gerador do imposto. Autonomia em modo elétrico.
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SUMÁRIO:

  1. Para que a admissão em território nacional de veículo sujeito a matrícula em Portugal (art.º 5º, nº 1 do CISV) seja tributada pela taxa reduzida de 25% prevista na al. d) do nº 1 do art.º 8º do CISV, é necessário, além de outros critérios, que o veículo em causa tenha uma “autonomia mínima, no modo elétrico”, de 50 km.
  2. A previsão do nº 1 do art.º 5º – “Constitui facto gerador do imposto [a] (...) admissão (...) dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal” - conjugada com a previsão da al. d) do nº 1 do art.º 8º do CISV  – “(...) automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO(índice 2)/km. –  forma uma norma de incidência objetiva, plenamente abrangida pelo princípio da tipicidade fiscal, consagrada no art.º 103, nº 2 da Constituição Portuguesa. Como tal, a administração tributária não pode acrescentar-lhe elementos que não se encontrem previstos na lei tributária, nomeadamente quanto ao modo técnico como é medida a “autonomia no modo elétrico”.
  3. Para a medição da “autonomia no modo elétrico”, a lei tributária não torna obrigatório um método técnico particular, pelo que tanto é admissível o método denominado “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado” (New European Driving Cycle) ou abreviadamente “NEDC”, como o método denominado “Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros” (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure), ou abreviadamente “WLTP”.

 

DECISÃO ARBITRAL

I. RELATÓRIO

A... LDA. contribuinte nº ..., com sede na Av. ..., Porto, , doravante designada por “Requerente”, apresentou, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, da alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à anulação parcial da liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) nº 2023/..., da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz.

É requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Requerida”, “Autoridade Tributária” ou simplesmente “AT”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 12-05-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 05-07-2023, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 25-07-2023.

A Requerente baseia a sua pretensão nos seguintes argumentos, sinteticamente apresentados:

  • O veículo reúne todos os requisitos para lhe poder ser aplicada a taxa de imposto reduzida prevista no art.º 8º, n.º 1, al. d) do Código do ISV;
  • A Requerida não considerou assim, tendo concluído que a autonomia da bateria é inferior a 50 Km, pelo que a liquidação é ilegal.

Notificada para o efeito, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta no prazo estabelecido, contestando o pedido apresentado pela Requerente por exceção e por impugnação, com base, em síntese, nos seguintes argumentos:

 

  1. Por exceção
  • A Requerente, ao arguir a ilegalidade da liquidação de ISV com fundamento na não aplicação da redução de taxa prevista na al. d) do nº 1 do art.º 8.º do CISV, a qual redução constitui um benefício fiscal, pede ao tribunal arbitral que reconheça um benefício fiscal;
  • Tal pedido não pode, face à lei, ser submetido a arbitragem tributária, pois o processo arbitral não abrange a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato da liquidação, pelo que o tribunal arbitral é incompetente para julgar a questão que lhe está a ser submetida.

 

  1. Por impugnação
  • Decorre do estatuído na alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º do CISV que os veículos terão de apresentar, para efeitos de concessão e usufruto daquele benefício, cumulativamente, uma autonomia de bateria no modo elétrico igual ou superior a 50 km e emissões de CO2 inferiores a 50 g/km;
  • Estes parâmetros são balizados consoante o sistema de testes a que os veículos forem sujeitos para efeitos de homologação técnica, que poderão ser realizados ao abrigo do “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado” (New European Driving Cycle - NEDC) ou ao abrigo do sistema de testes WLTP, conforme decorre da alínea a) do n.º 1, do artigo 4.º do CISV;
  • O veículo em causa não reúne os requisitos cumulativos previstos na alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º do CISV, nomeadamente no que se refere à autonomia mínima no modo elétrico de 50 km, pois que possui uma autonomia de 48 Km;
  • Embora o veículo possua emissões de CO2 WLTP inferiores a 50 g/km, observando nessa medida o requisito estabelecido na supracitada alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º, o mesmo não sucede quanto ao requisito da autonomia no modo elétrico, uma vez que, de acordo com o campo 49.5.2 dos respetivos COC, o valor é inferior a 50km, não podendo, por esse facto, ter aplicabilidade a tributação do veículo pela taxa intermédia de 25% prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV;
  • O alegado pela Requerente de que o veículo em causa possui uma autonomia no modo elétrico superior a 50 Km não poderá ser aceite, uma vez que o veículo em apreço ficou sujeito aos testes realizados ao abrigo do Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros (“Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure – WLTP), como aliás é referido no pedido de constituição de tribunal arbitral, e não realizados ao abrigo dos testes NEDC, do qual, a Requerente retira indevidamente a autonomia no modo elétrico de 52 km, no ponto/campo 49.2 do COC;
  • No âmbito do procedimento inspetivo constatou-se que as declarações (DAV) apresentavam um erro evidente, pois no campo relativo à autonomia da bateria não constava a informação correta (afastando-se a presunção prevista no n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária), tal como indicada nos certificados de conformidade, sendo que constitui obrigação do sujeito passivo o preenchimento da DAV de acordo com os documentos de suporte à mesma, exigidos pelo artigo 20.º, n.º 2, do CISV.

