Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 507/2023-T
Data da decisão: 2024-03-08  IRS  
Valor do pedido: € 6.393,91
Tema: IRS; Tributação internacional; rendimentos do trabalho dependente.
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Sumário:

  1. A tributação dos rendimentos com origem em profissões dependentes é regulada pelo artigo 15.º da Convenção celebrada entre Portugal e Dinamarca. Conforme dispõe o n.º 1 deste artigo a regra geral determina uma competência cumulativa entre o país da residência e o país da fonte, salvo nos casos em que se encontrem verificados os três critérios elencados no n.º 2 do mesmo artigo 15.º, neste caso o país da fonte tem competência exclusiva;
  2. O conceito de domicílio fiscal constante do artigo 19.º da LGT não se confunde com o conceito de residência fiscal para efeitos de direito fiscal internacional e direito internacional fiscal;
  3. A residência é aferida nos termos do direito interno nacional.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Árbitra Ana Pinto Moraes designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, decide o seguinte:

I. RELATÓRIO

 

  1. A..., com o n.º de identificação fiscal..., com residência ..., ..., n.º ..., ..., ..., ..., ...-... Fátima (“Requerente”), veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na sequência do indeferimento expresso reclamação graciosa que apresentou, com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à  anulação do Ato de Liquidação de IRS com o nº 2021 ... e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios com o n.º 2021 ..., no montante total de 6.393,91€ (seis mil trezentos e noventa e três e noventa e um cêntimos), relativos ao ano de 2017.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 12 de julho de 2023 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

  1. O Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. As partes foram notificadas dessa designação em 31 de agosto de 2023 não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral singular ficou constituído em 19 de setembro de 2023.

 

 

I.1 ARGUMENTOS DAS PARTES

  1. O Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:
  1. No ano de 2017, o Requerente trabalhou e residiu na Dinamarca em casa fornecida pela entidade patronal, apenas se deslocando a Portugal ocasionalmente, para férias e visitas familiares;
  2. Resulta da prova documental junta, designadamente do Certificado de Residência Fiscal, contrato de trabalho, recibos de vencimento e declaração de impostos que o Requerente, no ano de 2017, trabalhou na Dinamarca, aí obtendo os seus rendimentos, pagando os seus impostos e residido;
  3. O Requerente foi considerado residente fiscal na Dinamarca, no ano de 2017, pelas respetivas autoridades fiscais, nos termos do artigo 4.º da Convenção e legislação nacional, tudo conforme certificado de residência fiscal, que faz fé nos termos do n.º 4 do artigo 76.º LGT;
  4. Nunca poderia a Administração Tributária considerar o Requerente como residente fiscal em Portugal com base na falta de alteração do domicílio fiscal, pois que tal não constitui critério para determinar a residência fiscal;
  5. A mera disposição de uma habitação não é suficiente para que se possa concluir pelo preenchimento deste critério de residência fiscal em Portugal (critério previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS), pois é necessária a existência de “condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual”;
  6. Para que se considerasse necessário aplicar a Convenção, designadamente o critério de desempate previsto no artigo 4.º, n.º 2 – como fez a Administração Tributária –, seria necessário estarem verificados os critérios exigidos nos termos do artigo 16.º do Código do IRS para que o Requerente fosse considerado residente fiscal em Portugal, o que não acontece no caso em apreço.

           

  1. A Requerida, tendo sido devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta em 24 de outubro de 2023, tendo concluído pela improcedência da presente ação e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido.

