Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 609/2022-T
Data da decisão: 2024-03-31   Outros 
Valor do pedido: € 2.057,30
Tema: Adicional solidariedade setor bancário (ASSB) – Sucursal Financeira – Direito União Europeia, inconstitucionalidade e ilegalidades.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

  1. O Acórdão C-340/23 do TJUE definiu o critério interpretativo da violação do Direito Europeu, mas remeteu para o Tribunal nacional, a questão do apuramento da tela factual de existência (ou não) de identidade no regime jurídico do ASSB para as sucursais e para as sociedades residentes em Portugal.
  2. A liquidação de ASSB não viola o princípio da não discriminação da União Europeia, pois a base tributária da sucursal financeira em Portugal é idêntica às das instituições homólogas com residência em Portugal (cfr. Ac. STA, n.º 090/21.2BELRS, de 31/5/2023).
  3. A liquidação de ASSB não viola ao princípio da igualdade: na dimensão de generalidade, igualdade comparativa e respeito pela capacidade contributiva.
  4. A liquidação de ASSB não viola os princípios da não consignação e especificação, previstos, respetivamente, no art. 16.º e 17.º da Lei n.º 151/2015..

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O Árbitro singular, Tomás Cantista Tavares, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decide o seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A... SA – SUCURSAL EM PORTUGAL, NIPC..., com sede na ..., n.º ..., ... andar, Lisboa (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2022... e do ato de autoliquidação do adicional de solidariedade sobre o setor bancário (“ASSB”), com o n.º..., referente ao segundo semestre de 2020, no valor de 2.057,30€.

            2. O árbitro foi designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, que aceitou o cargo – e as partes, notificadas para o efeito, não manifestaram vontade de recusar a designação.

            3. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 27/12/2022. A requerida foi notificada para apresentar resposta, o que o fez, em tempo, por impugnação, juntando também o processo administrativo.

            4. Em 2/3/2023, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual se recolheu declaração de parte e foram inquiridas as testemunhas arroladas pelo autor. No final dessa sessão, o processo foi declarado suspenso, por despacho do tribunal, com a concordância das partes, por pender reenvio prejudicial, remetido pelo CAAD (proc. 502/2021-T) para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), relativo a questão homóloga à suscitada nos autos – e caso se efetuasse o reenvio deste processo, ocorreria a sua suspensão; e então, concordando as partes com a similitude do tema, suspendeu-se o processo, sem o enviar para o TJUE, por economia e simplicidade processual, o qual se retomaria assim que conhecida essa decisão do TJUE.

            5. Por Despacho de 11/1/2024, terminou a suspensão do processo: as partes foram notificadas para se pronunciarem, querendo, sobre a influência e repercussão, nos presentes autos, do Acórdão do TJUE no proc. C-340/22– o que fizeram ambas, com alegações claras e pormenorizadas. Perante isso, e dada a clareza dos articulados (e da prova produzida) quanto à argumentação das partes em relação às demais questões suscitadas – foram dispensadas as alegações antes da Sentença.

 

II. SANEAMENTO

 

            6. O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas. Não existem nulidade, exceções ou outros vícios ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

            7. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A requerente é a sucursal em Portugal do B..., SA, instituição de crédito de direito do Luxemburgo, com sede e efetiva administração nesse Estado da União Europeia.
  2. Enquanto sucursal portuguesa do B..., o Requerente viu-se sujeita ao pagamento do ASSB, referente ao segundo semestre de 2020
  3. O Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB de 2020, através da entrega da declaração Modelo 57, junta aos autos como documento nº 3 em anexo ao pedido arbitral, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
  4. Por discordar da autoliquidação efetuada, o Requerente apresentou tempestiva reclamação graciosa, indeferida, de forma expressa, pela AT (doc. 1 e 2 juntos com o requerimento inicial).
  5. Inconformado, o requerente deduziu a presente ação arbitral, solicitando a anulação da liquidação do ASSB e indeferimento da reclamação graciosa.