Por despacho de 01.11.2023, foi a Requerente notificada para, querendo, se pronunciar quanto à matéria de exceção suscitada pela AT.

Em 14.11.2023 a Requerente apresentou requerimento em que se pronunciou sobre tal matéria, dizendo, em síntese:

  •  O que a Requerente impugna no presente pedido arbitral é a legalidade da liquidação de ISV feita pela AT, por a mesma não ter sido efetuada por aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV;
  • o Tribunal Arbitral deverá restringir-se à aplicação da verificação da legalidade/ilegalidade da liquidação de imposto - alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, pelo que não se verifica a exceção de incompetência material do Tribunal.

Além de se pronunciar sobre a matéria de exceção, no seu requerimento, o Requerente veio ainda pronunciar-se sobre matéria da defesa por impugnação constante da resposta da Requerida, nos seguintes termos:

  • A questão da sucessão de leis no tempo é absolutamente essencial para os presentes autos, dado que a data da primeira matrícula do veículo não é coincidente com a data da matrícula atribuída em Portugal;
  • O veículo em apreço nos autos tem data da primeira matrícula em 2019, na Alemanha, e é esta a data relevante para aplicação do facto gerador de imposto;
  • Assim, entende a Requerente que será de aplicar aos presentes autos a redação aprovada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, dado que a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro apenas entrou em vigor em 2021;
  • Assim sendo, e dispondo o artigo 8.º do CISV, na redação dada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, que se aplica uma taxa intermédia de 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros, o que se verifica in casu, terá o pedido de ser totalmente procedente.

Por despacho de 04.01.2024, o Tribunal Arbitral, considerando que não estava requerida prova adicional para além da incorporada no processo, nem se afigurava necessária a produção de outra prova, tendo em conta que as posições das partes se encontravam bem definidas nesta fase do processo, e ainda em vista dos princípios da celeridade, da economia processual e da proibição da prática de atos processuais inúteis, propôs a prescindência da reunião do Tribunal com as Partes a que se refere o art.º 18º do RJAT bem de uma fase de alegações finais, tendo as Partes anuído tacitamente à proposta de tramitação do Tribunal.

Por despacho de 04.01.2024, o Tribunal convidou a Autoridade Tributária a pronunciar-se sobre a questão nova, relativa à aplicação temporal da lei de imposto, suscitada pelo Requerente, no seu requerimento de 14.11.2023.

A Autoridade Tributário não se pronunciou.

 

II. SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é materialmente competente, à luz do disposto no nº 1, al. a) do art.º 2.º do RJAT, uma vez que está em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

A cumulação de pedidos é admissível à luz do art.º 104º, nºs 1 e 2 do CPPT, aplicável ao processo tributário por força do art.º 29º, nº 1, al. a) do RJAT.

Na sua resposta, a Requerida suscita a questão da incompetência do Tribunal em razão da matéria, à qual cabe responder neste momento.

Alega a AT que, indicando a Requerente, como fundamento da alegada ilegalidade da liquidação, a aplicabilidade da taxa reduzida prevista no art.º 8º, n.º 1, al. d) do Código do ISV, e consubstanciando esta taxa reduzida um benefício fiscal, então a Requerente pede ao tribunal que reconheça e aplique um benefício fiscal ao caso da Requerente.

No entender da Requerente, o reconhecimento de benefícios fiscais não cabe na competência dos tribunais arbitrais tributários, atendendo ao disposto no art.º 2º nº 1 do RJAT.

Com efeito, o reconhecimento de benefícios fiscais não cabe na competência dos tribunais arbitrais, pois, nos termos do citado art.º 2º, nº 1 do RJAT, esta competência abrange apenas as pretensões que visem:

“a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;”

Contudo:

Em primeiro lugar, seria sempre discutível se a taxa reduzida prevista no art.º 8º, n.º 1, al. d) do ISV é, realmente, um benefício fiscal. A sustentar-se que o ISV é um imposto assente no princípio da equivalência, a taxa reduzida em função das menores emissões de CO2 dos veículos não  seria necessariamente um benefício fiscal, mas sim uma decorrência direta do princípio da equivalência. Mas não se cuidará desta questão neste momento, por se considerar não ser decisiva.

Tanto os tribunais arbitrais como os tribunais administrativos superiores têm considerado que o que é relevante para aferir a competência do tribunal arbitral em matéria tributária é que a pretensão do requerente se inclua numa das duas possibilidades previstas no art.º 2º do RJAT.

