Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 527/2023-T
Data da decisão: 2024-03-26  ISV  
Valor do pedido: € 281.357,32
Tema: ISV – New European Driving Cycle (NEDC) - Despacho do SEAF n.º 348/2018 – XXI, de 1 de Agosto.
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SUMÁRIO

Nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do CISV, na redacção vigente no último quadrimestre de 2018, a base tributável do ISV tem em consideração para efeitos de tributação os níveis de emissão de dióxido de carbono (CO2), calculados de acordo com o ciclo de ensaios resultantes dos testes realizados ao abrigo do New European Driving Cycle – NEDC.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Prof.ª Doutora Carla Castelo Trindade (presidente), Prof. Doutor Miguel Patrício e Dr. Pedro Guerra Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 26-09-2023, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

A..., S.A., doravante “Requerente”, com o NIPC..., com sede na Rua..., n.º ..., ...-..., ..., ..., veio, em 18-07-2023, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra o ato de liquidação de Imposto sobre Veículos e respectivos juros compensatórios, no valor de € 281.357,32 (duzentos oitenta e um mil, trezentos e cinquenta e sete euros e trinta e dois cêntimos), e contra o indeferimento tácito presumido de reclamação graciosa, pretendendo a respetiva declaração de ilegalidade e anulação.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).

A Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:

  1. O objeto da presente pronúncia arbitral é o de saber se a Requerente violou, ou não, o artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do Código do Imposto sobre Veículos (“CISV”), na redacção vigente em 2018.
  2. No caso da presente pronúncia arbitral está em causa a tributação em ISV de 373 automóveis FIAT PANDA, 212 automóveis FIAT 500 e 23 automóveis FIAT TIPO, com fundamento na errada declaração de valores de CO2 nas respectivas declarações aduaneiras de veículo (“DAV”).
  3. A A..., SA. é uma entidade que se dedica, entre outras coisas, à importação de veículos fabricados pelas entidades que compõem o Grupo B..., onde se incluem os veículos da marca FIAT.
  4. A Requerente, sustenta, o errado, impreciso e pouco claro entendimento propugnado pela AT sobre a expressão “restantes características” a que alude o 2.º parágrafo do n.º 3 do Despacho n.º 348/2018-XXI, de 01-08-2018, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (“SEAF”), revela-se violador da letra, espírito e sentido teleológico / objetivo do despacho em causa; não vai de encontro ao princípio geral da boa interpretação da lei; não corresponde às recomendações comunitárias pertinentes (cf., designadamente considerandos dos regulamentos de execução (EU 2017/1152 – considerando 4 - e 2017/1153 - considerando 3), e revela-se violador do princípio da segurança jurídica, que tem por corolário o princípio da confiança legítima, e que exige, por um lado, que as normas jurídicas sejam claras e precisas e, por outro, que a sua aplicação seja previsível para os cidadãos.
  5. Como resulta da simples análise do Ofício ... da Alfândega do Jardim do Tabaco que notificou a liquidação do ISV para pagamento à Requerente, a autoridade liquidatária não discriminou, minimamente que fosse, quais os fundamentos técnicos subjacentes a essas 608 liquidações / correções.
  6. Na ausência de qualquer informação sobre as 608 correções, o autor do ato das liquidações – a Alfândega do Jardim do Tabaco - aderiu, sem reservas, à proposta de liquidações corretivas formulada pelos serviços no Relatório Final da Acção Inspectiva DI2018... .
  7. A fundamentação da proposta de liquidação constante do Relatório Final é, no mínimo, confusa, se não mesmo obscura, e claramente contraditória, com as implicações legais que tal circunstância justifica.
  8. No preenchimento das DAV, na parte respeitante às casas constantes do campo E (características do veículo) são quase todas de preenchimento automático através de migração de dados dos registos das homologações técnicas do IMT. O operador apenas tem de introduzir informação nas casas 33, 40, 42, 43, 49, 52 e 53.
  9. Tal é o que resulta, de resto, do manual com “Instruções de preenchimento da DAV” da Direcção de Serviços dos Impostos Especiais de Consumo e do Imposto sobre Veículo.
  10. A inspeção verificou que, em 2 DAV, a identificação da variante das viaturas na casa 36 estava incompleta – recorde-se, é informação transmitida do IMT automaticamente para a DAV.
  11. A Requerente em sede de audição prévia sobre o projeto de conclusões da ação inspetiva, deixou claro que o “lapso” não era da sua responsabilidade.
  12. Sustenta a Requerente, que o facto de a AT apenas ter acesso à informação relativa a homologações nacionais, não é impeditivo do legítimo recurso por parte da Requerente à validade da homologação europeia, afinal, esta é a única origem da homologação técnica (“HT”) nacional.
  13. Apesar de manifestamente contraditória, errada e ilegal a fundamentação proposta pela Inspecção – a inexistência de homologação técnica nacional anterior a 01-09-2017 –, a verdade é que a Alfândega do Jardim do Tabaco acolheu-a e, com base nela, efectuou as liquidações correctivas, em particular quanto às DAV relativas a um conjunto de veículos cujos certificados de conformidade (“CoC”) tinham tara e peso bruto iguais aos constantes das HT de referência.
  14. Temos que a autoridade liquidatária, certamente induzida em erro pelos serviços de inspeção, procedeu ilegalmente a liquidações corretivas relativamente (i) a 585 viaturas FIAT 500 e FIAT PANDA com fundamento no falso pressuposto de que a data das HT nacionais é que relevavam, ignorando a existência das homologações europeias e as suas datas anteriores a 01-09-2017 e, ainda ii) sobre 23 veículos FIAT TIPO com base no pressuposto igualmente errado de que a Requerente recorreu a versões diferentes para preenchimento dos valores de CO2 na casa 50 das DAV, por as HT de referência terem taras e pesos brutos diferentes.
  15. Mais sustenta, que nos termos da lei e regulamentação comunitária, as extensões mais não são que atualizações obrigatórias de homologações, exclusivamente resultantes de alterações efectuadas pelo fabricante, por vontade deste ou porque impostas por lei, que impliquem a alteração dos dados registados nos dossiês da homologação técnica original.
  16. Sempre que o fabricante introduz quaisquer alterações no fabrico do modelo homologado inicial que impliquem a alteração dos respetivos dados técnicos registados no dossiê original de homologação, tem de as comunicar à entidade homologadora, a quem compete emitir as extensões (ou efectuar a revisão) da homologação em causa.
  17. Obviamente que a existência de extensão de homologações, em maior ou menor número, nada tem a ver com «emissões de CO2», como presume / sugere a Inspeção.
  18. Defende que a homologação (seja ela a homologação CE ou a HT nacional), refere-se a um modelo de veículo. Uma homologação abarca assim um conjunto de veículos desse mesmo modelo; já o CoC respeita a cada veículo produzido. Isto é, a cada número de identificação de um veículo especificado (“VIN”) corresponde um CoC.
  19. Dir-se-á que a homologação técnica define o “cidadão nacional” e o CoC corresponde ao “bilhete de identidade daquele individuo”.
  20. Tal implica, evidentemente, que entre uma HT e um CoC existam diferenças mais ou menos assinaláveis, incluindo quanto ao peso bruto e quanto à tara.
  21. No entanto, independentemente da “variação da tara e do peso bruto”, estamos sempre perante viaturas do mesmo modelo, da mesma variante e da mesma versão objeto das homologações. Aliás, não poucas vezes a tara e o peso bruto carregados para a DAV pelo IMT, nem sequer corresponde aos valores do CoC do carro que vai ser matriculado e tributado.
  22. Não é, ainda, despiciendo deixar expresso que a “tara” e o “peso bruto” nunca aparecem ou sequer são referidos como elemento ou parâmetro na definição dos conceitos de “variante de um modelo” e “versão de uma variante” na regulamentação europeia. É absolutamente irrelevante como critério identificativo do tipo. Por isso a existência de valores mínimos e máximos registados nas homologações europeias.
  23. Sustenta a Requerente, que a Inspeção tomou por única premissa uma verdade lapalissiana: o peso bruto e a tara têm influência no nível de emissões poluentes; o mais pesado irá consumir mais combustível; logo, com emissões de CO2 superiores a veículos com menor tara e peso bruto.
  24. A realidade é que as emissões poluentes ao abrigo do New European Driving Cycle (“NEDC”) são especificamente medidas através de ensaios que recorrem a diversos parâmetros e o peso bruto e a tara não são um deles.
  25. São, por conseguinte, muitas e diversas as razões que levam a que o mero peso bruto/tara de uma viatura, não sendo totalmente irrelevante, não é, contudo, e nunca foi critério de determinação de emissões poluentes
  26. Conclui a Requerente no seguinte sentido:
    1. Não se oferecem dúvidas que todas as 608 DAV objecto de liquidações correctivas respeitam a veículos que a AT recusou poderem beneficiar do 2.º parágrafo do n.º 3 do Despacho n.º 348/2018-XXI, de 01-08-2018, do SEAF.
    2. A Alfândega do Jardim do Tabaco, ao apropriar-se da fundamentação contraditória e obscura constante do Relatório Final da acção inspectiva DI2018..., procedeu à errada correção de tributação das emissões de CO2 e, portanto, a liquidações ilegais.
    3. A fundamentação é contraditória quando a AT, através da Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso, dá parecer no sentido que é a data das homologações europeias aquela que é válida para efeitos de aplicação do Despacho do SEAF, parecer que é recusado pelos serviços de inspeção com a justificação de que apenas tem acesso à informação relativa a homologações nacionais. Este vício abrange a tributação das 585 viaturas FIAT 500 e FIAT PANDA.
    4. Essa recusa, fundada formalmente apenas na data das homologações nacionais (ignorando-se tratarem de homologações técnicas europeias prévias a 01-09-2017) para poder qualificar os veículos aqui em causa como excluídos do âmbito de aplicação do 2.º parágrafo do n.º 3 do citado despacho do SEAF, afigura-se manifestamente ilegal.
    5. A fundamentação é obscura quando a AT, sem indicar qualquer base ou fundamento legal, parte de premissas tais como a tara e o peso bruto, como elementos identificadores relevantes da base tributável, quando é certo que, quer a tara, quer o peso bruto, nunca foram elemento ou “característica” relevante para a determinação das emissões de CO2 no âmbito da metodologia NEDC. Em nenhuma fonte legal é identificada como tal, nem sequer como elementos identificadores de variantes e versões ou elementos particularmente relevantes na medição de emissões de CO2. Este vício refere-se à tributação de 23 automóveis FIAT TIPO.
    6. A liquidação aqui impugnada, assente numa interpretação desalicerçada e sem qualquer respaldo legal, viola flagrantemente o princípio da segurança jurídica «que tem por corolário o princípio da proteção da confiança legítima, exige, por um lado, que as normas de direito sejam claras e precisas e, por outro, que a sua aplicação seja previsível para os cidadãos» e que «se impõe com especial rigor quando se trata de uma regulamentação suscetível de comportar encargos financeiros, a fim de permitir aos interessados conhecer com exatidão as obrigações que esta lhes impõe», em particular, no caso da Requerente que está impedida de repercutir a tributação ilegalmente exigida.
  27. Termina a Requerente, peticionado, que seja anulada na totalidade a liquidação que ora se impugna, por ser ilegal e padecer da existência de uma fundamentação contraditória e obscura.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 19-07-2023, e subsequentemente notificado à AT.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 06-09-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 26-09-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.

