Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 514/2023-T
Data da decisão: 2024-03-05  IMT  
Valor do pedido: € 180.000,00
Tema: IMT– Isenção do art. 6.º, alínea g) do CIMT. Imóvel de interesse municipal.
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Sumário:

I - O prazo de caducidade é de 4 anos contados a partir da verificação do facto tributário. Ora, o facto tributário gerador de imposto é a transmissão da propriedade, ocorrida em 20-07-2018, pelo que em 11-04-2023, ou seja, à data da notificação da liquidação adicional emitida com o n.º ..., já havia decorrido o prazo de caducidade de 4 anos, o que só por si basta para anular a liquidação impugnada.

II - Mesmo que outro fosse o entendimento quanto ao prazo de caducidade aplicável, sempre teria de ser anulada por vício de forma, dado que a decisão de revogação que esteve na base do ato de liquidação decorreu com violação da garantia do sujeito passivo a ser ouvido em sede de direito de audição, como bem resulta da matéria provada nos autos. Assim, reforça-se a ilegalidade do ato de liquidação impugnado nos autos. E, por fim, resulta da liquidação impugnada que esta carece de fundamentação adequada. Na verdade, só após a apresentação de um pedido de certidão, nos termos do disposto no artigo 37.º do CPPT, foi possível ao Requerente perceber as razões subjacentes a tal liquidação, o que não se afigura aceitável, mesmo que se considerasse como liquidação «ex novo». Na verdade, é inaceitável que todo o procedimento tributário que conduziu à liquidação aqui impugnada tenha decorrida como resulta evidenciado pela matéria provada nos presentes autos, com violação de garantias jurídico-constitucionais da maior importância para a produção válida do ato de liquidação.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os Árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro, Dr. Hélder Faustino e Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

I. Relatório

  1. A..., titular do número de identificação fiscal n.º ..., com residência na Rua..., ..., ..., SP, Brasil (doravante “Requerente”), veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, contra o ato de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”), notificada pelo Ofício n.º..., de 05-04-2023 e, bem assim, a decisão de anulação da decisão de deferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2018..., que anulou a liquidação de IMT ..., registo 2018/..., de 19-07-2018

 