Assim, no acórdão do TCA-S de 05-11-2015 (proc. 08133/14, relator Jorge Cortês), diz-se:

 “Sem embargo, a invocação de que está em causa nos autos questão relativa ao reconhecimento de benefício fiscal não preclude a competência do tribunal arbitral para dirimir o litígio em referência, porquanto a pretensão in judicio tem em vista a anulação das liquidações de IMI em causa, com base na sua ilegalidade, integrando a causa de pedir a invocação da existência de benefício fiscal, associado aos prédios em apreço. A lei não restringe os fundamentos na base dos quais é formulado o pedido de anulação das liquidações em causa, com vista à delimitação da competência material do tribunal arbitral. Donde resulta que a asserção contida na decisão em apreço da vigência de benefício fiscal que obsta à tributação em causa corresponde à aplicação do parâmetro de legalidade, tarefa que foi atribuída por lei (artigo 2.º/2, do RJAT) aos tribunais arbitrais. Não existe, pois, excesso de pronúncia por parte da decisão arbitral impugnada (artigo 28.º/1/c), do RJAT).”

O mesmo se diz no acórdão de 09.06.2016 (proc. 09156/15, relatora Lurdes Toscano). E também os tribunais arbitrais se têm pronunciado no mesmo sentido, do que é exemplo a decisão citada pela Requerente (proc. 382/2022-T, de 15.11.2022).

Com efeito, ainda quando o regime cuja aplicação é pedida consubstanciasse indubitavelmente um benefício fiscal, nada impediria que a sua não aplicação fosse invocada como fundamento da ilegalidade da liquidação. O que é o que se verifica no caso vertente, não se verificando, pois, a exceção de incompetência do tribunal (no mesmo sentido se pronunciaram, anteriormente, as decisões arbitrais proferidas nos processos nº 679/2022-T (decisão de 19.05.2022), e nº 350/2022-T (decisão de 31.01.2023)

Resolvida esta questão, o processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito do pedido.

 

III. QUESTÕES A APRECIAR

A única questão a apreciar no presente processo é a de saber se se verificam e estão provados os pressupostos para aplicação, ao caso dos autos, da taxa reduzida de ISV prevista no art.º 8º, nº 1, al. d) do Código do ISV.

No requerimento para pronúncia sobre a matéria de exceção, para a qual foi convidada, e tal como anteriormente já se referiu, a Requerente veio acrescentar que:

  • O veículo em apreço nos autos tem data da primeira matrícula em 2019, na Alemanha, e é esta a data relevante para aplicação do facto gerador de imposto;
  • Assim, entende a Requerente que será de aplicar aos presentes autos a redação aprovada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, dado que a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro apenas entrou em vigor em 2021;
  • Assim sendo, e dispondo o artigo 8.º do CISV, na redação dada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, que se aplica uma taxa intermédia de 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros, o que se verifica in casu, terá o pedido de ser totalmente procedente.

Vejamos então.

Na sua petição inicial, a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação com base na aplicabilidade (e no facto de não ter sido aplicada), ao seu caso, a taxa reduzida prevista na al. d) do nº 1 do art.º 8.º do CISV.

Na sua ótica, a taxa reduzida prevista na al. d) do nº 1 do art.º 8.º do CISV seria aplicável ao seu caso porque o veículo por si adquirido, cumpria todos os requisitos técnicos aí requeridos, incluindo a característica de uma autonomia mínima no modo elétrico de 50 km.

No requerimento posterior, a Requerente vem dizer que lhe deve ser aplicada a taxa reduzida prevista na al. d) do nº 1 do art.º 8.º do CISV, já não porque o veículo tenha uma autonomia no modo elétrico de 50 km, mas porque tem uma autonomia no modo elétrico superior a 25 km, sendo que norma do CISV em vigor em 2019 (que é no seu entender, a data relevante) exigia apenas uma autonomia de 25 km para se poder aplicar a taxa reduzida.

Ora, com esta adenda que faz no requerimento para pronúncia sobre a matéria de exceção, extravasando, aliás, o âmbito do convite feito pelo Tribunal, a Requerente reformula radicalmente a fundamentação jurídica do seu pedido, uma vez que invoca agora uma norma totalmente diferente.

Perante esta reformulação dos fundamentos do pedido, cumpre, antes de mais, indagar se estamos perante uma alteração da causa de pedir, efetuada pela Requerente neste seu requerimento. Pois, com efeito, por força do princípio da estabilidade da instância, consagrado no art.º 260.º do CPC (aplicável ao processo arbitral tributário por força da al. e) do art.º 29º do RJAT), o autor não pode alterar a causa de pedir, a não ser nos casos excecionais de réplica, que não cabe no processo arbitral, ou de acordo ou confissão do réu, que não se verificam nem se aplicam, ou de ou de factos supervenientes, que também não são invocados.

Quanto ao conceito de causa de pedir, como resulta do nº 4 do art.º 581º do CPC e como é tido como assente pela jurisprudência (Ac. STJ de 23.04.2013, proc. 188/20.4T8ADV.E1.S1, relator João Cura Mariano), ela é constituída pelos factos principais constitutivos da situação jurídica que o demandante pretende fazer valer como justificativa da pretensão deduzida, sendo a qualificação jurídica desses factos periférica à causa de pedir. Ou seja, as normas que são invocadas como fundamento da pretensão são periféricas à causa de pedir, não fazendo parte desta.

