Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 398/2023-T
Data da decisão: 2024-03-05   Outros 
Valor do pedido: € 6.854.862,60
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário – Imposto – Conformidade com o Direito da União.
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SUMÁRIO

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, era um imposto, não se verificando, por isso, na sua apreciação, nem a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, nem a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral.
  2. Os sujeitos passivos têm legitimidade processual activa na acção de impugnação através de processo arbitral, independentemente de ter havido, ou não, repercussão do imposto.
  3. Pode ser apreciado em processo arbitral tributário o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de CSR por ilegalidade abstracta, consistente na violação do Direito da União Europeia.
  4. A CSR não prosseguia “motivos específicos”, na acepção do artigo 1º, 2, da Directiva 2008/118, na medida em que as suas receitas tinham essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação directa entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontravam consignados no respectivo quadro legal.
  5.  A recusa do reembolso integral do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se for feita a prova, seja de que o imposto foi suportado, na íntegra, por uma pessoa diferente do sujeito passivo, e em nenhuma medida pelo sujeito passivo, seja de que o imposto não causou perdas económicas ao sujeito passivo.
  6. Constitui comportamento incongruente e contraditório condicionar o reembolso à inexistência de repercussão, e ao mesmo tempo negar o reembolso aos repercutidos, através da invocação da sua ilegitimidade activa, ou da ineptidão dos seus pedidos.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

  1. A contribuinte A..., LDA., NIPC..., doravante “a Requerente”, apresentou, no dia 30 de Maio de 2023, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de ISP e Contribuição do Serviço Rodoviário (doravante “CSR”) n.º 2020/..., de 12.02.2020, n.º 2020..., de 12.03.2020, n.º 2020/..., de 14.04.2020, n.º 2020/..., de 12.05.2020, n.º 2020/..., de 12.06.2020, n.º 2020/..., de 15.07.2020, n.º 2020/..., de 13.08.2020, n.º 2020/..., de 14.09.2020, n.º ..., de 12.10.2020, n.º 2020/..., de 14.12.2020 e n.º 2020/..., de 12.01.2021, na parte relativa à CSR, referentes aos meses de Janeiro a Setembro, e Novembro e Dezembro de 2020, no montante global de € 6.854.862,60, pedindo mediatamente a pronúncia sobre a ilegalidade dessas mesmas liquidações, com a consequência do reembolso do referido montante, acrescido de juros indemnizatórios.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
  4. As partes designaram os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, e o Conselho Deontológico designou o árbitro-presidente.
  5. Os árbitros comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e as partes foram notificadas das designações e aceitações.
  6. As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
  7. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 25 de Setembro de 2023; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
  8. Por Despacho de 27 de Setembro de 2023, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta.
  9. A AT apresentou a sua Resposta em 27 de Outubro de 2023, juntamente com o Processo Administrativo.
  10. Por Despacho de 3 de Novembro de 2023, notificou-se a Requerente para o exercício do contraditório sobre a matéria de excepção suscitada na resposta da AT.
  11. Por Requerimento de 21 de Novembro de 2023, a Requerente respondeu a essa matéria de excepção.
  12. Por Despacho de 24 de Novembro de 2023, dispensou-se a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, sendo as partes notificadas para apresentarem alegações escritas.
  13. A Requerente apresentou alegações em 11 de Dezembro de 2023.
  14. A Requerida apresentou alegações em 19 de Dezembro de 2023.
  15. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
  16. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procurações e substabelecimentos, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
  17. O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

II. A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade que tem por objecto social, entre outros, a exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos.
  2. A Requerente é detentora de estatuto IEC concedido ao abrigo e nos termos do regime previsto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto–Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho.
  3. A Requerente procede à introdução de produtos petrolíferos no mercado português, entregando, à Alfândega competente, as respectivas declarações de introdução no consumo (“DIC”).
  4. A Requerente é sujeito passivo de ISP, e por isso era, à data dos factos, sujeito passivo de CSR (art. 4º, 1, da Lei n.º 57/2007, de 31 de Agosto).
  5. Nos meses de Janeiro a Setembro, e Novembro e Dezembro de 2020, os volumes, em litros, foram:

