SUMÁRIO:
1) Por qualificar como residente fiscal (Residente) não deixa o sujeito passivo (SP) de IRS de ficar sujeito a tributação sobre rendimentos de capitais de fonte estrangeira; 2) Também não deixa o SP, por ser Residente e tais rendimentos lhe serem colocados à disposição em território português, de ser tributado na mesma sede - rendimentos de capitais, Categoria E; 3) A tributação em IRS de rendimentos de capitais, Cat. E, é devida ao abrigo dos art.s 5.º e ss. do CIRS, sendo a taxa aplicável, no caso de rendimentos devidos por entidades não residentes sem
estabelecimento estável em território português e domiciliadas em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, 35%, nos termos do art.º 72.º, n.º 12, al. a) do CIRS, na redacção vigente à data dos factos (ano de 2018); 4) É conforme à lei a Liquidação que deu cumprimento a tais dispositivos legais, ao tributar o SP Residente que auferiu, sendo-lhe disponibilizados em conta aberta junto de instituição financeira portuguesa, rendimentos de capitais de investimento financeiro realizado em Hong Kong.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., doravante designada por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, contribuinte fiscal portuguesa n.º..., com residência na Rua ..., n.º ..., ..., em Lisboa, natural de ..., República Popular da China, de nacionalidade chinesa, portadora do Passaporte Chinês n.º..., emitido a 19.01.2018 pela Embaixada da República Popular da China em Portugal, válido até 18.01.2028, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2018.
Faz referência genérica, no intróito do Pedido, a “errónea qualificação dos rendimentos e outros factos tributários” e “preterição de outras formalidades legais”, remetendo para as alíneas a) e d) do art.º 99.º do CPPT.
À Liquidação em crise (doravante também “a Liquidação”), com o n.º 2022..., corresponde um valor a pagar, a título de imposto relativo a tributações autónomas, de € 13.036,65 (cfr. Demonstração de liquidação junta pelo SP).
Apresentara, refere, a sua declaração Modelo 3 reportada ao ano de 2018. Sem declarar, porém, o montante de € 37.247,57, que recebeu nesse ano, referente ao resgate parcial que fez, a 13.09.2018, de um investimento em produto financeiro que contratou junto da “B... Limited – Sucursal em Hong Kong”.
E a Autoridade Tributária e Aduaneira, depois, elaborou Declaração Oficiosa, da qual viria a resultar a liquidação em crise.
Não se conforma com a liquidação de IRS assim efectuada, mais concretamente com a tributação daí constante a título de imposto relativo a tributações autónomas.
Razão pela qual interpôs reclamação graciosa (RG) - que foi indeferida, pelo Ofício n.º ..., de 12.04.2023. Decisão de indeferimento com que também não se conforma, e ora também requer seja anulada.
Interpôs a reclamação graciosa, expõe, invocando ser residente fiscal em Portugal e tal ter sido desconsiderado pela AT. É residente fiscal em Portugal desde 2017, fez o resgate em Setembro de 2018, e é daí (desses € 37.247,57) que resulta a tributação autónoma da Liquidação.
Refere, também, que contudo resulta do dito Ofício que a tributação autónoma em questão tem por fundamento o disposto no n.º 6 do art.º 73.º do CIRS.
Sendo que com tal não se conforma, pelos fundamentos que elenca. Assim: ela Requerente (i) não pode ser afectada por a “B... Limited” ter sede em território identificado como sendo paraíso fiscal (na Ilha de Man), pois fizera o investimento muito antes de se ter tornado residente fiscal em território português, (ii) efectuou o investimento através da sucursal de Hong Kong da referida entidade, e (iii) é residente fiscal em território português desde 10.01.2017, solicitou a emissão de cheque à ordem a ser depositado em instituição bancária portuguesa, e a tributação nos termos do art.º 73.º, n.º 6 do CIRS pressupõe o pagamento a residentes fora do território português.
Conclui que aquele montante, correspondente ao resgate do investimento, “foi colocado à disposição em território português”. E, acrescenta, “aquele rendimento reporta-se a uma operação de resgate efectivamente efectuado” e “não constitui um valor desproporcionado face ao investimento efectuado”.
Nota, por fim, que era ónus da Requerida usar mecanismos de troca de informações, “nos termos do artigo 74.º da LGT”, e que estranha tal não ter ocorrido.
E peticiona, a final: (i) seja anulado o Ofício n.º..., de 12.04.2023, e (ii) seja anulada a Liquidação e respectivos juros compensatórios.
*
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 14.07.2023 e notificado à AT.
Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.
Notificadas da designação de árbitro, as Partes não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 19.09.2023.
Notificada para o efeito, a 25.10.2023 a AT juntou o PA, e apresentou Resposta. Pugna pela manutenção da Liquidação na Ordem Jurídica. A Liquidação resulta, refere, da correcta aplicação da lei aos factos.
