Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 521/2023-T
Data da decisão: 2024-03-20  IRS  
Valor do pedido: € 7.431,36
Tema: IRS – Reinvestimento de mais valias imobiliárias: obras – obrigação de inscrição na matriz;
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SUMÁRIO:

 

  1. Tendo a liquidação sido efetuada com base nas declarações dos Requerentes/sujeitos passivos, a dispensa do direito de audição é admissível nos termos do n.º 2 alínea a) do artigo 60.º LGT.

 

  1. O indeferimento tácito, por ser ficção de ato, não é um verdadeiro ato administrativo sujeito às menções obrigatórias do artigo 151º CPA e, nomeadamente, ao dever de fundamentação previsto no nº 1 do artigo 77º da LGT.

 

  1. A exclusão de tributação, ao abrigo do n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, da mais-valia imobiliária por via do reinvestimento em obras de ampliação ou melhoramento de imóvel implica não apenas a realização de obras, mas também que as mesmas sejam objeto de comunicação para efeitos matriciais dentro do prazo previsto no n.º 6 do art.10.º do CIRS.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O Árbitro Catarina Gonçalves, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

  1. RELATÓRIO

 

São Requerentes A..., NIF..., e B..., NIF ..., ambos residentes na Rua ..., ..., ...-... ..., doravante designados de Requerentes ou Sujeitos Passivos.

 

É Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

 

A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2022 ..., e demonstrações de juros e acerto de contas conexas, datada de 28.11.2022, referente ao ano de 2018, no valor de € 7.431,36 (sete mil quatrocentos e trinta e um euros e trinta e seis cêntimos).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou a signatária como Árbitro, que comunicou a aceitação no prazo aplicável.

 

Em 05.09.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar.

 

Desta forma, o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 25.09.2023, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a AT, para, querendo, se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

 

No dia 02.11.2023, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação.

 

Foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, à luz do disposto nos artigos 16º-c), do RJAT e do princípio da proibição da prática de atos inúteis, considerando que se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais.

 

Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo a respetiva posição jurídica.

 

Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

Em síntese, são estas as posições das partes:

 

Requerente

  • A Requerente efetuou o reinvestimento relevante não apenas em 2018, mas também em 2019, na aquisição e construção de habitação própria e permanente adquirida em 2018.
  • A Requerente não declarou o reinvestimento efetuado em 2019 atempadamente, mas em 14.01.2023 entregou declaração de IRS de substituição referente a 2019, corrigindo o valor de reinvestimento efetuado nesse ano.
  • As despesas apresentadas em 2019 mais não são do que despesas de remodelação adicionais às já incorridas em 2018 relativamente à mesma obra, sobre o mesmo imóvel, já aceites como reinvestimento pela AT.
  • A Requerida não colocou em causa qualquer dos pressupostos constantes da declaração de substituição, nem dos elementos de prova apresentados comprovando as despesas de reinvestimento realizadas em 2019.
  • Os Requerentes alteraram o seu domicílio fiscal para o imóvel em questão dentro do prazo requerido.
  • As obras efetuadas não implicaram nenhuma alteração ao imóvel suscetível de implicar modificações tipológicas, pelo que não haveria obrigação de inscrição na matriz do imóvel ou das alterações.
  • Se a liquidação tivesse pressupostos diferentes dos da declaração, a Requerida teria de notificar os Requerentes do projeto de decisão em sentido divergente, dando-lhes possibilidade de apresentar audição prévia.
  • O indeferimento tácito à reclamação graciosa entretanto apresentada pela Requerente é inválido por falta de fundamentação (arts. 77.º LGT e 37.º/1 CCPT) e anulável por violação do princípio da decisão e do direito da Requerente a uma pronúncia sobre o por si requerido (art. 36.º LGT).
  • As declarações dos contribuintes presumem-se verdadeiras e de boa-fé (art. 75.º/1 LGT).

