SUMÁRIO:
I - Os artigos 3.°, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 e 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja actividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam actividades no sector financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na acepção desta Directiva e deste Regulamento.
II – Por isso, uma sociedade gestora de participações sociais domiciliada em Portugal, regulada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que tem como único objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades que não exercem actividade no sector financeiro, não beneficia da isenção de pagamento de imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1 al. e) do Código de Imposto de Selo, por não se subsumir, subjectivamente, no conceito de «instituição financeira», definido pelo direito comunitário.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Fernanda Maçãs (presidente), Dr. João Marques Pinto (árbitro vogal) e Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora (árbitro vogal relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I- RELATÓRIO
1- A..., SGPS, S.A., Pessoa Colectiva n.º..., B..., SGPS, S.A., Pessoa Colectiva n.º..., ambas com sede na Rua ... n.º ..., ...-... Porto, e C..., SGPS, S.A., Pessoa Colectiva n.º..., com sede na Rua..., n.º ..., ...-... ..., Oeiras, (doravante, em conjunto, designadas “Requerentes”),tendo sido notificadas das decisões finais de indeferimento das Reclamações Graciosas que correram termos na Unidade dos Grandes Contribuintes, sob os procedimentos n.º ...2023... e ...2023..., apresentadas contra as liquidações de Imposto do Selo relativas ao período compreendido entre Dezembro de 2020 e Fevereiro de 2022, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, e ainda do artigo 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). O objecto imediato do presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral (em diante, “pedido arbitral”) consiste no acto de indeferimento expresso dos procedimentos de Reclamação Graciosa apresentados pelas Requerentes no junto da Administração Tributária (AT) e o objecto mediato é a eventual (i)legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, por aplicação da Verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) a diversas operações de crédito realizadas no período compreendido entre Dezembro de 2020 e Fevereiro de 2022. Em concreto, na esfera da A... SGPS, estão em causa actos tributários de liquidação de Imposto do Selo no montante total de €740.928,55; na esfera da B... SGPS, os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo ascendem a €98.722,77 e na esfera da C... SGPS estão em causa actos tributários de liquidação de Imposto do Selo no montante total de €372.732,05.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
O Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, os quais comunicaram a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 30 de Agosto de 2023.
2-A fundamentar o pedido alegam, em síntese, os Sujeitos Passivos:
a) Para as Requerentes, as liquidações de Imposto do Selo em apreço são ilegais porquanto assentam na aplicação ilegal da Verba 17 da TGIS sobre operações de concessão de crédito às Requerentes, ignorando a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, bem como são violadoras dos princípios fundamentais, internos e comunitários.
b) Sem prejuízo das regras de incidência objectiva acima indicadas, determina a alínea e), do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo que são isentos deste imposto “Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças” (sublinhados e destaques das Requerentes).
c) Acrescenta, por sua vez o n.º 7 da mesma norma que “o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.” – cfr. Redacção conferida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento do Estado para 2016 – “Lei OE 2016”).
d) Tendo por base a redacção das normas citadas, encontram-se isentas de Imposto do Selo, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do respectivo Código, as seguintes operações (i) os juros cobrados, (ii) as comissões cobradas, (iii) a utilização do crédito e (iv) as garantias prestadas, sendo que como se relatou no capítulo dos factos, o Imposto do Selo aqui em causa, resultou de operações de financiamento / utilização de crédito (e respectivos juros e comissões).
e) Deste modo, não há dúvidas de que os actos sobre os quais incidiu Imposto do Selo na presente situação encontram-se objectivamente abrangidos pela alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.
f) No que se refere ao preenchimento pelas Requerentes do conceito de instituição financeira prevista na legislação comunitária, as Requerentes depois de citarem vários artigos da Diretiva 2013/36/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 e do Regulamento n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, da mesma data, ponderam que “Neste contexto, o artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 com a epígrafe “Definições” estabelece no ponto 26) do n.º 1, na redacção dada pelo Regulamento (UE) n.º 2019/876 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2019 (que entrou em vigor a partir de 27 de Junho de 2019), e pelo Regulamento (UE) n.º 2019/2033 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Novembro de 2019, que instituição financeira é “uma empresa que não seja uma instituição nem uma sociedade gestora de participações no sector puramente industrial, cuja actividade principal seja a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das actividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Directiva 2013/36/UE, incluindo uma empresa de investimento, uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma companhia financeira de investimento, uma instituição de pagamento, na acepção da Directiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, e uma sociedade de gestão de activos, mas com exclusão das sociedades gestoras de participações no sector dos seguros e das sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na acepção do artigo 212.o, n.o 1, alíneas f) e g), da Directiva 2009/138/CE”.
g) Da definição de instituição financeira estabelecida no aludido Regulamento, ficam excluídas as sociedades gestoras de participações no sector puramente industrial, no sector dos seguros, bem como aquelas de seguros mistas (na acepção do artigo 212.º, n.º 1, alíneas f) e g), da Directiva 2009/138/CE).