 

 

  1. A Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:
  1. No âmbito do procedimento de troca de informações entre Portugal e a Dinamarca, foi comunicado no Sistema Integrado de Troca de Informação (SITI) pela Autoridade Tributária da Dinamarca, a obtenção de rendimentos naquele país, de trabalho dependente (Categoria A) no montante de €59.254,95, com imposto pago no estrangeiro no montante de €14.545,26, ao abrigo da troca internacional de informações fiscais prevista na Diretiva de Cooperação Administrativa n.º 2011/16/UE, do Conselho, de 15 de Fevereiro de 2011 (DAC1);
  2. A Requerida deu início a um procedimento de troca de informação com as Autoridades Fiscais Dinamarquesas, ao abrigo do disposto no artigo 26.º da CDT celebrada entre Portugal e a Dinamarca;
  3. Entende a Requerida que tal como decorre da 1ª parte, do nº. 1, do artigo 4º da CDT, a residência é aferida nos termos do direito interno nacional e de acordo com o ordenamento jurídico interno;
  4. A Requerida entende que o Requerente era residente em Portugal em 2017, preenchendo os critérios de residência previstos na alínea b), do nº. 1, do artigo 16.º do Código do IRS, uma vez que, muito embora tenha permanecido em Portugal menos de 183 dias, dispunha de habitação própria e permanente no nº.... , da Rua ..., ..., ...-... ..., concelho de Leiria;
  5. Entende a Requerida que estamos perante um caso que configura um conflito de residência (dupla residência fiscal), que terá de ser dirimido de acordo com as regras previstas nas várias alíneas do nº. 2, do artigo 4.º da CDT Portugal-Dinamarca;
  6. Defende a Requerida que os critérios do artigo 4.º da CDT encontram-se numa relação de subsidiariedade, ou seja, apenas se aplica o critério seguinte quando o anterior não seja apto a resolver a dupla residência;
  7. Começando pelo critério da habitação permanente previsto na 1ª parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º da mencionada CDT, resulta do supra exposto que o reclamante dispunha de habitação própria e permanente em Portugal e tinha o seu domicílio fiscal na morada desse imóvel;
  8. Argumenta a Requerida que das respostas enviadas pelas Autoridades Fiscais Dinamarquesas, resulta que o contribuinte não dispunha de habitação permanente nesse Estado. Inclusivamente, a morada que consta no certificado residência fiscal é a morada de Portugal e no formulário de resposta é referido que o contribuinte não tem morada na Dinamarca;
  9. A Requerida afirma ainda que na resposta ao pedido de esclarecimentos, consta que o contribuinte não tinha morada na Dinamarca, mas apenas em Portugal;
  10. Conclui a Requerida que o Requerente era residente em Portugal em 2017, encontrando-se obrigado a declarar a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos na Dinamarca.

 

  1. Por despacho proferido em 15 de janeiro de 2024, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT.

 

  1. Foram apresentadas alegações finais em 7 e 9 de fevereiro de 2024, pelo Requerente e Requerida, respetivamente.

 