Expõe que a Requerente apresentou Declaração Mod. 3 reportada a 2018 e indicou a residência fiscal em Portugal, continente, daí tendo resultado uma liquidação com valor a reembolsar. E que, por sua vez, a liquidação aqui em crise (a “Liquidação”) resulta de correcções feitas àquela Declaração, em sede de análise de divergências. Foi assim incluído o Anexo J, com rendimentos de capitais no valor de € 37.247,57, por se ter constatado, através de troca de informações, a existência de rendimentos obtidos no estrangeiro.
Transcreve trecho integrante do PA reportado às averiguações efectuadas, e nota que a Requerente, notificada para se pronunciar sobre as divergências, nada disse.
Faz notar que, contrariamente ao que a Requerente alega, a Liquidação considerou a residência fiscal em território nacional, e foi processada segundo as normas aplicáveis aos residentes.
Em face do teor do Ofício n.º ..., de 12.04.2023, e Informação que sustenta o despacho de indeferimento da RG, não se percebe, refere, o argumento da Requerente de que a tributação se funda no art.º 73.º, n.º 6 do CIRS. A Requerente interpôs a RG e sustentou sempre a sua posição na pretensa desconsideração, por si Requerida, do estatuto de residente. E foi assim que o pedido foi analisado pelos Serviços.
Mesmo que a correcção se tivesse fundamentado no n.º 6 do art.º 73.º, a Requerente limita-se a vir fazer afirmações em sentido contrário ao da previsão legal, nota.
Foi correcta a actuação dos Serviços ao considerarem os rendimentos não declarados pela Requerente na qualidade de residente. Conclui pela improcedência do Pedido.
*
Por requerimento de 03.11.2023 a Requerente veio invocar não ter sido notificada para o exercício do direito de audição, e a Liquidação ser ilegal por esta via. Mais veio reiterar que recebeu o montante do resgate em conta aberta em instituição financeira portuguesa, e juntou, visando prová-lo, documento que antes protestara juntar.
Por despacho de 06.11.2023 o Tribunal notificou a Requerida para o exercício do contraditório, que a mesma veio exercer por requerimento de 14.11.2023, pronunciando-se pela perfeição da notificação e da decisão final do procedimento de divergências.
Por despacho de 20.11.2023 o Tribunal notificou as Partes da não admissão da ampliação do objecto da causa e não conhecimento do novo vício invocado tardiamente pela Requerente, e admitiu a junção do documento. Mais notificou da dispensa da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT e deu prazo para alegações escritas facultativas.
Ambas as Partes apresentaram Alegações.
A Requerente, nas suas, mantém no essencial a posição exposta no PPA, notando que a “B... Limited – Sucursal em Hong Kong” sacou o cheque, emitido à sua ordem, sobre a instituição bancária “C... Limited”, e que o documento que, entretanto, juntou aos autos, comprova o recebimento, em conta da sua titularidade em instituição financeira portuguesa, do referido montante “pago pela B... Limited”. Refere que pela junção do PA não foi possível confirmar a recepção do Ofício da Requerida de 24.09.2022. Volta a desenvolver a sua argumentação em torno do n.º 6 do art.º 73.º do CIRS, conclui que a Requerida não demonstrou o preenchimento dos pressupostos da norma, e que é devida, assim, a anulação da Liquidação.
A Requerida, por seu lado, remete para o expendido em sede de Resposta.
Por despacho de 19.03.2024 o Tribunal notificou as Partes da prorrogação do prazo para prolacção da Decisão, devidamente justificada nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 21.º do RJAT. E por novo despacho, da mesma data, notificou a Requerente para junção do comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente.
*
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O Processo não enferma de nulidades e não foi invocada matéria de excepção.
O PPA é tempestivo, apresentado que foi dentro do prazo legal de 90 dias – cfr. últimas duas al.s dos factos provados, infra, e art.º 10.º, n.º 1, al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º, n.º 1, al. e) do CPPT[1]).