 

  1. A liquidação da CSR foi efectuada nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo (art. 5º, 1, da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, na redacção vigente à data dos factos), sendo que, para os combustíveis em causa e no âmbito de um fornecimento nacional, a introdução no consumo devia ser formalizada através da declaração de introdução no consumo (DIC), que devia ser processada até ao final do dia útil seguinte àquele em que ocorresse a introdução no consumo (art. 10.º, 1 e 3 do CIEC).
  2. A liquidação de CSR assentou nos valores de € 87,00/1.000 litros para a gasolina e de € 111,00/1.000 litros para o gasóleo rodoviário, nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (a redacção em vigor à data dos factos, depois substituída pela da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro).
  3. Com base nas DIC realizadas pela Requerente, a AT procedeu a actos de liquidação de CSR, no período de referência, nos termos resumidos no quadro anexo, perfazendo um total de € 6.854.862,60:

 

  1. Em 15 de Julho de 2022, a Requerente deduziu, desses actos de liquidação, pedido de Revisão Oficiosa.
  2. Notificada em 19 de Janeiro de 2023 do projecto de decisão, a Requerente exerceu em 20 de Janeiro de 2023 o seu direito de audição prévia.
  3. Em 17 de Fevereiro de 2023 foi indeferido o pedido de Revisão Oficiosa, com notificação da Requerente em 1 de Março de 2023
  4. Em 30 de Maio de 2023, a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

II. B. Matéria de facto não-provada

 

Com relevância para a questão a decidir, ficou por provar (dado o standard de prova estabelecido pelo TJUE no seu despacho de 7 de Fevereiro de 2022 (processo nº C-460/21), nomeadamente vedando presunções):

  1. Que a CSR tenha sido efectivamente repercutida, ou não, sobre terceiros.
  2. Qual o grau de repercussão da CSR, caso ela tenha existido.
  3. Quais os efeitos económicos da repercussão da CSR no sujeito passivo, caso ela tenha existido (num qualquer grau).
  4. A existência, ou não-existência, de prejuízos associados à diminuição do volume das vendas do sujeito passivo, caso a repercussão da CSR tenha existido (num qualquer grau).

 

II. C. Fundamentação da matéria de facto

 

  1. Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, e nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo.
  2. Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
  3. Especificamente no que respeita ao caso, comprova-se que, como operador económico, a Requerente apresentou à AT declarações de introdução no consumo (DIC) correspondentes às liquidações de CSR.
  4. Por isso, conhecidas as datas da introdução no consumo, é viável, para a AT, apurar qual a DIC que corresponde a cada uma das facturas, e a liquidação que emitiu com base nessa DIC.
  5. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  6. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  7. Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

III. Sobre a Matéria de Excepção

 

III. A. Posição da Requerida na Resposta

 

