Sumário:
I – As entidades utilizadoras da rede rodoviária nacional que suportam o encargo tributário da Contribuição de Serviço Rodoviário por efeito da repercussão, têm legitimidade processual para impugnar judicialmente os atos de liquidação do imposto que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reagirem contra a ilegalidade da repercussão;
II - A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva ..., com sede em ..., ..., ...-... Chaves, B..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede em..., n.º ..., ..., ...-... Maia, e C..., UNIPESSOAL LIMITADA, titular do número único de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., ..., ...-... Vila do Conde, vieram requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), referente ao período de fevereiro de 2019 a dezembro de 2022, consubstanciados nas faturas referentes à gasolina, gasóleo rodoviário e GPL Auto adquiridos à D... S.A. (D...), E..., S.A. (E...), F... S.A. (F...), G... GmbH (G...) e H..., S.A. (H...), e, bem assim, dos antecedentes atos de liquidação de CSR submetidas pelas referidas fornecedoras de combustíveis, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
Fundamenta a Requerente o pedido nos seguintes termos.
As fornecedoras de combustíveis entregaram ao Estado, enquanto sujeitos passivos da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquelas submetidas.
Durante o período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, as Requerentes, sociedades de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal, adquiriram às referidas fornecedoras de combustíveis um total global de 73.813,99 litros de gasolina, 7.348.128,44 litros de gasóleo rodoviário e 9.126,58 kgs de GPL auto.
As fornecedoras de combustíveis repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo as Requerentes suportado integralmente este imposto, num total global de € 823.360,64.
Mais concretamente, a A... adquiriu à D..., à F... e à G..., 44.494,13 litros de gasolina e 6.734.150,41 litros de gasóleo rodoviário, tendo suportado, a título de CSR, a quantia global de € 751.361,68, a B... adquiriu à D..., à F..., à G... e à E..., 30.855,10 litros de gasolina, 261.817,30 litros de gasóleo rodoviário e 9.126,58 kgs de GPL auto, tendo suportado, a título de CSR, a quantia global de € 32.868,68 e a C... adquiriu à D... e à H..., 464,76 litros de gasolina e 352.160,73 litros de gasóleo rodoviário, tendo suportado, a título de CSR, a quantia global de € 39.130,28.
Em 28 de fevereiro de 2023, as Requerentes deduziram junto da Alfândega do Jardim e da Alfândega de Leixões dois pedidos de promoção de revisão oficiosa com vista à anulação das liquidações de CSR e dos consequentes atos de repercussão consubstanciados nas faturas que lhe foram emitidas pelas referidas fornecedoras de combustível, os quais não foram objeto de decisão no prazo legalmente previsto.
Não obstante, o âmbito de incidência subjetiva da CSR, tal como consta do artigo 5.º, n.º 1, 1.ª parte, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, abranger os sujeitos passivos de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, é sobre o consumidor de combustíveis, como é o caso das Requerentes, que recai o encargo daquele tributo.
A tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16 de dezembro de 2008, que fixa a estrutura comum dos IEC harmonizados, sendo que a CSR configura um imposto não harmonizado cuja criação está sujeita à dupla condição de respeitar a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de terem como fundamento um “motivo específico”.
De acordo com a jurisprudência do TJUE, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita, exigindo-se uma ligação direta entre a utilização da receita e a finalidade do imposto, que não se verifica sempre que a receita gerada pelo imposto esteja afeta a despesas suscetíveis de serem financiadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”.
As razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR (Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto) estão na necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto substituída pela Infraestruturas de Portugal, IP, S.A, não estando em causa qualquer objetivo de política ambiental, energética ou social.
E, por conseguinte, a CSR deve considerar‑se um imposto desconforme ao artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118/CE, sendo ilegal por violação de Direito Europeu.
Neste contexto, impunha-se à Administração Tributária determinar, no âmbito dos procedimentos de revisão oficiosa, a anulação dos atos tributários sub judice, e, não o tendo feito, os atos tributários são ilegais e devem ser objeto de anulação contenciosa.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita as exceções dilatórias da incompetência do tribunal em razão da matéria, incompetência do tribunal em razão da causa de pedir, ilegitimidade processual das Requerentes, ilegitimidade substantiva das Requerentes, falta de interesse em agir, ineptidão da petição inicial, caducidade do direito de acção, falta de pagamento de valores a título de CSR por parte das Requerentes e não exigibilidade de juros indemnizatórios.
Quanto à matéria de fundo, considera que as Requerentes não lograram fazer prova de terem adquirido e pago combustível e suportado o encargo do pagamento da CSR por repercussão, sendo que, atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, não incumbe à Requerida fazer a prova da não repercussão, nem é possível presumir a existência de repercussão quando, no caso, estamos perante uma repercussão meramente económica.
Por outro lado, baseando-se nos considerandos 33.º e 34.º do despacho do TJUE proferido no processo n.º C-460/21, a Requerida entende que o TJUE não declarou a existência de desconformidade do regime da CSR com a Diretiva Europeia e os objetivos que lhe estão subjacentes, analisados à luz da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, não são meramente orçamentais, mas visam a redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que constituem o motivo específico da criação da contribuição.