Cumpre apreciar e decidir.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os factos que seguem:
a) A Requerente tem nacionalidade chinesa; (cfr. doc. 2 junto pelo SP)
b) A Requerente dispunha, desde 04.06.2017, de Título de Residência emitido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal, e de novo Título de Residência em 2018; (cfr. doc. 2 junto pelo SP)
c) No ano de 2018 a Requerente figurava no cadastro fiscal português como residente; (cfr. PA)
d) Em Dezembro de 2014, com início de produção de efeitos a 01.01.2015, a Requerente contratou um produto financeiro em Hong Kong com a “B... Limited”, através dos escritórios desta, sitos em ..., Island East, Hong Kong; (cfr. docs. 1 e 10 juntos pelo SP)
f) O produto financeiro subscrito pela Requerente (v. alínea anterior) corresponde à Apólice B... n.º ..., no âmbito da qual a Requerente se obrigou ao pagamento de prémios mensais e beneficia de um Seguro de Vida, e em cuja estratégia se inclui a aplicação em fundos; (cfr. docs. 1, 3 e 4 juntos pelo SP)
g) Em Setembro de 2018 a Requerente procedeu a um resgate da Apólice (v. al.s anteriores); (cfr. doc. 4 junto pelo SP)
h) O valor do resgate (v. al. anterior) foi pago à Requerente por cheque sacado pela B... Limited sobre o Banco “C... Limited” e emitido à ordem da Requerente, em dólares de Hong Kong, com data de 17.09.2018 e valor 334.113,34 HKD[2]; (cfr. doc. 5 junto pela Requerente)
i) Com data-valor de 15.11.2018, foi creditado na conta de DO da Requerente junto do Banco BPI, S.A., com a referência “... N.º ... –B... LIMITED”, o valor de € 37.795,73; (cfr. doc. - extracto bancário - junto pelo SP por Requerimento de 03.11.2023)
j) A 29.06.2019 a Requerente submeteu a sua Declaração Modelo 3 de IRS reportada ao ano de 2018, identificação ...– 87, acompanhada apenas dos Anexos A e F; (cfr. doc. 6 junto pelo SP, e PA)
k) Na sua Declaração Modelo 3 a Requerente fez constar o estado civil de casada, opção pela tributação conjunta dos rendimentos, identificação de dois dependentes e residência fiscal em Portugal continental; (cfr. doc. 6 junto pelo SP, e PA)
l) Da Declaração Modelo 3 submetida pela Requerente resultou a liquidação com o n.º 2019..., com um valor a reembolsar de € 1.867,78; (cfr. doc. 7 junto pelo SP, e PA)
m) O Território/Região Administrativa Especial de Hong Kong comunicou à Autoridade Tributária, com referência à Requerente e ao abrigo da Directiva n.º 2011/16/EU, do Conselho, de 15.02.2011, e/ou da troca de informações financeiras prevista na Directiva n.º 2014/107/EU, do Conselho, de 09.12.2014, que, em 2018, a Requerente auferiu rendimentos de Capitais naquele Território, com as referências seguintes: “Natureza do rendimento: OUTROS (E99); Valor do rendimento: 37.247,57 € (334.113,32 HKD – valor comunicado); Entidade pagadora: B... LIMITED; Número de conta: 1 ... ...PT.”; (cfr. PA)
n) Na sequência, em sede de análise de divergências após constatada a existência de rendimentos de fonte estrangeira, a Requerida corrigiu oficiosamente a Declaração Modelo 3 submetida pela Requerente (v. supra al. j)), pela inclusão do Anexo J, do qual fez constar rendimentos de capitais no valor de € 37.247,57; (cfr. doc. 8 junto pelo SP e PA)
o) Na Declaração Oficiosa Modelo 3 (v. al. anterior) consta a residência fiscal da Requerente em Portugal, Continente, e no Campo 8 - “Rendimentos de Capitais (Categoria E)” do Anexo J, na primeira coluna, “Código rendim. – E99”, na segunda coluna, “País da fonte – 344”, e na terceira “Rendimento bruto – 37.247,57”; (cfr. doc. 8 junto pelo SP e PA)
p) Pelo Ofício ..., de 08.04.2022, a Requerida notificou a Requerente da divergência verificada e respectivo projecto de correcções, e, ainda, para o exercício de direito de audição, aí se lendo, entre o mais (e tudo se dando por reproduzido):
“(...) A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) teve conhecimento (...) que, para o ano de 2018, obteve rendimentos de capitais provenientes de HONG KONG. (...) constam os seguintes elementos: (...). / Nos termos do artigo 57.º do (...) (CIRS), os sujeitos passivos estão obrigados a apresentar uma Declaração Modelo 3, “...relativa aos rendimentos (...) devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante os anexos e outros documentos (...) com todos os rendimentos auferidos nesse ano”. Assim, conjugando o normativo atrás referido com o disposto no n.º 1 do artigo 15.º do CIRS, conclui-se que “sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”. / Atendendo que em 2018 o contribuinte detinha o estatuto de residente em Portugal (...) os rendimentos auferidos no estrangeiro deveriam ter sido declarados no respetivo Anexo J, contudo, o mesmo não foi adicionado à Declaração. / Assim, verificando-se a omissão de rendimentos auferidos no estrangeiro, vimos apresentar o projeto de correções a efetuar à declaração de rendimentos, no sentido de adicionar o Anexo J (...) no seu Quadro 8 (...).” (cfr. PA)