Nos presentes autos, na petição inicial, a causa de pedir é formada pelos seguintes elementos:

  1. A al. d) do nº 1 do art.º 8.º do CISV, na redação dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, prevê uma taxa reduzida de 25% para os veículos que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km; e
  2. O veículo por si introduzido no consumo tem uma autonomia no modo elétrico superior a 50 km.

No requerimento que fez a propósito da matéria de exceção, a Requerente reformula fundamentação jurídica que cauciona a causa de pedir, que passa a ser formada pelos seguintes elementos:

  1. Ao facto tributário, por o veículo ter tido a primeira matrícula, na Alemanha, em 2019, é aplicável a redação da al. d) do n.º 1 do art.º 8.º do CISV em vigor em 2019;
  2. Nos termos da norma em vigor nessa data, para que fosse aplicável a taxa reduzida de 25%, ao abrigo da al. d) do nº 1 do art.º 8º do CISV, era necessário que o veículo tivesse uma autonomia no modo elétrico de 25 km;
  3. O veículo introduzido tinha, à data, uma autonomia no modo elétrico superior a 25 km.
  4. Logo, o veículo, ou a sua introdução no consumo, deve beneficiar da taxa reduzida.

 

Analisada atentamente, verificamos que a Requerente não altera os factos em que alicerça o seu pedido. A Requerente alega que o veículo tem uma autonomia, segundo os documentos técnicos originais do veículo e segundo o certificado emitido pelo centro de inspeção técnica, de 52 km. Estes são os factos.

Na reformulação da fundamentação que faz no seu requerimento de 14.11.2023, a Requerente não altera estes factos. Na sua ótica, a autonomia do veículo no modo elétrico continua a ser de 52 km.

O que a Requerente altera é a norma legal que serve de fundamento jurídico (não fáctico) à sua pretensão. Na versão da petição inicial, a norma legal invocada é a al. d) do nº 1 do art.º 8º na redação em vigor em fevereiro de 2023 (data da introdução do veículo no território nacional); no requerimento posterior a norma legal invocada é a al. d) do nº 1 do art.º 8º na redação em vigor até 31 de dezembro de 2020.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

Factos considerados provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. No dia 24.02.2023 deu entrada em território nacional um veículo automóvel de passageiros usado, de marca Mercedes-Benz, modelo R1ES, com 1950cc de cilindrada, com chassi nº WDD... e com matrícula registada na Alemanha sob o nº ... (DAV nº 2023/..., junta ao processo);
  2. O veículo identificado em A é um veículo ligeiro de passageiros (DAV nº 2023/..., junta ao processo);
  3. O veículo, de acordo com o “certificado de conformidade CE” emitido pelo fabricante (Mercedes-Benz) e restante documentação técnica, está equipado com um motor híbrido “plug-in” elétrico e a combustível (certificado de conformidade CE (COC) junto ao processo pela Requerente, em versão original e em versão traduzida; e artigo 24 da Resposta da AT);
  4. Em 25.02.2023 foi apresentada na Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, a declaração aduaneira de veículos (DAV) nº 2023/..., para introdução do veículo no consumo;
  5. De acordo com o certificado de conformidade CE emitido pelo fabricante do veículo em causa, a autonomia do veículo no modo elétrico, foi medida com base em dois métodos:
  1. O método denominado 'Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado' (New European Driving Cycle), também designado abreviadamente NEDC;
  2. O método denominado 'Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros' (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure), também designado abreviadamente WLTP;
  1. Com base no método 'Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado' (New European Driving Cycle – NEDC, a autonomia do veículo em modo elétrico foi medida em 52 Km (ponto 49. 2 do Certificado);
  2. Com base no método WLTP, a autonomia do veículo em modo elétrico foi quantificada para dois parâmetros (ponto 5.2. do Certificado).
  1. Parâmetro “Equivalente Elétrico autonomia elétrica pura”; e
  2. Parâmetro “Equivalente Elétrico autonomia elétrica pura condições urbanas”.
  1. Com base no método WLTP, a autonomia do veículo em modo elétrico foi quantificada para o parâmetro “Equivalente Elétrico autonomia elétrica pura” em 46 quilómetros;
  2. Com base no método WLTP, a autonomia do veículo em modo elétrico foi quantificada para o parâmetro “Equivalente Elétrico autonomia elétrica pura condições urbanas” em 48 quilómetros;
  3. O cálculo do imposto foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos da tabela A do artigo 7º e tabela D do artigo 11 nº 1, do CISV, tendo sido aplicadas as taxas normais, previstas para os veículos ligeiros de passageiros usados de acordo com as características dos veículos. (Quadro R da DAV);
  4. O imposto liquidado com base na DAV foi de 2.982,49 €;
  5. O imposto foi pago em 25.02.2023 (DAV junta ao processo).

 

Os factos considerados provados foram-no com base na prova documental constante do processo, e ainda na omissão de contestação por cada uma das Partes dos factos invocados pela Parte contrária.