  1. Na sua resposta, a Requerida começa por invocar a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal arbitral, a partir da premissa de que a CSR não é um imposto, mas sim uma contribuição financeira (art. 3º da LGT), o que a subtrairia à jurisdição dos tribunais arbitrais, nos termos do RJAT e da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março – a “Portaria de Vinculação”.
  2. Em apoio da sua tese sobre a natureza da CSR, assinala o carácter de contrapartida que presidiu à criação da CSR (pela Lei nº 55/2007), e a sua funcionalização ao princípio do utilizador-pagador – nos quais descortina um carácter comutativo, ainda que correspondendo a uma bilateralidade difusa.
  3. A CSR seria essencialmente uma contraprestação da utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da concessão (Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro), e isso confirmaria a sua natureza de contribuição financeira (invocando a Requerida a fundamentação da decisão do Proc. nº 31/2023-T, e os votos de vencido nos Proc.s n.os 629/2021-T e 305/2022-T, todos do CAAD).
  4. Concluindo a Requerida que a CSR se encontra excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos arts. 2º e 3º do RJAT, e no art. 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, normas que determinam que a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuições.
  5. Em consequência, a verificação de uma tal excepção dilatória, prejudicando o conhecimento do mérito da causa, deveria acarretar a absolvição da Requerida, nos termos dos arts. 576º, 1 e 577º, a) do CPC.
  6. A Requerida sustenta que também por outra via se verificará a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria: é que a Requerente não pretende a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de CSR – quer antes, com muito maior amplitude, a declaração de ilegalidade, por desconformidade com o Direito Europeu, da totalidade do regime jurídico da CSR.
  7. Atacando assim, genérica e indiscriminadamente, a natureza do regime jurídico da CSR, colocando em crise a respectiva conformidade jurídico-constitucional, o que a Requerente pretenderia seria, segundo a Requerida, a suspensão de eficácia de actos legislativos (Lei n.º 55/2007, art. 204º da Lei n.º 7-A/2016 [LOE 2016], Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro, e Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de Maio, todos na redacção aplicável à data dos factos). E isso mais uma vez extravasaria do âmbito da jurisdição arbitral, fixada no art. 2º do RJAT – na qual não cabe a apreciação da legalidade de normas em abstracto, não sendo os actos legislativos directamente sindicáveis através de impugnação arbitral.
  8. Da procedência desta outra excepção resultaria igualmente a absolvição da instância, nos termos dos arts. 99º, 1 e 576º, 2 do CPC.

 

III. B. Posição da Requerente quanto à matéria de excepção suscitada pela Requerida

 

  1. Em Requerimento de 21 de Novembro de 2023, a Requerente tomou posição quanto à matéria de excepção suscitada pela Requerida na sua resposta.
  2. Quanto ao argumento de que a CSR é uma contribuição financeira e não um imposto, a Requerente rejeita-o integralmente, lembrando que, em termos de incidência objectiva e subjectiva, e de mecânica de aplicação, a CSR é decalcada do ISP, distinguindo-se somente em termos de restrição de incidência objectiva e territorial e de taxas, e pelo facto de ter finalidade própria – sendo irrelevante, para se determinar a natureza do tributo, a designação que se lhe reservou, de “contribuição”.
  3. Em suma, para a Requerente a CSR é desprovida de estrutura comutativa, e por isso é genuinamente um imposto, um simples “desdobramento” do ISP, como foi reconhecido pelo TJUE, especificamente no Despacho no Processo Vapo Atlantic, além de já ter sido reconhecido por uma multiplicidade de acórdãos arbitrais do CAAD, nos quais os tribunais se reconheceram competentes por, entre outras razões, identificarem a CSR como imposto.
  4. Mais precisamente, a CSR foi abolida e substituída pelo ISP como fonte de receitas da Infraestruturas de Portugal, S. A. (pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, que deu nova redacção ao art. 3º da Lei n.º 55/2007), e essa sucessão bastaria para demonstrar a natureza de imposto da própria CSR (sendo que seria absurdo concluir-se, inversamente, que o ISP é uma contribuição financeira).
  5. Por outro lado, aceitar uma alegada “bilateralidade genérica ou difusa” como prova de natureza de contribuição financeira levaria a que praticamente todos os impostos indirectos passassem a poder qualificar-se como contribuições financeiras, já que em todos eles é possível identificar um grupo que suporta o encargo do tributo. Citando uma passagem da decisão do Proc. nº 629/2021-T do CAAD,

ao invés do tal nexo estruturalmente identificador de um tributo cumutativo que supõe uma relação extra-tributária indirecta e presumida entre o sujeito passivo e o prestador e se encontra nas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas” de regulação ou “grandes contribuições”, não se apura na CSR qualquer relação extra-tributária entre o sujeito passivo e o prestador, mas só uma relação indirecta e presumida entre o contribuinte (terceiro) e o prestador