q) Decorrido o prazo para exercício de direito de audição, a Requerente não o exerceu; (cfr. PA)
r) Na sequência, a Requerida, por Despacho de 23.09.2022, determinou a elaboração de Documento de Correcção Único (DCU), relativo a 2018, reflectindo as projectadas correcções, nos termos da Informação que integra o Despacho, e na qual se lê, entre o mais (tudo se dando por reproduzido):
“PROPOSTA DE CORREÇÃO
De acordo com a informação transmitida, ao abrigo da Directiva n.º 2011/16/EU, do Conselho, de fevereiro de 2011, (...) e/ou a troca de informações financeiras prevista na Directiva n.º 2014/107/EU, do Conselho, de 9 de dezembro 2014 (...), foi comunicado à Autoridade Tributária (AT), pelo Estado/País/Território – HONG KONG, que, no ano fiscal de 2018, o contribuinte auferiu rendimentos de Capitais naquele território, conforme se discrimina de seguida: i) “Natureza do rendimento: OUTROS (E99); / Valor do rendimento: 37.247,57 € (334.113,32 HKD – valor comunicado); / Entidade pagadora: B... LIMITED; / Número de conta: ... ...PT. / (...) sendo que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS (CIRS) os mesmos são de declaração obrigatória. / Na sequência da análise desenvolvida, procedeu-se à notificação do sujeito passivo (...) exercer o direito de audição prévia (...). A mencionada notificação foi entregue em 2022/04/11 (...). / Contudo, (...) o contribuinte não se pronunciou (...). Nesta conformidade, propõe-se a elaboração do Documento de Correção Único (...) adicionando um Anexo J (...) com a inscrição dos seguintes rendimentos: Quadro 8A Rendimentos de Capitais (Categoria E) (...).” (cfr. PA)
s) Pelo Ofício da Requerida ... de 11.11.2022, que se seguiu ao Ofício ... de 24.09.2022 com o mesmo teor, a Requerente foi notificada do Despacho de 23.09.2022 (v. al. anterior) com a decisão final de correcção oficiosa da Declaração Modelo 3, e de que iria ser emitida e remetida nova liquidação; (cfr. PA)
t) Das correcções operadas pela Requerida, vertidas na Declaração Oficiosa (v. al.s n) e o) supra), resultou a liquidação com o número 2022..., na qual consta, a título de “Imposto relativo a tributações autónomas”, o montante de € 13.036,65, e “Valor a pagar” (juros compensatórios incluídos) de € 12.629,59; (cfr. doc. 9 junto pelo SP, e PA)
u) Notificada da nova liquidação (a “Liquidação”) a Requerente apresentou, a 25.11.2022, Reclamação Graciosa (RG), com o seguinte teor: “Foi-me emitida uma declaração oficiosa sob o meu IRS de 2018, uma vez que a AT não me considerou como residente fiscal em Portugal. / Contudo, a minha residência fiscal está registada no Portal da AT desde 2017, enviando ainda em anexo o meu Título de Residência com data de 2018 e posterior renovação, que comprovam que em 2018 era residente em Portugal (enviado por email para Lisboa-8). / Desta forma, venho pelo presente solicitar que seja atualizado o meu cadastro em 2018 para que seja anulada esta declaração oficiosa sob o IRS de 2018.”
v) Por Despacho de 12.04.2023, notificado à Requerente pelo Ofício ..., da mesma data, a Requerida indeferiu a Reclamação Graciosa, com a fundamentação constante da Informação que o integra, e onde se lê, entre o mais (tudo se dando por reproduzido):
“(...) Quanto à liquidação, ora contestada, esta é resultante das correções efetuadas à declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2018, supra referenciada, com inclusão do Anexo J, preenchida com rendimentos de Capitais no valor de (...). / Da consulta aos elementos que instruem os autos, verifica-se que a Autoridade Tributária tomou conhecimento, através da troca de informações disponibilizadas por administrações fiscais de outros países/jurisdições, [d]a existência de rendimentos obtidos no estrangeiro, que não foram declarados (...). / Sendo residente em Portugal, a requerente está obrigada a declarar todos os rendimentos obtidos no nosso país, assim como os obtidos no estrangeiro (...). / Contudo, a declaração de rendimentos do ano 2018 não inclui o anexo J, motivo pelo qual a declaração foi corrigida (...). / Desta declaração resultou a liquidação oficiosa, ora contestada, verificando-se que a mesma considera a residência fiscal dos sujeitos passivos no território nacional, bem como o seu processamento está de acordo com as normas em vigor aplicadas aos residentes, não carecendo, por isso, de correção. (...)”. (cfr. PA2)
x) A Requerente foi notificada do Indeferimento da RG a 13.04.2023; (cfr. PPA, e PA)
y) A 12.07.2023 a Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam dar-se por não provados.