  1. é Requerida a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

  1. O Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos e fundamentos:
  1. O Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, para pronúncia arbitral em matéria tributária, tendo em vista a apreciação da liquidação de IMT n.º..., de 26-05-2023, no valor de €180.000,00, bem como a decisão que revogou o despacho de deferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2018..., que anulou a liquidação de IMT n.º ..., referente à Modelo 1 de IMT n.º 2018/..., de 19-07-2018, cuja emissão foi requerida pelo ora Requerente, por ter adquirido, em 20-07-2018, a fração A, destinada a habitação própria e permanente, do prédio urbano, sito na Rua ... n.º ... a n.º..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., da freguesia da ..., concelho de Lisboa.
  2. O Requerente fundamenta a sua pretensão na caducidade do direito à liquidação. Defende o Requerente que caducou o direito à liquidação, pois, de acordo com o disposto no artigo 31.º, n.º 3 do Código do IMT, a “liquidação só́ pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, exceto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá́ ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35.º”.
  3. O Requerente invoca, ainda, a verificação dos requisitos necessários ao reconhecimento da isenção prevista no artigo 6.º, alínea g) do Código do IMT. Esta norma previa, à data da compra e venda pela qual o Requerente adquiriu o imóvel em causa que: “Ficam isentos de IMT (...) As aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável”. E, de acordo com a informação prestada tanto pela AT, quanto pela Câmara Municipal, à data da decisão de deferimento da Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente, o imóvel em causa cumpria os referidos requisitos.
  4. O Requerente alega também a anulabilidade do ato de anulação / revogação. Nos termos do disposto no n.º 1 e n.º 2 do artigo 168.º do CPA a AT dispunha de um prazo de seis meses, contados desde aquele dia 06-12-2021, para proceder à anulação do despacho por si proferido e que, por conseguinte, esse prazo esgotou-se em 06-06-2022. Invoca que, ainda que o despacho de revogação tenha sido proferido dentro daquela janela temporal (22-06-2022), o Requerente só foi notificado em 27-03-2023 ou seja, cerca de quatro meses após o prazo se ter esgotado, pelo que a notificação é intempestiva e, em consequência, o ato de revogação é inválido, não produzindo efeitos relativamente ao Requerente.
  5. O Requerente invoca, ainda, a violação do princípio da participação. Refere que não teve oportunidade de se pronunciar no âmbito do procedimento de anulação / revogação da decisão de deferimento da Reclamação Graciosa, uma vez que, como a própria AT já assumiu, o mesmo não foi notificado atempadamente para exercício de tal direito, tendo apenas sido citado no âmbito do processo executivo – vício que, aliás, conduziu à extinção deste último. E consequentemente, ao não ser concedida tal oportunidade de pronúncia ao Requerente, violou-se o princípio da participação, expressamente previsto nos artigos 60.º da LGT e 163.º do CPA, o que deve importar a anulação daquele ato.
  6. Por último, o Requerente invoca a violação de diversos princípios constitucionais: os princípios da boa-fé́ e da tutela da confiança e princípios da justiça, legalidade e igualdade.
  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 13-07-2023, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 14-07-2023. Em 31-08-2023, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  2. As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 31-08-2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  3. O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 19-09-2023, tendo sido proferido despacho arbitral em 07-02-2023 em cumprimento do disposto no artigo 17.º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.
  4. A AT apresentou Resposta, em 23-10-2023, tendo junto o Processo Administrativo. Em suma, a AT alega em defesa do ato impugnado que:
  1. Embora o Requerente e o Serviço de Finanças de Lisboa - ... se refiram à liquidação em causa, como “adicional”, ela não constitui uma verdadeira liquidação adicional na verdadeira aceção do termo.
  2. Na verdade, a liquidação adicional pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior (relativamente ao mesmo facto tributário, ao mesmo sujeito passivo e ao mesmo período), que aquela se destina a corrigir ou retificar porque, por erro de facto ou de direito ou por uma omissão ou inexatidão praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação, foi determinada a cobrança de um imposto inferior ao devido.
  3. Donde, a liquidação adicional não é mais do que a correção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes.
  4. A liquidação de IMT n.º..., a que corresponde o registo n.º 2023/..., no valor de € 180.000,00, notificada em 11-04-2023, foi emitida na sequência da anulação da liquidação de IMT n.º ... de 27-12-2022, a que corresponde o registo no 2022/... .
  5. Esta liquidação de 2022/12/27 por sua vez, tinha sido emitida na sequência do despacho de anulação da decisão de deferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2018... apresentada pelo Requerente contra a liquidação nº ... de 19/07/2018.
  6. A liquidação objeto do presente pedido, não corrige ou retifica nenhuma das liquidações anteriores, as quais foram anuladas, deixando por essa razão de existir na ordem jurídica.
  7. Quer isto dizer, que a liquidação em causa tem um papel meramente instrumental de forma a repor a situação fiscal inicial do caso em apreço, uma vez que o imposto inicialmente liquidado é devido naquela exata medida, não se verificando qualquer alteração que implicasse uma liquidação adicional.
  8. Constitui, isso sim, a primeira liquidação, emitida “ex novo” previamente à aquisição do prédio em causa, uma vez que a mesma nunca deveria ter sido objeto de anulação.
  9. Pelo que, à situação em causa é aplicável o prazo de caducidade de oito anos, previsto no disposto do artigo 35.º do Código do IMT.