 

Requerida

  • É dispensado o direito de audição “No caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte (…)” (art. 60.º n.º 2 a) LGT).
  • Tendo os Requerentes apresentado a declaração de rendimentos referente ao ano de 2018, sem qualquer alteração pela AT, é de dispensar a audiência prévia, não havendo, por isso, qualquer vício de forma.
  • O indeferimento tácito, por ser ficção de acto, não tem fundamentação.
  • No caso de violação do dever de decisão, o contribuinte pode deduzir impugnação judicial do indeferimento tácito, que foi o que a Requerida fez.
  • Os Requerentes não requereram a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização.

 

  1. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos Provados

 

Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar, de seguida, a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos.

 

  1. Em 28.06.2019, os Requerentes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2018, sob o número ...-2018-...-....
  2. Em 12.11.2019, os Requerentes apresentaram nova declaração de rendimentos de IRS (...-2018-...-...), substituindo a anterior, nomeadamente no que respeita ao Anexo G, declarando:
    1. a alienação, em 07.02.2018, do imóvel sob o artigo matricial ..., fração H, sito em Lisboa, por € 350.000,00 e adquirido por € 160.000,00 e despesas no valor de € 79.178,18;
    2. a intenção de reinvestimento (sem recurso a crédito) do valor de € 190.338,49;
    3. um valor de € 69.540,92, já reinvestido no ano da declaração, no imóvel sob o artigo matricial..., sito no concelho e freguesia de ..., Portalegre.
  3. Em 29.06.2019, foi emitida a liquidação n.º 2019..., respeitante à declaração apresentada, com valor a pagar no montante de € 17,65, liquidação onde a tributação da mais valia ficou suspensa, em virtude da opção pelo reinvestimento do valor de realização;
  4. A Requerente efetuou em Abril de 2018, por € 47.500, a compra do imóvel sob o artigo matricial ..., sito no concelho e freguesia de ..., Portalegre, no qual efetuou obras durante 2018 e 2019.
  5. Os Requerentes não declararam nos 2 anos seguintes (2019 e 2020), nas respetivas declarações modelo 3 de IRS, ter efetuado mais qualquer reinvestimento,
  6. Em 28.11.2022, a AT emitiu a liquidação ora impugnada, na qual se procede à reliquidação do IRS referente a 2018, em virtude do reinvestimento não ter sido concretizado integralmente no prazo legal;
  7. Nessa liquidação a AT fez refletir parte da mais valia apurada, considerando o reinvestimento parcial em 2018;
  8. Os Requerentes não foram notificados de nenhum projeto de decisão, previamente à emissão dessa liquidação;
  9. Em 14.01.2023, os Requerentes submeterem uma declaração de substituição modelo 3 de IRS n.º ...- 2019 - ... - ..., referente ao ano de 2019, na qual declararam, no respetivo anexo G, ter efetuado, em 2019, um reinvestimento adicional do valor de realização de € 99.301,37 (sem recurso ao crédito).
  10. A declaração de 2019, após liquidação (n.º 2023....), deu origem a nova re-liquidação de 2018 n.º 2023..., pela declaração de reinvestimento em 2019, que se encontra no estado de “Por Autoriz Manualmente”.
  11. Em 07.02.2023 os Requerentes apresentaram reclamação graciosa.
  12. A AT não proferiu qualquer decisão, tendo-se formado uma presunção de indeferimento tácito a 07.06.2023.
  13. Os Requerentes não requereram a inscrição na matriz das alterações no imóvel decorridos 48 meses desde a data da realização;
  14. Os Requerentes estão a pagar em prestações o montante da liquidação adicional.

 

  1. Factos Não Provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

  1. Fundamentação Da Fixação Da Matéria De Facto

 

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Questão decidenda

 

Atenta a posição das partes, constituem questões a dirimir:

  • A anulação parcial da liquidação de IRS referente ao ano de 2018, n.º 2022..., e demonstrações de juros e acero de contas conexas, no montante de € 7.431,36 (sete mil quatrocentos e trinta e um euros e trinta e seis cêntimos), por aplicação do regime previsto no art.10.º nº.5 do CIRS.
  • A condenação no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

  1. Quanto Ao Mérito Do Pedido

 

  1. Sobre a ilegalidade do ato

 

  • Falta de audição prévia

 

Alegam os Requerentes que se a liquidação em crise tivesse pressupostos diferentes dos da declaração de IRS submetida, a Requerida teria de os notificar do projeto de decisão em sentido divergente, dando-lhes possibilidade de apresentar audição prévia.