2.3. Fundamentação da matéria de facto
Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos pelo SP e no Processo Administrativo (PA), como indicado facto a facto supra - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, factos não controvertidos, tudo criticamente apreciado.
Não vem controvertido, dê-se nota, a Requerente ter auferido em 2018 um rendimento decorrente de investimento financeiro que efectuou em Hong Kong (cfr., entre o mais, PPA artigos 3. e 4., 34. e 35.), nem o montante desse rendimento.
Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa, perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[3]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC).
3. Matéria de Direito
3.1. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir nestes autos:
-
A Liquidação é ilegal por (alegadamente) ter desconsiderado o estatuto da Requerente de residente fiscal em Portugal?
-
A Liquidação é ilegal por errónea (alegada) aplicação do art.º 73.º, n.º 6, do CIRS?
E, face à convocação, a certo passo no PPA, do art.º 74.º da LGT, ainda:
-
A Liquidação é ilegal por violação do art.º 74.º da LGT, ao (alegadamente) não ter a Requerida recorrido aos mecanismos de troca de informações?
A ordem do conhecimento que se seguirá será esta, que é aquela pela qual os alegados vícios vêem apresentados pela Requerente, uma vez que a estabilidade e eficácia da tutela conferida pela eventual procedência de cada um é idêntica entre eles (e não vem estabelecida ordem de subsidiariedade - v. art.º 124.º do CPPT).
Como segue.[4]
Começando por recapitular brevemente.
A Requerente defende que a Liquidação se encontra ferida de vício de violação de lei, e peticiona, assim, a anulação da mesma (bem como do despacho de indeferimento da RG).
Para tanto alega que:
(i) Deveria ter sido considerada como residente fiscal (Residente), e não o foi;
(ii) Recebeu o montante do resgate em instituição financeira portuguesa, nesse momento era residente fiscal, o resgate é uma operação efectiva e sem carácter desproporcionado, e assim não estavam reunidos os pressupostos de aplicação do art.º 73.º, n.º 6 do Código do IRS (CIRS)[5], que a AT aplicou.
Procurando clarificar.
Defende, pois, num primeiro momento, que a Liquidação a tomou como não residente. O que de facto, reconhece, era o seu estatuto aquando da realização do investimento. Mas não o sendo já no momento do recebimento do resgate, sendo então já residente em Portugal, não podia a Liquidação tomá-la senão como Residente. E, em consequência (da sua, devida, consideração enquanto Residente), aquele rendimento não seria tributado.
Depois, num segundo momento, defende que, tendo ela Requerente recebido o montante em questão numa instituição financeira portuguesa (assim tendo recebido em Portugal, seria o sentido, se bem entendemos), e pressupondo a norma do art.º 73.º, n.º 6 do CIRS o pagamento seja feito a pessoas residentes fora do território português, sendo ela aqui residente fiscal desde Janeiro de 2017 e tendo solicitado cheque à sua ordem a ser depositado aqui, não pode senão entender-se que o montante foi colocado à disposição em território português. E, assim (conclua-se), não pode senão entender-se de não aplicar o art.º 73.º, n.º 6 do CIRS. Acrescenta, ainda, que o rendimento se reporta a uma operação efectivamente realizada e que não é um valor desproporcionado face ao investimento feito.
Temos, assim, percorridas no essencial as razões em que a Requerente se funda.
Vejamos então.
-
Quanto ao estatuto de Residente
Não obstante a Requerente vir invocar que não teria sido considerada, na Liquidação, como Residente, o certo é que o foi. Cfr. supra, al.s o) e p) dos factos provados.
Acresce, diga-se, que (como melhor ainda se verá) também contrariamente ao que a Requerente invoca num primeiro momento (e, bem assim, na sua Reclamação Graciosa), não decorreria (como não decorreu) de ser considerada Residente deixar de ser tributada em IRS (como foi) sobre o rendimento que auferiu (e reconhece ter auferido).
Precisamente por ser Residente, sobre si recai o dever de comunicar/declarar os rendimentos auferidos não só em território português como fora dele. Pela razão de que sobre eles incide, nos termos legais, IRS. Cfr., entre o mais, art.º 15.º, n.º 1 do CIRS, que, sob a epígrafe “Âmbito da sujeição”, dispõe: “Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.”
Curiosamente, sempre se note, a Requerente começa por apelar ao seu estatuto de Residente para invocar a Liquidação ser ilegal, pois que a tê-la considerado como Residente não seria, segundo alega, devido IRS com referência àquele seu rendimento. Porém, sem invocar normas legais de onde tal decorresse.
Como quer que seja, não procede este fundamento invocado pela Requerente. A Liquidação tomou-a como Residente, e aplicou, em conformidade, e como também melhor se verá infra (v. III.), os normativos legais devidos.