A Requerida apresentou a sua resposta, com defesa por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”) em 16-10-2023, alegando, em síntese, o seguinte:

  1. O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto as liquidações adicionais de ISV, e respetivos juros compensatórios, originadas por alegada incorreta aplicação do regime transitório previsto nos Despachos do SEAF, e visa a declaração de ilegalidade de seiscentos e oito atos de liquidação de ISV e respetivas liquidações de juros compensatórios, que melhor se identificam na tabela anexa ao Processo administrativo.
  2. No que tange à medição da componente ambiental CO2, a liquidação e o cálculo do montante de imposto, foi efectuada de acordo com o estipulado no Despacho do SEAF n.º 348/2018, de 1 de agosto de 2018, alterado pelo Despacho n.º 375/2018, de 31 de Agosto, também do SEAF, e com os artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas, conforme resulta do Quadro R da DAV, as reduções previstas nas tabelas A e D para os veículos ligeiros de passageiros, com referência à componente cilindrada e à componente ambiental, e de acordo com as características do veículo, nos termos dos referidos artigos do CISV.
  3. A questão controvertida, que opõe a Requerente à AT, tem subjacente a divergência de interpretação no que tange aos pressupostos de aplicação dos despachos do SEAF, mormente, no que concerne ao seu ponto 3.
  4. Infere-se que da conduta da AT não resulta qualquer violação de princípios constitucionalmente consagrados, mormente o princípio da segurança jurídica, não estando igualmente em causa, a estabilidade das relações administrativas e seus efeitos, porquanto a redacção do n.º 1 do artigo 4.º do CISV não foi alterada.
  5. A tributação automóvel foi materializada com base neste preceito, sempre com recurso ao método de cálculo NEDC.
  6. O SEAF determinou, apenas, que, no último quadrimestre de 2018, fosse possível ao operador económico inscrever no campo 50 da DAV (emissões poluentes – CO2/Km) um valor mais baixo do que o do veículo declarado, desde que os veículos mantivessem as mesmas características.
  7. A respeito do princípio da segurança jurídica, impõe-se refutar os argumentos da Requerente, nomeadamente quando alega que a interpretação da AT acerca da expressão “as restantes caraterísticas” se revela violador da letra, espírito e sentido/objetivo do despacho, indo, por isso, contra o princípio geral da boa interpretação da lei, violando igualmente o princípio da segurança jurídica, e defendendo, por isso, que a expressão do segundo parágrafo do ponto 3 do citado despacho só pode referir-se às caraterísticas elencadas no primeiro parágrafo do mesmo preceito, isto é, as relativas, «ao modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível do veículo em causa (…)».
  8. Defende a Requerida que o que é permitido no segundo parágrafo do ponto 3 é que possa ser criada uma nova referência de versão/variante resultante exclusivamente da medição de CO2 de acordo com o sistema Wordldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure (“WLTP”), aplicando-se o disposto no parágrafo anterior, ou seja, a possibilidade de indicar o último valor conhecido de emissões de CO2 (NEDC), desde que as restantes características e a designação comercial do veículo se mantenham inalteradas.
  9. E, neste sentido, a expressão “restantes características” terá necessariamente de corresponder às características que não constam do primeiro parágrafo, caso contrário não teria havido a necessidade utilizar tal expressão, por ser meramente redundante e sem qualquer efeito útil.
  10. Assim, como decorre da própria literalidade da expressão utilizada no 2.º parágrafo do ponto 3, ao nela se estabelecer que “No caso de veículos que preencham estas condições (…)” o ponto 3 do despacho determinou que, não obstante a (permitida) alteração da variante/versão que possa vir a ocorrer em virtude, exclusivamente, da medição do CO2 pelo novo método WLTP, as condições inerentes ao modelo, à cilindrada e ao tipo de combustível têm, contudo, de se mostrar sempre verificadas.
  11. Logo, as restantes características a que alude o segundo parágrafo do ponto 3, não poderão deixar de compreender as demais características técnicas do veículo a tributar as quais deverão estar em conformidade com a HT considerada para efeitos de indicação do último valor conhecido de emissões de CO2 determinado de acordo com o ciclo NEDC.
  12. Esta é, por conseguinte, a interpretação suscetível de assegurar que se tome em consideração o mesmo veículo para efeitos de tributação, a fim de manter o imposto da componente ambiental no período transitório (último quadrimestre de 2018), até à entrada em vigor do OE/2019 que adequou a tributação às novas emissões de WLTP, aplicando-lhe a base tributável constante do artigo 4.º do CISV, que tem subjacente as emissões referentes ao ciclo de testes NEDC.
  13. Assim não sendo, a possibilidade de indicação do “último valor de CO2 – NEDC conhecido” com recurso, para o efeito, a um veículo de características diferentes do veículo a tributar, implicaria uma tributação com base em valores de emissões de CO2 substancialmente diferentes das do veículo em causa, desvirtuando por essa via o sentido e o objetivo do despacho, deixando ao livre critério dos operadores a possibilidade de escolha de um veículo com caraterísticas mais vantajosas em termos fiscais, o que colide e se revela contrário ao espírito que norteou a elaboração e publicação do Despacho em causa.
  14. Pelo que parece não haver dúvidas de que com a elaboração do Despacho do SEAF n.º 348/2018XXI, e para efeitos de manter e minimizar a subida abrupta do imposto decorrente da alteração de métodos de medição de CO2, no período transitório, até à entrada em vigor do OE/2019, que adequou a tributação às novas emissões WLTP, o conceito de “restantes características”, mencionadas no 2.º parágrafo do ponto 3, só pode respeitar a todas as demais características do veículo que constam na sua HT e não mencionadas no parágrafo 1 do ponto 3 do Despacho.
  15. Mais sustenta que, para execução do controlo sobre a correta aplicabilidade dos despachos, foi seguida a seguinte metodologia: - Os veículos objeto de controlo foram agrupados por HT nacional / FAM; - Solicitou-se à R. um CoC por HT nacional / FAM (amostra); - Solicitou-se à R. a indicação da HT nacional / FAM escolhida para efeitos de aplicação dos despachos / inscrição das emissões de CO2 nas DAV; - Solicitou-se à R. um CoC (amostra) por cada HT; - Promoveram-se reuniões informais com o despachante da R.,  ..., afim de esclarecer as duvidas suscitadas por ambas partes.
  16. Com base nesta informação, testou-se a correspondência dos parâmetros, conforme parte III do relatório final da DI2023... .
  17. Defende a Requerida que, para que se tenha em consideração, para efeitos de aplicação das taxas de ISV, o último valor conhecido de emissões de CO2, calculado de acordo com o ciclo combinado de ensaios NEDC, é necessário que estejam em causa veículos que tenham obtido homologação técnica prévia a 1 de Setembro de 2017.