h) Assim, para efeitos deste Regulamento e da Directiva 2013/36, uma instituição financeira é, entre outros, uma empresa cuja actividade principal é a aquisição de participações sociais – como é o caso das Requerentes.
i) As Requerentes insurgem-se, ainda, quanto à argumentação apresentada pela Requerida na decisão final de indeferimento quanto ao facto de o legislador nacional ter adotado um conceito mais restrito de “instituição financeira”, tendo caracterizado como tal “as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal (…)” (artigo 2.º-A do RGICSF), na medida em que o conceito do utilizado pelo legislador, no Código do Imposto do Selo, na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, se refere a instituições financeiras previstas na legislação comunitária.
j) Contestam também a diferente posição adotada pela Requerida no Parecer n.º 25/2013, de 28 de Junho de 2013 do Centro de Estudos Fiscais (“CEF”) que se pronunciou no sentido de defender que os fundos (Fundos de Capital de Risco) cabem na qualificação de instituição financeira, na medida em que os mesmos se incluem na lista de entidades descritas no n.º 2 do artigo 3.º da Diretiva n.º 2005/60/CE. Bem como na Ficha Doutrinária emitida no âmbito do Processo n.º 2017000303 - IVE n.º 11733, – vide Informação Vinculativa, com despacho concordante de 7 de Julho de 2017, da Directora-geral da AT, com violação do princípio da imparcialidade ad Administração ;
k) As Requerentes invocam também a seu favor diversa jurisprudência do CAAD, concluindo que a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Imposto do Selo abrange as SGPS, porquanto: i)(…) a definição de “instituição financeira” prevista na Directiva 2013/36 abrange uma empresa cuja actividade principal é a aquisição de participações, conforme exposto supra; ii) (…) as SGPS, tal como definidas em Portugal no âmbito do regime jurídico das SGPS, têm por objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, enquadrando-se esse tipo societário na noção de instituição que tem como actividade principal a aquisição de participações; iii) (…)se encontram reunidas as condições para poderem ser consideradas “instituições financeiras”, no âmbito de operações de concessão de crédito – ao abrigo da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.
l) A seguir-se a interpretação pretendida dar pela AT à norma prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS aqui em apreço (i.e., no sentido de excluir da lista de mutuárias susceptíveis de beneficiar da isenção, as sociedades gestoras de participações sociais), tal norma seria materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade, num contexto em que, paradoxalmente, a AT inclui na isenção, sem qualquer fundamento material, os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento, os fundos de capital de risco, etc., em detrimento das SGPS.
m) Argumentam as Requerentes em síntese que, sendo a SGPS uma “instituição financeira”, nos termos da legislação comunitária, devem as Requerentes beneficiar da isenção de Imposto do Selo consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, relativamente às operações de crédito que originaram as liquidações de Imposto do Selo impugnadas.
n) Com efeito; (i) as operações financeiras em causa cabem na previsão objetiva da norma, ou seja, tratam-se de operações associadas à “concessão de crédito”; (ii) as entidades mutuantes são qualificadas como “instituição de crédito”, e, finalmente, (iii) as Requerentes, na qualidade de mutuárias, são “instituiç[ões] financeiras” de acordo com a “legislação comunitária”.
o) Nestes termos, os atos de liquidação de Imposto do Selo em apreço são ilegais e, como tal, devem ser anulados, e em consequência ser restituído às Requerentes o imposto indevidamente pago, no montante global de € 1.212.383,37.
p) Não sendo questionado pela Requerida o preenchimento do critério objetivo da alínea e) do n.º1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, a questão central a decidir gira em torno de saber se as Requerentes preenchem o requisito subjetivo daquele preceito, mais concretamente se caem no conceito de instituição financeira previsto na legislação comunitária.
q) Como causa de pedir alegam as Requerentes que as liquidações e causa são ilegais, porquanto, incorrem em: i) Violação de normativos internos, em especial por erro de interpretação quanto à aplicação ao caso da isenção consagrada na alínea e) do n.º1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo;ii) Violação de princípios fundamentais comunitários;iii) Violação do princípio da imparcialidade por desconformidade da orientação seguida pela Requerida com posições anteriormente defendidas em contrário quanto ao conceito de fundos/sociedades de capital de risco, com base designadamente no Parecer n.º 25/2013, de 28 de Julho de 2013, e na Ficha doutrinária emitida no âmbito do processo n.º 2017000303- Informação Vinculativa com despacho concordante de 7 de Julho de 2017;iv) Inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade, num contexto em que, paradoxalmente, a AT inclui na isenção, sem qualquer fundamento material, os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento, os fundos de capital de risco, etc., em detrimento das SGPS.
r) As Requerentes terminam pedindo a anulação dos atos de liquidação impugnados e, em consequência, ser restituído às Requerentes o imposto indevidamente pago, no montante global de € 1.212.383,37, acrescido de juros indemnizatórios.