E fica dada, pela negativa, a resposta à Questão A), acima. A Liquidação não é ilegal com o fundamento invocado, o qual, desde logo, não encontra correspondência na realidade.
-
Quanto ao art.º 73.º, n.º 6 do CIRS (convocado pela Requerente)
A Requerente defende que foi este o normativo de que a Requerida fez aplicação na Liquidação.
Ao que refere, tal é o que decorre do teor do Ofício da Requerida de 12.04.2023 (Ofício...), a saber, o Ofício pelo qual a mesma a notificou do despacho de indeferimento da RG (v. al. v) dos factos provados, supra).
Pois bem.
Não só não se alcança de onde, no Ofício referido e no, seu anexo, despacho de indeferimento da RG, a Requerente retira ser essa a base legal com que na Liquidação se tributou aquele rendimento - compulsado o respectivo teor, incluindo o da Informação integrante, em lado algum vem referida a norma.
Como, diferentemente, consta do mesmo - e, assim também, seja, desde logo, do Ofício que notifica da divergência (v. al. p), factos provados), seja da Proposta de Correcção (v. supra al.s r) e s), factos provados), seja da Declaração Oficiosa, também junta pela Requerente aos autos (v. al. o), factos provados), – o rendimento ter sido tributado em sede de Rendimentos de Capitais, Categoria E, do CIRS. Que não (não consta do mesmo, nem de qualquer dos Ofícios) - como seria o caso, tivera o art.º 73.º, n.º 6 sido aplicado - ter sido tributada, uma despesa, correspondente a importâncias pagas ou devidas, em sede de sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada.
Assim consta, pois, quer no despacho de indeferimento da RG, quer de qualquer dos demais referidos Ofícios, e é esse o preenchimento que na Declaração Oficiosa consta do Anexo J: é o Quadro 8 aquele que foi preenchido, e que tem por título “Rendimentos de Capitais (Categoria E)”. Tudo como no probatório, nas alíneas vindas de referir.
Se dúvidas restassem à Requerente, e que não se compreendem em face do que antecede, desde logo também, seja pelo CIRS, seja pelas instruções de preenchimento da Modelo 3, e suas Tabelas, aplicáveis, o que vem de se ver era claro.
Assim, desde logo no CIRS, o n.º 1 do art.º 73.º, para onde o n.º 6 (a que apela a Requerente) do mesmo remete, é claro ao determinar de que cuidam as normas em questão: despesas realizadas por sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades empresariais e profissionais.
O que, não será de nos determos, não é o caso.
Por outro lado, de rendimentos de capitais, Categoria E, trata o Código nos seus artigos 5.º e seguintes (bem como, depois, para aí expressamente remete no Capítulo III – Taxas, artigos 71.º e 72.º). E operando a Liquidação a tributação de rendimentos dessa mesma Categoria, como visto, nessa sede necessariamente se encontram as normas aplicadas no caso. Como também melhor veremos infra (v. III.).
À mesma conclusão se chegaria, depois também, se se atentasse na Declaração Oficiosa e nas instruções de preenchimento aplicáveis da Modelo 3, e suas Tabelas, aprovadas pela Portaria n.º 385-H/2017, de 29 de Dezembro. Daí constando, entre o mais, que o Código de rendimento E99 (v. Quadro 8 do Anexo J, como preenchido pela Requerida) corresponde ao “tipo/natureza de rendimentos” - rendimentos de capitais, insista-se, rendimentos de capitais, com origem em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável. Rendimentos de capitais, pois. E, critério determinante, o da origem.
Como assim, e como não poderia deixar de ser, nos normativos aplicáveis (e aplicados na Liquidação) do CIRS. E como ainda veremos infra (v. III.).
Retornando ao CIRS, é certo que o art.º 73.º, n.º 6, tem vocação de aplicação apenas quando se trate de pagamentos a pessoas residentes fora do território português, como diz a Requerente. E, é certo também, não ser essa a sua situação, em 2018 (cfr. probatório, supra). Porém, como terá ficado claro, o legislador está aí a cuidar de outros pagamentos, que não pagamentos de rendimentos ao sujeito passivo, como acima já explanado.
Dúvidas houvesse, dispõe assim o art.º 73.º, n.º 6: “São sujeitas ao regime do n.º 1, sendo a taxa aplicável 35 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável a que se refere o n.º 1 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.”
Soçobra assim, também por aqui, a argumentação da Requerente suportando-se na indevida aplicação ao seu caso do art.º 73.º, n.º 6. Para daí retirar o vício que imputa à Liquidação. Como visto, esse normativo não tinha vocação de aplicação, e não foi aplicado (tudo como supra). Logo, desde logo por esta razão, e contrariamente ao alegado pela Requerente, não tinha que ser demonstrado, pela Requerida, qualquer dos respectivos pressupostos de aplicação.