 

§2 – Factos não provados

  1. Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

§3 Fundamentação da Decisão de Facto

  1. O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. O Tribunal Arbitral não tem, contudo, um dever de se pronunciar quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

  1. O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame da prova documental produzida. Os depoimentos da parte e das testemunhas tornaram-se irrelevantes, por as questões serem essencialmente de direito, o que se tornou evidente após a decisão do TJUE no proc. C-340/2022. Até porque essa decisão judicial acaba por determinar o teor jurídico e factual do processo, com prevalência da prova documental e por interpretação do direito.

 

  1. Refira-se, por fim, que as partes concordam com a vertente quantitativa do facto tributário. A ser devido, o seu valor é o que foi pago na autoliquidação pela requerente, que não o contesta na reclamação graciosa e na presente arbitragem (na parte quantitativa, bem entendido); e o mesmo sucede em relação à requerida. A questão dos presentes autos é sobretudo ao nível do direito – da conformidade desta liquidação de ASSB com o direito da união Europeia e com o bloco de legalidade interno (por violação ou não da lei e da Constituição).

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

Síntese dos argumentos das partes

            12. No presente processo cumpre sindicar a legalidade da liquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB) que incide sobre o recorrente, relativa ao segundo semestre de 2020.

 

            13. No entender do Requerente, a liquidação impugnada (e indeferimento da reclamação graciosa) contém, em síntese, as seguintes ilegalidades:

  1. As normas que preveem a cobrança do ASSB violam a Lei de Enquadramento Orçamental, mais concretamente, o princípio geral da não-consignação de receitas, sendo que as receitas do ASSB são alocadas ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social («FEFSS»), e contra a especificação orçamental, não havendo qualquer referência específica ao ASSB na Lei do Orçamento do Estado para 2020.
  2. As normas do regime do ASSB são violadoras do princípio da igualdade quer seja qualificado como uma contribuição, quer seja qualificado como imposto, porquanto viola o princípio legal e constitucional da igualdade na vertente da capacidade contributiva, uma vez que a base de incidência objetiva do ASSB não se coaduna com as exigências constitucionais de adequação à capacidade contributiva dos sujeitos passivos.
  3. Viola o Direito Europeu, na vertente da liberdade de estabelecimento por discriminação das entidades não residentes que operam em Portugal através de uma sucursal. E, também, na vertente de violação da Diretiva 2014/59/UE, de 15 de maio de 2014 que harmoniza a tributação e resolução das instituições bancárias.
  1. A AT contesta estas posição, com base, em síntese, nos seguintes argumentos.

 

Não contesta a qualificação jurídica do ASSB como imposto – no seu entendimento trata-se de um tributo com a natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras. A partir deste pressuposto de base a AT desenvolve a sua alegação nos seguintes raciocínios:

  1. Não ocorre violação da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO);
  2. Não ocorre qualquer violação da Constituição da República. Considera a AT que a incidência do ASSB sobre o setor financeiro, foi introduzida no sistema fiscal português com o intuito de compensar a isenção de IVA de que este atualmente aproveita, permitindo enquadrá-lo no contexto das atuais dinâmicas políticas e legislativas no sentido de reforçar a tributação indireta do setor bancário, tais como a revisão das regras do IVA no setor financeiro, ou como os impostos sobre as atividades financeiras e os impostos sobre as transações financeiras. Acresce que, como já antes foi assinalado, a tributação indireta que em Portugal incide sobre o setor financeiro, através do Imposto do Selo, deixa de fora elementos relevantes da atividade das instituições de crédito, como as transações financeiras, sendo que as operações de financiamento das instituições de crédito no mercado interbancário estão também isentas do Imposto do Selo, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Quanto à alegada violação do princípio da capacidade contributiva, a AT contrapõe que o ASSB se enquadra na tipologia de imposto sobre atividades financeiras, assumindo assim a natureza de imposto indireto, sendo que a argumentação da Requerente não pode proceder. O ASSB tem como objetivo constituir um sucedâneo do IVA no setor financeiro, logo, a sua incidência dar-se-á sobre uma “manifestação mediata” de capacidade contributiva, que revela, indiretamente, a capacidade contributiva no estádio do consumo final. Alega, ainda, que o ASSB tem como objetivo compensar uma vantagem aferida em termos de carga fiscal global incidente sobre o setor das instituições de crédito associada à aplicação da isenção de IVA sobre um conjunto vasto de operações financeiras, que, como se viu, também são em, em certos casos, desoneradas do imposto do selo.