  18. No método NEDC, o único considerado neste trabalho, os valores são constantes, ou seja, se para determinada homologação foi considerada determinada tara, que pode variar num intervalo, é o valor máximo desse intervalo que é considerado. Igual critério para outras homologações. Se assim não fosse, não seria possível comparar parâmetros. Os extras não são inscritos nos certificados de conformidade.
  19. O CoC é um documento que atesta as características do veículo e sua obediência à norma.
  20. A análise nunca poderia cingir-se a modelos. Um modelo compreende inclusivamente mais que uma designação comercial, com largo espectro de outras caraterísticas.
  21. Dos veículos controlados no âmbito da DI2018..., foram detectadas divergências no parâmetro “CO2” de 608 DAV, sendo que só se conseguiu corrigir a liquidação inicial em 605 DAV.
  22. Com efeito, o peso bruto e a tara do veículo constam quer do certificado de conformidade do veículo quer da HT, e fazem parte das características técnicas do veículo.
  23. Sendo, pois, o peso bruto e a tara, elementos que relevam e se encontram inscritos nos documentos técnicos dos veículos, homologação técnica e certificados de conformidade.
  24. O peso bruto, conforme desde logo resulta do disposto no artigo 2.º do CISV, é um elemento estruturante para efeitos da classificação fiscal de veículos e da incidência objetiva do imposto sobre veículos, influenciando o nível de emissões de CO2 dos veículos.
  25. Com efeito, ao estabelecer a incidência objetiva do imposto, a lei é claríssima ao referir o peso bruto, como elemento definidor e configurador, entre outros, do âmbito de incidência do mesmo.
  26. Nesta conformidade, não podem restar dúvidas de que qualquer alteração no peso bruto e tara que possam influenciar as emissões de CO2 do veículo e, consequentemente, determinando uma tributação diferente do veículo, tem de ser considerada como característica fiscalmente relevante.
  27. Ou seja, a alteração no peso bruto e tara de um veículo tem de ser considerada característica impeditiva da aplicação do primeiro segmento do 2.º parágrafo do n.º 3 do Despacho do SEAF, uma vez que consubstancia uma alteração nas características do veículo.
  28. O segmento em causa o que visa é que o veículo a tributar (frise-se, de forma mais favorável para o contribuinte) mantenha as caraterísticas determinantes da alteração de emissão de CO2 inalteradas, o que não acontece no caso, designadamente, de aumento da tara e do peso bruto.
  29. Mais defende a Requerida que a possibilidade de se recorrer à indicação do último valor de CO2 – NEDC conhecido com recurso a um veículo de características diferentes do veículo a tributar implicaria uma tributação com base em valores de emissões de CO2 substancialmente diferentes das do veículo em causa, o que adulteraria o sentido e o objectivo do despacho, deixando ao livre critério dos operadores a possibilidade de escolha de um veículo com caraterísticas mais vantajosas em termos fiscais, o que colide e revela-se contrário ao espírito que norteou a elaboração e publicação do Despacho em causa.
  30. Com efeito, o despacho em referência não visou o ajustamento do ISV e do IUC aos níveis de emissões decorrentes do novo sistema WLTP, visto que tal desiderato apenas foi efectuado por via legislativa, no âmbito do OE/2019, onde foram efectuadas as revisões das tabelas de ISV e IUC e das normas que consagram isenções fiscais condicionadas por limites de emissões de CO2.
  31. Mas sim procurar manter a tributação referente ao sistema NEDC, relativamente aos veículos antigos, que já haviam obtido homologação anterior a 1.09.2017, e que por via exclusivamente das novas medições de CO2 de acordo com o sistema WLTP, aplicáveis a partir de 1.09.2018, correriam o risco de ficar penalizados relativamente a veículos iguais (com as mesmas características técnicas), das do veículo a tributar.
  32. Conclui a Requerida no seguinte sentido:
    1. Quanto à questão da interpretação da expressão “restantes características” constante do 2.º parágrafo do n.º 3 do Despacho somos de parecer discordante relativamente ao alegado pela Requerente, que considerou que a diferença na tara e no peso não deve ser considerada para efeitos da aplicação do entendimento vertido no Despacho n.º 348/2018XXI, conforme alterado pelo despacho n.º 375/2018 do SEAF, por não ter sido expressamente mencionada no 1.º parágrafo do n.º 3 do despacho.
    2. Desde as últimas décadas que a União Europeia tem vindo a implementar e aperfeiçoar uma estratégia comunitária de redução das emissões de CO2 dos veículos automóveis;
    3. Neste quadro, e para serem comercializados, tornou-se necessário que os veículos automóveis passassem a efectuar uma série de testes a fim de verificar a sua conformidade
    4. A componente ambiental representa, assim, o custo do impacto ambiental, também suportada pelos veículos novos, devendo a mesma ser entendida como um montante que os sujeitos passivos pagam ao Estado, destinado a compensar os efeitos nefastos que o veículo automóvel causa ao ambiente, sendo que esse montante é progressivo em função das emissões de dióxido de carbono.
    5. Quanto aos métodos de medição, consistindo embora, ambos os métodos NEDC e WLTP, protocolos internacionais de medição de consumos e, portanto, com idênticos objetivos – quais sejam os de determinar os consumos e emissões de CO2 de um veículo com vista à sua homologação, prosseguem, porém, caminhos diferentes em ordem à obtenção daqueles resultados, pelo que os dados finais diferem.
    6. Contrariamente ao que acontecia no sistema NEDC, o novo método WLTP de medição de emissões tem em consideração as especificações de cada veículo, incluindo todos os equipamentos opcionais cuja influência sobre o consumo de combustível e emissões de O2 possa ser significativa, ao mesmo tempo que são tidas em conta as situações com que um condutor se depara na condução quotidiana, pelo que se obtêm valores mais precisos de CO2;
    7. Ora, reflectindo o método WLTP valores mais representativos da utilização real do veículo, seria expectável que esta mudança não implicasse custos acrescidos para o consumidor, contudo, tal não aconteceu, já que veio a verificar-se que o novo sistema provocou um aumento generalizado dos valores oficiais até então apresentados pelas marcas.
    8. Tal circunstância obrigou a que o legislador europeu consagrasse um regime transitório por forma a que a aplicação do novo sistema fosse introduzida gradualmente, e não abruptamente, com o fim de garantir a estabilidade e a segurança jurídica no mundo complexo do mercado automóvel, destacando-se, para esse efeito, os Regulamentos de Execução (UE) 2017/1151 da Comissão, de 1 de junho de 2017, (que completa o Regulamento (CE) n.º 715/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões dos veículos ligeiros de passageiros e comerciais e ao acesso à informação relativa à reparação e manutenção de veículos, que altera a Directiva n.º 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, o Regulamento (CE) n.º 692/2008 da Comissão e o Regulamento (UE) n.º 1230/2012 da Comissão, e revoga o Regulamento (CE) n.º 692/2008) e (UE) 2017/1153 da Comissão de 2 de Junho de 2017, que “(…) de modo a ter em conta a diferença entre os níveis de emissões de CO2 medidos pelo actual procedimento NEDC e pelo novo método WLTP, “(Considerando 1)”,(…) estabeleceu uma metodologia para determinar os parâmetros de correlação necessários para refletir a mudança no procedimento de ensaio regulamentar.