  10. Defende, ainda, a AT que a factualidade que está na génese da revogação da decisão de deferimento da Reclamação Graciosa e, consequente, emissão da liquidação de IMT em crise, foram desencadeados por um pedido de informação solicitado à Câmara Municipal de Lisboa, em 23-03-2017, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo de impugnação n.º .../15....BELRS, a fim de ser esclarecida a situação do prédio sito na Rua ..., n.º ..., em Lisboa (...), inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ..., sob o n.º ..., designadamente se o mesmo se encontra classificado ou em vias de classificação como de interesse municipal, para efeitos do disposto no artigo 6.º, alínea g) do Código do IMT.
  11. De acordo com a informação prestada tanto pela AT, quanto pela Câmara Municipal, à data da decisão de deferimento da Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente, o imóvel em causa, tal como agora, não se encontrava classificado como de interesse municipal, apenas consta da lista como bem cultural imóvel, na lista geral do Inventario Municipal do Património com o n.º..., pelo que nunca cumpriu os requisitos para beneficiar da referida isenção.
  12. Assim, não se encontrando verificada a condição prevista na alínea g) do artigo 6.º do Código do IMT, isto é, tratar-se de prédio individualmente classificado como de interesse municipal, não beneficiava nem beneficia da referida isenção, concluindo-se que esta aquisição está sujeita ao regime de tributação regra.
  13. Relativamente à anulabilidade do ato de anulação / revogação, entende a AT que os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de 6 meses, a constar da data do conhecimento do órgão da causa da invalidade ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro e em qualquer caso, desde que não tenham decorrido 5 anos, a contar da respetiva emissão, conforme previsto no artigo 168.º, n.º 1, do CPA.
  14. Ainda que se admita que a AT dispunha do prazo de 6 meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa invalidante para proceder à anulação administrativa da decisão de deferimento da Reclamação Graciosa nos termos previstos no artigo 168.º, n.º 1 do CPA.
  15. Todavia, tal prazo conta-se a partir do momento em que a entidade competente para proceder à anulação tomou conhecimento da causa invalidante (segundo a AT, o Serviço de Finanças de Lisboa ..., competente para a anulação, tomou conhecimento da causa invalidante, apenas em 17-03-2022).
  16. E ainda que se considere como data do conhecimento da causa invalidade a data em que a AT tomou conhecimento por notificação eletrónica de 25-01-2022, ainda assim, a anulação ocorreu dentro do período temporal de 6 meses em que tal era admissível, nos termos do artigo 168.º do CPA.
  17. Resulta, assim, que tendo a entidade competente para anular a decisão de deferimento da reclamação, tomado conhecimento em 17-03-2022 da causa invalidante, e tendo tal anulação sido concretizada por despacho de 22-06-2022, conclui a AT que aconteceu dentro do prazo.
  18. Por outro lado, alega ainda o Requerente que o despacho de revogação só́ foi notificado em 27-03-2023, pelo que a notificação é intempestiva e, em consequência, o ato de revogação é inválido, não produzindo efeitos relativamente ao Requerente.
  19. Segundo a AT, o Requerente foi notificado, através de carta registada com aviso de receção do Serviço de Finanças Lisboa - ..., tendo sido utilizado o procedimento previsto no artigo 39.º, n.º 5 do CPPT, presumindo-se como notificado para todos os efeitos legais em 25-11-2022.
  20. Ainda assim, face aos argumentos apresentados em sede de oposição à execução, a AT, entendeu por bem, anular uma vez mais esta liquidação, e, porque em prazo, proceder à emissão de nova liquidação, com o n.º..., a que corresponde o registo n.º 2023/... .
  21. E é esta última que está em causa no presente pedido de pronúncia arbitral. Sendo certo que, a AT dispunha e dispõe do prazo de 8 anos para emitir a liquidação de IMT.
  22. Por outro lado, relativamente à alegacão de falta de notificação do ato de anulação/revogação, entende a AT que se referirá à liquidação entretanto anulada, matéria que já foi tratada supra, e, por conseguinte, a notificação concretizada em 11-04-2023 satisfaz todos os requisitos e notifica o Requerente da liquidação válida em causa.
  23. Já quanto à falta de notificação para exercer o direito de audição prévia, da análise da situação concreta, ressalta que a ter acontecido tal omissão, nunca conduziria à anulação do ato, dado que tal formalidade se degradou em «não essencial».
  24. Essa degradação ocorrerá, nomeadamente, quando estiver em causa decisão que não pudesse ser outra que não a efetivamente tomada, por força de uma atividade vinculada da AT.
  25. No caso concreto em análise, não foram invocados pela AT novos fundamentos e sobre os quais o Requerente ainda não se tinha pronunciado, apenas se esclareceu e confirmou o verdadeiro alcance dos fundamentos apresentados desde o início do procedimento levando à revogação da decisão anterior.
  26. Não se vislumbra algo sobre que o Requerente se pudesse pronunciar que alterasse o sentido da decisão tomada, em face do documento da Câmara Municipal de Lisboa, pelo que se poderá́ concluir, com absoluta segurança, que a decisão tomada era a única possível, logo fazendo apelo ao princípio do aproveitamento dos atos administrativos, não pode ser dado provimento também a este argumento do Requerente.
  27. Por outro lado, é de referir ainda que, uma decisão estará́ devidamente fundamentada sempre que um destinatário normal colocado perante as circunstâncias concretas que rodearam a prática do ato possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentaram, permitindo-lhe apreender o itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pelo seu autor.
  28. No que se refere à invocada violação de princípios constitucionais, o Requerente alega que gerada a legítima expectativa de que beneficiava da isenção, a posterior atuação da AT desrespeita os deveres de proteção da confiança dos particulares, ou seja, viola os princípios da boa-fé́ e da tutela da confiança, previstos no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da Républica Portuguesa. invoca, ainda, a violação dos princípios da justiça, legalidade e igualdade.