A tradução para Português do Certificado de Conformidade CE do veículo foi aceite pela AT (art.º 57º da Resposta).

 

V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

  1. Questão da legalidade das liquidações

 

A questão da legalidade ou ilegalidade da liquidação de ISV impugnada tem exclusivamente que ver com a aplicabilidade ou não aplicabilidade, ao facto tributário em causa, da taxa reduzida prevista na al. d) do nº 1 do art.º 8º do CISV.

A Autoridade Tributária considerou, na decisão de liquidação, não ser de aplicar a taxa reduzida prevista na al. d) do nº 1 do art.º 8º do CISV por o veículo em causa não possuir uma autonomia em modo elétrico igual ou superior a 50 quilómetros.

O sujeito passivo defende que:

  1. O veículo possui uma autonomia em modo elétrico superior a 50 quilómetros;
  2. A norma em vigor ao tempo do facto tributário apenas exigia, para a aplicação da taxa reduzida, uma autonomia em modo elétrico igual ou superior a 25 quilómetros.

O Código do Imposto sobre Veículos foi aprovado como anexo I à Lei nº 22-A/2007, de 29 de junho.

O artigo 7º do Código do Imposto sobre Veículos estabelecia as “taxas intermédias para automóveis”, sendo a seguinte a redação do seu nº 1:

Artigo 8.º

Taxas intermédias – automóveis

(Versão da Lei nº 22-A/2007, de 29 de junho)

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente a 50% do imposto resultante da aplicação da tabela A a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

a) Automóveis ligeiros de utilização mista, com peso bruto superior a 2500 kg, lotação mínima de sete lugares, incluindo o do condutor e que não apresentem tracção às quatro rodas, permanente ou adaptável;

b) Automóveis ligeiros de passageiros que utilizem exclusivamente como combustível gases de petróleo liquefeito (GPL) ou gás natural;

c) Automóveis ligeiros de passageiros que se apresentem equipados com motores híbridos, preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, quer de gás de petróleo liquefeito (GPL), gás natural, energia eléctrica ou solar, quer de gasolina ou gasóleo.

(...).

 

Esta versão da al. c) do nº 1 do art.º 8º do CISV manteve-se em vigor até à entrada em vigor da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2015. Passou então a ser a seguinte a redação de todo o nº 1 do art.º 8º do CISV.

Artigo 8.º
Taxas intermédias – automóveis

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:
a) 60 /prct., aos automóveis ligeiros de passageiros que se apresentem equipados com motores híbridos, preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, quer de energia elétrica ou solar quer de gasolina ou de gasóleo;
b) 50 /prct., aos automóveis ligeiros de utilização mista, com peso bruto superior a 2500 kg, lotação mínima de sete lugares, incluindo o do condutor, e que não apresentem tração às quatro rodas, permanente ou adaptável;

c) 40 /prct., aos automóveis ligeiros de passageiros que utilizem exclusivamente como combustível gases de petróleo liquefeito (GPL) ou gás natural;

d) 25 /prct., aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros.

 

Esta redação, nomeadamente da al. d) que é a que agora nos interessa, entrou em vigor, como já se disse, em 1 de janeiro de 2015, e manteve-se em vigor até à entrada em vigor da Lei nº 75-B/2020, de 13 de dezembro, com a qual o nº 1 do art.º 8º passou a ter a seguinte redação:

 

Artigo 8.º
Taxas intermédias – automóveis


1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:
a) 60 /prct., aos automóveis ligeiros de passageiros que se apresentem equipados com motores híbridos, preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, quer de energia elétrica ou solar quer de gasolina ou de gasóleo, desde que apresentem uma autonomia em modo elétrico superior a 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO(índice 2)/km;
b) 40 /prct., aos automóveis ligeiros de utilização mista, com peso bruto superior a 2500 kg, lotação mínima de sete lugares, incluindo o do condutor, e que não apresentem tração às quatro rodas, permanente ou adaptável;
c) 40 /prct., aos automóveis ligeiros de passageiros que utilizem exclusivamente como combustível gás natural;
d) 25 /prct., aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 g CO (índice 2)/km.

 

A Lei nº 75-B/2020, de 13 de dezembro entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2021 (de acordo com o seu art.º 445º).

Deste modo, considerando um automóvel ligeiro de passageiros, equipado com um motor híbrido plug-in, com bateria carregável através de ligação à rede elétrica, com uma autonomia em modo elétrico igual ou superior a 25 quilómetros, mas inferior a 50 quilómetros e emissões oficiais iguais ou superiores a 50 g CO (índice 2)/km:

  1. Se a sua introdução no consumo, nos termos do art.º 17º do CISV, se deu até ao dia 31 de dezembro de 2020, este facto beneficiaria da taxa intermédia de 25% prevista na al. d) do art.º 8º do CISV;
  2. Se a sua introdução no consumo, nos termos do art.º 17º do CISV, se deu após o dia 31 de dezembro de 2020, este facto não beneficiaria da taxa intermédia de 25% prevista na al. d) do art.º 8º do CISV

Torna-se assim evidente que, se o facto gerador da obrigação de imposto em causa ocorreu antes do dia 31 de dezembro de 2020, aplicar-se-lhe-á a taxa reduzida da al. d) do nº 1 art.º 8.º. Se o facto gerador da obrigação de imposto em causa ocorreu após o dia 31 de dezembro de 2020, não se lhe aplicará a taxa reduzida da al. d) do nº 1 art.º 8.º.