    9. Ressalvaram, desde logo, porém, estes regulamentos, a possibilidade de virem a existir situações relativamente às quais a ferramenta de correlação não fosse capaz de fornecer valores de emissões de CO2 suficientemente exactos e, por conseguinte, se apresentassem desvios face aos valores declarados pelos fabricantes, permitindo‑se, nesses casos, que os mesmos solicitassem a realização de ensaio físico do veículo, se tais desvios excedessem determinada percentagem.
    10. Num país como o nosso, em que os automóveis pagam impostos com base nas emissões de CO2, a mudança de método de medição de emissões implicou e significou um aumento no valor final de impostos a pagar.
    11. Considerando, ainda, que o novo procedimento WLTP tem em consideração as especificações de cada veículo, incluindo todos os equipamentos opcionais cuja influência sobre o consumo de combustível e emissões de CO2 possa ser significativa, tais como todos os conteúdos opcionais que influenciam a aerodinâmica, a resistência ao rolamento e a massa do veículo, determinando, assim, um valor de CO2 que reflecte as características de cada veículo, termos em que fornece um critério mais realista para comparar os valores de consumo e de emissões de CO2 dos diversos modelos de veículos, permitindo obter valores mais precisos.
    12. Nestes termos, e para garantir a manutenção da tributação, com base nas emissões antigas de NEDC, é fundamental que se tome em consideração o CO2 de um veículo do mesmo modelo, variante, versão, cilindrada, tipo de combustível, designação comercial e restantes características, não referindo o despacho quais são elas, por impossibilidade, face ao seu elevado número, tendo-se optado por remeter para a homologação técnica do veículo, onde as mesmas figuram de forma exaustiva.
    13. Ora, a partir de 1 de setembro de 2018 passaram a figurar obrigatoriamente nos certificados de Conformidade emitidos pelos fabricantes os valores de CO2 apurados de acordo com o novo sistema de medição de emissões WLTP (“Valores de CO2 WLTP”), que serão significativamente superiores aos valores que resultavam do anterior regime de medição (NEDC), conforme resulta de estudos publicados pela Comissão Europeia, já que os veículos são testados de acordo com várias características específicas que anteriormente não eram tidas em conta (incluindo os equipamentos extra).
    14. A interpretação do n.º 3 do despacho em apreço efectuada pela Requerente, que reconduz as “restantes características” ao modelo, cilindrada, tipo de combustível e designação comercial, mencionadas expressamente no 1.º parágrafo do n.º 3, para além de, como se viu, não ter literalmente nem gramaticalmente, apoio na letra do despacho conduziria a um resultado contrário ao que se pretendia obter, já que permitiria tomar em consideração as emissões de um veículo com tara, peso bruto, potência, n.º de lugares, n.º eixos motores, e outras características diferentes do veículo a tributar, conduzindo a um nível de tributação substancialmente diferente do veículo em questão, uma vez que as emissões de CO2 variam em função de tais características.
    15. Deste modo, a expressão restantes características referidas no 2.º parágrafo só podem corresponder às que não constam do 1.º parágrafo, caso contrário o autor do despacho não teria necessidade de utilizar esta expressão, por ser redundante.
    16. Temos, assim, que estar perante o mesmo veículo, com as mesmas características, sendo que as alterações que sofreu na variante/versão tem que ter resultado, apenas, da medição pelo novo sistema WLTP, a qual inflacionou o valor CO2 fazendo aumentar o imposto, e por conseguinte a forma que o governo arranjou para minimizar esse aumento e o consequente prejuízo para o operador económico, foi permitir que fosse considerado/aplicado o último valor NEDC conhecido, que era o constante da HT anterior a 1 de setembro de 2017, inferior portanto.
    17. Assim, as restantes características só podem ser as que não estão referidas no 1.º parágrafo, como seja, o peso bruto, a tara, a potência, o n.º de lugares, o n.º de eixos motores, etc., pois só esta interpretação assegura que se tome em consideração o mesmo veículo para efeitos de tributação, a fim de manter o imposto da componente ambiental no período transitório (último quadrimestre de 2018), até à entrada em vigor do OE/2019, que adequou a tributação às novas emissões WLTP.
    18. Caso adotássemos a interpretação da Requerente, de que as restantes características são apenas as referidas no primeiro parágrafo, por serem as que o legislador reputou de relevantes, seria possível tomar em consideração as emissões de CO2 NEDC de um veículo diferente (com outra tara, ou com outro peso bruto, outra potência, etc.) o que permitiria tributar valores de emissões de CO2 substancialmente diferentes das do veículo em causa, conduzindo a uma fuga ao imposto, o que adulteraria o sentido e o objetivo do despacho, para além de provocar perda de receita, deixando ao livre arbítrio dos operadores a escolha de um veículo com características que melhor se adequassem à carga fiscal que pretendessem suportar, o que se afigura destituído de qualquer sentido.
    19. No que se refere à interpretação do n.º 3 do despacho, nomeadamente no que respeita ao conceito de restantes características a que se alude no 2.º parágrafo, reitera-se que o objetivo do referido despacho consistiu em evitar o aumento abrupto da tributação dos veículos, resultante da mudança do sistema de testes de CO2 de NEDC para WLTP, tendo a solução passado por tributar as últimas emissões de CO2 NEDC conhecidas para o mesmo veículo (cujas características constam da sua homologação técnica), permitindo-se uma alteração, apenas, da variante e da versão e, ainda assim, desde que se comprove que tais alterações resultavam exclusivamente do novo sistema de testes WLTP.
    20. Nesta conformidade, não podem restar dúvidas de que qualquer alteração no peso bruto e tara que possam influenciar as emissões de CO2 do veículo e, consequentemente, determinando uma tributação diferente do veículo, tem de ser considerada como característica fiscalmente relevante.
    21. Ou seja, a alteração no peso bruto e tara de um veículo tem de ser considerada característica impeditiva da aplicação do primeiro segmento do 2.º parágrafo do n.º 3 do Despacho do SEAF, uma vez que consubstancia uma alteração nas características do veículo.
    22. Se assim não fosse, como é, o segmento final do 2.º parágrafo do n.º 3 do Despacho em causa, ao estabelecer a condição de inalterabilidade das “restantes características” dos veículos, seria completamente inútil e não é.
    23. A tara e peso bruto incluem-se, como outras características (por exemplo, designadamente, o número de lugares do veículo), nas “restantes características” do veículo constantes da sua homologação técnica, as quais, juntamente com a designação comercial do veículo, devem manter-se inalteradas, para efeitos da aplicação do estatuído no 2.º parágrafo do n.º 3 do despacho n.º 348-2018 XXI, de 1 de agosto de 2018 do SEAF.
  33. Termina a Requerida defendendo que as liquidações em crise são legais e têm de manter‑se na ordem jurídica.

