SUMÁRIO:
É obrigatório o patrocínio por advogado nos processos de arbitragem tributária.
DECISÃO ARBITRAL
Nuno Maldonado Sousa, árbitro das listas do CAAD designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o tribunal arbitral singular, constituído em 17-01-2024, elabora nos seguintes termos a decisão arbitral no processo identificado.
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Relatório
1. A…, contribuinte n.º …, com domicílio na Rua …, Venda do Pinheiro, requereu a constituição de tribunal arbitral para os efeitos dispostos no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e nos termos do artigo e 10.º, n.º 2 do regime jurídico da arbitragem em matéria tributária constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), para apreciar a legalidade do ato tributário de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022…., referente ao ano de 2021, do qual resulta um valor total a pagar de € 3.826,20.
É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“AT”).
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 07-11-2023 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira na mesma data.
Nos termos do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral, com árbitro singular, o signatário, que manifestou a aceitação do encargo no prazo legal. Em 28-12-2023 as partes foram notificadas desta designação e não manifestaram intenção de recusar a designação do árbitro, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 17-01-2024.
3. O Requerente peticiona expressamente a devolução do valor de € 3.826,20, que corresponde à liquidação já identificada e implicitamente a anulação da liquidação e do indeferimento da reclamação apresentada à AT. Com se verá adiante, o Requerente não se encontra patrocinado por advogado e o seu pedido de pronúncia arbitral não cumpre com os cânones próprios, desde logo porque não está elaborado de forma articulada, nem conclui com pretensão clara, que deva ser tomada como consequência do direito vigente. Cabe, no entanto, a este tribunal fazer o esforço de interpretação necessário para, pelo menos, delimitar o objeto da ação, o que foi feito.
4. A Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada da apresentação do pedido, nos termos já aludidos, mas não chegou a ser notificada para responder, por ter sido proferido despacho liminar, com convite ao Requerente para nomear patrono, o que este não fez.
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Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, em subordinação com as normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT e é competente e a verificação deste pressuposto processual é suficiente para tomar a decisão que se segue. Para mais, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo regime e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
É agora o momento próprio para apreciar a verificação do pressuposto processual do patrocínio ou dito de outra forma, da falta de constituição de advogado, suscitada por este tribunal em despacho liminar. Para esse efeito importa referir os elementos com natureza factual relevantes para essa apreciação, que são:
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O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado e subscrito pelo próprio contribuinte Requerente, sem o concurso de advogado.
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Em despacho liminar este Tribunal Arbitral notificou o Requerente para constituir advogado, no prazo de 15 dias, sob pena de a Requerida ser absolvida da instância e identificou as normas jurídicas aplicáveis, que estipulam que nos processos arbitrais é obrigatória a constituição de advogado, através da notificação n.º … - 2024-01-29 14:34, enviada via SGP.
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O Requerente não designou advogado ou praticou qualquer outro ato neste processo até à presente data (04-03-2024).
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O RJAT não contém disciplina própria sobre a necessidade de constituição de mandatário – ou patrono judiciário como refere Código do Processo Civil (“CPC”) - e a norma do seu artigo 29.º, n.º 1, alínea a) considera que são aplicáveis nos processos de arbitragem tributária as normas de natureza processual dos códigos tributários. A este propósito a norma do artigo 6.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), na redação em vigor desde 16-11-2019, que resulta da redação da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro (artigo 3.º), estipula que é obrigatória a constituição de mandatário nos tribunais tributários e que essa constituição é feita nos termos previstos na lei processual administrativa. Por seu turno, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), no seu artigo 11.º, nº 1 dispõe que a constituição de mandatário é feita nos termos previstos no CPC e este diploma, no seu artigo 43.º, impõe que o mandato judicial seja conferido por instrumento público ou por documento particular, ou ainda por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo.
É inquestionável a necessidade de patrocínio nos processos tributários, quer tenham natureza judicial quer tenham natureza arbitral e a lei, designadamente a Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto, no seu artigo 1.º, n.º 5, alínea a), que se encontrava em vigor quando o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado e a Lei n.º 10/2024 de 19 de janeiro que a revoga e que vigora desde 01-01-2024 e cujo regime substitui, reservam o exercício do mandato forense para os advogados e para os solicitadores (na lei nova veja-se o artigo 4.º, n.º 1 e n.º 2).