  1. Além disso, quando a AT sustenta que a “bilateralidade genérica ou difusa” se evidencia pelo facto de haver um “grupo homogéneo” que suporta a CSR, nomeadamente o grupo dos “utilizadores da rede rodoviária nacional”, isso não é verdade, seja porque os sujeitos passivos são as empresas que introduzem no mercado os combustíveis, seja porque os adquirentes de combustíveis não têm que ser necessariamente utilizadores da rede rodoviária nacional, seja ainda porque há utilizadores da rede rodoviária nacional que não pagam CSR (veículos eléctricos ou velocípedes).
  2. O que haverá, quando muito – aventa a Requerente –, é um imposto de receita consignada, administrado pela AT.
  3. A Requerente invoca em apoio da sua defesa a decisão arbitral do Proc. nº 665/2022-T:

a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal, sendo esta a entidade titular da correspondente receita. No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da Infraestruturas de Portugal. [§] Assim, os beneficiários e os responsáveis pelo financiamento da tarefa da Infraestruturas de Portugal não são os sujeitos passivos da CSR, mas antes a população em geral, aqui se incluindo tanto os utilizadores da rede rodoviária nacional concessionada à Infraestruturas de Portugal como os utilizadores de vias rodoviárias não incluídas na rede concessionada. [§] De onde resulta não existir qualquer nexo de comutatividade coletiva entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da atividade ou entre aqueles e os benefícios retirados de tal atividade.

  1. A Requerente sustenta, por isso, a improcedência da excepção invocada pela Requerida, por inexistência do elemento grupal, e por não qualificação da CSR como contribuição financeira.
  2. Quanto ao argumento de que a impugnação da Requerente não visa um concreto acto de liquidação mas antes a fiscalização abstracta da legalidade de normas jurídicas, e a suspensão da eficácia de acto legislativo emanado pelo Parlamento ao abrigo da sua competência, argumento de cuja procedência decorreria a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria, a Requerente repudia-o e sustenta que, em passo algum do pedido arbitral, consegue inferir-se a pretensão de um pedido que excedesse o que está directamente em causa nos autos.
  3. Com efeito, lembra a Requerente que a aferição da competência em razão da matéria é feita pela natureza da relação jurídica tal como ela é configurada pelo autor / Requerente no pedido de pronúncia, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respetivos fundamentos (causa de pedir). Ora, no caso, o que se pediu no presente processo foi tanto a anulação do despacho de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa, como, mediatamente, a anulação dos actos de liquidação de CSR.
  4. Seria assim evidente que o pedido formulado pela Requerente não se reconduz à apreciação directa e abstracta de actos de natureza legislativa, mas somente ao que foi expressamente peticionado, e que estava de acordo com o previsto no art. 2.º do RJAT: a ilegalidade concreta ínsita nas liquidações em crise.
  5. Isto sem esquecer que a própria apreciação abstracta não pode ser inteiramente vedada. Como se referiu na decisão do Proc. nº 113/2023-T,

ainda que tivesse sido suscitada, no pedido arbitral, a inconstitucionalidade de qualquer das normas do regime da CSR, nada obstava a que o tribunal arbitral se pronunciasse sobre a questão da constitucionalidade no âmbito do controlo difuso a que se refere o artigo 204.º da Constituição”.

  1. Improcederiam, assim, ambas as excepções dilatórias das quais a Requerida pretendia que decorresse a sua absolvição da instância.

 

III. C. Posição da Requerente em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerente retoma o tema das excepções suscitadas na resposta da Requerida, e insiste que não se verifica a incompetência do tribunal arbitral – porque a CSR é um imposto, porque tem finalidade puramente orçamental e não tem estrutura comutativa, porque é tratada como imposto em diversas sedes, incluindo em peças processuais da própria Requerida.
  2. Insiste também que o pedido arbitral visa, de boa fé, a impugnação, por ilegalidade, dos actos de liquidação de CSR, e não, como a Requerida alega, uma fiscalização abstracta da legalidade de normas jurídicas, ou a suspensão da eficácia de acto legislativo emanado pela Assembleia da República.

 

III. D. Posição da Requerida em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerida retoma o tema das excepções suscitadas na sua resposta, reiterando os argumentos de que a CSR não é um imposto, o que torna o Tribunal Arbitral incompetente, e desvincula a AT da respectiva jurisdição; e de que o que se pretende é a apreciação abstracta da conformidade de leis com o Direito da União, o que escaparia do âmbito de contencioso de mera anulação, ao qual estão restritos os Tribunais Arbitrais em matéria tributária.