Em suma, do ponto de vista da Requerida, não só não houve qualquer arbitrariedade na criação do ASSB, como a sua configuração permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva que se propõe enquanto imposto que compensa a isenção do IVA nas operações financeiras, sendo também possível enquadrá-lo em experiências internacionais, algumas das quais, como a cooperação reforçada do FTT, em que o Estado português se encontra politicamente empenhado, pelo menos desde 2013, e que, de resto, propôs relançar durante a sua presidência do Conselho da UE, em 2021.

Entende, ainda, que não se verifica violação do princípio da igualdade, uma vez que a razão de ser da isenção de IVA aplicada genericamente aos serviços financeiros não decorre, como na generalidade das isenções de IVA, da prossecução de quaisquer objetivos de política económica, social ou ambiental, mas tão só da dificuldade em determinar o valor tributável em uma parte substancial das suas operações. Tratando-se de isenções incompletas, “não permitem a dedução do IVA suportado a montante nas aquisições de bens e serviços necessários à realização da atividade financeira”. Alega ainda que, quando o legislador decide atenuar ou eliminar uma delas, em particular quando tal isenção tem a sua razão de ser em limitações intrínsecas à mecânica do imposto (como é o caso da isenção de IVA nos serviços financeiros), o legislador está, na verdade, a repor igualdade.

  1. Entende por último que não ocorre qualquer violação do Direito da União Europeia, mesmo após o Acórdão do TJUE C-340/222, e tendo por base a recente jurisprudência do STA (Ac. 090/21.2BELRS, de 31/5/2023).

 

Conclui, pois, pela total improcedência do pedido e pela legalidade dos atos impugnados.

 

Ordem das questões a analisar

Na ordem das questões a analisar, segue-se o que dispõe o art. 124.º do CPPT: não se havendo suscitado questões que conduzam à nulidade, começar-se-á pela análise dos vícios cuja procedência, determine a mais eficaz e estável tutela dos interesses dos ofendidos; e só depois, os vícios apontados numa argumentação de subsidiariedade.

Nesse sentido, analisar-se-á primeiro o bloco de argumentos e tema sobre a compatibilidade do ASSB das sucursais financeiras em Portugal com o Direito da União Europeia; seguindo-se, a análise das eventuais inconstitucionalidades, por violação do princípio da igualdade, nas diversas dimensões apontadas pelo requerente; e por fim, as demais questões por ele suscitadas.

Impõe-se começar pela questão de violação ou não do direito da União Europeia, (i) por força do Princípio do Primado e (ii) por precedência jurídica e lógica: a proceder tal argumento, a Sentença arbitral já não teria que se debruçar sobre as inconstitucionalidade suscitados, por irrelevância; o subsequente recurso sobre a inconstitucionalidade (caso a Sentença decidisse sobre esse tema) seria meramente académico, dado que a sua procedência não teria qualquer efeito prático, já que o ato estaria sempre anulado, por violação do Direito da União Europeia. É este, aliás, o sentido da recente jurisprudência do Tribunal Constitucional (Ac. TC 651/2023, de 10/10/2023).

 

ASSB, Ac. TJUE C-340/22 e sucursais financeiras em Portugal de instituições de créditos da União Europeia

Como referido, o Ac. TJUE C-340/22 aborda questão similar à dos autos – e estipula duas coisas:

 

Primeira: “A Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.° 1093/2010 e (UE) n.° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução”

Esta disposição é clara e perentória e não ocorre assim qualquer violação da Diretiva 2014/59/UE como havia sido alegado pela requerente, segundo os argumentos e conclusões deste Acórdão do TJUE, que se dão aqui por reproduzidos – o que aliás, já nem foi argumentado pela requerente, nas suas alegações neste processo após a prolação do referido acórdão do TJUE.