  29. Ora, não pode a AT concordar que a existência de qualquer violação dos referidos princípios da boa-fé e da tutela da confiança com a interpretação adotada na decisão de anulação ou revogação da decisão de deferimento da Reclamação Graciosa, tanto mais que no caso foi demonstrado pela entidade competente para o efeito – Câmara Municipal de Lisboa – que o imóvel em questão não se encontra classificado como de interesse municipal, apenas consta da lista como bem cultural imóvel, na lista geral do Inventário Municipal do Património com o n.º..., facto que não é enquadrável na isenção prevista no artigo 6.º, alínea g) do Código do IMT.
  30. Por outro lado, toda a atuação da AT, na prossecução do interesse público, está subordinada à lei, expresso na obediência ao princípio da legalidade, pelo que, in casu, a AT não pode, em nome de qualquer princípio legal, cometer um qualquer ato considerado ilegal, pelo que a argumentação da Requerente também deve improceder.
  31. O Requerente afirma igualmente que a AT violou o princípio da legalidade ao ter praticado um ato de anulação que sabe ser extemporâneo, desrespeitando o disposto no artigo 168.º do CPA.
  32. Quanto a essa questão já ficou demonstrado que o despacho de revogação foi proferido no prazo de 6 meses previsto no artigo 168.º, n.º 1 do CPA, como decorre do mencionado artigo, pelo que, não tem o Requerente razão, nos argumentos que aduz.
  33. Alega também, que o princípio da igualdade foi violado, conquanto os restantes adquirentes das demais frações autónomas que compõem o mesmo prédio beneficiaram dessa isenção.
  34. O princípio da igualdade é um dos parâmetros aferidores da legalidade interna dos atos praticados no exercício de poderes discricionários, não adquirindo relevância no âmbito dos poderes vinculados, não se apresentando, a este nível, como fonte autónoma de invalidade.
  35. Neste contexto, tem-se entendido que não pode haver igualdade na ilegalidade, isto é, o administrado não tem o direito de reclamar para si tratamento idêntico ao que a AT teve para com outro particular, se sabe que esse procedimento é ilegal. Isso levaria à intolerável reedição de ilegalidades, supostamente a coberto do princípio da igualdade
  36. A ação de controlo de benefício fiscal previsto na alínea g) do artigo 6.º do Código do IMT teve por objetivo dar tratamento idêntico a todos os sujeitos passivos em situação idêntica à do Requerente, evitando a atribuição indevida, por ilegal, daquela isenção, pelo que não se compreende tal alegação.
  37. Também refere que a atuação da AT não observou o princípio da justiça, uma vez que criou uma situação de grave injustiça, aproveitando-se do desequilíbrio de forças que pauta a relação AT / sujeito passivo, proferindo uma decisão sobre a qual o Requerente sequer teve oportunidade de se pronunciar antes de ser citado no âmbito de um processo executivo contra si instaurado.
  38. Ora, na situação em apreço, não se verificou qualquer atuação injusta ou de relevante afronta dos valores da ordem jurídica, e, muito menos, parcial e de má-fé, pelo que tal vício deverá improceder.
  39. Por outro lado, o Requerente foi notificado daquela revogação, ainda que ao abrigo do artigo 39.º, n.º 5 do CPPT, sendo certo que à data da notificação (25-11-2022) tinha como domicílio fiscal a morada do imóvel a que respeita a liquidação do IMT, o qual apenas foi vendido em 28-11-2022.
  40. E a AT, admitiu a alegada falta de notificação da anterior liquidação de imposto em sede de processo de execução fiscal, através da decisão proferida em sede de oposição à execução, pelo que emitiu a presente liquidação, razão pela qual não se admite qualquer violação ao princípio da justiça.
  41. Por último, importa ainda acrescentar o seguinte, e que constitui o objeto da presente impugnação é a liquidação n.º ..., que foi a última a ser emitida.
  42. Razão pela qual, as irregularidades que o Requerente vem invocar, supostamente ocorridas ao longo do procedimento de liquidação, a ocorrer foram em momentos anteriores que ficaram sanados com a emissão da última liquidação e em nada influenciam esta liquidação.
  43. É que, a liquidação que ora se discute é a última, com o n.º ... e os vícios invocados pelo Requerente referem se a atos de liquidação de imposto distintos, e que não se comunicam.
  44. Se a AT conclui que a decisão foi incorretamente tomada, anula o ato de liquidação consequente e, em conformidade, emite outro ato de liquidação de imposto, ter-se-á de concluir que estamos perante uma anulação total de ato de liquidação e prática “ex novo” de nova liquidação, não obstante nos encontramos perante a mesma realidade fática.
  45. Ora a decisão de anulação da liquidação n.º ..., foi efetuada em 29-03-2023, por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - ... .
  46. Essa liquidação, visada nos presentes autos, e validamente notificada em 11-04-2023, através do Ofício n.º ... de 05-04-023 do Serviço de Finanças de Lisboa - ..., foi emitida ao abrigo do disposto no artigo 208.º, n.º 3 do CPPT no âmbito do processo de oposição à execução n.º ...2023... .
  47. Por essa razão, e porque foram atendidos os argumentos do Requerente em sede de oposição à execução fiscal, não era exigível nem constitui qualquer irregularidade o facto de não ter sido facultado o direito de participação, nessa sede.
  48. Em suma, a liquidação visada, foi efetuada dentro prazo legal (8 anos) previsto no artigo 35.º do Código do IMT, tratando-se de um ato que visa repor a legalidade, isto é, repor na ordem jurídico-tributária, a liquidação de IMT devida aquando da aquisição do imóvel em 20-07-2018.
  49. Face ao exposto resulta que a liquidação impugnada não padece de qualquer vício tendo procedido a uma correta e adequada interpretação da lei, improcedendo a pretensão do Requerente. porque no caso em apreço não estão reunidos os pressupostos legais para que possa beneficiar da isenção de IMT.
  1. Em 27-10-2023, foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