 

IV. Sobre o Mérito da Causa

 

IV. A. Posição da Requerente no Pedido de Pronúncia

 

  1. A Requerente, endereçando-se a objecções já formuladas em sede do pedido de Revisão Oficiosa, começa o seu Pedido de Pronúncia por uma defesa da sua própria legitimidade activa. Lembra que a CSR partilha o mecanismo de liquidação, cobrança e pagamento do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (“ISP”), tendo pois, por sujeitos passivos, aqueles que o são do ISP, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 4º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (“CIEC”), que estabelece que são sujeitos passivos “O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado”.
  2. A Requerente conclui que é sujeito passivo de Impostos Especiais de Consumo (“IEC”), e também sujeito passivo de CSR, ex vi art. 5º, 1 da Lei nº 55/2007.
  3. Essa condição confere-lhe legitimidade procedimental e processual activa, nos termos dos arts. 65º e 78º, 1 da LGT, e 9º, 1 e 4, do CPPT – e, nos termos desta última norma, continuaria a tê-la como “substituto e responsável”, visto que estes são abarcados no conceito de “contribuintes” para efeitos de legitimidade processual:

1 - Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.

(…)

4 - Têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.

  1. E a mesma legitimidade resulta do art. 9º, 1 do CPTA, que estabelece que “o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”, sendo que, nos termos do art. 18º, 3 da LGT,

O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.”

  1. O que permite concluir que, por conjugação do art. 18º, 3 da LGT com o art. 9º, 1 e 4 do CPPT e com o art. 9º, 1 do CPTA, a Requerente é parte legítima, com legitimidade activa, neste processo.
  2. Sustentando que, em tese geral, a liquidação de CSR violou o Direito Europeu, por erros de direito, erros de interpretação e aplicação cometidos pela AT, a Requerente subsume a revisão oficiosa ao art. 78º, 1 da LGT, com o seu prazo de 4 anos.
  3. E, louvando-se em entendimento jurisprudencial, a Requerente sustenta que o erro imputável aos serviços da Requerida, consistente na emissão de acto tributário em violação do Direito da União Europeia, o qual é reconduzível ao 2.º inciso do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, por estar em causa um erro de direito determinante do agravamento da situação fiscal do contribuinte.
  4. Esse erro consistiu na liquidação ilegal de CSR, da qual resultou pagamento de imposto indevido – tendo a Requerente por inquestionável que a CSR, liquidada nos termos da Lei 55/2007, é ilegal por violação do Direito Europeu, em particular da Directiva 2008/118, mas também da Directiva 2020/262, que estabelece o regime geral dos Impostos Especiais de Consumo, como foi decidido pelo TJUE, no despacho de 7 de Fevereiro de 2022, no caso Vapo Atlantic (C‑460/21), e tem servido de base a numerosas decisões arbitrais.
  5. Por cautela, a Requerente invoca, a título subsidiário e para o caso de se entender inadmissível a impugnação com base no art. 78º, 1 da LGT, a existência de injustiça grave ou notória, para efeitos de revisão oficiosa nos termos do art. 78º, 4 e 5 da LGT.
  6. Na tese da Requerente, a ilegalidade das liquidações nasce de erro de direito por violação do Direito Europeu, a qual implica inconstitucionalidade por violação do princípio do primado, consagrado no artigo 8º, 4 da CRP.
  7. A Requerente lembra que a criação de IEC não-harmonizados depende, de acordo com a Directiva 2008/118 e com a Directiva 2020/262, da verificação cumulativa de duas condições:
    1. a existência de motivo específico válido; e
    2. o respeito pelas regras fiscais da União aplicáveis aos IEC ou ao IVA para a determinação da base tributável, cálculo, exigibilidade e fiscalização.
  8. Quanto à primeira das condições de verificação cumulativa, é sublinhado que o TJUE que o “motivo específico” não se confunde com puras finalidades orçamentais – sendo que, no acórdão Statoil Fuel & Retail, de 5 de Março de 2015 (processo nº C-553/13), a existência de um “motivo específico”

não pode ser estabelecida pela simples afetação das receitas do imposto considerado ao financiamento de despesas gerais que incumbem à coletividade pública num dado setor. Com efeito, no caso contrário, o alegado motivo específico não poderia ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental.” (§40).