 

Segunda: saber se ocorre violação da liberdade de estabelecimento (art. 49.º e 54.º do TFUE) se e quando na quantificação de um imposto, as entidades bancárias residentes em Portugal puderem deduzir à base de incidência do ASSB os valores dos (a) capitais próprios e (b) instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, mas tal for vedado às sucursais em Portugal de instituições bancárias residentes noutros Estados Membros, por carecerem de personalidade jurídica.

 

O TJUE definiu o critério interpretativo (que este Tribunal tem de aceitar), mas aceitou a questão factual, como lhe foi submetida – e “não compete ao Tribunal de Justiça verificar a sua exatidão” (ponto 33). Assumiu que as sucursais não podem deduzir os valores (a) capitais próprios e (b) instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios por não terem personalidade jurídica (nem capital social).

 

Todavia, esta questão factual de base é contestada pelas partes no processo arbitral – e isso ficou claro nas alegações das partes, na sequência da notícia do Ac. do TJUE, e fim da suspensão deste processo e concessão de prazo a ambas para se pronunciarem sobre o tema, em obediência ao contraditório.

Assim, a Sentença arbitral tem de julgar e decidir esta questão ex ante; a) verificar, com exatidão, se a incidência objetiva e a base tributária do ASSB é igual diferente ou igual (mais gravosa) para as sucursais financeiras face às entidades financeiras (bancárias residentes em Portugal); e só depois, perante o que aí concluir, é b) que aplica o ditame imposto pelo TJUE, se acaso considerar que existe diferença de tratamento entre o regime legal atribuído às sucursais financeiras face às demais instituições financeiras – ponto 44 do Ac. TJUE C-340/22.

 

Em relação a esta questão factual e prévia, o STA emitiu recente Acórdão (Ac. 090/21.2BELRS, de 31/5/2023), que vincula este tribunal arbitral, na sageza da argumentação e nos termos do art. 8.º, n.º 3, do CC, e que diz o seguinte: a Contribuição sobre o setor Bancário [CSB] (e também o ASSB, como se verá) sobre as sucursais financeiras não viola o Direito da União Europeia, na correta interpretação dos ditamos indicados pelo Ac. TJUE C-340/22.

O sumário é esclarecedor: As regras de incidência de determinação da base de incidência da Contribuição Sobre o Sector Bancário, consagradas nos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 121/2011, de 30-3 (na redação que lhes foi atribuída pela Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de junho) não violam a proibição de discriminação em razão da nacionalidade nem a liberdade de estabelecimento consagradas, respetivamente, nos artigos 18.º e 49.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

O STA decidiu esta questão factual e jurídica no que concerne à violação do Direito da União Europeia em relação às sucursais financeiras (Ac. STA n.º 090/21.2BELRS, de 31/5/2023). Fê-lo, é certo, em relação a outro tributo (CSB), mas os seus corolários são totalmente transponíveis para a ASSB, dada a total identidade do recorte da base de incidência em ambos os tributos (cfr. art. 3.º e 4.º da portaria 121/2011 e art. 3.º e 4.º do anexo IV da Lei n.º 27ª/2020).

 

O confronto entre os dois regimes demonstra claramente a identidade dos elementos essenciais dos dois tributos, para o que ao caso importa: em relação incidência objetiva e à quantificação da base de incidência (os negritos, sublinhados e maiúsculas são nossos).

 

CSB (art. 3.ºe 4.º da Portaria 121/2011)

ASSB (art. 3.º e 4.º do Anexo VI da Lei 27 A/2020

Art. 3.º Incidência objetiva

A contribuição sobre o sector bancário incide sobre:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido dos fundos próprios de base (tier 1) e complementares (tier 2) e dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos; [CFR ART. 4/2 A) DO ASSB]

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos

Art. 3.º Incidência objetiva

O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis […];
b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.

Art. 4.º quantificação da base de incidência

1 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:

a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;

b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;

c) Passivos por provisões;

d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;

e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e

f) Passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização.