“Considerando que:

1. Dispensa da reunião do artigo 18.º do RJAT

a) Não está requerida a produção de prova adicional, para lá da prova documental incorporada nos autos;

b) No processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis.

Dispensa-se a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT.

2- Alegações finais

Faculta-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do presente.

3 – Data para prolação e notificação da decisão final

Indica-se o dia 15 de dezembro de 2023 como data previsível para a prolação da decisão arbitral.

4 – Taxa de arbitragem remanescente

A requerente deverá cumprir oportunamente com o disposto no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (pagamento antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa arbitral).

Notifique-se.”

 

II. Saneamento

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  3. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
  4. O processo não enferma de nulidades.

 

 

III. Matéria de facto

III.1. Factos provados

  1. Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se como provados os seguintes factos:
  1. Em 20-07-2018, o Requerente adquiriu, através da celebração de escritura pública de compra e venda, pelo preço de € 3.000.000,00 (três milhões de euros), a fração A, destinada a habitação própria e permanente, do prédio urbano, sito na Rua ... n.º ... a n.º..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., da freguesia da ..., concelho de Lisboa.
  2. Pela referida aquisição foi emitida a liquidação de IMT n.º..., no valor de € 180.000,00, referente à Mod. 1 de IMT n.º 2018/..., de 19-07-2018, com o DUC n.º ..., tendo o Requerente efetuado o respetivo pagamento.
  3. Após a aquisição, o Requerente alega que se apercebeu de que era aplicável à compra e venda por si celebrada uma das causas de isenção de IMT, mais concretamente a isenção prevista no artigo 6.º, alínea g) do Código do IMT, tendo apresentado em 10-10-2018, no Serviço de Finanças de Lisboa - ..., Reclamação Graciosa (n.º ...2018...) contra aquela liquidação de IMT, com fundamento no facto de o imóvel adquirido ser considerado de interesse público.
  4. O Requerente solicitou a emissão de uma certidão à Câmara Municipal de Lisboa, pedido a que foi atribuído o n.º CML-..., e que culminou com a emissão, em 05-11-2020, de uma certidão atestando o interesse municipal do imóvel, cujo conteúdo parcialmente se reproduz: “Através do pedido acima indicado, o requerente solicita Certidão de imóvel de interesse municipal, referente à morada Rua ..., ..., Fração A,  ..., conforme planta anexa. Certifica-se que o referido imóvel está inserido na Carta Municipal do Património, lista de Bens imóveis de interesse municipal e outros bens culturais imóveis com o número de referência ... da lista anexa à Revisão do Plano Diretor Municipal de Lisboa, segundo Aviso n.º 11622/2012, publicado no Diário da República, 2.ª série de 30/8/2012.”.
  5. Em 09-12-2021, a AT notificou, via CTT, o Requerente do despacho de deferimento da Reclamação Graciosa, proferido em 06-12-2021, pela Chefe de Finanças de Lisboa - ..., nos termos do qual se determinou a anulação da liquidação de IMT, no montante de € 180.000,00.
  6. No âmbito do processo de impugnação n.º .../15...BELRS, a Câmara Municipal de Lisboa foi notificada pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 23-02-2017, para informar a situação do prédio sito na Rua ..., n.º ..., Lisboa, designadamente, se o mesmo se encontrava classificado ou em vias de classificação como de interesse municipal para efeitos do disposto no artigo 6.º, alínea g) do Código do IMT.
  7. A Direção Municipal de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa informou o Tribunal Tributário de Lisboa que o prédio sito na Rua ..., n.º ..., Lisboa não se encontra classificado ou em vias de classificação como de interesse municipal, constando apenas como bem cultural imóvel, na lista geral do Inventário Municipal com o n.º..., situação não enquadrável no disposto no artigo 6.º, alínea g) do Código do IMT.
  8. Esta situação foi reportada aos serviços da AT, designadamente, ao Serviço de Finanças de Lisboa - ..., em 17-03-2022, para correção das liquidações de IMT nos casos em que foi incorretamente atribuído o referido benefício fiscal.
  9. Por despacho proferido, em 22-06-2022, pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - ..., foi revogado o despacho de deferimento da Reclamação Graciosa referida nas alíneas c), d) e e), em virtude do prédio onde se localiza a fração autónoma não estar classificado como de interesse municipal, conforme informação prestada pela Câmara Municipal de Lisboa.
  10. Pelo Ofício n.º... de 16-10-2022 e Ofício n.º ... de 25-11-2022, do Serviço de Finanças de Lisboa - ..., enviados por carta registada com aviso de receção, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 39.º, n.º 5 do CPPT, foi o Requerente notificado da revogação do despacho de deferimento da Reclamação Graciosa, referido no ponto anterior e, ainda, da intenção daquele serviço proceder à liquidação de IMT devido e, para no prazo de 15 dias, exercer, querendo, o direito de audição prévia, previsto no n.º 1 do artigo 60.º da LGT.
  11. Na sequência da referida notificação, o Serviço de Finanças de Lisboa - ... emitiu a liquidação de IMT n.º..., referente à Mod. 1 n.º 2022/..., de 27-12-2022, no valor de € 180.000,00.
  12. Não tendo sido efetuado o pagamento do mencionado imposto, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2023..., nos termos do qual o Requerente é devedor do montante global de € 181.647,80.
  13. Em 28-11-2022, o Requerente vendeu o bem em questão, não sendo já proprietário da fração autónoma em causa.
  14. Em 06-02-2023, o Requerente foi citado para os termos do processo de execução fiscal n.º ...2023... .
  15. Em 07-03-2023, por desconhecer a que respeitava tal processo de execução fiscal, em, apresentou, perante o Serviço de Finanças responsável pela sua citação (Serviço de Finanças de Lisboa - ...) pedido de certidão, nos termos do disposto no artigo 37.º do CPPT.
  16. Em 08-03-2023, o Requerente apresentou a competente Oposição, que foi instaurada com o n.º ...2023... .
  17. Em 27-03-2023, o Requerente foi notificado da certidão requerida e emitida nos termos do artigo 37.º do CPPT, pelo Serviço de Finanças de Lisboa – ..., da qual resulta que a fração autónoma adquirida pelo Requerente em 2018 (e posteriormente vendida, em 28-11-2022) não preencheria os requisitos de isenção de IMT previstos nos termos do artigo 6.º, alínea g) do Código do IMT, pelo que em 27-12-2022 foi liquidado o IMT, referente ao registo Mod. 1 n.º 2022/... .
  18. Em 04-04-2023, foi o Requerente através do Oficio n.º 2023..., datado de 29-03-2023, remetido por correio registado de 03-04-2023, notificado do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - ..., nos termos do qual se reconhece a “preterição das formalidades legais”, nomeadamente a falta de notificação da decisão para pagamento do imposto, e se determinou a revogação do procedimento e iniciar nova diligência tendo em vista suprir a preterição de formalidade legal na notificação de liquidação do imposto e, em consequência, anular o processo de execução fiscal n.º ...2023... e extinguir a oposição por inutilidade superveniente da lide.
  19. Com vista à notificação do Requerente, o serviço de Finanças de Lisboa - ... emitiu nova liquidação de IMT com o n.º..., referente à Mod. 1 n.º 2023/..., no valor de € 180.000,00 (DUC...), cuja data limite de pagamento era 29-05-2023.
  20. A referida liquidação foi notificada ao Requerente em 11-04-2023, pelo Ofício n.º..., datado de 05-04-2023, do Serviço de Finanças de Lisboa - ..., remetido por correio registado.
  21. Em 13-07-2023, o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

III.2. Factos dados como não provados

  1. Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal Arbitral considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

III. 3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

  1. A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal Arbitral não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13, “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. Matéria de direito

 