Questão que nos leva, pois, à identificação do facto gerador do imposto e à sua localização temporal.

Sobre esta questão, dispõe o art.º 5º do CISV, sob a epígrafe, precisamente, “Facto gerador”.

Artigo 5.º
Facto gerador

1 - Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.
2 - Constitui ainda facto gerador do imposto:
a) A atribuição de matrícula definitiva após o cancelamento voluntário da matrícula nacional feito com reembolso de imposto ou qualquer outra vantagem fiscal;
b) A transformação de veículo que implique a sua reclassificação fiscal numa categoria a que corresponda uma taxa de imposto mais elevada ou a sua inclusão na incidência do imposto, a mudança de chassis ou a alteração do motor de que resulte um aumento de cilindrada ou das emissões de dióxido de carbono ou partículas;
c) A cessação ou violação dos pressupostos da isenção de imposto ou o incumprimento dos condicionalismos que lhe estejam associados;
d) A permanência do veículo no território nacional em violação das obrigações previstas no presente código.
3 - Para efeitos do presente código entende-se por:
a) «Admissão», a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional;
b) «Importação», a entrada de um veículo originário de país terceiro em território nacional.
4 - Sem prejuízo das obrigações declarativas previstas nos artigos 18.º e 19.º, quando, à entrada em território nacional, os veículos tributáveis forem colocados em regime de suspensão de imposto, considera-se gerado o imposto no momento em que se produza a sua saída desse regime.

 

Da leitura do preceito conclui-se que, segundo a regra mais geral (nº 1) constituem factos geradores do imposto:  i) o fabrico, ii) a montagem, iii) a admissão ou iv) a importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.

Nos termos do nº 3 do mesmo preceito “admissão” é a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional. O veículo em causa, não se questiona, “entrou em território nacional”, vindo de outro Estado-membro da União Europeia em que se encontrava em livre prática. Temos, portanto, um elemento necessário para que se verifique o facto tributário “admissão”, nos termos do art.º 5º, nº 1 do CISV.

Falta, contudo, um segundo elemento necessário para que se verifique o facto tributário “admissão”, nos termos do art.º 5º, nº 1 do CISV: que, por esse facto, o veículo esteja obrigado à matrícula em Portugal (nº 1 do art.º 5º in fine).

Do art.º 17º, números 1 e 3 do CISV deduz-se os veículos obrigados à matrícula em Portugal estão também obrigados ao “processamento da DAV”, e estas duas obrigações verificam-se quando ocorre uma “introdução no consumo”, como se depreende da leitura das disposições em causa, que aqui se transcrevem.

 

Artigo 17.º
Obrigações declarativas


1 - A introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV).
2 - [Revogado].
3 - Para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros e pesados, os motociclos, os ciclomotores, os triciclos e os quadriciclos, ainda que excluídos do imposto, ficam sujeitos ao processamento da DAV.

 

Portanto, conclui-se, o veículo objeto de “admissão” (primeiro elemento do facto tributário), está obrigado a matrícula no território nacional (segundo elemento do facto tributário) quando “ocorra uma introdução no consumo”.

Sobre o que deva considerar-se uma “introdução no consumo”, o CISV não o diz claramente. Mas, no seu art.º 17º, nº 1 diz que “[A] introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV).”

Depreende-se, assim, que a introdução no consumo é um ato que deve ser formalizado através do procedimento de entrega de uma declaração aduaneira de veículos (DAV).

E o art.º 20º, no seu art.º 1, diz que “os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos (o que é o caso do Requerente) estão obrigados à apresentação da DAV nos prazos seguintes:

“a) No prazo máximo de 20 dias úteis, após a entrada do veículo tributável em território nacional ou após a ocorrência dos factos geradores previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º;

b) No prazo máximo de 10 dias úteis após o termo dos regimes de admissão ou importação temporária quando, findos estes regimes, o particular opte pela introdução no consumo.”

 

No caso vertente, não se verificam os factos previsto na al. b) do nº 2 do art.º 5º (transformação de veículo que implique a sua reclassificação fiscal numa categoria a que corresponda uma taxa de imposto mais elevada ou a sua inclusão na incidência do imposto, a mudança de chassis ou a alteração do motor de que resulte um aumento de cilindrada ou das emissões de dióxido de carbono ou partículas). Também não se verificam os regimes de admissão ou importação temporária. Resta-nos a “entrada do veículo tributável em território nacional”. E conjugando o disposto na al. a) do art.º 20º, que estabelece quando é que os factos relacionados com veículos estão obrigados à apresentação da DAV, com o disposto no art.º 17º que, como já vimos, diz que a “introdução no consumo” obriga à apresentação de DAV, conclui-se que a “admissão” de veículo para efeitos do art.º 5º (que já vimos ser a “entrada de veículo em território nacional”), constitui um facto gerador de imposto, pois esta determina a obrigação de matrícula no território nacional (por conjugação dos artigos 5º, nº 1; 17º, nºs 1 e 3; e 20º, nº 1, al. a)).