2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, observam-se as regras seguintes:

a) O valor dos fundos próprios de base e dos fundos próprios complementares compreende os elementos positivos de qualquer uma dessas duas componentes, nos termos do Aviso do Banco de Portugal n.º 6/2010, de 30 de Dezembro, e que simultaneamente se enquadrem no conceito de passivo tal como definido no número anterior;

b) O valor dos fundos próprios complementares é determinado desconsiderando os limites de elegibilidade previstos no artigo 16.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 6/2010, de 30 de Dezembro;

c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos relevam apenas na medida do montante efectivamente coberto por esse Fundo.

3 - Para efeitos do disposto na alínea b) do artigo anterior, entende-se por instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com excepção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente.

Art. 4.º Quantificação da base de incidência

1 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:

a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;

b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;

c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos;

d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;

e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e

f) Passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, observam-se as regras seguintes:

a) O valor dos fundos próprios, incluindo os fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, compreende os elementos positivos que contam para o seu cálculo de acordo com o disposto na parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012, tendo em consideração as disposições transitórias previstas na parte X do mesmo Regulamento que, simultaneamente, se enquadrem no conceito de passivo tal como definido no número anterior;

b) Os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos.

3 - Para efeitos do disposto na alínea b) do artigo anterior, entende-se por instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente.
4 - A base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.

 

 

Ou seja, para o STA, as regras de incidência objetiva e da determinação da base de incidência da CSB não violam a proibição de discriminação em razão da nacionalidade, nem a liberdade de estabelecimento (art. 18.º e 49.º do TFUE) – por identidade de tratamento entre a base tributária das sucursais financeiras face às homólogas entidades residentes. O Supremo diz, em síntese, que as sucursais financeiras podem ter elementos que sejam reconhecidos como capitais próprios afetos pela casa mãe (Tier 1 e 2), pelo menos via rúbrica de “capital afeto”; e nada impede, além disso, que a sociedade-mãe aloque à sua sucursal em Portugal uma dotação de capital de base (“elementos do capital próprio”) registado em contas de capital próprio (Ac. STA n.º 090/21.2BELRS, de 31/5/2023 – e também, no mesmo sentido, o Ac. 0938/17.6BELRS, de 21/9/2022).

Esta jurisprudência do STA tem de se aplicar ao caso dos autos, dada a identidade da incidência objetiva e da quantificação da base de incidência – e por isso, a liquidação impugnada não viola o princípio da liberdade de estabelecimento (art. 49.º e 54.º do TFUE).

É certo, todavia, que a CSR diz respeito a uma contribuição financeira e o ASSB é um imposto sobre o setor bancário (como adiante se desenvolverá). Mas esta circunstância é irrelevante para a determinação ou não da violação do Direito da união Europeia – porque o Direito da União Europeia tem o mesmo raio de ação conformadora, na proibição de regras que violem os princípios dos tratados, no regime legal das sucursais financeiras e das sociedades bancária com sede ou direção efetiva em Portugal, quer os tributos sejam um imposto ou uma contribuição financeira. A contribuição financeira violaria a liberdade de estabelecimento se impusesse um regime assimétrico, mais gravoso, no apuramento da base de incidência da sucursal comparativamente com a sociedade bancária residente; e o mesmo, exatamente o mesmo, sucederia caso o tributo fosse um imposto, como o ASSB.

Em suma: a liquidação impugnada não viola os princípios gerais do direito da União Europeia: o ASSB não impõe um regime fiscal mais gravoso à sucursal financeira em Portugal, comparativamente com a incidência e base de incidência do ASSB das demais entidades financeiras e bancária residentes em Portugal.

 

Da Violação (ou não) da igualdade tributária

Ao que se percebe, a requerente faz reconduzir a violação da igualdade fiscal à dimensão da generalidade (universalidade dos impostos), igualdade comparativa e obrigatória incidência sobre manifestações económicas de riqueza.

Importa começar pela qualificação do ASSB: o ASSB é um verdadeiro imposto, sobre o consumo, com base indireta sobre essa manifestação de riqueza. As partes alegam que este tributo é um imposto e o tribunal concorda igualmente com essa qualificação. A sua natureza é intrinsecamente unilateral: não há qualquer correção, ainda que indireta ou presumida, entre a base de incidência e quaisquer prestações reais ou presumidas efetuadas aos sujeitos passivos. Nada disso. O tributo, como está desenhado, visa tributar a capacidade contributiva dos sujeitos passivos, num dever de cidadania, tendo por base uma riqueza, aferida, por um consumo, baseado na atividade das entidades bancárias (no mesmo sentido, Filipe Vasconcelos Fernandes, O (imposto) adicional de solidariedade sobre o setor bancário, AADFL, 2020, p. 96 e 97).