Conclui no sentido da declaração de extinção da instância com base nas exceções dilatórias e perentórias invocadas e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.
2. Notificadas para se pronunciar sobre a matéria de exceção, as Requerentes responderam através do requerimento de 7 de fevereiro de 2024, concluindo pela improcedência de todas as exceções e questões prévias suscitadas pela Requerida.
3. Por despacho arbitral de 9 de fevereiro de 2024, considerando não haver novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar, determinou-se a dispensa da reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, relegando-se para final a apreciação da matéria de exceção.
Por despacho arbitral de 20 de fevereiro seguinte, a Requerente A... foi notificada para se pronunciar sobre o alegado no artigo 169.º da resposta, relativamente ao reembolso da quantia de € 59,58, por força do disposto no artigo 93º-A do CIEC, e a consequente redução do pedido.
A Requerente A..., por requerimento de 6 de março de 2024, veio dizer que beneficiou, efetivamente, de dois reembolsos parciais de CSR, no valor de € 57,36 e de € 34,00, havendo lugar, em conformidade, à redução do pedido arbitral no montante de € 91,36.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 6 de dezembro de 2023.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
II – Saneamento
Incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria
5. A Autoridade Tributária começa por suscitar a questão da incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição financeira, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, defendendo a este propósito o entendimento expresso nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.ºs 182/2019-T, 138/2019-T, 123/2019-T, que tiveram por objeto a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB),e nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.ºs 248/2019-T, 714/2020-T e 585/2020-T, que tiveram por objeto a Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético (CESE).
É esta a primeira questão que cabe analisar.
A competência contenciosa dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.
O artigo 4.º, n.º 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:
“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de
recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.
A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa, por conseguinte, um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral. Tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos tribunais arbitrais, mas poderia estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.
Ainda a este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte:
“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT].
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.
No caso, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos - com a exclusão de outros tributos - e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.
6. A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.
A LGT, aprovada em 1998, passou a incluir entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.
A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas” (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095). Neste sentido, as contribuições são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 287).
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias, designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa, admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro (cfr., entre outros, o acórdão n.º 365/2008).
Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.
7. A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).
A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).
A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).
O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).
A atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objeto de financiamento através da Contribuição de Serviço Rodoviário foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
8. À luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a Contribuição de Serviço Rodoviário constitui uma contribuição financeira.
Como se refere no acórdão proferido no Processo n.º 269/2021, corroborado pelo acórdão tirado no Processo n.º 304/2022, a Contribuição de Serviço Rodoviário não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3.º, n.º 2), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis
rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3.º, n.º 2).
Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da atividade administrativa que se encontra atribuída à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Quando é certo que o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Nestes termos, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respetivos utilizadores, que são os beneficiários da atividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E., verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”.
Não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.
9. Resta acrescentar que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB) ou para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), que são caracterizadas como típicas contribuições financeiras, não tendo qualquer aplicação ao caso a jurisprudência constante dos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 182/2019-T, 138/2019-T, 123/2019-T, que tiveram por objeto a CSB, nem a dos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 248/2019-T, 714/2020-T e 585/2020-T, que incidiram sobre a CESE.
Por todo o exposto, a alegada exceção da incompetência material do tribunal arbitral com fundamento na qualificação da CSR como contribuição financeira, mostra-se ser improcedente.
Incompetência material do tribunal em razão da causa de pedir
10. A Autoridade Tributária suscita ainda a exceção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido na medida em que se pretende discutir a legalidade do regime da CSR no seu todo e a sua própria conformidade jurídico-constitucional.
A arguição assenta num evidente equívoco.
A Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do ato de liquidação de CSR referente aos meses de fevereiro de 2019 a dezembro de 2022, invocando como causa de pedir, a desconformidade da contribuição com a Diretiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao Regime Geral dos Impostos Especiais de Consumo
Estando em causa, no caso vertente, a desconformidade da CSR com a Diretiva 2008/118/CE, não pode deixar de concluir-se pela competência contenciosa do tribunal para a apreciação do litígio.
As normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição)
A impugnação judicial de um ato de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito convencional.
Torna-se claro que não existe qualquer obstáculo a que o tribunal arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade do ato de liquidação baseado em desconformidade da CSR com o direito europeu, sendo manifestamente improcedente a invocada exceção de incompetência do tribunal em razão da causa de pedir.
Ilegitimidade das Requerentes
11. A Autoridade Tributária alega ainda que se verifica a ilegitimidade processual das Requerentes tendo em consideração que apenas os sujeitos passivos que declararam a introdução dos produtos para consumo e efetuaram o pagamento do imposto, podem solicitar a anulação das liquidações e o reembolso por erro na liquidação.
Ora, como resulta do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os atos de liquidação que geram a repercussão.