No dia 07-03-2024, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido inquiridas as testemunhas apresentadas pela Requerente. As Partes foram notificadas para apresentar alegações escritas finais e o Tribunal indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente pela Requerente até essa data (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações em 21-03-2024, reafirmando, no essencial, as posições assumidas nos respetivos articulados.

 

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar a legalidade de actos de liquidação de ISV e juros compensatórios, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, contado da data indeferimento tácito presumido de reclamação graciosa formado em dia 20-04-2023, tendo sido a presente acção proposta em 18-07-2023.

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Matéria De Facto

§3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:

  1. A Requerente A..., S.A., é uma sociedade comercial que se dedica à importação de veículos fabricados por entidades do Grupo B.., designadamente veículos da marca FIAT.
  2. Em 12.12.2018, a Alfândega do Jardim do Tabaco instaurou à ora Requerente uma acção de natureza fiscalizadora que consubstanciou o procedimento inspetivo interno, a que foi atribuído o n.º DI 2018..., com vista ao controlo do movimento declarativo dos veículos cujas DAV foram liquidadas no último quadrimestre de 2018.
  3. A Requerente exerceu o seu direito de Audição em 09.07.2019.
  4. Em 08.08.2022, por ofício n.º NIF-..., de 03.08.2022, da Alfândega do Jardim do Tabaco, em cumprimento do disposto nos artigos 77.º da LGT e 62.º n.º 2 do RCPITA, foi a Requerente notificada do conteúdo do Relatório Final da Ação Fiscalizadora bem como da decisão final que sobre a mesma recaiu, do mesmo constando, como Anexo I do relatório Final, a lista de 608 viaturas identificadas, rececionado pela Requerente em 08.12.2022.
  5. Em 08.08.2022, pelo Ofício n.º NIF-..., de 03.08.2022, a Requerente foi notificada das liquidações de ISV e respetivos juros compensatórios, no montante global de € 281.357,32 e para o respetivo pagamento no prazo de 10 dias úteis, até 23.08.2022, referentes às 608 viaturas devidamente identificadas no processo administrativo junto aos autos.
  6. A Requerente procedeu à apresentação de garantia do montante devido, e apresentou, em 20.12.2022, junto do Director da alfândega, reclamação graciosa daqueles actos de liquidação.
  7. As liquidações de ISV e respetivos juros compensatórios surgem na sequência do Relatório Final relativo ao Procedimento Inspectivo n.º DI2018..., da Alfândega do Jardim do Tabaco, que fiscalizou o cumprimento dos pressupostos de aplicação do regime transitório previsto nos Despachos n.ºs 348/2018-XXI e 375/2018-XXI, respectivamente, de 1 e 31 de 2018.
  8. O Senhor Subdiretor-Geral da Área de Gestão Tributária dos IEC, Dr. Brigas Afonso, enviou uma comunicação electrónica datada de 06-09-2018, endereçada à ACAP – Associação Automóvel de Portugal, com o seguinte conteúdo:

Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

Senhor Secretário-Geral da ACAP

Caro Dr. ...

Considerando que têm surgido dúvidas sobre a interpretação do ponto n.º 3 do Despacho n.º 348/2018-XXI do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que junto se anexa e que foi oportunamente divulgado, informo que nas situações abrangidas pelo disposto no referido ponto 3, a homologação técnica a indicar na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) é a última homologação técnica que diz respeito ao automóvel a tributar, garantindo-se, desta forma, uma correta declaração do veículo, bem como a correspondência exata entre as caraterísticas do mesmo e os elementos a constar do

Documento Único Automóvel (DUA).

Contudo, na casa 50 da DAV, relativa às emissões de dióxido de carbono (CO2), não deve ser declarado o novo valor de CO2 inerente ao veículo a tributar (NEDC correlacionado ou WLTP), mas sim o último valor conhecido das emissões de CO2 do ciclo NEDC original, relativo a um veículo do mesmo modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível.