§1 - Delimitação do objeto do litígio

  1. Constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral o ato de liquidação adicional de IMT n.º ..., referente à Mod. 1 n.º 2022/..., de 27-12-2022, no valor de € 180.000,00, identificado e descrito na matéria assente como provada. Esta liquidação adicional foi emitida após a revogação do despacho deferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2018..., que anulou a liquidação de IMT..., com o n.º de registo 2018/..., de 19/07/2018. Por ser assim, a liquidação impugnada resulta de um procedimento tributário prévio, já que antes dela outra liquidação havia sido emitida, em 19-07-2018, com o DUC n.º ..., no valor de € 180.000,00, a qual foi paga pelo sujeito passivo, em 19-07-2018, como pressuposto para a celebração do negócio de compra e venda da fração habitacional sujeita a IMT, celebrada em 20-07-2018. Após a celebração desta escritura pública, o sujeito passivo (Requerente nos presentes autos) apresentou Reclamação Graciosa, na qual alegou que o prédio adquirido devia beneficiar da isenção de IMT prevista na alínea g) do artigo 6.º do Código do IMT, por se tratar de prédio classificado como “prédio individualmente classificado”.
  2. Como resulta dos factos descritos e provados nos presentes autos o ato de liquidação impugnado foi praticado como consequência da revogação do despacho de deferimento da Reclamação Graciosa, a qual havia sido apresentada após pagamento da liquidação de IMT n.º..., de 19-07-2018. No seguimento desta Reclamação Graciosa o Serviço de Finanças de Lisboa - ... reconheceu a isenção de IMT, nos termos previstos no artigo 6.º, línea e) do Código do IMT, e, em consequência, anulou a liquidação de IMT anterior.

Conforme resulta da matéria de facto descrita minuciosamente nos presentes autos, já em 2022, o Serviço de Finanças revogou o despacho de deferimento da Reclamação Graciosa e, posteriormente, promoveu a liquidação do IMT que considera devido, por entender que o prédio afinal não cumpria os requisitos de prédio classificado, e, sendo assim, havia que repor a tributação do IMT devido. É neste contexto que surge a liquidação de IMT n.º..., referente à Mod. 1 n.º 2023/..., no valor de € 180.000,00, com data-limite de pagamento até 29-05-2023, a qual foi notificada ao Requerente em 11-04-2023, por carta registada com aviso de receção (cfr. Ofício n.º ...), impugnada nos presentes autos.

 

  1. Posto isto, no pedido arbitral o Requerente suscita a apreciação das seguintes questões de direito:
  1. Da caducidade do direito de liquidação do imposto;
  2. Da verificação dos requisitos necessários ao reconhecimento da isenção;
  3. Da anulabilidade do ato de anulação/revogação;
  4. Da violação do princípio da participação e da violação de diversos princípios constitucionais.
  1. Considerando as questões a decidir, tal como resultam da causa de pedir e do pedido, cabe ao Tribunal Arbitral conduzir o percurso lógico subjacente à decisão do litígio, apreciando os vícios pela ordem indicada no pedido. Há que atender, ainda, ao disposto nos artigos 124.º do CPPT e 678.º do Código de Processo Civil (CPC). Aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT. Assim, dispõe o artigo 124.º do CPPT:

Artigo 124.º

Ordem de conhecimento dos vícios na sentença

1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.

Por sua vez dispõe o artigo 608.º do CPC:

 

«Artigo 608.º

Questões a resolver – Ordem do julgamento

1 – Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

2 – O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

  1. Assim, aferir da (i)legalidade da liquidação adicional, notificada ao requerente em 11-04-2023, impõe em primeiro lugar aferir da questão da caducidade do direito de liquidação do imposto, uma vez que esta é prévia e prejudicial relativamente às restantes questões suscitadas.

 

§2º Da caducidade do direito à liquidação:

  1. No caso dos presentes autos, face às vicissitudes do procedimento de liquidação descrito na matéria assente, constata-se que a liquidação impugnada surge como liquidação adicional de IMT, como resulta descrita no próprio ato de liquidação promovido pelo Serviço de Finanças de Lisboa - ... . O processo administrativo junto aos autos pela Requerida confirma a natureza de liquidação adicional, como resulta do procedimento observado pelo Serviço de Finanças. Já na resposta apresentada nos presentes autos veio a AT invocar tratar-se de uma liquidação «ex novo» e, nessa medida, sujeita ao prazo alargado de oito anos, previsto no artigo 35.º do Código do IMT, para operar a caducidade.

Em primeiro lugar importa esclarecer que para aferir da legalidade da liquidação impugnada, o Tribunal Arbitral só pode atender aos elementos constantes do processo administrativo e à fundamentação constante do próprio ato tributário. Significa que a alegação da Requerida na resposta não pode colmatar falhas do procedimento ou da fundamentação do ato impugnado.

  1. Neste enquadramento, há que priorizar as questões a decidir, sendo a da caducidade do direito de liquidação aquela que deve e ser conhecida em primeiro lugar, por ser prévia e prejudicial relativamente às demais.

Chegados aqui, há que aferir se estamos no âmbito de aplicação do prazo de 4 anos previsto na norma do artigo 31.º do Código do IMT e 46.º da LGT ou, como pretende a Requerida AT, se estamos perante uma situação de facto enquadrável na norma do artigo 35.º do Código do IMT, do qual resulta um prazo alargado de oito anos para promover a liquidação do IMT.

 

      Vejamos, pois, se se verifica caducidade do direito à liquidação.

 

  1. Face à matéria dada como provada nos autos, não há dúvida que estamos perante uma liquidação adicional, a qual veio retificar ou corrigir o alegado erro em que incorreu a própria AT quando, em sede de apreciação da Reclamação Graciosa, decidiu pelo deferimento da isenção.