Portanto, em conclusão, a entrada de um veículo automóvel em território nacional, vindo de um Estado-Membro da União Europeia onde se encontre em livre prática, não se verificando as condições excecionais que fazem com que tal entrada não seja considerada uma “introdução no consumo” (como por exemplo a entrada provisória) é um facto gerador de imposto.

No caso vertente, o facto gerador do imposto - admissão do veículo automóvel em território nacional, vindo de um Estado-Membro da União Europeia onde se encontre em livre prática – ocorreu no dia 24.02.2023 (DAV junta pelo Requerente).

Não vemos, com o devido respeito, como, perante as normas que acabamos de descrever e analisar, se pode sustentar que, para efeitos de aplicação do Código do ISV, o facto gerador do imposto se verificou no momento em que o veículo entrou no consumo no Estado-membro da União Europeia de que é originário, se a lei do imposto diz expressamente que o facto gerador do imposto é a “admissão” em território nacional, e esta é a entrada do veículo em território nacional quando se possa considerar uma introdução no consumo.

Deste modo, a norma aplicável para efeitos de determinação de taxa e, nomeadamente, para efeitos de determinação da aplicabilidade da taxa intermédia prevista na al. d) do nº 1 do art.º 8º do CISV, há de ser a norma em vigor à data da admissão do veículo, o que corresponde à sua entrada em território nacional, e também à sua introdução no consumo.

Ora, como já vimos, o veículo em causa foi admitido no território nacional no dia 24.02.2023, sendo, pois, a norma em vigor nessa data a que deve ser tida em conta para aferir a aplicabilidade da taxa intermédia da al. d) do nº 1 do art.º 8º. E como vimos antes, a norma em vigor em 24.02.2023 era a correspondente à versão da Lei nº 75-B/2020, de 13 de dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2021 (de acordo com o seu art.º 445º) e que exigia para os automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, uma autonomia em modo elétrico, mínima, de 50 quilómetros, para a aplicação da taxa reduzida da al. d) do nº 1 do art.º 8º.

Chegados a este ponto, torna-se necessário analisar a questão do método de medição relevante para aferir os critérios de que depende a norma, nomeadamente o número de quilómetros de autonomia em modo elétrico.

Ora, sobre esta questão, diz a Autoridade Tributária que os parâmetros referidos na al. d) do nº 1 do art.º 8º do CISV são “balizados consoante o sistema de testes a que os veículos forem sujeitos para efeitos de homologação técnica, que poderão ser realizados ao abrigo do “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado” (New European Driving Cycle - NEDC) ou ao abrigo do sistema de testes WLTP, conforme decorre da alínea a) do n.º 1, do artigo 4.º do CISV.”

É a seguinte a redação do art.º 4º:

 

Artigo 4.º

Base tributável

1 - O imposto sobre veículos possui natureza específica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constantes do respectivo certificado de conformidade:

a) Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, tributados pela tabela A, a cilindrada, o nível de emissão de partículas, quando aplicável, e o nível de emissão de dióxido de carbono (CO(índice 2)) relativo ao ciclo combinado de ensaios resultante dos testes realizados ao abrigo do 'Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado' (New European Driving Cycle - NEDC) ou ao abrigo do 'Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros' (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP), consoante o sistema de testes a que o veículo foi sujeito para efeitos da sua homologação técnica;

b) Quanto aos automóveis ligeiros de mercadorias e de utilização mista (...);

c) Quanto aos veículos fabricados antes de 1970 (...).

2 – (...)

3 – (...).

4 – (...)

 

De acordo com a al. a) do nº 1, os elementos que integram a base de incidência do imposto, para os veículos ligeiros de passageiros, são:

  1. A cilindrada;
  2. O nível de emissão de partículas; e
  3. O nível de emissão de dióxido de carbono (CO(índice 2))

 

O art.º 4º do CISV refere dois métodos de avaliação:

  • Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado' (New European Driving Cycle - NEDC)
  • 'Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros' (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP

Ora, os métodos de medição indicados apenas se aplicam obrigatoriamente, interpretando literalmente a al. a) do nº 1 do art.º 4º, à medição das emissões de dióxido de carbono (CO (índice 2)), que diz “resultante dos testes realizados ao abrigo do 'Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado' (New European Driving Cycle - NEDC) ou ao abrigo do 'Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros' (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP) (...). O termo resultante, no singular, refere-se apenas a nível de emissão de dióxido de carbono.

Para a medição da autonomia do veículo em modo elétrico, o Código do ISV não impõe a utilização de nenhum método específico.