Deverá ainda ter-se em consideração que, nos termos do Despacho n.º 375/2018 – XXI do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, oportunamente divulgado, sempre que existirem alterações na variante/versão dos veículos, resultantes exclusivamente da medição de emissões de CO2 de acordo com o sistema WLTP (Wordldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure), essa variante/versão não será considerada para efeitos da determinação do último valor conhecido das emissões de CO2 relativas aos testes NEDC, referidas no ponto 3 do supra citado Despacho n.º 348/2018 – XXI, desde que as restantes caraterísticas e a designação comercial do veículo se mantenham inalteradas.

Assim, para efeitos da aplicação do ponto n.º 3 do Despacho n.º 348/2018-XXI do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, todos os elementos declarados na DAV devem reportar-se à homologação técnica que efetivamente respeita ao veículo a tributar, com exceção do valor de CO2 a declarar pelo operador na casa 50 da DAV, que deve ser o último valor conhecido no sistema NEDC relativo a um veículo do mesmo modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível.

Mais se informa que o valor de CO2 declarado na casa 50 da DAV servirá apenas para tributação em sede de ISV e de IUC, não sendo utilizado pelo IMT para efeitos de emissão do DUA.

Relativamente aos controlos a que se refere o ponto 4 do supra citado Despacho n.º 348/2018-XXI, os mesmos serão baseados na análise dos certificados de conformidade que serviram de base à declaração, na casa 50 da DAV, das emissões de dióxido de carbono, pelo que os mesmos deverão ser guardados pelos operadores para apresentação, quando solicitados.

Com os melhores cumprimentos”.

  1. Em 20.04.2023, formou-se o indeferimento tácito presumido de reclamação graciosa apresentada pela Requerente.
  2. A Requerente apresentou o seu Pedido de Pronuncia Arbitral em 18.07.2023.

 

§3.2. Factos não provados

Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

 

§3.3. Fundamentação da matéria de facto

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal.

Em relação à prova testemunhal importa salientar o contributo trazido pelo depoimento Sr. C..., project manager da empresa A..., testemunhou com clareza sobre os processos de homologação e sobre as mudanças que ocorreram em 2018 da passagem da forma de incidência do imposto, em especial a decorrente da falta de orientação e incerteza quanto a implementação do novo sistema WLTP face ao sistema NEDC, e sobre a sua aplicação aos veículos fabricados a partir de 01.09.2017 e para todos os veículos matriculados a partir de 01.09.2018.

No que se refere ao depoimento da testemunha D..., que trabalha na empresa E..., Lda., e que efectua os processos de homologação dos veículos da Requerente, o mesmo testemunhou com clareza sobre os processos de homologação sobre as dificuldades que tiveram com a implementação do novo sistema WLTP face ao sistema NEDC, e sobre a sua aplicação aos veículos fabricados a partir de 01.09.2017 e para todos os veículos matriculados a partir de 01.09.2018. Mais testemunhou, que foi ele que procedeu ao preenchimento dos formulários da respetiva importação, e que à data colocou os valores que considerou mais corretos face aos veículos em questão e face às novas regras de implementação do WLTP, do NEDC correlacionado e do NEDC, do DAV e do CoC.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

  1. Matéria de Direito

Discute-se no presente processo a legalidade das liquidações adicionais de ISV e respectivas liquidações de juros compensatórios, emitidas com base no pressuposto de que a Requerente preencheu indevidamente os valores das emissões de CO2 nas DAV de 608 viaturas no último quadrimestre de 2018, tendo em conta o disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. a) do CISV e da interpretação que lhe foi conferida pelos Despachos do SEAF n.º 348/2018-XXI de 1 de Agosto e n.º 375/2018-XXI de 31 de Agosto.

Enquanto a Requerente entende que os montantes de emissões de CO2 a ter em conta para efeitos da liquidação do ISV eram os resultantes da aplicação da metodologia de cálculo NEDC (New European Driving Cycle), a Requerida considera que não poderia ser tida em conta aquela metodologia por não estarem preenchidos os pressupostos previstos nos Despachos do SEAF acima referidos.

Antes de se analisar os concretos efeitos e consequências jurídicas associadas àqueles Despachos, revela-se necessário enquadrar a norma de incidência e compreender de que forma operava a tributação em sede de ISV no que às emissões de CO2 diz respeito.

À data dos factos, determinava-se no artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do CISV que a base tributável do imposto, referente a automóveis de passageiros, era constituída pela “cilindrada, o nível de emissão de dióxido de carbono (CO2) relativo ao ciclo combinado de ensaios e o nível de emissões de partículas, quando aplicável”, tal como constantes do certificado de conformidade.

Esta norma de incidência e o sistema de tributação de veículos no que respeita à oneração do nível de emissão de CO2, foi estruturado com base no sistema de medição NEDC (New European Driving Cycle), implementado pelo Regulamento (CE) n.º 692/2008 da Comissão, de 18 de Julho de 2008, que executou e alterou o anterior Regulamento (CE) n.º 715/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho de 2007, referente à “homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões dos veículos ligeiros de passageiros e comerciais e ao acesso à informação relativa à reparação e manutenção dos veículo”.

No âmbito da prossecução da política ambiental, a União Europeia entendeu substituir o sistema de medição NEDC pelo novo método de medição WLTP (Wordldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure), com o objectivo de assegurar uma maior harmonização internacional dos requisitos de ensaio dos veículos e, acima de tudo, de conseguir informações mais realistas e precisas acerca do consumo de combustível e das emissões de CO2 para efeitos de consumo e de regulamentação, agravando a tributação sobre os veículos efectivamente mais poluentes.

A implementação do sistema WLTP foi feita através do Regulamento (UE) n.º 2017/1151 da Comissão, de 1 de Junho de 2017, do Regulamento (UE) n.º 2017/1152 da Comissão, de 2 de Junho 2017, e do Regulamento de Execução (UE) n.º 2017/1153 da Comissão, de 2 de Junho de 2017, que determinaram a obrigatoriedade da aplicação deste novo sistema de medição a partir de 1 de Setembro de 2017 no caso da homologação de novos modelos  e a partir de 1 de Setembro de 2018 quanto a todos os veículos novos que fossem matriculados após esta última data, independentemente de já terem ou não obtido anteriormente homologação de acordo com o sistema NEDC. O objectivo seria que, a partir de 1 de Setembro de 2019, todos os veículos novos colocados no mercado europeu fossem ensaiados pelo método WLTP.

Não obstante, de forma a mitigar o impacto do aumento do nível de emissões de CO2 associado ao novo método de aferição WLTP, determinou-se no Regulamento de Execução (UE) n.º 2017/1153 da Comissão, de 2 de Junho de 2017, que, durante período de implementação do sistema WLTP, “justifica-se continuar a verificar o cumprimento dos objetivos de emissões específicas utilizando os valores das emissões de CO2 baseados no NEDC.”.

Neste sentido, consagrou-se um phasing out, isto é, uma transição progressiva de sistemas, feito através da utilização do mecanismo transitório “NEDC Correlacionado”, que deveria configurar nos certificados de conformidade em simultâneo com os valores obtidos através do método WLTP.