 

Sobre o princípio da participação e o consequente direito de audição, estabelece o artigo 60.º da LGT, o seguinte:

 

LGT - Artigo 60.º

Princípio da participação

1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

2 - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

 

 

Ora neste ponto, relembre-se que o direito de audição prévia constitui uma garantia de defesa dos particulares, de modo a permitir a justeza e a correção do ato final do procedimento. Dada a sua importância, o direito de audição prévia só pode ser dispensado nas situações legalmente previstas no artigo 60.º da LGT.

 

A AT emitiu a liquidação em crise, com base nos dados fornecidos pelos requerentes nas suas declarações. Ora, estabelece o art. 57.º CIRS o seguinte:

 

CIRS - Artigo 57.º
Declaração de rendimentos

4 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 5 a 9 do artigo 10.º, devem os sujeitos passivos[1]:

  1. Mencionar a intenção de efetuar o reinvestimento na declaração do ano de realização, indicando na mesma e nas declarações dos três anos seguintes os investimentos efetuados;
  2. Comprovar, quando solicitado, a afectação do imóvel à sua habitação permanente ou do seu agregado familiar, quando o reinvestimento seja efectuado em imóvel situado no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, através de declaração emitida por entidade oficial do outro Estado.

 

Competia, assim, aos Requerentes declarar o valor do reinvestimento efetuado, o que não fizeram atempada e previamente à liquidação que ora contestam.

 

A liquidação foi, pois, efetuada com base nas declarações dos Requerentes/sujeitos passivos, os quais não declararam valor de reinvestimento para além do que já havia sido declarado no ano da venda do imóvel que originou a mais valia, cuja exclusão tributária se pretende. Ou seja, a dispensa do direito de audição era admissível nos termos do n.º 2 alínea a) do artigo 60.º LGT.

 

  • Falta de fundamentação

 

Alegam também as Requerentes que o indeferimento tácito da reclamação graciosa é inválido por falta de fundamentação e anulável por violação do princípio da decisão e do direito da Requerente a uma pronúncia sobre o por si requerido.

 

Ora nesta matéria a Jurisprudência é clara, recorrendo-se este tribunal, a título exemplificativo, da decisão proferida no Acórdão CAAD nº 505/2023-T:

 

“Vigora no procedimento tributário (artigo 56º LGT) à semelhança do procedimento administrativo (vide artigo 13º do CPA), sob os pressupostos da boa-fé e da colaboração, o denominado princípio da decisão que determina o dever da administração tributária pronunciar-se sobre todos os assuntos que sejam da sua competência que lhe sejam apresentados pelos cidadãos-contribuintes. Pelo que, consequentemente, a administração tributária encontra-se subordinada à tomada de posição, sobre a apresentação de um meio administrativo de impugnação, como seja a reclamação graciosa.

Para o efeito da concretização do princípio da decisão sob o paradigma da celeridade, o nº 1 do artigo 57º da LGT estabelece para o procedimento tributário um prazo de quatro meses. Porém, este prazo assume uma natureza meramente ordenadora ou disciplinadora, pelo que, em caso de não observância, não tem em regra como efeito imediato e direto o deferimento do pedido do contribuinte. Assim, caso a reclamação graciosa não seja decidida no prazo previsto no nº1 do artigo 57º da LGT, ao contribuinte são admitidos dois caminhos alternativos: continuar a aguardar uma resposta da administração tributária, que não obstante a ultrapassagem do prazo de quatro meses não fica dispensada de elaborar uma decisão expressa; ou em alternativa presumir o indeferimento tácito nos termos do nº 5 do artigo 57º da LGT para poder optar pela prepositura de recurso hierárquico, impugnação judicial, ou, como é o caso dos presentes autos, optar pela arbitragem tributária.

Conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo nº 047495, de 03.02.2003

I - O indeferimento tácito não é um verdadeiro ato administrativo já que se limita a ser uma ficção jurídica destinada a possibilitar a abertura da via contenciosa. Deste modo, a não prolação atempada do acto administrativo não exime a Administração do poder-dever de proferir decisão expressa, pelo que quando esta é proferida ela passa a ser o único ato impugnável.”