Embora não seja o sujeito passivo da relação tributária subjacente à repercussão, as Requerentes, enquanto entidades repercutidas, podem impugnar os próprios atos de liquidação do imposto, através de qualquer daqueles meios procedimentais ou processuais, como modo de reagir contra a ilegalidade da repercussão.
Para além da legitimidade ativa das Requerentes, se encontrar coberta pela referida norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.
Alega ainda a Autoridade Tributária que, face ao regime especial dos artigos 15.º e 16.º do CIEC, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do ISP e da CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, e, como tal, os adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.
Há que fazer notar, a este propósito, que o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, que cria a Contribuição de Serviço Rodoviário, apenas remete para o CIEC o procedimento de liquidação e cobrança do imposto, remissão que igualmente é efetuada para a LGT e o CPPT, significando
que, nesse âmbito, haverá de ter-se em consideração as disposições conjugadas do CIEC e da demais legislação tributária aplicável.
Por outro lado, o regime específico previsto nos artigos 15.º e seguintes do CIEC abrange o reembolso com fundamento em erro na liquidação ou em caso de expedição ou exportação, ao passo que o que está em causa no presente processo arbitral não é um qualquer pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade dos atos tributários de repercussão do imposto por violação do direito europeu.
E, nesses termos, a questão da legitimidade ativa terá de ser analisada à luz das regras processuais aplicáveis, e não do regime específico do reembolso do imposto que consta das citadas disposições do CIEC.
A alegada exceção de ilegitimidade ativa, tal como se encontra formulada, é improcedente e nada obsta ao prosseguimento do processo no tocante aos falados atos de liquidação como meio de obter a consequente anulação dos atos de repercussão.
Falta de interesse em agir
12. A Autoridade Tributária invoca ainda a falta de interesse em agir por parte das Requerentes, na medida em que não se encontra provado que tenham procedido ao pagamento dos valores referentes à CSR, não podendo obter, por isso, qualquer proveito ou utilidade do prosseguimento da ação.
O interesse em agir tem sido entendido como um pressuposto processual autónomo, distinto da legitimidade activa, e que se traduz na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer seguir a acção, e assume especial relevo nas chamadas acções de simples apreciação quando se verifica um estado de incerteza sobre a existência ou inexistência do direito a apreciar. O autor poderá ser titular de uma situação jurídica substantiva (direito de propriedade, direito de crédito), que lhe confere, à partida, a legitimidade para a fazer valer em juízo, mas, simultaneamente, poderá não estar carecido de tutela judicial, por esse seu direito não ter sido negado ou, de algum modo, posto em causa por um acto de uma autoridade pública ou por iniciativa de um particular. É nesse sentido que a ausência do interesse em agir poderá ser considerada como circunstância que obsta ao prosseguimento do processo, determinando a absolvição da instância.
É claro que não é a mera alegação da parte, ainda na fase dos articulados, de que não foi feita prova da repercussão que pode conduzir, por si, à falta de interesse em agir. É ao tribunal arbitral que cabe fixar a matéria de facto, com base na instrução do processo, e caso, eventualmente, venha a considerar como não provado que as Requerentes suportaram o pagamento da CSR por repercussão, a questão que se coloca tem a ver com a procedência ou a improcedência do pedido, e, por conseguinte, com a matéria de fundo, e não, evidentemente, com os pressupostos processuais da acção.
Ineptidão da petição inicial
13. A Autoridade Tributária invoca a ineptidão da petição inicial por falta de objeto, por não terem sido identificados, no pedido de pronúncia arbitral, os atos tributários impugnados, aduzindo, em síntese, que não é possível estabelecer a correlação entre os atos de liquidação praticados a montante pelo fornecedor de combustíveis, sujeito passivo do imposto, e as faturas de compra mencionadas pelas Requerentes.
Compulsando o pedido arbitral, constata-se que as Requerentes, no petitório, vieram requerer a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação da CSR praticadas pela Administração Tributária com base nas Declarações de Introdução no Consumo, e, bem assim, dos consequentes atos de repercussão consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e gasóleo rodoviário adquirido no período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022.
Acresce que as Requerentes, no pedido arbitral, mediante a remissão para os documentos n.º 1 a 8 juntos ao pedido arbitral, não só identificam as faturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis em que houve lugar à repercussão da CSR, como indicam a quantia global suportada a esse título.
A propósito da questão que assim vem colocada, cabe recordar a norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, que é do seguinte teor:
4 - Não é sujeito passivo quem:
-
Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias.
Ainda segundo o disposto no n.º 3 desse artigo, como sujeito passivo entende-se “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável”.
Como se depreende do transcrito artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito diretamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido, e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reação contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um ato ilegal de liquidação (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117).
Nada obsta, por conseguinte, que as Requerentes possam deduzir um pedido de pronúncia arbitral contra os atos tributários de liquidação da CSR, e, por outro lado, esses atos encontram-se identificados e documentados pelo único meio possível qual seja a emissão de faturas emitidas pelo fornecedor do combustível que consubstancia a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica dos adquirentes.