Ora, sendo a autonomia do veículo em modo elétrico um elemento objetivo do facto tributário que se encontra previsto na al. d) do nº 1 do art.º 8º do CISV, esta disposição tem que ser vista como parte da norma de incidência tributária em que o veículo se enquadra, que se encontra, como tal, abrangida pelo princípio da tipicidade, consagrado no art.º 103º, nº 2 da CRP (DOURADO, A. P., Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2015, p. 145). O que significa que a Administração Tributária não pode à norma de incidência relativa aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica, aditar-lhe que estes devem ter uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km “medida de acordo com o métodoNovo Ciclo de Condução Europeu Normalizado’ (New European Driving Cycle — NEDC) ou ao abrigo do ‘Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros’ (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure — WLTP)”. Este elemento não faz parte da norma legal de incidência.

Mas ainda que assim não fosse, argumentando ex abundantia, ainda assim a Autoridade Tributária não teria razão por outro motivo. É que, de acordo com a al. a) do nº 1 do art.º 4º, os métodos (aplicáveis apenas, segundo a lei, à medição do CO2) são dois:

  • Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado' (New European Driving Cycle - NEDC)
  • 'Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros' (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure – WLTP)

Os dois seriam, se fossem obrigatoriamente aplicáveis – que não são – à medição da autonomia em modo elétrico, admissíveis.

Ora, de acordo com o certificado de conformidade CE (COC), a autonomia do veículo em modo elétrico foi medida de acordo com os dois métodos indicados na norma.

De acordo com o método “Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure – WLTP”, a autonomia do veículo em modo elétrico foi medida em (ponto 5.2. do Certificado).

  • 46 km para o parâmetro “Equivalente Elétrico autonomia elétrica pura”; e
  • 48 Km para o parâmetro “Equivalente Elétrico autonomia elétrica pura condições urbanas”.

Mas de acordo com o método 'Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado' (New European Driving Cycle – NEDC, a autonomia do veículo em modo elétrico foi medida em 52 Km (ponto 49. 2 do Certificado.

Assim, de acordo com um dos métodos admitidos de acordo com a al. d) do nº 1 do art.º 8º, ainda seria possível concluir que o veículo cumpre o requisito de uma autonomia em modo elétrico igual ou superior a 50 Km.

O que nos conduz à conclusão de que o veículo em causa cumpre todos os requisitos para ser tributado pela taxa reduzida de 25% estabelecida na al. d) do nº 1 do art.º 8º do CISV.

 

 

  1. Juros indemnizatórios

 

Concomitantemente com o seu pedido de anulação parcial do ato de liquidação, pede ainda a Requerente ao Tribunal a condenação da AT à restituição do imposto indevidamente pago e ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

Quanto à restituição do imposto indevidamente pago, a Requerente tem direito a ela, nos termos do art.º 100.º, n.º 1 da LGT, que determina que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”.

O dever de restituição do imposto indevidamente pago aparecerá inevitavelmente ligado à decisão arbitral que anule o ato de liquidação, por força da alínea b) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT, em cujos termos a administração tributária fica vinculada, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Quanto ao direito a juros indemnizatórios correspondentes à prestação tributária indevidamente efetuada, determina o art.º 43.º da LGT, no seu n.º 1, que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

A expressão "erro imputável aos serviços" deve reconduzir-se a qualquer "ilegalidade" fundante da anulação, total ou parcial, do ato tributário. Neste sentido aponta o estipulado no já citado art.º 100º, n.º 1, da LGT, em conjugação com o artº 43.º, n.º 1 da mesma lei, em que se consagra, na lei ordinária, a teoria da reconstituição da situação atual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um ato tributário (vd. TCA-S, CT, 22-05-2019, proc. n.º 1770/12.9BELRS).

Por sua vez, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT, ao estipular que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral (Decisão arbitral CAAD n.º 678/2018-T, 27-05-2019).

Desta forma, há que concluir pela procedência do pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

VI. DECISÃO

 

Em vista de todo o exposto, decide-se julgar procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de Imposto sobre Veículos constante da Declaração Aduaneira de Veículos nº 2023/..., da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, por erro nos pressupostos de direito e de facto na aplicação da lei fiscal ao facto tributário.

O erro nos pressupostos de direito e de facto conduziu à incorreta aplicação, ao facto “admissão do veículo”, da taxa normal prevista na tabela A do artigo 7º e da tabela D do artigo 11º, nº 1, do CISV, quando deveria ter sido aplicada, ao invés, a al. d) do nº 1 do art.º 8º do CISV.

Deste modo, fica a liquidação anulada no montante correspondente à diferença de imposto resultante do erro:  2.236,87 euros.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

Nos termos do art. 97.º-A nº 1, al. a) do CPPT do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em 2.236,87 euros (dois mil, duzentos e trinta e seis euros e oitenta e sete cêntimos).

 

VIII. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612.00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida.

 

Notifiquem-se as Partes.

 

Porto, 06 de março de 2024

O Árbitro

 

(Nina Aguiar)