Fica assim respondida, também pela negativa, a Questão B).
E por aqui somos chegados também, aliás, à Questão C).
Veja-se. Refere a Requerente, no seu PPA, a final - vinda de expôr que havia feito o investimento muito antes de se ter tornado residente em Portugal, que o fez em Hong Kong, que foi sobre instituição financeira de Hong Kong que o cheque foi sacado, e que é residente e solicitou este ser depositado em banco Português, pelo que o resgate foi colocado à disposição em território português e é uma operação efectiva e sem valor desproporcionado, - refere, então, dizíamos, ser de estranhar a AT não ter lançado mão dos mecanismos de troca de informações contra o que é seu ónus nos termos do art.º 74.º da LGT.
Pois bem. Não sendo totalmente claro se a Requerente pretende dizer que é sobre a Requerida que recai o ónus de provar o contrário do que ela Requerente vem de ali afirmar e que tal ónus decorreria do art.º 74.º, n.º 1 da LGT. Ou se pretende apenas dizer que (alegadamente) não recorrendo a mecanismos de cooperação internacional para troca de informações a Requerida viola o art.º 74.º da LGT.
Como quer que seja, sempre se diga.
Quanto aos factos a que a Requerente apela neste particular, eles não vêm controvertidos. Nem, tão pouco, conduzem à consequência pretendida pela Requerente, da não tributação. Pelo que não cabia a Requerida procurar contraditá-los, fosse por troca de informações em sede de cooperação internacional ou por qualquer outra forma. Não são facto constitutivo do direito da administração tributária, para usar a expressão da norma invocada. A norma não vem, assim, violada.
Por outro lado, a Requerida, para liquidar como liquidou, fez uso, precisamente, de informações que obteve ao abrigo de mecanismos de cooperação internacional (cfr. probatório supra).
Pelo que, mais uma vez soçobra a tese da Requerente de que a Liquidação viola a lei, quando faz apelo ao art.º 74.º da LGT.
III. Quanto aos rendimentos de Capitais (Cat. E) auferidos por Residentes fora do território português e à Liquidação
Como visto (e v. al. t), factos provados supra), da Liquidação consta o montante de € 13.036,65 a título de “Imposto relativo a tributações autónomas”. Montante que foi apurado na sequência de procedimento de divergências com origem em troca de informações, tendo a Requerida obtido informação de a Requerente ter auferido, no Território/Região Administrativa Especial de Hong Kong, no ano de 2018, o rendimento de € 37.247,57 (conforme conversão de 334.113,32 HKD para euro, operada pela Requerida), em que foi entidade pagadora B... Limited com referência a conta com número .... 8225235.PT[6] (cfr. al. m), factos provados supra). Número que encontra correspondência no produto financeiro subscrito pela Requerente, Apólice B... n.º... (v. al. f) factos provados).
E vem o rendimento em questão, como também vimos, enquadrado pela Requerida, aquando das correcções, reflectidas na Declaração Oficiosa Mod. 3, no Quadro 8 do Anexo J, com o código de rendimento E99. Código que corresponde a “Rendimentos de capitais com origem em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável” (cfr. Instruções de preenchimento já referidas).
Pois bem.
Estabelece o legislador no art.º 5.º do CIRS assim (sempre, no que aos autos releva):
Artigo 5.º - Rendimentos da categoria E
“1. Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2. Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
(...)
3. Consideram-se ainda rendimentos de capitais a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, adiantamento ou vencimento de seguros e operações do ramo “Vida” e os respetivos prémios pagos ou importâncias investidas, (...).
Por sua vez, no art.º 7.º, assim:
Artigo 7.º - Momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação os rendimentos da categoria E
1. Os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos.
2. (...)
3. Para efeitos do disposto no n.º 1, atende-se:
(...)
b) Quanto ao n.º 3 do artigo 5.º, à colocação dos rendimentos à disposição dos seus titulares (...);
O montante em questão, que vem provado ter sido pago, pela B... Limited, representação em Hong Kong, a título de resgate, e ser um rendimento auferido pela Requerente (v., entre o mais, al.s h) e m), factos provados), foi efectivamente colocado à disposição no ano de 2018.
Em conta à ordem (CO) da titularidade da Requerente junto de instituição bancária em Portugal, é certo. O que também não afasta, de acordo com as normas aplicáveis, a tributação da Requerente em sede de IRS.
Assim, vejamos agora como dispõem os seguintes artigos (CIRS):
Artigo 15.º - Âmbito da sujeição
1. Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.
2. Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.
Art.º 18.º - Rendimentos obtidos em território português
1. Consideram-se obtidos em território português:
(...)
g) Outros rendimentos de aplicação de capitais devidos por entidades que nele tenham residência, sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento;
Como Residente que é, no ano de 2018, a Requerente foi, nos termos da Liquidação, tributada também pelos rendimentos obtidos fora do território português – como manda o art.º 15.º, n.º 1 supra.