Resta referir que, não sendo as Requerentes os sujeitos passivos do imposto, nem os diretos responsáveis pela sua liquidação, mas apenas as entidades que suportam o encargo por efeito da repercussão, não lhes compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, nem a prova da conexão entre os atos de liquidação e as faturas de compra que revelam a repercussão do imposto.
Sendo certo que o contribuinte se encontra na impossibilidade de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não ser ele também o sujeito passivo do imposto.
Deve fazer-se notar, a este propósito, que, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, constituindo um afloramento deste princípio o disposto no artigo 58.º da LGT. Além de que os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem atuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações”, princípio esse igualmente consagrado nos artigos 11.º, n.º 1, do CPA, 59.º da LGT e 48.º do CPPT.
No caso vertente, os serviços da Autoridade Tributária, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, omitiram quaisquer diligências que permitissem verificar a existência dos atos de liquidação de imposto e a sua correlação com as faturas onde o imposto se encontra repercutido. Isso, não obstante os serviços poderem obter a colaboração das fornecedoras do combustível e aceder por via oficiosa às declarações de introdução no consumo e aos correspondentes atos de liquidação.
E era a Autoridade Tributária que, no exercício dos seus poderes inquisitórios, estava em condições de realizar as diligências necessárias e adequadas a apurar a realidade subjacente às operações em causa.
O certo é que o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios (sobre todos estes aspetos, cfr. o acórdão proferido no Processo n.º 467/2020-T).
Em conclusão, não só os atos de liquidação do imposto se encontram identificados, ainda que por remissão para documentos juntos, como também não seria exigível que as Requerentes efetuassem a prova da sua conexão com as faturas de aquisição de combustível.
Caducidade do direito de ação
14. A Autoridade Tributária alega ainda que a falta de identificação dos atos de liquidação impede aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, na medida em que a contagem do prazo para a sua apresentação se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação. E considera, por outro lado, que o pedido de revisão oficiosa não poderia ser apresentado no prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, porquanto esse prazo apenas é aplicável quando o ato de liquidação seja imputável a um erro dos serviços, e, na situação do caso, encontrando-se a Administração vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado a liquidação em estrita observância das normas legais, não ocorreu qualquer erro de direito imputável aos serviços.
Como se deixou já exposto (cfr. supra 13.), as Requerentes deduziram um pedido de pronúncia arbitral contra os atos tributários de repercussão da CSR, que se encontram identificados e documentados através das faturas emitidas pelos fornecedores do combustível. E não sendo as Requerentes os sujeitos passivos do imposto, nem os diretos responsáveis pela sua liquidação, mas apenas as entidades que suportam o encargo por efeito da repercussão, não lhes compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, sendo antes sobre a Autoridade Tributária que impede o ónus de realizar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, as diligências oficiosas que permitissem verificar a existência dos atos de liquidação do imposto.
E assim sendo, a alegada falta de identificação dos atos de liquidação não é imputável às Requerentes.
Acresce que - como se afirma, entre outros, nos acórdãos do STA de 14 de Março de 2012 (Processo n.º 01007/11) e de 8 de Março de 2017 (Processo n.º 01019/14) - a revisão oficiosa do ato tributário pode ser efetuada a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago) quando houver erro imputável aos serviços, devendo entender-se como tal o erro material, o erro de facto ou o erro de direito, independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação.
É o que resulta do disposto no artigo 78.º, n.º 7, da LGT, pelo qual a revisão oficiosa, nos termos previstos no n.º 1 desse artigo, pode ser desencadeada pelo sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao órgão competente da Administração Tributária e com base nos mesmos pressupostos legais: no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços. O que se tem entendido como uma decorrência do princípio da justiça e da verdade material (cfr., neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228; Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 605, e Leonardo Marques dos Santos, “A revisão do ato tributário, as garantias dos contribuintes e a fiscalidade internacional”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Economia, Finanças Públicas e Direito Fiscal, Vol. II, págs. 14 e segs.).
Conforme é também jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei.
Por outro lado, como é evidente, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela Autoridade Tributária na apreciação do pedido de revisão, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo contribuinte na formulação do pedido de impugnação judicial. Sendo que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adotado pela Administração na decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.
Nestes termos, tendo sido invocado um erro imputável aos serviços e verificando-se que os pedidos de revisão oficiosa deram entrada em 28 de fevereiro de 2023 e reportam-se a atos de repercussão da CSR no período compreendido entre fevereiro de 2019 a dezembro de 2022, no momento da apresentação dos pedidos de revisão oficiosa não tinha ainda decorrido o prazo de quatro anos a que se refere o artigo 78.º, n.º 1, da LGT.
Tendo sido apresentado o pedido arbitral em 26 de setembro de 2023, dentro do prazo de 90 dias após o decurso do prazo para a apreciação do pedido de revisão oficiosa, o pedido arbitral é igualmente tempestivo.
Não se verifica, por conseguinte, a pretendida caducidade do direito de ação.