3- Por sua vez, a Requerida, na Resposta, argumenta, em síntese:
a) “(…), as Requerentes entendem que se qualificam como “instituições financeiras” à luz da legislação comunitária, pelo que as liquidações de Imposto do Selo em apreço são ilegais, porquanto assentam na aplicação ilegal da Verba 17 da TGIS sobre operações de concessão de crédito, ignorando a isenção prevista na alínea e) do n. º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo (CIS);
b) O que a Requerida contesta, porquanto, nos termos conjugados da alínea e) do n.º 1 e do n.º 7, ambos do artigo 7.º do CIS, do lado objetivo da isenção apenas estão isentas de imposto, quando nelas intervenham os sujeitos ali identificados, e sem equiparar a elas quaisquer outras, as seguintes operações: I. Utilização do crédito concedido; II. Garantia prestada na concessão do crédito; III. Juros cobrados pela concessão do crédito; IV. Comissões cobradas diretamente destinadas à concessão do crédito.
c) Do lado subjetivo a lei exige que tais operações sejam realizadas por: I. “Instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras”;
d) Tendo como destinatários, II. “Sociedades de capital de risco, bem como III. sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”; e Desde que, IV. “Umas e outras sejam domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças";
e) Em relação ao Imposto do Selo liquidado à Requerente A... SGPS referente a diversos programas de papel comercial e empréstimos obrigacionistas, no valor de € 48.324,36. 34, a isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não está orientada para a operações financeiras que visem a promoção e angariação de potenciais investidores para a aquisição de obrigações e papel comercial, ainda que exercida por instituições de crédito atuando na qualidade de intermediários financeiros, mas sim para as comissões diretamente conexas com a concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS;
f) Não se encontram, assim, preenchidos os pressupostos objetivos (e subjetivos) de que depende o reconhecimento da isenção, isto é, por não estarem diretamente relacionadas com a concessão de crédito, na aceção que resulta da conjugação da alínea e) do n.º 1 com o n.º 7 daquela norma de isenção;
g) Mesmo que assim se não entenda, a Requerida defende que a não aplicabilidade da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS às Requerentes tem sido defendida por vasta jurisprudência do CAAD, aderindo em especial à vazada na Decisão arbitral proferida no processo n.º 559/2020-T;
h) Ora, alega a requerida que não pode aceitar tal argumento, pois contrariamente ao alegado pelas Requerentes, considera que da conjugação do ponto 22) do n.º 1 do artigo 3.º da Diretiva n.º 2013/36/UE com o ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, nas redações vigentes à data dos factos, não se extrai da definição de “Instituição financeira” nelas contidas, que as SGPS integrem o conceito fornecido pela legislação comunitária;
i) Segundo a Requerida, a interpretação parece ser numa perspetiva literal, sistemática e teleológica a melhor interpretação da definição de “instituição financeira" inserta no ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, é aquela em que uma SGPS, pelas participações sociais que adquire e/ou detém numa instituição de crédito ou empresa de investimento, fica, por esse mesmo motivo, sujeita ao quadro regulatório e de supervisão numa base individual ou consolidada imposta pelas respetivas autoridades de supervisão financeira. Interpretação contrária conduziria à conclusão, defendida aliás pelas Requerentes, de que uma qualquer empresa, SGPS incluídas, podia ser “instituição financeira”, independentemente de estar ou não sujeita à supervisão financeira, o que contraria todo o modelo do sistema financeiro europeu;
j) Na verdade, chegar-se-ia ao absurdo de essas entidades serem definidas como “instituições financeiras”, mas a sua atividade não estar sujeita ao regime de supervisão prudencial do sistema financeiro, tanto português como europeu, que é precisamente aquilo que é cuidado pela Diretiva 2013/36/EU e pelo Regulamento n.º 575/2013, conforme decorre com clareza da leitura dos artigos 1. os de ambos os diplomas comunitários. A função do Regulamento (UE) n.º 575/2013 é indicar quais as entidades que devem cumprir requisitos prudenciais nos termos desse regulamento e estão sujeitas a supervisão prudencial nos termos da Diretiva 2013/13/EU;
k) Assim, contrariamente ao que fazem as Requerentes, não pode interpretar-se literalmente a expressão “empresa (…) cuja atividade principal é a aquisição de participações”, isolada do regime instituído pelo Regulamento (UE) n.º 575/2013 e pela Diretiva 2013/13/EU;
l) Tal interpretação das Requerentes, inadmissível à luz daqueles diplomas comunitários (e na perspetiva da AT), implica que se considere “instituição financeira” as SGPS cujo objeto é a gestão de participações em sociedades não sujeitas a requisitos ou supervisão prudenciais, isto é, que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2013/36/UE e do Regulamento (UE) n.º 575/2013;
m) Daí que deva entender-se por “empresa (…) cuja atividade principal é a aquisição de participações” uma SGPS cuja atividade principal seja a aquisição e detenção de participações em empresas sujeitas a requisitos prudenciais e a supervisão prudencial nos termos e para os efeitos, respetivamente, do Regulamento (UE) n.º 575/2013 e da Diretiva 2013/36/EU, sendo esta a interpretação que melhor se coaduna com a necessidade de manter a conexão entre a sociedade gestora de participações sociais e as atividades reguladas pela Diretiva 2013/36/EU e pelo Regulamento (UE) n.º 575/2013;