De facto, o direito à fundamentação dos atos tributários reconduz-se a um dos direitos nucleares do cidadão, com proteção e amplitude constitucional conforme postulado no nº 2 do artigo 268º da CRP, que estabelece que os atos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos. Obrigação constitucional reconduzida no procedimento tributária no artigo 77º da LGT. Segundo este, a decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. Com a fundamentação assegura-se o direito ao cidadão-contribuinte conhecer o itinerário legal, factual e cognitivo da administração tributária que desembocou na decisão do procedimento. Pretende-se com a fundamentação, esclarecer, mas também permitir o convencimento da necessidade e legalidade do ato, junto do cidadão contribuinte, facilitando-se a aceitação e diminuindo a eventual litigiosidade e conflitualidade.

(…)

Porém, no caso em apreço estamos no âmbito de um ato de indeferimento tácito.

Como refere Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo nº 410/15.9BEFUN, de 15.12.2021:

I. O indeferimento tácito, por ser ficção de ato, não tem fundamentação, destinando-se tal presunção a facultar ao lesado o acesso à via judicial perante a omissão do dever de decisão.”

No indeferimento tácito, pela sua própria natureza não há intervenção da administração. Este não é um verdadeiro ato administrativo sujeito às menções obrigatórias do artigo 151º CPA e, nomeadamente, ao dever de fundamentação previsto no nº 1 do artigo 77º da LGT, já que se limita a ser uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao contribuinte poder exercer o direito à abertura da via contenciosa administrativa, arbitral ou judicial. Pelo que não tem acolhimento o pedido da requerente de falta de fundamentação do ato de indeferimento tácito.”

 

Concluindo, não procede o argumento das Requerentes.

 

  • Da substância

 

Isto posto, resta decidir se os Requerentes cumpriram os requisitos impostos pela lei para poder validamente reclamar a exclusão de tributação sobre a mais-valia que apuraram na venda do imóvel em 2018.

 

Atente-se assim, primeiramente, no regime jurídico em vigor à data dos factos:

 

CIRS - Artigo 10.º

Mais-valias

...
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
 

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

 

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

 

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

 

(…) 

 

6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

 

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;

 

b) Nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;

 

(…)

 

9 - No caso de reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas nos n.os 6 e 8, os benefícios a que se referem os n.os 5 e 7 respeitam apenas à parte proporcional dos ganhos correspondentes ao valor reinvestido.

 

 

Dos autos, resulta ter ocorrido reinvestimento, não posto em causa pela AT, em 2018. Ou seja, o que se questiona é o adicional de reinvestimento, efetuado em 2019, em obras de ampliação/melhoramento, pelo facto de o mesmo não cumprir a condição prevista na alínea b) n.º 6 art.º.10, isto é, não ter sido requerida a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações no prazo de 48 meses desde a data da realização.

 

A este respeito, recorre-se este tribunal da jurisprudência do Acórdão do TCAS no do Processo n.º 359/10.1BECTB:

 

“Resta, então, aferir se é possível haver exclusão da tributação, por força do reinvestimento em obras de melhoramento.

Atentando na al. c) do n.º 6 do art.º 10.º do CIRS, resulta que, concretamente nos casos de obras de melhoramento, não há a exclusão de tributação, prevista no n.º 5 do mesmo art.º 10.º, se:

a) As obras não forem iniciadas até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado; ou

b) Não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras (isto além da afetação do imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização),

– condições estas cumulativas (cfr. Paula Rosado Pereira, ob. cit., pp. 232 e 233).

Sobre esta questão e justamente no sentido de estarmos perante condições cumulativas, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.12.2019 (Processo: 070/12.9BELLE 0680/16), onde se refere:

“[N]os termos do referido nº 6, existem outros requisitos a cumprir, relativos à efectiva destinação do imóvel e elencados nas suas alíneas a) a c).

(…) Ou seja não se verificará o benefício da exclusão de tributação se qualquer uma daquelas exigências não for cumprida. A norma define, pela negativa, as circunstâncias em que o benefício da exclusão não se verificará. É o que se infere claramente do texto do preceito quando prevê que “Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando… não sejam iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras (…)”.