Ilegitimidade substantiva
15. A Autoridade Tributária alega ainda a ilegitimidade substantiva das Requerentes por considerar que não são sujeitos passivos do imposto, não efetuaram quaisquer introduções no consumo de produtos petrolíferos, nem lograram provar que efetuaram quaisquer pagamentos a título de CSR.
Como é entendimento corrente, a chamada a legitimidade substancial ou substantiva tem a ver com a efetividade da relação material, interessando já ao mérito da causa e, nesse sentido, constitui um requisito da procedência do pedido (cfr. acórdão da Relação do Porto de 4 de outubro de 2021, Processo n.º 10910/20).
Não é possível considerar verificada liminarmente a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo com base em meras alegações da parte contra quem vem deduzido o pedido, quando essa é a questão de fundo que carece de ser analisada em função do direito aplicável face aos factos que venham a ser dados como provados ou não provados.
Nem a alegação aduzida pela Requerida poderá caracterizar uma exceção perentória. As exceções perentórias consistem na invocação de factos que, em face da lei substantiva, possam integrar uma causa impeditiva, extintiva ou modificativa do direito invocado pelo autor na ação e que assim determinem a improcedência total ou parcial do pedido. São impeditivos os factos que excluem ou impedem a eficácia do direito alegado (incapacidade, falta ou vícios de vontade), modificativos os que alteram a relação jurídica modificando a natureza da prestação ou as condições da sua exigibilidade (alteração das circunstâncias em que foi celebrado um contrato), extintivos os que fazem cessar o direito tornando inviável o respetivo exercício (caducidade, prescrição, cumprimento da obrigação).
Assim sendo, o que vem alegado quanto à legitimidade substantiva não integra a defesa por exceção e apenas poderá relevar em sede de apreciação do mérito.
O que vem de dizer-se é igualmente aplicável quanto à alegada inexistência de prova de efetiva repercussão da CSR por efeito da aquisição de combustíveis, a que a Requerida se refere nos artigos 147.º a 158.º da resposta. Essa é matéria de prova que terá de ser analisada no âmbito da decisão arbitral e que não integra, em si, uma qualquer exceção perentória.
Não exigibilidade de juros indemnizatórios
16. Alega a Autoridade Tributária, por fim, que, segundo o disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando exista uma decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução, o que, no caso, se não verifica. Daí concluindo que não se encontram reunidos os pressupostos legais para que se efetue o reembolso do imposto e o pagamento de juros indemnizatórios.
E acrescenta que, face ao despacho do TJUE proferido no âmbito do processo n.º C-460/21, não se pode afirmar que existe uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118/CE.
Ora, a mencionada norma da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, ao referir-se a decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária, constitui apenas uma das circunstâncias em que são devidos juros indemnizatórios, sendo que os juros indemnizatórios, para além das situações elencadas nesse n.º 3, são igualmente devidos nos termos do n.º 1 desse artigo, ou seja, “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Nada poderá obstar, por conseguinte, que venha a ser determinada a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, caso se venha a concluir, na presente impugnação judicial, pela ilegalidade dos atos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário impugnados e dos correspondentes atos de repercussão.
Por outro lado, a desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118/CE constitui o próprio objeto do pedido arbitral, cabendo ao tribunal definir o direito aplicável para efeito de verificar se a pretensão é ou não procedente.
III - Fundamentação
Matéria de facto
17. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) D..., S.A. (D...), E..., S.A. (E...), F... S.A. (F...), G... GmbH (G...) e H..., S.A. (H...), na qualidade de fornecedoras de combustíveis entregaram ao Estado, enquanto sujeitos passivos da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas Declarações de Introdução no Consumo por aquela submetidas (documentos n.ºs 1 a 3 juntos ao pedido arbitral e documentos juntos ao requerimento de 15 de dezembro de 2023, que aqui se dão como reproduzidos.
B) As Requerentes são sociedades de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal.
C) No período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, as Requerentes adquiriram às mencionadas fornecedoras de combustíveis um total de 73.813,99 litros de gasolina, 7.348.128,44 litros de gasóleo rodoviário e 9.126,58 kgs de GPL auto (documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos ao pedido arbitral).
D) As aquisições de combustíveis encontram-se documentadas nas faturas que constam dos documentos n.º 4, 5, 6, 7 e 8 juntos ao pedido arbitral, que aqui se dão como reproduzidas.
E) Entre as datas de fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, fornecedoras de combustíveis repercutiram nas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo as Requerentes suportado integralmente esse imposto, num total global de € 823.360,64 (documentos n.ºs 1 a 8 juntos ao pedido arbitral).
F) Nesse período de tempo, a sociedade A... adquiriu à D..., à F... e à G...44.494,13 litros de gasolina e 6.734.150,41 litros de gasóleo rodoviário, tendo suportado, a título de CSR, a quantia global de € 751.361,68 (documentos n.ºs 1 e 4 juntos ao pedido arbitral).