n) Ora, tal não acontece no presente caso, porquanto as Requerentes não detêm, quaisquer participações sociais em filiais ou participadas qualificadas como instituições de crédito ou empresas de investimento que as obrigue a ficar igualmente sujeitas ao supervisor financeiro destas, sendo claro que a atividade das Requerentes se situa no “setor puramente industrial”. Na verdade, uma simples consulta aos seus CAE (Código das Atividades Económicas, Rev.3), permite confirmar que não praticam, porque lhes está vedada face ao quadro legal referido, qualquer atividade estritamente relacionada com o mercado bancário e de serviços financeiros;
o) Acresce que a comparação entre as SGPS e as SCR/FCR viola o princípio da proibição da interpretação analógica em matéria de benefícios fiscais e, sobretudo, o da igualdade tributária, na medida em que se pretende tratamento igual para realidades que são, nos próprios termos do RJSGPS e do RJCR, desiguais, sendo que o mesmo raciocínio se aplica mutatis mutandis aos fundos de investimento;
p) Finalmente alega a Requerida que no âmbito dos processos que correm termos no TJUE sobre a questão das SGPS, no passado dia 29 de junho de 2023, foram conhecidas as conclusões da advogada geral, que dizem o seguinte: «74. FACE ÀS CONSIDERAÇÕES QUE PRECEDEM, AFIGURA-SE QUE TODOS OS MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO CONDUZEM A UMA LEITURA RESTRITIVA DO ARTIGO 4.°, N.° 1, PONTO 26, DO REGULAMENTO N.° 575/2013. POR ESTA RAZÃO, CONCLUO QUE O ARTIGO 3.°, N.° 1, PONTO 22, DA DIRETIVA 2013/36 E O ARTIGO 4.°, N.° 1, PONTO 26, DO REGULAMENTO N.° 575/2013 DEVEM SER INTERPRETADOS NO SENTIDO DE QUE UMA SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, QUE TEM POR ÚNICO OBJETO A GESTÃO DE PARTICIPAÇÕES NOUTRAS SOCIEDADES E CUJAS FILIAIS OU PARTICIPAÇÕES NÃO DIZEM RESPEITO A ATIVIDADES BANCÁRIAS OU FINANCEIRAS, NÃO PODE SER CONSIDERADA UMA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA NA ACEÇÃO DESTAS DISPOSIÇÕES. (destaque nosso)».
4- Por despacho do Tribunal, de 31 de Outubro de 2023, foi dispensada a prova testemunhal pelas razões constantes daquele despacho, que se dão por reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos. No mesmo despacho foram as partes notificadas para produzir alegações e fixado o dia 29 de Fevereiro para prolação da Decisão Arbitral.
5- As partes não apresentaram alegações.
II- SANEADOR
6-O Tribunal arbitral é materialmente competente, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Com efeito, é legítima a cumulação de pedidos bem como a coligação de autores.
Nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
No caso dos autos a coligação das Requerentes A... SGPS, B... SGPS e C... SGPS deriva da apreciação da mesma factualidade e da aplicação do mesmo quadro jurídico.
Na verdade, verifica-se: i) a identidade das circunstâncias de facto; ii) a identidade dos fundamentos de Direito, e iii) a identidade do Tribunal competente para a decisão.
Termos em que, por razões economia processual, racionalidade de meios e respeito pelo princípio do pro actione, corolário do direito à tutela judicial efetiva se julga legal a coligação das Requerentes e a cumulação de pedidos.
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre apreciar e de decidir.
III- FUNDAMENTOS
III-1-Matéria de facto
§1.º Factos dados como provados
Os factos relevantes para a decisão da causa e tidos como assentes são os seguintes:
a) As Requerentes são sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS), estando sujeitas ao regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, (RJSGPS), tendo por objeto a gestão de participações sociais em outras sociedades;
b) Como resulta dos Relatórios de Contas das Requerentes, relativos aos períodos de tributação de 2020, 2021 e 2022, a que dizem respeito os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo aqui em escrutínio, cabe às Requerentes a gestão das empresas cujas participações sociais detêm, o que passa, também, pela concessão de crédito para garantia da capacidade de tesouraria das mesmas (Documentos n.ºs 22 a 28);
c) Na prossecução dos seus objetos sociais, e no âmbito da atividade que desenvolvem, as Requerentes têm vindo a recorrer a financiamento junto de diversas instituições de crédito, ou colocado por instituições de crédito junto de investidores (papel comercial e obrigações);
d) Sobre as referidas operações financeiras, nomeadamente sobre a utilização de crédito em virtude da sua concessão e sobre as respetivas comissões e juros, incidiu Imposto do Selo, nos termos da Verba 17 da TGIS;
e) Neste contexto, as instituições de crédito, residentes, para efeitos fiscais, em território nacional, na qualidade de sujeitos passivos, liquidaram e entregaram o Imposto do Selo respeitante àquelas operações de financiamento;
f) Nesse seguimento, as instituições de crédito repercutiram o encargo do Imposto do Selo na esfera das Requerentes, que suportaram integralmente o imposto – enquanto utilizadoras dos créditos em causa, na qualidade de entidades mutuárias e responsáveis pelo encargo do imposto;
g) Por sua vez, no que respeita às operações de crédito realizadas com as entidades financeiras não residentes, a A... SGPS, na qualidade de entidade mutuária e sujeito passivo, procedeu à liquidação e entrega do Imposto do Selo incidente sobre aquelas, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS;
h) As Requerentes não concordando com a liquidação solicitaram à AT a reposição da legalidade através dos procedimentos de reclamação graciosa, ambos indeferidos em 31-03-2023, cujo conteúdo se dá por reproduzido;
i) Em 22-06-2023, inconformadas com a decisão, apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral;
j) As Requerentes suportaram o Imposto do Selo em causa. no montante global de € 1.212.383,37.