O CPPT não distingue o patrocínio por advogados ou por solicitadores, o que, à primeira vista, poderia ser interpretado no sentido de permitir o patrocínio por ambos. Não se crê que essa seja a interpretação correta. Nos regimes processuais próximos – o civil e o administrativo – o patrocínio por solicitadores só é possível em situações limitadas, pelo menor valor da causa ou pela insusceptibilidade de recurso ordinário. No regime do CPC as causas em que pode haver patrocínio por solicitador são afinal aquelas em que não é obrigatória a constituição de advogado (artigo 42.º do CPC); dito de outro modo, quando não tenha de haver patrocínio obrigatório por advogado, então a parte pode pleitear por si própria ou pode optar por conferir a sua representação a solicitador ou a advogado estagiário. Esta solução não foi querida pelo CPPT, que não admite processos sem patrocínio. Ao excluir a possibilidade de defesa pelo próprio sujeito processual nos processos tributários e reflexamente nos processos arbitrais tributários, exclui-se a possibilidade de haver patrocínio pelos profissionais forenses que podem exercê-lo nessas situações na jurisdição cível, designadamente os solicitadores e os advogados estagiários. Há assim que concluir pela obrigatoriedade do patrocínio por advogado nos processos de arbitragem tributária. E entende-se que assim seja, pela inexistência de recurso ordinário e por não existir alçada nestes processos. Se abstrairmos da composição do júri, veremos que a tramitação de todos os processos arbitrais é igual, i.e., todos os processos têm idêntica exigência ao nível do patrocínio. Aliás, a recorribilidade nas decisões arbitrais, individuais ou coletivas, está prevista para as, porventura, mais complexas situações apreciáveis, previstas no artigo 25.º, n.º 1 e nº 2 do RJAT; o recurso para o Tribunal Constitucional na parte da decisão em que o Tribunal Arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada e o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando a decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Note-se ainda que os tribunais arbitrais tributários que funcionam no CAAD apenas se debruçam sobre situações de natureza fiscal, nas quais a AT é sempre representada por Ilustres juristas, que são profundamente conhecedores dos temas em causa e da tramitação processual. Permitir que um cidadão pleiteasse num tribunal, sem afiançar o princípio da igualdade de armas, em especial o conhecimento das normas de direito processual que regem o processo, constituiria uma violação da garantia de processo equitativo que é conferida pelo artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
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A apreciação desta exceção processual nesta fase, sem que tenha sequer havido resposta pela AT e que esta a tenha arguido pode parecer inusitada. Admite-se que não seja comum, a avaliar pela quase inexistente jurisprudência publicada no sítio do CAAD, mas é a que resulta das disposições legais aplicáveis. Como é sabido os processos de arbitragem tributária estão sujeitos a despacho pelo tribunal arbitral antes da notificação da AT para responder, o que pode implicar, em obediência ao princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo (artigo 19.º, n.º 1 do RJAT), o dever de o tribunal arbitral definir a tramitação mais adequada a cada processo especificamente considerado (artigo 29.º, n.º 2 do RJAT). Depois porque a continuação do processo, verificada que seja a existência de exceção dilatória de conhecimento oficioso, não suprida pela Requerente, apesar de advertida para o efeito, levaria a que fosse inutilmente produzido despacho para notificação para resposta pela AT (artigo 17.º, n.º 1 do RJAT) e eventualmente a própria resposta. Como se sabe, é ilícita e consequentemente proibida a prática de atos inúteis (artigo 130.º do CPC, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e, do RJAT) e é dever deste tribunal, não só não praticar atos inúteis, como adotar a tramitação necessária a obstar à sua prática.
A falta de constituição de advogado por parte do autor é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos das disposições dos artigos 578.º, 577.º, alínea h) e 576.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis por remissão da norma do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, pelo que, há que julgar verificada a exceção e absolver a AT da instância, nos termos da norma do artigo 278.º, n.º 1, alínea e) do mesmo código.
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Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos este Tribunal Arbitral julga verificada a exceção dilatória da falta de constituição de advogado pelo Requerente, absolvendo-se a Requerida da instância.
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Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT por remissão do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 3.098,29 (três mil e noventa e oito euros e vinte e nove cêntimos).
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Custas
O valor da taxa de arbitragem é fixado em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de março de 2024
O Árbitro
(Nuno Maldonado Sousa)