G) A sociedade B... adquiriu à D..., à F..., à G... e à E..., 30.855,10 litros de gasolina, 261.817,30 litros de gasóleo rodoviário e 9.126,58 kgs de GPL auto, tendo suportado, a título de CSR, a quantia global de € 32.868,68 (documentos n.ºs 2, 5 e 7 juntos ao pedido arbitral).
H) A C... adquiriu à D... e à H..., 464,76 litros de gasolina e 352.160,73 litros de gasóleo rodoviário, tendo suportado, a título de CSR, a quantia global de € 39.130,28 (documentos n.ºs 3, 6 e 8 juntos ao pedido arbitral).
I) Conforme declaração junta ao requerimento de 15 de dezembro de 2023, a D..., S.A. repercutiu nos montantes faturados, o montante relativo à Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), nas vendas de combustível que efetuou à Empresa A... .
J) Conforme declaração junta ao requerimento de 15 de dezembro de 2023, a F... S.A. repercutiu nos montantes faturados, o montante relativo à Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), nas vendas de combustível que efetuou à Empresa A...
l) Conforme declaração junta ao requerimento de 15 de dezembro de 2023, a F... S.A. repercutiu nos montantes faturados, o montante relativo à Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), nas vendas de combustível que efetuou à Empresa B..., S.A.
M) Conforme declaração junta ao requerimento de 15 de dezembro de 2023, a F... S.A. repercutiu nos montantes faturados, o montante relativo à Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), nas vendas de combustível que efetuou à Empresa C..., Lda.
N) Conforme declaração junta ao requerimento de 15 de dezembro de 2023, a G... GmbH repercutiu nos seus clientes o valor da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), relativamente às vendas de combustível que efetuou em Portugal.
O) Conforme declaração junta ao requerimento de 6 de março de 2024, a E... repercutiu os montantes relativos à Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), nas vendas de combustível que efetuou à Empresa B..., S.A .
P) A Requerente A..., S.A. beneficiou de dois reembolsos parciais de CSR, no valor de € 57,36 e de € 34,00, no total de € 91,36, ao abrigo do disposto no artigo 93º-A do CIEC (documentos n.ºs 1 e 2 juntos ao requerimento de 6 de março de 2024).
Q) Em 28 de fevereiro de 2023, as Requerentes apresentaram junto ao Diretor da Alfândega do Jardim do Tabaco pedido de revisão oficiosa com vista à anulação das liquidações de CSR e dos consequentes atos de repercussão consubstanciados nas faturas emitidas pela D..., S.A., E..., S.A., F... S.A. e G... GmbH, relativamente a gasolina e gasóleo rodoviário adquirido no período de fevereiro de 2019 a dezembro de 2022 (documento n.º 9 junto ao pedido arbitral que aqui se dá como reproduzido).
R) Em 28 de fevereiro de 2023, a Requerente C..., Unipessoal Lda. apresentou junto ao Diretor da Alfândega de Leixões pedido de revisão oficiosa com vista à anulação das liquidações de CSR e dos consequentes atos de repercussão consubstanciados nas faturas emitidas pela H..., S.A., relativamente a gasóleo rodoviário adquirido no período de novembro de 2021 a dezembro de 2022 (documento n.º 10 que aqui se dá como reproduzido).
S) A Autoridade Tributária e Aduaneira não emitiu decisão quanto aos pedidos de revisão oficiosa no prazo legalmente cominado para o efeito.
T) O pedido arbitral deu entrada em 26 de setembro de 2023.
Factos não provados
Não há quaisquer factos não provados que revelem para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e ao requerimento de 15 de dezembro de 2023 e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
Matéria de direito
18. As Requerentes, sendo empresas de direito português sediadas em Portugal, foram objeto da repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário relativamente à aquisição de gasolina, gasóleo rodoviário e GPL Auto à D..., E..., F..., G... e H..., enquanto fornecedoras de combustíveis, no período compreendido entre fevereiro de 2019 a dezembro de 2022.
A questão que vem colocada é a de saber se a Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que constitui um imposto incidente sobre os combustíveis rodoviários também sujeitos ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos, e que se encontra enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118/CE, tem um “motivo específico” na aceção do artigo 1.º, n.º 2, dessa Diretiva.
Nos termos da referida Lei n.º 55/2007, a Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).
A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).
A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).
O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).
A atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objeto de financiamento através da Contribuição de Serviço Rodoviário foi atribuída, em regime de concessão, à atual Infraestruturas de Portugal, S.A. pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
À luz do regime jurídico sucintamente exposto, as Requerentes sustentam que a Contribuição de Serviço Rodoviário foi criada por razões de ordem puramente orçamental, em vista à angariação de receitas próprias para financiamento da empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, em violação do direito europeu, e, especialmente, do referido artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE.
Em contraposição, a Autoridade Tributária considera que a atividade da Infraestruturas de Portugal tem subjacente a prossecução de objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se pode entender como “motivo específico” da criação da contribuição e não pode circunscrever-se a uma mera finalidade de natureza orçamental.
Conformidade da Contribuição de Serviço Rodoviário com o direito europeu
19. Analisando esta questão, interessa começar por ter presente a Diretiva 2008/118/CE, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo, entre outros, dos produtos energéticos, e, em especial, o seu artigo 1.º, n.º 2, que tem a seguinte redação:
Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.