II. SANEAMENTO

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

  1. O processo não enferma de nulidades.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

  1. Analisada a prova produzida no âmbito do presente processo, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
  1. O Requerente foi notificado pelos Serviços da Requerida em 12 de novembro de 2021 da declaração oficiosa de IRS do ano de 2017 n.º ...- 2017 - ...- ..., com o preenchimento do respetivo anexo J – rendimentos de trabalho dependente Cat. A;
  2. A 29 de dezembro de 2021 o Requerente vem apresentar reclamação graciosa de liquidação de IRS de 2021;
  3. O Requerente solicitou o pagamento parcial da dívida até perfazer o montante de 5.000,00€, por forma a não ter de prestar garantia nos termos do artigo 198.º, n.º 5 do CPPT, tendo procedido ao pagamento de 2.033,79€, requerendo ainda o pagamento do restante montante em prestações de 4.360,12€;
  4. O Requerente não alterou o domicílio fiscal que tinha à data – 2017 – em Portugal no sistema informático da AT – Rua ..., ..., n.º ..., ...-... ...;
  5. O Requerente residiu na Dinamarca no período compreendido entre 1 de janeiro de 2017 e 31 de janeiro de 2018;
  6. Durante o período que residiu na Dinamarca a residência era paga pela empresa empregadora;
  7. O Requerente celebrou um contrato com a empresa dinamarquesa ‘B... A/S’ durante o período de 1 de março de 2017 e 31 de dezembro de 2017;
  8. Foi emitido certificado de residência fiscal apresentado pela Autoridade Fiscal dinamarquesa em 14 de setembro de 2021, para efeitos de aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e a Dinamarca, que atesta que o contribuinte foi aí residente desde 1 de janeiro de 2017 e 31 de agosto de 2018;
  9. No âmbito do procedimento de troca de informações entre Portugal e a Dinamarca, foi comunicado no Sistema Integrado de Troca de Informação (SITI) pela Autoridade Tributária da Dinamarca, por ter considerado o impugnante como residente em Portugal, a obtenção de rendimentos naquele país, de trabalho dependente (Categoria A) no montante de €59.254,95, com imposto pago no estrangeiro no montante de €14.545,26;
  10. Em Portugal no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC), está registado que o Requerente residiu no estrangeiro, mais concretamente em França, a partir de 2021/11/21 (alteração via Cartão de Cidadão nº. CC...), sendo que, em 2022/04/23 alterou o seu estatuto para ‘residente’ (alteração via Cartão de Cidadão nº. CC...);
  11. Em 7 de fevereiro de 2023, as Autoridades Fiscais Dinamarquesas informaram o seguinte:
  1. O contribuinte não tinha uma morada na Dinamarca, mas apenas uma morada em Portugal.
  2. Residiu na Dinamarca no período compreendido entre 2017/01/01 e 2018/01/31.
  3. Foi empregado pela empresa dinamarquesa ‘B... A/S’ durante o período de 2017/03/01 a 2017/12/31.
  4. Recebeu rendimentos da ‘B... A/S’ e o imposto dinamarquês foi pago.
  5. O contribuinte está sujeito a responsabilidade fiscal total em termos de rendimento de acordo com a legislação nacional e de acordo com o artigo 4.º da CDT aplicável, o rendimento global é tributado na Dinamarca.

 

 

 

 

III.1.2. Factos não provados

 

  1. Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

  1. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

  1. Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. A questão decidenda prende-se com a declaração da ilegalidade do ato de liquidação de IRS, que tributa rendimentos do trabalho de origem estrangeira, estando em causa aferir o país que tem competência para a tributação.

 

  1. Uma vez que o Requerente celebrou um contrato de trabalho com a empresa dinamarquesa ‘B... A/S’ durante o período de 1 de março de 2017 e 31 de dezembro de 2017, estamos perante uma profissão dependente.

 

  1. A tributação dos rendimentos com origem em profissões dependentes é regulada pelo artigo 15.º da Convenção celebrada entre Portugal e Dinamarca, conforme se segue:

 

Artigo 15.o

Profissões dependentes

1 — Com ressalva do disposto nos artigos 16.º, 18.º e 19.º, os salários, vencimentos e outras remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado.

2 — Não obstante o disposto no n.º 1, as remunerações obtidas por um residente de um Estado Contratante de um emprego exercido no outro Estado Contratante só podem ser tributadas no primeiro Estado Contratante mencionado se:

a) O beneficiário permanecer no outro Estado durante um período ou períodos que não excedam, no total, 183 dias, em qualquer período de 12 meses, com início ou termo no ano fiscal em causa;

b) As remunerações forem pagas por uma entidade patronal ou por conta de uma entidade patronal que não seja residente do outro Estado; e

c) As remunerações não forem suportadas por um estabelecimento estável ou por uma instalação fixa que a entidade patronal tenha no outro Estado.

3 — Não obstante as disposições anteriores deste artigo, as remunerações de um emprego exercido a bordo de um navio ou de uma aeronave explorado no tráfego internacional por uma empresa de um Estado Contratante podem ser tributadas nesse Estado.

 

 

  1. Conforme dispõe o n.º 1 a regra geral determina que o país da residência pode tributar estes rendimentos, bem como o país da fonte.

 

  1. Tal é devidamente reconhecido pela Requerida na sua Resposta: «26.Assim, nos termos do disposto na 2ª parte, do nº. 1, do artigo 15.º da CDT Portugal-Dinamarca, a competência para a tributação é cumulativa entre o Estado da fonte e o Estado da residência, competindo a este a eliminação da dupla tributação (artigo 23º daquela CDT)» (cit.).