 

O IVA é um imposto geral (universal) sobre o consumo. Por regra, todas as realidades são sujeitas e abrangidas por esse imposto, cujo consumo só pode ser tributado na alçada desse imposto. A lei, consente, todavia, certas exceções. Uma delas, ao que agora importa, são as relativas a grande parte da atividade e operações do setor bancário, que estão isentas da IVA (art. 9.º, n.º 27, do CIVA).

Ora, o legislador nacional, com o ASSB, criou um imposto sobre o consumo para contrabalançar essa isenção de IVA, em parte já minorada via imposto de selo nas operações bancárias, de concessão de crédito e concessão de garantias, apesar das inúmeras isenções, (sobretudo no mercado interbancário [art. 7.º, nº 1, al. e), do CIS]).

O legislador tem ampla liberdade de conformação e criação de impostos, desde que respeitados os princípios constitucionais, nomeadamente a igualdade. Este princípio não pode ser convocado assim que se descortine uma qualquer diferença tributária. Só cobra conformação jurídica, quando não se descortinam razões de adequação, necessidade e proporcionalidade nessa distinção tributária.

No caso concreto, todas as instituições bancárias estão sujeitas ao ASSB, com idêntica base de incidência. É claro que é um imposto sobre um setor de atividade; mas não há aqui qualquer violação da igualdade: esse setor beneficia de um regime de isenção de IVA (e aí ninguém coloca em causa a igualdade, perante tal privilégio tributário); e o mesmo legislador que concedeu a isenção, pode retirar-lhe parte do benefício, ou por revogação total ou parcial do benefício fiscal, ou pela criação de um imposto sobre o consumo que atenue tal privilégio, em termos económicos. Não se vê assim qualquer violação da igualdade, na vertente da generalidade dos impostos. E o intérprete não pode sindicar a opção política do legislador de não ter querido mexer no regime do IVA e ter optado pela introdução de novo imposto (ASSB) com a mesma pretensão e efeito económico.

Daí, aliás, a previsão legal do art. 1.º, n.º 2, do anexo VI à Lei 27 A/2020: “O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”.

 

Em relação à dimensão de igualdade comparativa: não releva o facto de a incidência da ASSB não abranger outros setores de atividade também isentos de IVA, como por exemplo, a atividade de seguro e resseguro. A Constituição não exige um igualitarismo absoluto e confere ao legislador ordinário a liberdade política de prever discrepâncias tributárias justificadas, como sucede com o ASSB; e isso basta para o não juízo de inconstitucionalidade do ASSB. Aliás, em geral, todo o benefício fiscal provoca uma distorção da igualdade comparativa – e o seu aumento ou diminuição de espectro são todos legitimados constitucionalmente, na análise da força da razão extrafiscal associada, superior à da tributação que impedem. E aqui a força legitimadora é adequada, necessária e proporcionada: perante o COVID – e o travão na economia, com diminuição das receitas e aumento das despesas da Segurança Social, no coração da dimensão do Estado Social – o Estado decidiu legitimamente aumentar as receitas fiscais, via ASSB, imposto sobre o consumo do setor bancário, como forma de diminuir, em termos económicos, a isenção de IVA que beneficiam; já antes com incidência de selo sobre certas operações; e agora com este novo imposto.

 

O último segmento de violação da igualdade alegado pelo requerente, reporta-se à dimensão da capacidade contributiva: por pretensamente o ASSB não incidir sobre manifestação de riqueza económica efetiva, revelada por um rendimento, património ou consumo (art. 4.º, n.º 1, da LGT). Ou seja, por não cumprir as regras de capacidade contributiva dos impostos.