Interpretando esta disposição na perspetiva de saber se a CSR prossegue um “motivo específico” na aceção da Diretiva, o despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido em reenvio prejudicial requerido no âmbito do Processo n.º 564/2020-T, começou por assinalar que “para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa” (parágrafo 25). Acrescentando que “só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo quando prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (parágrafo 27).
No desenvolvimento destes critérios gerais, o despacho do TJUE, na parte que mais releva, formula ainda as seguintes considerações:
“29. No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.° 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.
30. Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (-).
31. Em terceiro lugar, como resulta do n.° 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto-lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à
IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.
32. No entanto, como foi salientado no n.° 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam-se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.
33. Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.
34. Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.
35. Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.ºs 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (-)”.
20. Revertendo à situação do caso, o que se constata é que a Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (atual Infraestruturas de Portugal, S.A.), sendo o financiamento assegurado pelos respetivos utilizadores, como contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, utilização essa que é verificada pelo consumo dos combustíveis. Ademais, o produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui uma receita própria da Infraestruturas de Portugal, S.A. e o financiamento da rede rodoviária nacional apenas subsidiariamente é assegurado pelo Estado.
A atividade de financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora denominada Infraestruturas de Portugal, S.A.) pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro. Nas bases da concessão igualmente se prevê que, entre outros rendimentos, a Contribuição de Serviço Rodoviário constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro II do anexo às presentes bases” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
No quadro II do anexo apenas se estabelece, na Parte I, alguns objetivos de redução de sinistralidade por referência a certos indicadores de atividade (número de pontos negros, gravidade dos acidentes nas travessias urbanas, número de vítimas mortais), e, na Parte II, alguns objetivos de sustentabilidade ambiental em vista a assegurar, tendencialmente, os indicadores ambientais que aí são referenciados.
Como resulta com clareza do despacho do Tribunal de Justiça proferido em reenvio prejudicial, as receitas provenientes da CSR destinam-se essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária mediante a consignação à Infraestruturas de Portugal, S.A., e têm uma finalidade puramente orçamental. Nem a estrutura do imposto revela a intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis. E, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova – que incumbia à Autoridade Tributária - de que tenham sido cumpridos os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão.
Haverá de concluir-se, face a todo o exposto, que a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental.
No sentido exposto se pronunciaram os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 564/2020-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 374/2023-T, 465/2023-T e 486/2023-T.
21. Alega ainda a Autoridade Tributária, baseando-se na jurisprudência do TJUE, que, ainda que se verificassem os pressupostos legais e processuais da repercussão da CSR, o Estado-Membro pode recusar a um pedido de reembolso, apresentado pelo repercutido, com o fundamento de não ter sido o repercutido a suportar o pagamento do imposto prante as autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, essa entidade possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo, tal como ocorre no direito nacional.
A questão que assim se coloca respeita a saber se o reembolso da CSR indevidamente liquidada ao contribuinte, mormente por desconformidade com o direito europeu, é admissível quando a carga fiscal resultante da incidência do imposto é repercutida nos consumidores finais através do correspondente aumento do preço, gerando uma situação de enriquecimento sem justa causa.
Quanto a esta matéria, o despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido em reenvio prejudicial requerido no âmbito do Processo n.º 564/2020-T, veio dizer que “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44).
Cabendo à Autoridade Tributária demonstrar, em cada caso, que houve uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, de modo a poder a admitir-se que o reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, pode traduzir-se numa situação de enriquecimento sem justa causa por parte do operador.
Como se deixou esclarecido (cfr. supra 11.), quer os fornecedores de combustíveis, enquanto sujeitos passivos da CSR, quer os utilizadores da rede rodoviária nacional, enquanto entidades que suportam o encargo tributário por repercussão, dispõem de legitimidade processual para impugnar os atos de liquidação de CSR, e, no segundo caso, os consequentes atos de repercussão da contribuição.
E, assim sendo, compete à Autoridade Tributária demonstrar, nos procedimentos administrativos ou nas ações processuais instauradas pelos sujeitos passivos da CSR, que se verificou a repercussão efetiva do imposto nos utilizadores da rede rodoviária nacional para, desse modo, evitar o reembolso do imposto indevidamente liquidado com base na situação de enriquecimento sem justa causa por efeito da repercussão do imposto nos consumidores (cfr., quanto a esta questão, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 564/2020-T, 24/2023-T e 113/2023-T, em que figuraram como autores entidades que eram sujeitos passivos da CSR).