Assim, contrariamente ao alegado pela AT, não se trata de uma liquidação «ex novo», mas sim de uma liquidação adicional, que visa repor a situação anterior ao deferimento da Reclamação Graciosa, ou seja, corrigir o erro praticado pelo Serviço de Finanças. E, sendo assim, estamos claramente perante uma liquidação adicional, como aliás a própria Requerida identifica na notificação enviada ao sujeito passivo, a qual deve obedecer ao disposto no artigo 31.º do Código do IMT.

Sendo assim, o prazo de caducidade é de 4 anos contados a partir da verificação do facto tributário. Ora, o facto tributário gerador de imposto é a transmissão da propriedade, ocorrida em 20-07-2018, pelo que em 11-04-2023, ou seja, à data da notificação da liquidação adicional emitida com o n.º ..., já havia decorrido o prazo de caducidade de 4 anos, o que só por si basta para anular a liquidação impugnada.

  1. Ainda sobre esta questão, importa ressaltar que, o procedimento tributário que conduz à liquidação adicional (como é, aliás, qualificada pela própria AT) decorreu com irregularidades, reconhecidas pela AT, nomeadamente a inobservância da audição prévia em sede de revogação do benefício fiscal de isenção de imposto ao abrigo do disposto no artigo 6.º, alínea g) do Código do IMT, que havia sido reconhecido após Reclamação Graciosa apresentada pelo contribuinte depois de efetuado o pagamento do IMT devido como pressuposto prévio para a celebração da escritura pública de compra e venda do imóvel (em 20-07-2018).

Dito de outro modo, sobre o facto tributário ocorrido em 20-07-2018 foi emitida uma primeira autoliquidação de IMT, com o n.º 2018/... de 19-07-2018, então paga pelo sujeito passivo. Em 20-07-2018 foi celebrada a escritura pública de aquisição da propriedade da fração identificada nos autos. A seguir o requerente apresentou Reclamação Graciosa com fundamento na qualidade do prédio como «prédio classificado», conforme certidão emitida pela CML, tendo sido deferido o pedido e reconhecida a isenção.

Se revisitarmos a matéria de facto dada como provada verificamos que no âmbito do mesmo procedimento tributário, despoletado pela verificação desta transmissão onerosa vão suceder um conjunto de tramitações procedimentais, descritas na matéria assente, das quais resultaram três atos tributários posteriores, a saber: (1) o deferimento da Reclamação Graciosa e reconhecimento da isenção; (2) a revogação deste deferimento; (3) a emissão da liquidação adicional destinada a corrigir o (suposto) erro anterior praticado pela AT ao deferir a Reclamação Graciosa.

  1. Ora, no decurso do procedimento que vem a ser retomado mais tarde, em sede de controlo do benefício fiscal da alínea g) do artigo 6.º do Código do IMT, em nenhum momento a AT notificou o sujeito passivo para se pronunciar sobre a revogação do benefício fiscal ou de qualquer outro ato procedimental que pudesse ter a virtualidade de suspender a contagem do prazo de caducidade. Aliás, a própria Requerida assume que durante o procedimento se verificaram irregularidades, sendo uma delas a ausência de notificação para exercício do direito de audição prévia. O Requerente nunca foi sequer notificado da revogação do deferimento e reconhecimento da isenção de IMT prevista no artigo 6.º, alínea g) do Código do IMT. E, a acrescer a esta falha de per si grave, sucedeu que foi notificado da liquidação adicional sem fundamentação doa to, o que o obrigou a formular requerimento ao abrigo do artigo 37.º do CPPT para tentar alcançar qual a justificação para tal liquidação. Na verdade, foram várias as irregularidades do procedimento, sendo que a ausência de audição prévia é uma nulidade insanável.
  2. Do probatório resultou provado que:
  1. A liquidação n.º ... de IMT no montante de € 180.000,00, com o número de registo n.º 2018/..., de 2018/07/19, relativamente à aquisição da fração A, destinada a habitação própria e permanente, do prédio sito na Rua ...n.ºs ... a ...-E, inscrito sob o artigo ... da freguesia da ..., concelho e distrito de Lisboa, foi anulada com base no despacho de deferimento proferido no processo de Reclamação Graciosa que correu termos com o nº ...2018...;
  2. Em 2022/06/22 foi revogado o despacho de deferimento da Reclamação Graciosa, em virtude do prédio onde se localiza a fração autónoma não estar classificado como de interesse municipal, conforme informação prestada pela Câmara Municipal de Lisboa. A revogação ocorreu sem audição prévia do sujeito passivo.
  3. Em 11-04-2023 foi o Requerente notificado da liquidação adicional n.º..., no valor de € 180.000,00, com data-limite de pagamento até 29-05-2023.
  1. Trata-se, pois, de uma liquidação adicional. Mal ou bem, ela resulta de um percurso procedimental que apresenta as vicissitudes supra apontadas.

Ora, dispõe o artigo 31.º, n.º 3 do Código do IMT, que a “liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35.º”

No mesmo sentido, dispõe o artigo 45.º, n.º 1 da LGT que: “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.”

No caso dos presentes autos constata-se que o facto tributário ocorreu em 20-07-2018, data da aquisição da fração identificada nos autos. Pelo que, a liquidação do imposto devia ter sido emitida e validamente notificada ao Requerente até ao dia 20-07-2022, o que não se verificou. Acresce que, como resulta da matéria provada nos autos, a liquidação adicional impugnada nos autos, só foi notificada ao Requerente em 05-04-2023, ou seja, muito depois de decorrido o prazo de caducidade legalmente previsto.