§2.º Factos dados como não provados
Com interesse e relevo para a decisão da causa considera-se como não provado que as Requerentes por si ou através das filiais exerçam a atividade bancária ou financeira ou sequer detenham gestão de participações nestes setores.
§3.º Fundamentação da Matéria de facto
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, relativamente à prova produzida, o princípio da livre apreciação.
Os factos elencados supra foram dados como provados e não provados com base nas posições assumidas pelas partes e nos documentos juntos ao PPA.
III-2-DO DIREITO
1. Argumentam as Requerentes em síntese que, sendo a SGPS uma “instituição financeira”, nos termos da legislação comunitária, devem as Requerentes beneficiar da isenção de Imposto do Selo consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, relativamente às operações de crédito que originaram as liquidações de Imposto do Selo impugnadas.
Com efeito; (i) as operações financeiras em causa cabem na previsão objetiva da norma, ou seja, trata-se de operações associadas à “concessão de crédito”; (ii) as entidades mutuantes são qualificadas como “instituição de crédito”, e, finalmente, (iii) as Requerentes, na qualidade de mutuárias, são “instituiç[ões] financeiras” de acordo com a “legislação comunitária”.
Não sendo questionado pela Requerida o preenchimento do critério objetivo da alínea e) do n.º1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, a questão central a decidir gira em torno de saber se as Requerentes preenchem o requisito subjetivo daquele preceito, mais concretamente se caem no conceito de instituição financeira previsto na legislação comunitária.
Como causa de pedir alegam as Requerentes que as liquidações e causa são ilegais, porquanto, incorrem em:
i) Violação de normativos internos, em especial por erro de interpretação quanto à aplicação ao caso da isenção consagrada na alínea e) do n.º1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo;
ii) Violação de princípios fundamentais comunitários;
iii) Violação do princípio da imparcialidade por desconformidade da orientação seguida pela Requerida em situações similares designadamente quanto ao conceito de fundos/sociedades de capital de risco;
iv) Inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade.
Porém, todos os vícios apontados partem de um pressuposto que é impugnado pela requerida, qual seja, o de que todas as requerentes, sendo SGPS são uma “instituição financeira”, nos termos da legislação comunitária, pelo que devem as Requerentes beneficiar da isenção de Imposto do Selo consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
2. Com efeito, atenta a matéria de facto considerada provada, nomeadamente a constante da al. c), ou seja, que na prossecução dos seus objetos sociais, e no âmbito da atividade que desenvolvem, as Requerentes têm vindo a recorrer a financiamento junto de diversas instituições de crédito, ou colocado por instituições de crédito junto de investidores (papel comercial e obrigações).
Estão verificadas as condições objectivas dos negócios realizados pelas requerentes, que lhes permitiam a isenção por elas pretendida, se também preenchessem a condição subjectiva, ou seja, pudessem elas próprias ser consideradas instituição de crédito.
3. Já para se concluir pela verificação da condição subjectiva, há que averiguar se as requerentes podem ser consideradas instituições financeiras para se decidir se podem beneficiar da isenção que entendem dever ser-lhes aplicável.
Aliás, a requerente C..., SGPS, S.A. já não é a primeira vez que suscita esta questão, tendo-o feito em processo que também correu termos perante o CAAD e onde foi decidido apresentar um pedido de decisão prejudicial perante o Tribunal de Justiça da União Europeia em 17 de março de 2022, tendo –lhe sido atribuído o nº. C-207/22.
Este processo veio a ser julgado pelo Acórdão do TJUE em 26 de Outubro de 2023, juntamente com outros dois processos de reenvio prejudicial sobre a mesma questão da qualificação das SGPS, como “instituições financeiras”, em que também houve reenvio prejudicial noutro processo do CAAD, com o nº. 267/22 no TJUE, em que era impugnante a Global Roads Investimentos SGPS, Lda. e mais outro do Supremo Tribunal Administrativo, com o nº. 290/22, no TJUE, em que era impugnante a NOS-SGPS, S. A.