  1. A afectação da receita de um imposto ao financiamento de uma particular entidade pública pode servir de indício para a existência de “motivo específico”, mas não é prova suficiente – porque, se assim fosse, qualquer afectação particular bastaria para, através da invocação do tal “motivo específico”, afastar o IEC harmonizado instituído pelas Directivas 2008/118 e 2020/262.
  2. Dada a excepcionalidade de quaisquer disposições derrogatórias no Direito da União, a reclamarem interpretação estrita, conclui a Requerente que é necessário que o imposto tenha por objeto, por si mesmo, assegurar a realização do motivo específico invocado – e que, portanto, exista um vínculo directo entre a utilização das receitas do imposto e o referido motivo, nomeadamente a funcionalização do seu desenho ao objectivo de influenciar o comportamento dos contribuintes, num sentido que permita a realização do motivo específico invocado – aquilo que expressamente se estabeleceu no acórdão Statoil Fuel & Retail do TJUE (§§41 e 42).
  3. Assim sendo, a CSR, como um IEC não-harmonizado de iniciativa do legislador nacional, só seria válida se, cumulativamente, manifestasse correspondência com os dois requisitos estabelecidos pelas Directivas 2008/118 e 2020/262:
    1. se tivesse um motivo específico válido; e
    2. se respeitasse as regras fiscais da União aplicáveis aos IEC ou ao IVA na determinação da sua base tributável, cálculo, exigibilidade e fiscalização.
  4. Como esclareceu o TJUE no caso Vapo Atlantic (C-460/21), a respeito da CSR criada pela Lei 55/2007,

os Estados‑Membros podem cobrar outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos. Por um lado, estes impostos devem ser cobrados por motivos específicos e, por outro, estas imposições devem ser conformes com as normas fiscais da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, bem como à liquidação, à exigibilidade, ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções. [§] Estes dois requisitos, que visam evitar que outras imposições indiretas entravem indevidamente as trocas comerciais, revestem assim caráter cumulativo, como decorre da própria redação do artigo 1.o, n.º 2, da Diretiva 2008/118 (…)” (§§21 e 22)

  1. A Requerente lembra que, nos termos da Lei 55/2007, as receitas da CSR foram afectas ao financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Estradas de Portugal / Infraestruturas de Portugal, e seriam exclusivamente utilizadas para esse fim – para o financiamento de uma entidade gestora de uma parcela importante da rede rodoviária nacional.
  2. No entender da Requerente, daqui transparece, nítida, a finalidade orçamental do tributo, já que expressamente se visava o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E.” (art. 3º, 2 da Lei 55/2007) – sendo que esse financiamento constitui despesa do Estado ou de uma entidade como a Estradas de Portugal / Infraestruturas de Portugal, independentemente da existência de um IEC não-harmonizado como a CSR, podendo essa despesa ser financiada pelo produto de impostos de qualquer natureza, pelo que a CSR não deixa de evidenciar a finalidade puramente orçamental da sua criação.
  3. Como entendeu o TJUE no caso Vapo Atlantic:

“(…) para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar‑se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa” (§30)

  1. E, lembra a Requerente, o TJUE, no mesmo caso Vapo Atlantic, concluiu que o produto da CSR nem sequer se cingia à prossecução de dois objectivos enunciados, a redução da sinistralidade na rede rodoviária nacional concessionada à EP/IP, e a sustentabilidade ambiental:

Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam‑se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.” (§32)