  1. Resulta, ainda, dos factos provados nos autos, que a celebração da escritura de compra e venda (que está na origem da liquidação adicional de IMT impugnada) ocorreu em 20-07-2018. Este é o facto tributário gerador de incidência de imposto e nenhum outro. Dito de outro modo, as vicissitudes factuais descritas e provadas nos autos, nomeadamente, o deferimento da Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente, o eventual equívoco do Serviço de Finanças quanto ao reconhecimento do prédio em causa como apto a beneficiar da isenção do artigo 6.º do Código do IMT e a posterior revogação do beneficio reconhecido pelo deferimento da Reclamação Graciosa, não alteram o facto essencial para aferir da caducidade do imposto a qual se reporta, apenas e só, ao momento em que ocorreu o facto tributário, e que no caso ocorreu em 20-07-2018.
  2. Por tudo o que vem exposto e resulta provado nos autos não ocorreu qualquer causa de suspensão do prazo de caducidade. Efetivamente, dispõe o artigo 46.º da LGT, que se considera como causa de suspensão do prazo as seguintes situações:

Artigo 46.º

(...)

“a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa”;

“em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão”;

“em caso de benefícios fiscais de natureza contratual, desde o início até à resolução do contrato ou durante o decurso do prazo dos benefícios”;

“em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição”;

“em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão”;

“com a apresentação do pedido de revisão da matéria colectável, até à notificação da respectiva decisão”;

“em caso de aplicação de sanções da perda de benefícios fiscais de qualquer natureza, o prazo de caducidade suspende-se desde o início do respectivo procedimento criminal, fiscal ou contra-ordenacional até ao trânsito em julgado da decisão final”.

Sucede que no presente caso nenhuma das causas de suspensão do prazo de caducidade legalmente previstas se verificou, pelo que se confirma a caducidade do ato de liquidação adicional em crise.

  1. Uma última nota para referir que os casos a que se aplica o disposto no artigo 35.º do Código do IMT são bem diferentes do que aqui apreciamos, ou seja, o prazo alargado dos oito anos aí previsto aplica-se aos casos em que não tenha havido liquidação anterior, como bem reconhece a Requerida ao fazer a alegação (vd. resposta apresentada nos autos) de que se trata de uma liquidação «ex novo». Ora, os autos evidenciam coisa bem diferente, como sobejamente resulta do probatório, a liquidação em causa assume a natureza de liquidação adicional, corretiva de uma situação antecedente por erro, alegadamente, cometido pela própria AT ainda que induzida por informação da CML.
  2. Por outro lado, não há dúvida que todo o procedimento teve início numa autoliquidação, datada de 19-07-2018, posteriormente anulada pelo deferimento da Reclamação Graciosa que reconhece a isenção de IMT, posteriormente revogado por decisão da AT que, em consequência, determinou a «liquidação adicional» notificada ao Requerente em 11-04-2023. Não se trata, pois, de liquidação «ex novo» mas de liquidação adicional, com a intenção de corrigir as consequências dos atos antecedentes. Por isso, o prazo de caducidade aplicável é o do artigo 31.º do Código do IMT, nos termos que vêm expostos. Neste ponto, impõe-se ressaltar que é a própria AT que se refere à liquidação em crise como “liquidação adicional”, remetendo para o disposto no n.º 4 do referido artigo 31.º do Código do IMT.
  3. Considerando tudo o que vem exposto e sem necessidade de mais considerandos, a liquidação adicional de IMT impugnada nos presentes autos não pode ser mantida, por se verificar a caducidade do direito de liquidação. Termos em que se conclui que a liquidação impugnada, notificada ao Requerente em 05-04-2023, foi emitida e notificada já após o decurso do prazo de caducidade, pelo que procede o pedido do Requerente impondo-se a anulação da liquidação impugnada.
  4. Mesmo que outro fosse o entendimento quanto ao prazo de caducidade aplicável, sempre teria de ser anulada por vício de forma, dado que a decisão de revogação que esteve na base do ato de liquidação decorreu com violação da garantia do sujeito passivo a ser ouvido em sede de direito de audição, como bem resulta da matéria provada nos autos. Assim, reforça-se a ilegalidade do ato de liquidação impugnado nos autos. E, por fim, resulta da liquidação impugnada que esta carece de fundamentação adequada. Na verdade, só após a apresentação de um pedido de certidão, nos termos do disposto no artigo 37.º do CPPT, foi possível ao Requerente perceber as razões subjacentes a tal liquidação, o que não se afigura aceitável, mesmo que se considerasse como liquidação «ex novo».  Na verdade, é inaceitável que todo o procedimento tributário que conduziu à liquidação aqui impugnada tenha decorrida como resulta evidenciado pela matéria provada nos presentes autos, com violação de garantias jurídico-constitucionais da maior importância para a produção válida do ato de liquidação.

 

  1. Chegados aqui, por haver caducado o direito de liquidação sobre o facto tributário ocorrido em 20-07-2018, procede o pedido arbitral e determina-se a anulação da liquidação de imposto impugnada.

 

Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos.

V- DECISÃO

Termos em que se decide neste Coletivo:

  1. Considerar o pedido totalmente procedente, declarar a caducidade do ato de liquidação e, em consequência, anular a liquidação de IMT impugnada nos autos.
  2. Condenar a Requerida no pagamento das custas arbitrais.

 

VI-VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 180.000,00.

 

VII- CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem no valor de € 3.672,00 a cargo da parte vencida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 05-03-2024

 

Os Árbitros

 

______________________

(Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro - Presidente)

 

 

_____________________

(Dr. Hélder Faustino - Adjunto)

 

 

____________________

(Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos - Adjunta)