Nesse acórdão, conforme descritores do mesmo tratou-se de “Reenvio prejudicial - Política económica e monetária - Supervisão do setor financeiro da União Europeia - Diretiva 2013/36/UE - Regulamento (UE) n.º 575/2013 - Instituição financeira - Conceito - Empresa cuja atividade consiste na aquisição de participações”.
Por isso, há que analisar esta decisão do TJUE.
4. Nesse acórdão de 26 de Outubro de 2023, foi proferida uma decisão, com o seguinte dispositivo:
“O artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, e o artigo 4.º , n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012, devem ser interpretados no sentido de que: uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.”
Para fundamentar esta decisão, escreveu-se nesse acórdão do TJUE, com relevo para o presente processo:
53. Segundo jurisprudência constante, decorre das exigências da aplicação uniforme do direito da União e do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta não só os seus termos mas também o contexto desta disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa [v., neste sentido, Acórdão de 30 de março de 2023, M. Ya. M. (Repúdio da sucessão por um co herdeiro), C 651/21, EU:C:2023:277, n.° 41 e jurisprudência referida].
54 Em primeiro lugar, no que diz respeito à redação do artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36, esta disposição refere que, para efeitos desta diretiva, se deve entender por «instituição financeira» uma instituição financeira na aceção do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013.
55 O artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, deste regulamento, lido em conjugação com o seu artigo 4.°, n.° 1, ponto 3, enuncia que, na aceção do referido regulamento, entende se por «instituição financeira» uma empresa que não seja uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento e uma sociedade de gestão de ativos. Este artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, exclui, em contrapartida, do conceito de «instituição financeira» as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas.
56 Esta disposição menciona, assim, de maneira geral, que as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações estão abrangidas pelo conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, e, na sua versão aplicável às datas pertinentes dos processos principais, exclui deste conceito unicamente as instituições de crédito, as empresas de investimento e algumas sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.
57 A este respeito, importa especificar que, embora o artigo 1.°, ponto 2, alínea a), iii), do Regulamento 2019/876 preveja uma nova redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013, que também exclui do conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, resulta da decisão de reenvio no processo C 290/22 que esta nova redação não é aplicável ratione temporis aos processos principais.
58 Além disso, embora a redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 vise as empresas cuja atividade principal é o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, atividades essas que integram o setor financeiro, a utilização da conjunção coordenativa «ou» indica que o legislador da União não quis que o exercício direto de uma ou mais dessas atividades fosse um critério de definição do conceito de «instituição financeira», na aceção do Regulamento n.° 575/2013.
59 Não obstante, importa também sublinhar que resulta da redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas devem ser consideradas «instituições financeiras», na aceção deste regulamento.
60 Ora, por um lado, o artigo 4.°, n.° 1, ponto 20, do referido regulamento enuncia que, na aceção deste, se entende por «companhia financeira» uma instituição financeira que não seja uma companhia financeira mista e cujas filiais sejam exclusiva ou principalmente instituições de crédito, empresas de investimento ou instituições financeiras, sendo pelo menos uma destas filiais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento.
61 Por outro lado, resulta do artigo 4.°, n.° 1, ponto 21, do Regulamento n.° 575/2013, lido em conjugação com o artigo 2.°, ponto 15, da Diretiva 2002/87, que deve ser considerada uma «companhia financeira mista», na aceção deste regulamento, uma empresa mãe, que não é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, a qual em conjunto com as suas filiais, de que pelo menos uma é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, e com quaisquer outras entidades, constitui um conglomerado financeiro.
62 Afigura se assim que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas constituem tipos de sociedades concretamente definidas que se caracterizam simultaneamente pelo facto de a sua atividade principal consistir na aquisição de participações e pela existência de relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento.
63 Daqui resulta que a referência expressa, no artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não teria nenhuma utilidade se esta disposição devesse ser entendida, pelo simples facto de visar as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações, como integrando sistematicamente no conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, todas as sociedades que exercem essa atividade principal.
64 No entanto, como a advogada geral salientou no n.° 41 das suas conclusões, resulta dos próprios termos do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 que a lista das instituições financeiras enunciada nesta disposição não é exaustiva. Por conseguinte, da referência, nesta disposição, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não se pode deduzir que a inexistência de certas relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento obsta necessariamente à qualificação de «instituição financeira», na aceção deste regulamento.
65 Em segundo lugar, o contexto em que o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas atividades do setor financeiro.
66 Antes de mais, o principal elemento do regime aplicável às instituições financeiras definido pela Diretiva 2013/36 diz respeito à possibilidade de estas exercerem, no âmbito da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, atividades do setor financeiro noutro Estado Membro.
67 Com efeito, o artigo 34.° desta diretiva, sob a epígrafe «Instituições financeiras» e que constitui o único artigo da diretiva que se refere unicamente às instituições financeiras, autoriza essas instituições, em certas condições, a exercerem noutro Estado Membro as atividades constantes do anexo I da referida diretiva. Este artigo concretiza, assim, o princípio, enunciado no considerando 20 da mesma diretiva, segundo o qual é conveniente alargar, em certas condições, o benefício do reconhecimento mútuo a determinadas operações financeiras quando as mesmas sejam exercidas por uma instituição financeira filial de uma instituição de crédito.