  1. Ou seja, sublinha a Requerente, é o próprio TJUE que entende que a afectação das receitas da CSR a finalidades de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, subordinadas ao objectivo de “financiamento da rede rodoviária nacional”, não basta para demonstrar a existência de “motivo específico”, nos termos das Directivas 2008/118 e 2020/262, porquanto aquelas são despesas gerais que incumbem à colectividade pública, e que incumbiriam ao Estado português independentemente da criação deste imposto.
  2. Além da ausência de uma estrutura apta a influenciar o comportamento dos contribuintes, a prova adicional de que não existe, entre a utilização das receitas da CSR e a finalidade que está subjacente à sua criação, o vínculo directo que é exigido pelas Directivas e tem sido densificado pelo TJUE, está no facto – insiste a Requerente – de que a CSR é suportada por um universo de contribuintes superior àquele que efectivamente utiliza a rede rodoviária nacional a cargo da EP / IP, visto que a CSR incide indiscriminadamente, de modo geral, sobre todo e qualquer consumo de gasolina e gasóleo rodoviário.
  3. Daí a conclusão do TJUE, no caso Vapo Atlantic:

o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários

  1. Uma conclusão retomada na decisão do Proc. n.º 564/2020-T do CAAD – o processo que, por reenvio prejudicial, suscitou a referida tomada de posição do TJUE, e mais tarde retomada por diversas decisões arbitrais no CAAD.
  2. De tudo isto, infere a Requerente que:

a CSR não cumpre uma das condições cumulativas a que o art. 1º, 2 da Diretiva 2008/118 e da Diretiva 2020/262 sujeita os impostos indiretos não harmonizados que incidam sobre produtos sujeitos a IEC por ela regulados;

os artigos 1º, 2º, 1, 3º, 4º, 1 e 5º, 1 da Lei 55/2007 se encontram em contradição com o disposto no artigo 1º, 2 da Diretiva 2008/118 e da Diretiva 2020/262, sendo, assim, inconstitucionais por violação do princípio do primado do Direito da União sobre o Direito interno ordinário, consagrado no art. 8º, 4 da CRP, e ilegais.

  1. Decorrendo daí a ilegalidade, seja das liquidações de CSR, que devem ser anuladas, seja do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra aquelas liquidações.
  2. Remata o Pedido de Pronúncia peticionando o reembolso da prestação tributária indevidamente paga, com base no art. 100º, 1 da LGT, e sustentando o direito a juros indemnizatórios, estes nos termos dos arts. 43º, 1 da LGT e 61º, 5 do CPPT.
  3. Quanto ao reembolso, a Requerente opõe-se ao argumento da AT de que não haveria a reembolsar um imposto que teria sido repercutido pela Requerente sobre os consumidores, através da incorporação da CSR no preço dos combustíveis – com o argumento económico de que, sendo o peso da CSR no preço de venda superior à margem bruta apurada pelo vendedor, não há forma alguma de evitar a repercussão da CSR sobre os consumidores, pois, senão, estaria a praticar-se preços de venda inferiores aos custos para os vendedores; concluindo a AT que, a haver reembolso, isso redundaria em enriquecimento sem causa a favor da Requerente.
  4. Defende a Requerente que, por um lado, as condições em que o sujeito passivo pode obter a restituição de um imposto pago indevidamente em violação do Direito da União não podem ser menos favoráveis do que as que são aplicáveis para obter a restituição de um imposto indevidamente pago por violação do direito interno. E que, por outro lado, a AT presume que houve repercussão, alega isso, mas não faz prova.
  5. E lembra a Requerente que o TJUE já se pronunciou sobre o tema, nomeadamente no acórdão Weber's Wine World Handels-GmbH (C‑147/01), de 2 de Outubro de 2003, estabelecendo que:

só é possível demonstrar a existência e a medida do enriquecimento sem causa que o reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito comunitário causa a um sujeito passivo após uma análise económica que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes. [§] Consequentemente, o direito comunitário opõe-se a que um Estado-Membro se recuse a reembolsar a um operador um imposto cobrado em violação do direito comunitário apenas pelo facto de este ter sido integrado no preço de venda a retalho praticado por esse operador e, por isso, repercutido em terceiros, o que implica necessariamente que o reembolso do imposto gere um enriquecimento sem causa do referido operador. [§] as normas do direito comunitário relativas à repetição do indevido devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que negue, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar, o reembolso de um imposto incompatível com o direito comunitário pelo mero facto de este ter sido repercutido em terceiros, sem exigir a prova da medida do enriquecimento sem causa que adviria ao operador do reembolso desse imposto” (§§ 101, 102 e 103)

  1. Deduz a Requerente que, à luz da jurisprudência do TJUE, mesmo a prova de que parte do custo com a CSR tivesse sido economicamente integrado no preço de venda – como tendem a sê-lo, dependendo das circunstâncias, todos os custos em que incorre o vendedor –, ainda assim não poderia o Estado-Membro negar o reembolso do imposto com base nesse argumento.