Assim, (…) não basta o cumprimento de um daqueles requisitos legais para se alcançar a exclusão da tributação.

E, sendo certo que a letra da lei constitui o ponto de partida na interpretação de qualquer norma tributária, importa sublinhar que constitui também um limite de interpretação, pois não podemos atribuir à lei um sentido que não tenha na sua letra “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, como dispõe o artº 9º do Código Civil (Cf. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2ª edição, Almedina, pág. 364.).

Trata-se (…) de requisitos que, cumulativamente se hão-de verificar.

Como sublinha José Guilherme Xavier de Basto (Cf. Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, pág. 415 e, também neste sentido, André Salgado de Matos, CIRS anotado, ed. do Instituto Superior de Gestão, pág. 168.), se qualquer um deles não for cumprido a resposta é que o benefício da exclusão não se verificará” [cfr., no mesmo sentido, o Acórdão deste TCAS, de 29.04.2021 (Processo: 39/11.0BEALM)].

Portanto, no caso de obras de melhoramento suscetíveis de consubstanciar reinvestimento para efeitos do n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, é não só necessário que as obras se iniciem no prazo previsto, mas também que as mesmas sejam objeto de comunicação para efeitos matriciais.

Esta obrigação de comunicação para efeitos matriciais permite concluir que nem todas as obras que se efetuem num imóvel são obras de melhoramento para efeitos de exclusão de tributação.

Veja-se que, nos termos do art.º 13.º, n.º 1, al. d), do CIMI:

“1 - A inscrição de prédios na matriz e a atualização desta são efetuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, no prazo de 60 dias contados a partir da ocorrência de qualquer dos seguintes factos:

(…) d) Concluírem-se obras de edificação, de melhoramento ou outras alterações que possam determinar variação do valor patrimonial tributário do prédio”.

Daqui decorre, numa interpretação conjugadas das várias normas pertinentes in casu, que são, pois, obras elegíveis, para este efeito, aquelas de impliquem uma variação do VPT do prédio, dado serem essas que implicam uma alteração matricial.

Portanto, atenta a exigência de inscrição na matriz das obras de melhoramento em causa, constante do art.º 10.º, n.º 6, al. c), do CIRS, não pode deixar de se interpretar que apenas são abrangidas as obras que importem uma alteração do VPT, nos termos referidos no art.º 13.º do CIMI.

Se as obras em causa não estão abrangidas pelo art.º 13.º do CIMI, não são elegíveis para efeitos do art.º 10.º, n.º 5, do CIRS, porquanto, como referimos, o seu n.º 6, al. c), faz depender a exclusão da tributação, entre outros, da correspondente declaração matricial, impondo, pois, que se trate de obras que impliquem uma alteração do valor matricial.”

 

Ou seja, decorre da lei que não basta efetuar o reinvestimento em obras, mas é também cumulativamente exigido que as obras que sejam efetuadas sejam de tal ordem relevantes que impliquem uma alteração matricial e, em consequência, a sua efetiva inscrição no registo.

 

Ora, no caso dos autos, o Requerente admite não ter efetuado qualquer inscrição na matriz, o que inquina a possibilidade de exclusão de tributação da mais-valia realizada (tal como já decidido nos Processos nº 542/2021-T e 619/2022-T).

 

Nestes termos, não pode ser dado provimento à pretensão do Requerente no que ao reinvestimento em obras respeita, devendo manter-se a liquidação recorrida, por ausência de preenchimento dos pressupostos legais previstos para a consideração do reinvestimento em obras para efeitos de exclusão de tributação da mais-valia fiscal obtida.

 

  1. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

Em face de improcedência do pedido, nega-se provimento a este pedido.

 

  1. DECISÃO

 

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Condenar a Requerente no pagamento das custas.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 7.431,36 (sete mil quatrocentos e trinta e um euros e trinta e seis cêntimos).

 

  1. CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente, por ter sido total o seu decaimento.

 

 

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Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de Março de 2024.

 

Árbitro

Catarina Gonçalves

 

 

 



[1] As alterações efetuadas pela L 71/2018, de 31 de dezembro e pela L 119/2019, de 18 de setembro não impactam a decisão.