Mas não tem razão: o ASSB é um imposto indireto, sobre o consumo, que visa tributar as manifestações de capacidade contributiva impulsionada pelos fundos obtidos pelas instituições de crédito (depósitos, entre outros) e instrumentos financeiros derivados e tipificadas, na incidência sobre os saldos dessas rubricas contabilísticas.

O grosso da base de incidência do ASSB são os passivos das instituições de créditos (depósitos entre outras). Esse indicador é uma referência objetiva sobre a atividade dos bancos (depósitos, de concessão de crédito, prestação de garantias…) – ou seja, tem conexão com o seu nível de atividade, e que estão isentas de IVA. Algo de semelhante surge com os derivados: são uma fatia relevante das operações que, não sendo tributadas em IVA, sobre elas não incide qualquer tributação indireta.

Quer dizer: existe uma relação causal suficiente entre a tipificação legal e a manifestação de capacidade contributiva a tributar, legitimada, também, por razões de eficiência e simplificação na circunscrição do facto tributário. É certo que a lei poderia ter desenhado uma base tributável mais perfeita sobre o consumo; porém, e é isso que importa, o recorte legal ainda se conexiona com o iter tributário (os saldos contabilísticos em causa relacionam-se com a atividade e consumo dos sujeitos passivos) e razões de simplicidade determinam, outrossim, a construção da incidência objetiva (a análise dos saldos é um dado externo e objetivo que torna fácil o cumprimento da obrigação fiscal) – e isso basta para assegurar a adesão ao valor constitucional da capacidade contributiva, temperado ou moldado por razões de eficiência e simplicidade.

 

Fica, por fim, a questão da identidade da base de incidência entre a CSB e o ASSB: pode a mesma riqueza, ser desenhada como o alvo de dois tributos? Claro que sim: é uma opção do legislador, como legitimada em todos os impostos acessórios, com a natureza de adicionais e adicionamentos – em que se esculpe a incidência com identidade face ao tributo de base.

Questão mais específica e relevante é a de saber se a mesma riqueza pode servir, ao mesmo tempo, de base para um imposto (sobre o consumo) e para uma contribuição financeira. A resposta a esta questão tem de ser analisada na natureza do imposto e perante as especificidades do caso concreto; vai depender de como é apurada a base tributável de cada um desses tributos.

Tal dificilmente pode acontecer na tributação do rendimento, porque, por imposição constitucional, tem de incidir sobre a riqueza real (art. 104.º, n.º 2, da CRP), o que não consente, por regra, formas mais indiretas de apuramento do lucro, como relevado nas contribuições financeiras: assente na área consolidada dos hipermercados (taxa de segurança alimentar +) ou, no caso dos Bancos, no valor do passivo e instrumentos financeiros (contribuição sobre o setor bancário). A área do estabelecimento ou o valor dos passivos, por si, não permite aferir qualquer mínimo de adesão às vertentes negativas do rendimento, impostas pela constituição, como se tem de atender na construção do IRC.

Mas esta radicalidade não se verifica na tributação do consumo: a constituição não impõe uma tributação do consumo, com a obrigatória e inelutável dedução do imposto suportado a montante – e em que cada agente, apenas entrega o imposto sobre o valor acrescentado em cada cadeia produtiva, sendo o consumidor final que sofre a ablação económica do tributo. O art. 104.º, n.º 4, da CRP nada diz sobre isso. Do mesmo modo, a Diretiva do IVA consagra uma obrigação geral de tributação do consumo – e sobre o regime IVA; mas consente exceções a essa regra geral de incidência sobre o IVA: e em relação às exceções não impõe um tributo com a natureza intrínseca do IVA, mas podem existir impostos monofásicos (só numa fase da cadeia produtiva), sobre as vendas e não sobre o valor acrescentado – é o caso do imposto automóvel.