68 Por conseguinte, o facto de uma empresa ser qualificada de «instituição financeira», na aceção da Diretiva 2013/36, é desprovido de interesse, para efeitos da aplicação do seu artigo 34.°, se essa empresa não pretender exercer atividades do setor financeiro.
69 Em seguida, o Regulamento n.° 575/2013 prevê, para efeitos da aplicação dos requisitos prudenciais impostos por este regulamento, uma série de consequências para a atribuição, a uma determinada empresa, da qualificação de «instituição financeira».
70 Mais precisamente, resulta do artigo 18.°, n.° 1, do referido regulamento que as instituições de crédito e as empresas de investimento que sejam obrigadas a cumprir os requisitos do mesmo regulamento com base na sua situação consolidada procedem, em princípio, a uma consolidação integral, nomeadamente, de todas as instituições financeiras que são suas filiais ou, se for caso disso, filiais da mesma companhia financeira mãe ou da companhia financeira mista mãe.
71 Em contrapartida, esta disposição não impõe que se realize uma consolidação prudencial que inclua todas as filiais das instituições e das empresas de investimento.
72 Além disso, decorre do artigo 4.°, n.° 1, ponto 27, do Regulamento n.° 575/2013 que as instituições financeiras constituem «entidades do setor financeiro», à semelhança, nomeadamente, das instituições de crédito, das empresas de investimento e das empresas de seguros.
73 Ora, resulta do artigo 36.°, n.° 1, alíneas g) a i), do artigo 56.°, alíneas c) e d), e do artigo 66.°, alíneas b) a d), deste regulamento que os investimentos, realizados pelas instituições de crédito e pelas empresas de investimento, nas entidades do setor financeiro estão sujeitos a um regime específico que implica, em particular, determinadas deduções no cálculo dos fundos próprios dessas instituições e dessas empresas.
74 As participações qualificadas das instituições de crédito e das empresas de investimento fora do setor financeiro são, em contrapartida, regidas por regras diferentes, previstas, nomeadamente, no artigo 36.°, n.° 1, alínea k), e nos artigos 89.° e 90.° do referido regulamento, regras que podem, em especial, implicar uma ponderação dessas participações no cálculo dos requisitos de fundos próprios ou uma proibição dessas participações, quando estas excedam determinadas percentagens de fundos próprios da instituição de crédito ou da empresa de investimento em causa.
75 Decorre do exposto que o Regulamento n.° 575/2013 define as regras relativas à consolidação e aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e das empresas de investimento que, na medida em que sejam próprias das participações nas instituições financeiras ou noutras entidades do setor financeiro e que difiram das regras aplicáveis às participações fora do setor financeiro, podem ser vistas como estando baseadas na tomada em consideração da especificidade das atividades desse setor.
76 Ora, tal lógica seria posta em causa em caso de aplicação das regras próprias das participações nas entidades do setor financeiro a uma participação fora desse setor de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, pelo simples facto de esta última participação ser gerida por intermédio de uma filial dessa instituição ou dessa empresa cuja atividade consista na aquisição de participações.
77 Por último, o artigo 5.° da Diretiva 2013/36 prevê a coordenação interna das atividades das autoridades competentes para a supervisão não só das instituições de crédito e das empresas de investimento mas também das instituições financeiras, estabelecendo assim uma relação entre, por um lado, a supervisão prudencial do setor financeiro e, por outro, o controlo das instituições financeiras.
78 Do mesmo modo, o artigo 117.°, n.° 1, e o artigo 118.° desta diretiva enunciam as obrigações de cooperação entre as autoridades competentes dos Estados Membros aplicáveis às instituições financeiras, sem alargar esse regime às entidades não pertencentes ao setor financeiro nas quais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento detenha participações.
79 Em terceiro lugar, resulta do artigo 1.° da Diretiva 2013/36 e do artigo 1.° do Regulamento n.° 575/2013 que estes atos têm por objeto definir as regras relativas ao acesso à atividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Também decorre do considerando 5 desta diretiva e do considerando 14 deste regulamento que os referidos atos têm, nomeadamente, por objetivo contribuir para a realização do mercado interno no setor das instituições de crédito.
80 Resulta de todos os elementos precedentes que uma empresa cuja atividade principal não esteja relacionada com o setor financeiro, por não exercer, nem diretamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na aceção da Diretiva 2013/36 e do Regulamento n.° 575/2013.
4. Conforme referimos atrás, o citado Acórdão do TJUE de 26 de Outubro de 202, foi proferido também para efeitos de responder ao reenvio prejudicial formulado pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo de Uniformização de Jurisprudência com o nº. 0118/20.3BALSB, que correu perante o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, que, por acórdão de 23/3/2022, havia deliberado que “existindo dúvidas sobre a interpretação do conceito de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013, impõe-se a realização de reenvio prejudicial ao TJUE.”