 

  1. Contudo, não foi considerado pela Requerida o n.º 2 do mesmo artigo 15.º, que atribui competência exclusiva ao país da fonte, quando os três critérios elencados nessa norma estão cumulativamente verificados.

 

  1. Conforme se retira da matéria de facto assente, o Requerente preenche cumulativamente os seguintes requisitos:
  1. Permaneceu na Dinamarca durante um período ou períodos que excedeu, no total, 183 dias, em qualquer período de 12 meses, com início ou termo no ano fiscal em causa;
  2. As remunerações forem pagas por uma entidade patronal ou por conta de uma entidade patronal que não é residente em Portugal; e
  3. As remunerações não forem suportadas por um estabelecimento estável ou por uma instalação fixa que a entidade patronal tenha em Portugal.

 

  1. Neste sentido, fica claro que Portugal não tem competência para tributar estes rendimentos.

 

  1. Pelo que, ainda que se concluísse que o Requerente era residente em Portugal em 2017, encontrando-se por esse motivo obrigado a declarar a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos na Dinamarca, neste caso e cumprindo o disposto no n.º 2, do artigo 15.º da CDT Portugal-Dinamarca apenas a Dinamarca poderia tributar os rendimentos em causa.

 

  1. Acresce que, tal como ficou demonstrado na matéria assente o Requerente não era residente fiscal em Portugal, pelo que também nesse cenário, apenas a Dinamarca tem a competência para tributar estes rendimentos.

 

  1. Ora, conforme a Requerida reconhece na página 6 da sua Resposta, «decorre da 1ª parte, do nº. 1, do artigo 4º da CDT aqui em causa, a residência é aferida nos termos do direito interno nacional» (cit.).

 

  1. Contudo, conclui que o Requerente preenchia os critérios de residência previstos na alínea b), do nº. 1, do artigo 16.º do Código do IRS, uma vez que muita embora tivesse permanecido em Portugal menos de 183 dias, dispunha de habitação própria e permanente em Portugal.

 

  1. A Requerida basta-se com a consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes e verifica que, durante o ano de 2017, o Requerente teve o seu domicílio fiscal em Portugal, o qual faz presumir a sua habitação própria e permanente, nos termos do n.º 10 do artigo 12.º do Código do IRS, à data, sem ter procedido a qualquer comunicação sobre a sua alteração.

 

  1. Por outras palavras, a Requerida utiliza apenas como argumento para considerar o Requerente como residente fiscal no território nacional, a inexistência de alteração do domicílio fiscal nos termos do artigo 19.º da Lei Geral Tributária.

 

  1. Está assente na jurisprudência que as expressões “residência fiscal” e “domicílio fiscal” encerram conceitos diferenciados.

 

  1. A residência fiscal integra a hipótese de normas tributárias substantivas e o domicílio fiscal projeta-se em consequências processuais.

 

  1. Por outro lado, a obrigação declarativa prevista no artigo 19.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária não é uma formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não poderá ter impacto na tributação, principalmente quando o contribuinte vem ilidir a presunção.

 

  1. De facto, apenas o artigo 16.º do Código do IRS determina quais são os critérios para a residência fiscal:

Artigo 16.º
Residência

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.

 

  1. Considerando que o Requerente fez prova de que o critério da aliena b) do n.º 1 do artigo 16.º não se encontra preenchido, o Requerente não qualifica como residente fiscal em Portugal, pelo que não se questiona sequer se é aplicável o artigo 4.º da Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e Dinamarca, nem tão pouco o artigo 15.º.

 

  1. Fica prejudicada, por processualmente inútil, a apreciação dos restantes vícios aduzidos pelo Requerente.

 

  1. Pelo que, em consequência da anulação da liquidação há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga, acrescido de juros indemnizatórios.

 

 

 

 

 

IV. DECISÃO

Termos em que se decide:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa e o ato de liquidação objeto do presente processo;
  2. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios;
  3. Condenar a Requerida a suportar integralmente as custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 6.393,91 atribuído pelo Requerente e sem contestação da Requerida.

 

VI. CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 612, a cargo da Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 08 de março de 2024.

 

 

 

Ana Pinto Moraes