Por conseguinte, o ASSB é legítimo, enquanto imposto monofásico sobre o consumo na atividade bancária. O tema é saber se pode ser apurado de forma aproximada, não sobre prestações diretas de serviços bancários, mas sobre a sua atividade aferida, no essencial e de forma indireta, por valores de passivos. Ora, como referido, o ASSB é um imposto indireto, sobre o consumo, que visa tributar as manifestações de capacidade contributiva impulsionada pelos fundos obtidos pelas instituições de crédito e instrumentos financeiros derivados e tipificadas, na incidência sobre os saldos dessas rubricas contabilísticas. Há uma relação causal suficiente entre a tipificação legal e a manifestação de capacidade contributiva a tributar (a atividade bancária conecta-se com os fundos angariados); legitimada, também, por razões de eficiência e simplificação na circunscrição do facto tributário – é mais simples e eficiente esculpi-lo sobre um tributo já conhecido (CSR) do que efetuar todo um novo código sobre a base do consumo dos bancos. O recorte legal ainda se conexiona com o iter tributário (os saldos contabilísticos em causa relacionam-se com a atividade e consumo dos sujeitos passivos) e razões de simplicidade determinam, outrossim, a construção da incidência objetiva (a análise dos saldos é um dado externo e objetivo que torna fácil o cumprimento da obrigação fiscal). O vetor da justiça na tributação (tributação sobre o consumo) pode ser legitimamente comprimido, como no caso dos autos, por razões de praticabilidade e eficiência, numa lógica de adequação e proporcionalidade – facilidade dos agentes efetuarem a autoliquidação, sobre uma base indireta, mas conhecida e de fácil apuramento por parte dos sujeitos passivos, que já o conhecem para a CSB, com total diminuição dos custos de cumprimento e fiscalização de um novo tributo, que seria altamente complexo, na forma mais direta de apuramento do consumo.

Em suma: a liquidação impugnada não viola princípio da igualdade, nas dimensões elencadas pelo sujeito passivo neste processo.

 

Princípio da não consignação e princípio da especificação orçamental

A requerente indica que a liquidação impugnada não respeita o princípio orçamental da não consignação (art. 16.º, n.º 1, da Lei 151/2015), que indica que “não pode afetar-se o produto de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas” – e que o ASSB não o respeita, ao impor, no respetivo art. 9.º, que o produto dessa receita se destina (está consignado) à cobertura do Sistema da Segurança Social.

O ASSB foi concebido com o objetivo de reforçar o financiamento do sistema pública da Segurança Social, perante a imprevisão da epidemia do COVID, que retirou receitas inesperadas à Segurança Social e impeliu a aumento das respetivas despesas, em respeito da função social do Estado (evitar o colapso financeiro das famílias e da segurança social).

Ora, a afetação de receitas ao financiamento da segurança social, como é o caso, é uma das exceções ao princípio da não consignação (art. 16.º, n.º, 2, al. c), da Lei 151/2015). Logo, a liquidação impugnada não viola o princípio da não consignação.

 

A requerente invoca, por fim, que a liquidação impugnada não respeita o princípio da Especificação Orçamental (art. 17.º da Lei 151/2015) porque nos mapas orçamentais do Orçamento de Estado para 2020 e no Orçamento Suplementar para 2020 não há qualquer referência específica ao ASSB. Mas não tem razão.

O ASSB foi aprovado pelo Orçamento de Estado Suplementar de 2020 (art. 18.º da Lei 27 A/2020) cuja receita foi adscrita para suportar os custos da resposta à crise do COVID 19, através da sua consignação ao orçamento da Segurança Social.

Assim, a receita está autorizada e legitimada pelo Orçamento retificativo – e como mera previsão, como qualquer receita; e alocada ao orçamento da Segurança Social. O ASSB foi aprovado no seio de um orçamento de Estado retificativo, com o cumprimento de todas as exigências indicadas por esse princípio orçamental (art. 17.º e 42.º da Lei 151/2015). As receitas do ASSB constam do Orçamento da Segurança Social (Mapa X - Receitas e Mapa XI – Despesas), incluída, como mera estimativa, no Mapa X – Receitas da Segurança Social por Classificação Económica, rúbrica 06 – Transferências correntes – Estado, com valores muito superiores aos indicados no Orçamento de Estado para 2020.

 

V. DECISÃO

Termos em que se decide:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, absolver a Requerida do pedido.
  2. Condenar o Requerente no pagamento das custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.057,30.

 

VII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 612,00, a suportar pelo Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Porto, 31 de março de 2024

 

 

 

Tomás Cantista Tavares (árbitro singular)