Esse reenvio teve no TJUE o nº. C-290/22.
5. Conhecida a decisão do TJUE, o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA proferiu o acórdão de 24/1/2024, em que, de acordo com o respectivo sumário, decidiu que:
instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/ I – Os artigos 3.°, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 e 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja actividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam actividades no sector financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na acepção desta Directiva e deste Regulamento.
II - Uma sociedade gestora de participações sociais domiciliada em Portugal, regulada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que tem como único objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades que não exercem actividade no sector financeiro, não beneficia da isenção de pagamento de imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1 al. e) do Código de Imposto de Selo, por não se subsumir, subjectivamente, no conceito de 36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013. – Cfr. publicação em https://www.dgsi.pt/jsta.
Com efeito, tomando por base o acórdão do TJUE, o STA concluiu que, aquele Superior Tribunal Europeu entendeu que
- da letra da lei (artigos 3.º, n.º 1, ponto 22 da Directiva e 4.º, n.º 1, ponto 26 do Regulamento) resulta que o legislador da União Europeia não quis que o exercício directo de uma das actividades previstas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Directiva 2013/36, fosse o critério de definição do conceito de instituição financeira na acepção do Regulamento n.º 575/2013 (pontos 54. a 64.);
- o contexto em que o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União Europeia definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas actividades do sector financeiro (pontos 65. a 78.);
- resulta do artigo 1.º da Directiva 2013/36 e do artigo 1.º do Regulamento que estes actos têm por objectivo definir as regras relativas ao acesso à actividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Também decorre do considerando 5 da Directiva e do considerando 14 do Regulamento que os referidos actos têm, nomeadamente, por objectivo contribuir para a realização do mercado interno no sector das instituições de crédito (ponto 79.).
- da consideração destes elementos interpretativos há que concluir que uma empresa cuja actividade principal não esteja relacionada com o sector financeiro, por não exercer, nem directamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das actividades enumeradas no anexo I da Directiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na acepção da Directiva 2013/36 e do Regulamento n.° 575/2013 (ponto 80).
Em consequência, para além de confirmar a decisão recorrida, uniformizou a jurisprudência no sentido referido no ponto 2 do sumário atrás transcrito.
6. Volvendo ao caso dos presentes autos, não vemos razão para divergir da orientação jurisprudencial, quer no TJUE, quer do STA para não considerar que as sociedades gestoras de participações sociais, só pelo facto de o serem deverem ser consideradas como “entidades financeiras”.
Acresce que não consta da matéria de facto, que alguma das requerentes, sendo embora gestoras de participações sociais noutras sociedades (facto da al. a), tenha provado, porque tal não foi alegado, que alguma das sociedades participadas por elas participadas fosse uma entidade financeira, que se dedicasse a operações financeiras.
Por isso, as requerentes nunca colocaram em causa que a sua actividade principal não está relacionada com o sector financeiro, pois não alegaram, nem se vê como o poderiam ter feito, que exerciam, nem directamente nem por intermédio de participações que gere, uma ou mais das actividades enumeradas no anexo I da Directiva 2013/36, ou seja, não exercem as requerentes uma actividade que consista na aquisição de participações em sociedades que exercem actividades no sector financeiro.- Cfr. sobre o conceito de “instituição
financeira das sociedades gestoras de participações sociais, JOÃO PEDRO CASTRO MENDES, “o conceito de “instituição financeira”, o conceito de “sociedade gestora de participações sociais” e a alínea e) do n.s l do artigo 7º. Do Código do Imposto do Selo” em Cadernos Jurídicos 4, 2021, Banco de Portugal – https://www.bportugal.pt, pp. 94 ss.
Logo, só pode concluir-se a Recorrente não é uma instituição financeira à luz do Direito da União Europeia, ao contrário do por si alegado repetidamente de que eram “instituição financeira”, nos termos da legislação comunitária.
E não basta para se ser considerada “instituição financeira” a circunstância de ser uma SGPS, como foi a pedra de toque de toda a argumentação das requerentes, no sentido considerar ilegal a tributação que lhe foi notificada.
Pelo contrário, porque a circunstância de se tratar de sociedades gestoras de participação sociais, claramente de natureza industrial e não de natureza financeira, se traduz na falta da qualidade subjectiva de instituições financeiras, não podem as requerentes beneficiar da isenção de pagamento de imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1 al. e) do Código de Imposto de Selo.
Deste modo, tem de improceder totalmente a sua pretensão, com as legais consequências.
IV- DECISÃO
Nestes termos, decide-se julgar totalmente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, dele absolvendo a requerida dos pedidos formulados pelas requerentes.
V- VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.212.383,37, indicado pelas Requerentes, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
VI- CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 16.524,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo das requerentes.
Notifique-se.
Lisboa, 7-03-2024
Os Árbitros
Fernanda Maçãs (Presidente)
Dr. João Marques Pinto
(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora- Relator)
Texto elaborado com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990