A Requerida não pode opor-se, por conseguinte, a um pedido arbitral de declaração de ilegalidade dos atos de repercussão do imposto, por parte das entidades repercutidas, com fundamento numa suposta situação de enriquecimento sem justa causa por efeito da repercussão do imposto, quando essa questão apenas pode colocar-se nos processos de impugnação judicial (ou de impugnação administrativa) em que sejam visadas as entidades repercutentes, visto que estas é que poderão beneficiar, em caso de procedência, de um duplo reembolso do imposto.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
22. As Requerentes pedem ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
Quanto a esta matéria, refere a Autoridade Tributária, em sede de excepção, que são devidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, apenas quando exista uma decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
O tribunal teve já oportunidade de pronunciar-se no antecedente ponto 16, nada mais havendo a considerar.
Deve dizer-se, em todo o caso, que, embora a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária apenas compreenda as pretensões que envolvam a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de fixação da matéria coletável e de fixação de valores patrimoniais, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o certo é que constitui um efeito da decisão arbitral de procedência que a Administração Tributária deva praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato impugnado e restabelecer a situação que existiria se esse ato não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).
Essa é, por outro lado, a necessária decorrência do dever de execução de sentenças de anulação de atos administrativos (artigo 179.º do CPTA), que se torna extensivo, nos mesmos exatos termos, às situações em que haja lugar à anulação administrativa por iniciativa da Administração ou a requerimento do particular (artigo 172.º do CPA).
No caso, a Requerente veio deduzir um pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, mas esse é um pedido meramente acessório e condicionado à declaração de ilegalidade dos atos tributários impugnados, não assumindo a natureza de um pedido autónomo de condenação na prática de ato devido ou de reconhecimento de direitos legalmente protegidos que extravase o âmbito de competência material do tribunal arbitral.
E, por conseguinte, o tribunal arbitral não está impedido de incluir no dispositivo as cominações meramente consequenciais da declaração de ilegalidade do ato tributário.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Nos casos de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 10 de maio de 2017, Processo n.º 01159/14).
No caso, os pedidos de revisão oficiosa foram apresentados em 28 de fevereiro de 2023, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 29 de fevereiro de 2024, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação dos pedidos de revisão oficiosa, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
III – Decisão
Termos em que se decide:
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Julgar procedente o pedido arbitral e declarar a ilegalidade dos atos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário impugnados, com a consequente anulação dos correspondentes atos de repercussão;
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Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios calculados desde 29 de fevereiro de 2024 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
As Requerentes indicaram como valor da causa o montante de € 823.360.64. No decurso do processo, a Requerente A... declarou e comprovou ter beneficiado do reembolso parcial de CSR no montante total de € 91,36, havendo lugar à consequente redução do pedido.
Por efeito da redução do pedido, o valor da causa corresponde € 823.269,08, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 11.628,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 12 de março de 2024
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha (relator)
O Árbitro vogal
Tomás Tavares (vota vencido, conforme declaração de voto)
A Árbitro vogal
Ana Cabral Basto
Voto de Vencido
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Votei vencido, no essencial, pelas razões expostas na Sentença arbitral do proc. 408/2023-T, que integrei como árbitro relator.
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Para mim, os requerentes não têm legitimidade para a presente ação arbitral: não são o sujeito passivo da CSR (estão a jusante na cadeia), nem substituídos (terceiros em relação de substituição fiscal, com ou sem retenção na fonte); sofrem o imposto, não por repercussão legal (o art. 3.º e 5.º da Lei 55/2007 não remete para o artigo 2.º do CIEC), mas, eventualmente, como qualquer agente tenta repercutir os seus gastos sobre terceiros (sem cobertura jurídica legitimadora em termos fiscais); e não são sequer o consumidor final. Assim, não possuam legitimidade, por força do art. 18.º, n.º 3 e 4.º, al. a), da LGT.
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O art. 18.º, n.º 3 e 4.º, al. a) da LGT concretiza, em termos exclusivos, o princípio da legitimidade no procedimento tributário do lado passivo da relação tributária (art. 9.º do CPPT). Este preceito não tem um raio de ação mais vasto que aquele, o qual o concretiza em termos completos e absolutos. Assim, quando o art. 9.º, n.º 1, do CPPT (e art. 65.º da LGT) se refere a “quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido” está a abranger os sujeitos em repercussão legal, mas não em repercussão de facto, como no caso dos autos.
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Para além de que, na minha opinião os requerentes não conseguiram provar um qualquer interesse legítimo; não têm, pois, qualquer posição subjetiva legitimadora da intervenção na presente ação arbitral fiscal. Para além de que a legitimidade para efetuar revisão oficiosa (ou solicitar a AT para a efetuar) se circunscreve aos sujeitos passivos, como decorre expressamente do art. 78.º, n.º 1, da LGT – e as requerentes, também por esse motivo, não têm legitimidade para a presente ação arbitral.
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Quem, como nos autos, sofre porventura a ablação do imposto por repercussão económica ou de facto (e não por repercussão legal, como no IVA (art. 37º do CIVA) e IEC (art. 2.º do CIEC), não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de uma repercussão legal (Acórdão STA de 1/10/2003, proc. n.º 0956/03).
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À face do exposto, julgaria verificada exceção de ilegitimidade das Requerentes, em exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição das Requeridas da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
Porto, 12 de março de 2024
Tomás Cantista Tavares