Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 354/2014-T
Data da decisão: 2015-02-04  IRC IVA  
Valor do pedido: € 58.617,37
Tema: IRC e IVA -Métodos indirectos; Competência.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A…, LDA., com o Número de Identificação de Pessoa Colectiva …, com sede na…, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1/a) e 10º nº 1/a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IVA e IRC, relativos aos anos de exercício de 2008 e 2009 de que resultou um saldo global a pagar de €58.617,37, correspondente a:

                                                              i.      € 12. 704, 03, referente à liquidação de IVA de 2008;

                                                            ii.      € 11. 815, 69, referente à liquidação de IVA de 2009;

                                                          iii.      € 16. 263, 94, referente à liquidação de IRC de 2008;

                                                          iv.      € 17. 833, 71, referente à liquidação de IRC de 2009..

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado a 23-04-2014 e aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 28-04-2014.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 16-06-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 01-07-2014.

 

  1. Notificada para o efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, por excepção, suscitando a incompetência do Tribunal em razão da matéria, e por impugnação, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

 

  1. Notificada para se pronunciar, em prazo, sobre a matéria de excepção contida na contestação, a Requerente manteve-se silente.

 

  1. Notificada para, em prazo, informar se, face às posições das partes assumidas nos articulados, informar se mantém interesse na inquirição das testemunhas por si arroladas, ou se prescindia da mesma, a Requerente manteve-se silente.

 

  1. Face à falta de resposta da Requerente, relativamente ao despacho mencionado anteriormente, foi a mesma notificada para, em prazo, dar resposta ao mesmo, sob pena de, na falta de qualquer resposta em tal prazo, se considerar, ao abrigo do disposto no art.º 16.º/c) e f) do RJAT que prescindia da inquirição das testemunhas por si arroladas. Novamente, a Requerente quedou-se silente.

 

  1. Foi, então, proferido despacho determinando a não produção da prova testemunhal arrolada pela Requerente, dispensando a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, fixando prazo para apresentação de alegações escritas sucessivas e facultativas e para a entrega da decisão final.

 

  1. A Requerente não apresentou alegações, enquanto que a AT apresentou requerimento, reafirmando tudo quanto havia referido na resposta.

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

  1. Assim, uma vez que, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), e o processo não enferma de nulidades, cumpre proferir

 

 

III. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

 

1-  As liquidações objecto do presente processo tiveram por base a deliberação tomada no âmbito do procedimento de revisão n.º …, o qual respeita ao pedido de revisão matéria tributável, apresentado pela reclamante ao abrigo do art. 91.º da Lei Geral Tributária (LGT), determinada por métodos indirectos, em sede de IRC e IVA, dos anos de 2008 e 2009.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem outros factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, considerara-se provado, com relevo para a decisão, o facto acima elencado, de resto consensualmente reconhecido e aceite pelas partes.

 

 

B. DO DIREITO

 

A Requerente nos autos insurge-se contra a quantificação da matéria tributável efectuada nas liquidações cuja legalidade contesta.

Conforme resulta da matéria de facto acima dada como provada, as liquidações objecto do presente processo tiveram por base a deliberação tomada no âmbito do procedimento de revisão n.º ..., o qual respeita ao pedido de revisão matéria tributável, apresentado pela reclamante ao abrigo do art. 91.º da Lei Geral Tributária (LGT), determinada por métodos indirectos, em sede de IRC e IVA, dos anos de 2008 e 2009.

A AT, na sua resposta, suscitou a questão prévia da competência da jurisdição dos tribunais arbitrais constituídos no CAAD, para apreciar as questões colocadas.

Com efeito, dispõe o artigo 4.º/1 do RJAT:

A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.”.

            Por sua vez, a Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março, no seu artigo 2.º, refere que:

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes: (...)

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;”.

            Como é sabido, nos termos do artigo 54.º do CPPT, “Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”.

            No presente caso, as ilegalidades que a Requerente aponta ao acto impugnado, reconduzem-se, todas, a ilegalidades que se repercutem na validade da deliberação tomada no âmbito do procedimento de revisão n.º ..., o qual respeita ao pedido de revisão matéria tributável, apresentado pela reclamante ao abrigo do art. 91.º da Lei Geral Tributária (LGT), determinada por métodos indirectos, em sede de IRC e IVA, dos anos de 2008 e 2009.

            Ou seja, dito de outro modo, não é possível reconhecer a procedência de qualquer das ilegalidades suscitadas pela Requerente, sem colocar em causa a validade do acto praticado no âmbito do procedimento de revisão desencadeado pela Requerente.

            Ora, como se viu, os Tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, não têm competência para julgar tais matérias, porquanto a vinculação da AT àqueles tribunais, não as abrange.

            Deste modo, necessariamente, haverá que reconhecer a procedência da excepção da incompetência material, suscitada pela AT na sua resposta.

            Este, de resto, tem sido o entendimento unânime da jurisprudência dos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, podendo, nesse sentido, consultar-se as decisões proferidas nos processos 17-2012T, 52-2012T e 70-2012T[1].

 

***

                 À face de todo o exposto, conclui-se pela procedência da excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, relativa à incompetência absoluta deste tribunal arbitral (ratione materiae), ficando, deste modo, impossibilitado o conhecimento das demais questões colocadas.

 

***

 

C. Decisão

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a) Julgar procedente a excepção dilatória da incompetência absoluta deste tribunal arbitral invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

b) Absolver a Requerida da instância; e

c) Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante de €2.142,00, devendo ter-se em conta os pagamentos entretanto efetuados.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €58.617,37, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força do das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pelos Requerentes, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

Lisboa

4 de Fevereiro de 2015

 

 

O Árbitro

 

(José Pedro Carvalho)



[1] Disponíveis em www.caad.org.pt.