O rendimento em questão, pago à Requerente, muito embora colocado à sua disposição em território português, não é de considerar aqui obtido, como parece pretender a Requerente, mas sim, precisamente, obtido fora deste território. Como a contrario resulta do disposto no art.º 18.º, n.º 1, al. g) supra. Pois que é à B...- Hong Kong, como visto, que é de imputar o pagamento.
E o facto de a sua colocação à disposição ocorrer em Portugal releva, tão só, para efeitos da determinação do momento em que fica sujeito a tributação – cfr. art.º 7.º, n.ºs 1 e 3 supra. E como assim na Liquidação (ano de 2018).
Por fim, o montante apurado foi de € 13.036,65, como vimos. O que corresponde a 35% do valor do rendimento. É o que decorre do também já referido art.º 72.º, onde se lê (sempre, esta como qualquer norma a que nos vimos referindo, na redacção vigente à data dos factos):
Art.º 72.º - Taxas especiais
(...)
12. São tributados autonomamente à taxa de 35%:
a) Os rendimentos de capitais, tal como são definidos no artigo 5.º e mencionados nas alíneas a) e h) do n.º 1 do artigo anterior, devidos por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, que sejam domiciliadas em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria de membro do Governo responsável pela área das finanças, (...);
Sendo que, nos termos da Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro, aplicável, o Território de Hong Kong integra a lista referida pelo legislador na norma acabada de referir. Ao mesmo correspondendo o Código de país da fonte 344, também constante da Declaração Oficiosa, Quadro 8 do Anexo J (v. factos provados supra, e v. instruções de preenchimento já referidas).
Ficam, assim, claras as normas em aplicação das quais a Liquidação operou a tributação do rendimento pago à Requerente em 2018 a título de resgate.
E a sua conforme aplicação.
Não padecendo a Liquidação dos vícios que lhe vêm imputados: a Requerente foi tributada, sim, enquanto Residente; e os rendimentos em questão foram sujeitos a tributação por obtidos fora do território português por pessoa Residente. Tudo como devido, e acabado de percorrer.
E tendo resultado provado o facto constitutivo do direito da Requerida.
*
A terminar refira-se ainda, num parêntesis, e muito embora consabidamente não admissível a invocação feita em momento posterior ao da interposição do PPA (v., entre o mais, art.º 108.º, n.º 1 do CPPT). A Requerente, em sede de Alegações aventou (v. supra, relatório) não ter resultado comprovado que lhe tivesse sido notificado o despacho com a notificação prévia da correcção oficiosa. Refere-se ao Ofício a esse respeito enviado em primeiro lugar. Tendo resultado provado que o mesmo foi enviado segunda vez – cfr. factos provados, al. s). E v. art.º 39.º, n.º 5 do CPPT. Quer este Ofício, quer o Ofício que concedeu prazo para o exercício de direito de audição (a que a Requerente se veio referir, por sua vez, em requerimento avulso, cfr. supra relatório) foram, sempre se diga, e como resulta dos autos, notificados à Requerente – cfr. factos provados, al. r).
Por seu turno, a referência genérica no intróito do PPA a “errónea qualificação dos rendimentos e outros factos tributários” e “preterição de outras formalidades legais” igualmente, por tudo o percorrido, não encontra qualquer respaldo na realidade. Fechado o parêntesis.
*
Antecipando a decisão, conclui-se que a Liquidação não padece de qualquer vício de violação de lei invocado pela Requerente, o mesmo sucedendo com o despacho de indeferimento da RG, que a manteve na Ordem Jurídica.
*
4. Decisão
Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o PPA, e assim:
Absolver a Requerida de todos os pedidos, mantendo-se a Liquidação na Ordem Jurídica, com todas as legais consequências.
5. Valor do processo
Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 13.036,65.
6. Custas
Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 918,00, a cargo da Requerente.
Lisboa, 26 de Março de 2024
O Árbitro
(Sofia Ricardo Borges)
[1] Aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para quaisquer Diplomas legais com vocação aplicativa se remeter na presente Decisão).
[3]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT.
[4] Por referência desde logo ao acto tributário de primeiro grau, e assente que é a competência deste Tribunal (como Tribunal Arbitral que é – e v. art.º 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT em conjugação com o art.º 132.º do CPPT) também para o conhecimento da impugnação dos actos de segundo e terceiro grau, do que se retirará as devidas consequências mais adiante.
[5] Sempre que na presente nos referirmos a artigos sem indicação do Diploma legal estaremos a referir-nos ao CIRS.
[6] Quaisquer sublinhados e ou negritos na presente são nossos, salvo se indicado em contrário.