Para garantir que a transição era feita sem lesar as legítimas expectativas de todos os intervenientes na cadeia comercial, desde os fabricantes até aos consumidores finais, a Comissão Europeia aconselhou os Estados-Membros a adoptar medidas que mitigassem o aumento significativo da tributação que resultaria da aplicação tout court dos novos valores de CO2 apurados de acordo com o sistema de emissões WLTP. Isto porque os modelos de tributação sobre os veículos tinham como pressuposto os valores de CO2 mais baixos que eram calculados através do sistema NEDC.

Em Portugal, a alteração do modelo de tributação apenas foi feita com a aprovação da Lei do Orçamento de Estado para 2019, que no seu artigo 284.º alterou a redacção do artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do CISV, nos seguintes termos: “O imposto sobre veículos possui natureza específica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constantes do respectivo certificado de conformidade: a) Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, tributados pela tabela A, a cilindrada, o nível de emissão de partículas, quando aplicável, e o nível de emissão de dióxido de carbono (CO(índice 2)) relativo ao ciclo combinado de ensaios resultante dos testes realizados ao abrigo do “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado” (New European Driving Cycle – NEDC) ou ao abrigo do “Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros” (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP), consoante o sistema de testes a que o veiculo foi sujeito para efeitos da sua homologação técnica”.

Sem prejuízo, e para assegurar a introdução progressiva do método WLTP, determinou‑se no artigo 285.º da Lei do Orçamento de Estado para 2019 que, “Durante o ano de 2019, para efeitos do apuramento do imposto da componente ambiental da Tabela A constante do artigo 7.º do Código do ISV, bem como para a aferição dos limites de CO2 fixados nos regimes de benefício, as emissões de dióxido de carbono relativas ao «Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros» (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP), referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Código do ISV, constantes do certificado de conformidade e mencionadas na declaração aduaneira de veículo, são reduzidas de forma automática pelo sistema de fiscalidade automóvel, nas percentagens constantes da tabela seguinte (…)”.

Estas alterações legislativas, que não afastaram por completo a tributação das emissões de CO2 em sede de ISV ao abrigo do NEDC, apenas entraram em vigor em momento posterior à data dos factos aqui em análise, ou seja, em momento posterior ao último quadrimestre de 2018. Até ao início da vigência destas alterações legislativas, a transição do sistema de medição NEDC para sistema WLTP foi acautelada através do já referido Despacho do SEAF n.º 348/2018 – XXI, de 1 de Agosto, onde se determinou o seguinte:

Tributação e Isenções Fiscais associadas ao nível de emissões de CO2 dos veículos automóveis - Nova Metodologia de Medição de emissões WLTP (WORLDWIDE HARMONISED LIGHT VERICLE TEST PROCEDURE)

Considerando que a tributação automóvel, quer em sede de Imposto Sobre Veículos (ISV), quer em sede de IMPOSTO UNICO DE CIRCULAÇÃO (IUC), tem uma componente ambiental associada às emissões de C02 dos veículos automóveis, e que várias isenções fiscais previstas no âmbito destes impostos são igualmente condicionadas a limites de emissões de CO2 de veículos;

Considerando que a fixação das taxas de ISV e de IUC, bem como dos limites para efeitos das isenções fiscais previstas nos respetivos Códigos, foram determinados pelo legislador em conformidade com os níveis de emissões de CO2 resultantes do sistema de medição de emissões então vigente: “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado” (New European Driving Cycle - NEDC);

Tendo em conta que em 2017 foi alterada, através da regulamentação europeia, a metodologia utilizada na medição das emissões de CO2 dos veículos automóveis, tendo sido substituído o regime de ensaios NEDC pelo novo sistema Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure (WLTP), sendo o novo sistema de medições obrigatório para as homologações técnicas de novos modelos a partir de 1 de setembro de 2017, e para todos os veículos matriculados a partir de 1 de setembro de 2018, ainda que estes últimos já tivessem sido previamente homologados de acordo com o anterior sistema NEDC (“modelos antigos”);

Tendo, ainda, em conta que, desde 1 de setembro de 2017 e até à presente data, a tributação de veículos homologados na vigência do regime de medição de emissões NEDC continuou a ser efetuada com base nos valores de C02 que resultavam dessas homologações e eram indicados nos respetivos Certificados de Conformidade, a coberto do Despacho n.º 305/2017- XXI, de 12 de julho, do então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais;

Considerando, igualmente, que, a partir de 1 de setembro de 2018 passarão a figurar obrigatoriamente nos Certificados de Conformidade emitidos pelos fabricantes os valores de CO2 apurados de acordo com o novo sistema de medição de emissões WLTP (“Valores de CO2 WLTP), que serão significativamente superiores aos valores que resultavam do anterior regime de medição (NEDC), conforme resulta de estudos publicados pela Comissão Europeia, já que os veículos são testados de acordo com várias caraterísticas específicas que anteriormente não eram tidas em conta (incluindo os equipamentos extras) e em condições reais de circulação.

Considerando, igualmente, que a par do valor de emissões WLTP, figurará no Certificado de Conformidade o valor apurado de acordo com o procedimento de “correlação”, definido nos Regulamentos de Execução (UE) 2017/1152 da Comissão, de 2 de junho de 2017, e (UE) 2017/1153 da Comissão, de 2 de junho de 2017 (“Valores de CO2 NEDC”, também designado como “NEDC correlacionado”), ressalvando estes regulamentos que possam existir situações relativamente às quais a ferramenta de correlação não seja capaz de fornecer valores de emissões de CO2 suficientemente exatos e apresente desvios face aos valores declarados pelos fabricantes, permitindo-se, nesses casos, que estes solicitem a realização de ensaio físico do veículo, se tais desvios forem superiores a 4%;

No entanto, verifica-se que tanto para o WLTP, como para o NEDC correlacionado, ainda não existe informação sobre um universo alargado de veículos que permita determinar a exata medida em que o aumento do valor das emissões ocorrerá, por tipo de veículos (passageiros ou mercadorias, tipo de combustível, cilindrada);

Tendo, ainda, presente que a transição do sistema de medição de emissões NEDC para o sistema WLTP deve ser acompanhada de ajustamento das atuais tabelas do CIS e do CIUC, as quais foram aprovadas com o pressuposto do sistema de medição de emissões então existente (NEDC);

Mostrando-se necessária a clarificação da forma de aplicação das normas tributárias existentes no ordenamento jurídico interno em função do contexto acima descrito, bem como proceder à revisão do enquadramento legal em função da regulamentação europeia,

Determino o seguinte:

1. A AT deve apresentar nos âmbitos dos trabalhos de preparação do Orçamento de Estado para 2019, uma proposta de revisão das atuais tabelas de ISV e IUC e das normas que consagram isenções fiscais condicionadas aos limites de emissões de CO2, ajustando-se aos níveis de emissões decorrentes do novo sistema WLTP;

2. No período compreendido entre l de setembro de 2018 e 31 de dezembro de 2018, e no que respeita aos veículos que tenham obtido a primeira homologação técnica posteriormente a l de setembro de 2017 (modelos novos), e apenas tenham sido testados de acordo com o novo sistema de medição de emissões WLTP, não existindo valores medidos de acordo com o anterior sistema NEDC para esses mesmos veículos, deverá ter-se em consideração, para efeitos de aplicação das taxas de ISV e IUC e das isenções no âmbito destes impostos que estejam condicionadas pelo nível de emissões de C02, o valor apurado de acordo com o procedimento de “correlação” definido nos Regulamentos de Execução (UE) 2017/1152 da Comissão, de 2 de junho de 2017, e (UE) 2017/1153 da Comissão, de 2 d e junho de 2017 (“Valores de CO2 NEDC”, também designado como “NEDC CORRELACIONADO”), que figurará no Certificado de Conformidade, a par do valor de emissões WLIP;

3. No período compreendido entre l de setembro de 2018 e 31 de dezembro de 2018, sempre que estejam em causa veículos que já haviam obtido homologação técnica anteriormente a 1 de setembro de 2017, deverá ter-se em conta, para efeitos de aplicação das taxas de ISV e IUC e das isenções no âmbito destes impostos que estejam condicionadas pelo nível de emissões de CO2, o último valor conhecido de emissões de CO2 determinado de acordo com o ciclo combinado de ensaios realizados ao abrigo do “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado “ (New European Driving Cycle- NEDC”), relativo ao modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível do veículo em causa, em conformidade com a referida homologação;

No caso dos veículos que preencham estas condições mas relativamente aos quais tenha sido criada uma nova referência de “versão”, resultante exclusivamente da medição de emissões CO2 de acordo com o sistema WLTP, aplica-se o disposto no parágrafo anterior, desde que as restantes características e a designação comercial dos veículos se mantenham inalteradas.

4. A AT, em articulação com o IMT, deve promover todas as diligências que se mostrem necessárias ao controlo do correto cumprimento deste despacho designadamente no que se refere ao ponto anterior, podendo esse controlo ser concomitante ou sucessivo.

5. Dê-se conhecimento a Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto e do Ambiente.

Fica, portanto, evidente, que o objectivo prosseguido foi o de proferir um conjunto de instruções de interpretação e aplicação da norma de incidência prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do CISV, que, ao integrar um modelo de tributação assente no antigo sistema NEDC, poderia implicar um aumento significativo de tributação por força da transição para o novo sistema de medição de emissões WLTP.

É certo que a AT emitiu os actos de liquidação adicional de ISV com base no incumprimento dos pressupostos previstos no despacho do SEAF, em concreto, a suposta homologação das viaturas em data anterior a Setembro de 2017 e a não alteração das “características” a que alude o citado 2.º parágrafo do n.º 3 daquele instrumento normativo. É certo, também, que, pela presente acção, a Requerente vem invocar o cumprimento daqueles requisitos, juntado a prova que entendeu necessária para o efeito.

Porém, antes de se analisar o concreto teor normativo daquele despacho, revela-se, desde logo, necessário determinar qual o resultado da aplicação da norma jurídica que lhe serve de parâmetro e cujo sentido interpretativo ali se visa esclarecer. Isto na medida em que a vinculatividade dos despachos do SEAF, enquanto actos administrativos desprovidos de eficácia externa, apenas opera perante a AT. Dito de outro modo, o teor daqueles despachos apenas será vinculativo para os sujeitos passivos na medida da sua legalidade, determinada pelo concreto teor da norma que resulta do artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do CISV.

            Ora, relativamente ao sentido interpretativo que deve ser conferido à norma prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do CISV, por referência à redacção vigente no último quadrimestre de 2018, pronunciou‑se já o Tribunal Arbitral, no acórdão proferido em 29 de Novembro de 2023, no âmbito do processo n.º 687/2022-T, da seguinte forma:

não existe dúvida de que o ciclo de referência levado então em conta pelo legislador resultava da medição NEDC e não o WLTP, sendo que a passagem de um sistema para o outro, ainda que pudesse considerar-se juridicamente indiferente em termos da norma de incidência considerada numa estrita perspetiva filológico-gramatical, jamais o seria na conjugação dos demais elementos ou fatores da interpretação jurídica. Assim, a norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CISV, não pode interpretar-se no sentido de admitir, sem mais, a alteração do modelo com base no qual o legislador construiu a incidência do imposto e determinou o apuramento da matéria tributável e respetiva coleta, pelo que, o artigo em causa deve ser interpretado no sentido de que, na redação vigente até ao final de 2018, a base tributável do imposto (ISV) é constituída pelos elementos: cilindrada, nível de emissão de partículas, quando aplicável, e nível de emissão e dióxido de carbono (CO2), calculado de acordo com o ciclo de ensaios resultantes dos testes realizados ao abrigo do designado “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado” - New European Driving Cycle – NEDC.”.

Com efeito, é porque aquela norma jurídica – e, em bom rigor, todo o sistema de tributação em sede de ISV – tinha subjacente a medição de emissões de CO2 com recurso ao método NEDC que foi necessário mitigar a transição para o método WLTP. Transição essa que apenas foi operada através da aprovação da Lei do Orçamento do Estado para 2019 onde, aí sim, se introduziu o sistema de medição WLTP.

Apesar de o elemento gramatical da norma permitir outro resultado interpretativo, a verdade é que dos elementos teleológico e sistemático resulta que a norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CISV, na redacção vigente no último quadrimestre de 2018, apenas tinha em consideração o método NEDC.

Não faria qualquer sentido que se considerasse desde logo aplicável a tributação sobre os valores de CO2 apurados ao abrigo do método WLTP quando a lógica do ISV não estava adaptada ao mesmo e, acima de tudo, quando o legislador fez uma progressiva e faseada introdução daquele método, continuando a determinar mesmo após a alteração legislativa de 2019 a tributação dos veículos já homologados e testados ao abrigo do NEDC com base neste sistema de medições.

Esta é, assim, a interpretação jurídica que melhor se coaduna com os ditames da hermenêutica jurídica previstos no artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil e, simultaneamente, que permite uma efectiva e eficaz tutela do princípio da segurança jurídica, que de outra forma seria violado.

Por conseguinte, conclui-se que nenhuma censura merece a actuação da Requerente que conformou a tributação das 608 viaturas objecto destes autos com base nas emissões de CO2 constantes dos respectivos certificados de conformidade que foram calculadas de acordo com o método NEDC.

Em face do exposto, julga-se procedente a ilegalidade invocada pela Requerente, determinando-se a anulação dos actos de liquidação de ISV e juros compensatórios aqui contestados.

 

  1. Decisão

De harmonia com o exposto, acordam os árbitros, neste Tribunal Arbitral, em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, determinar a anulação dos actos de liquidação de ISV e juros compensatórios contestados;
  2. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

  1. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 281.357,32 (duzentos oitenta e um mil, trezentos e cinquenta e sete euros e trinta e dois cêntimos), indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, correspondente ao valor das liquidações de ISV e de juros compensatórios cuja anulação constitui o objeto desta ação.

 

  1.  Custas Arbitrais

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de Março de 2024

 

Os Árbitros,

 

 

Prof.ª Doutora Carla Castelo Trindade, Árbitra-Presidente

 

Prof. Doutor Miguel Patrício, Arbitro Vogal

 

Dr. Pedro Guerra Alves, Arbitro Vogal