 

IV. C. Posição da Requerente em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerente retoma as posições expressas do seu Pedido de Pronúncia, a que adita alguns argumentos novos.
  2. Com relevância, lembra que, tanto nas instâncias judiciais europeias como na arbitragem tributária, ficou demonstrada a inexistência de motivo específico subjacente à criação, liquidação e cobrança da CSR, como IEC não harmonizado – e, consequentemente, a ilegalidade dos artigos 1º, 2º, 1, 3º, 4º, 1 e 5º, 1 da Lei 55/2007, por violação do artigo 1º, 2 da Directiva 2008/118 e da Directiva 2020/262, que redunda em inconstitucionalidade daquelas normas da Lei 55/2007, por violação do princípio do primado do Direito da União sobre o Direito interno ordinário.
  3. Sustenta ainda que, contra o ónus da prova que sobre ela recaía, a Requerida não foi capaz de provar a repercussão da CSR sobre os consumidores finais – e que, em consequência, ficou por comprovar que o reembolso da CSR indevida conduzisse ao enriquecimento sem causa da Requerente.
  4. Depois de retomar argumentos sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida na sua resposta, a Requerente recapitula as razões que levam à conclusão de que a CSR contraria o Direito da União, tornando ilegais ao actos de liquidação de CSR: a ausência de “motivo específico” exigido pela Directiva nº 2008/118, o reconhecimento dessa desconformidade pelo TJUE e pelos tribunais arbitrais.
  5. A Requerente faz notar que a própria Lei 55/2007 evidencia que inexiste qualquer vínculo directo entre a utilização das receitas da CSR e a finalidade que está subjacente à sua criação; e que, além disso, no caso Vapo Atlantic (C-460/21) que “não prossegue «motivos específicos» (…) um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários” (§36).
  6. E esclarece que não pretende negar que os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental sejam missões cometidas à actual Infraestruturas de Portugal: o que nega é que essas duas finalidades constituam o motivo específico da CSR.
  7. Insiste também na ilegalidade da recusa de reembolso da CSR indevida, sobretudo com uma alegação de enriquecimento sem causa, que a Requerente tem por infundada, e não-provada.
  8. No que respeita à Informação n.º 22-ENG/2022, da UGC, de 19 de Dezembro de 2022, constante do Ofício n.º 2023..., de 13 de Fevereiro de 2023, que contém a proposta de decisão sobre o pedido de revisão oficiosa, a Requerente entende que a referida Informação não permite afastar a obrigatoriedade de reembolso da CSR indevidamente paga.
  9. Entende também a Requerente que, ausente a prova específica da repercussão da CSR, não pode argumentar-se com o enriquecimento sem causa.
  10. Além disso, lembra de novo o entendimento do TJUE de que a alegação do enriquecimento sem causa só é admissível “após uma análise económica que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes” (acórdão Weber's Wine World Handels-GmbH (C‑147/01), de 02.10.2003, §102).
  11. E lembra também que, se a repercussão fosse um obstáculo à restituição do imposto ao sujeito passivo, isso verificar-se-ia também em relação a praticamente todos os impostos.
  12. E, por outro lado, a Requerente assinala que a Requerida também não fez qualquer prova “de que o volume de vendas dos distintos produtos não sofreu uma redução no mesmo período, por comparação com períodos em que a taxa da CSR tenha sido mais baixa, o que também poderia significar um efeito negativo da CSR sobre os resultados.” (citando a decisão no Proc. nº 304/2022-T).

 

IV. D. Posição da Requerida na Resposta

 

  1. Na sua resposta, após lembrar que a quase-totalidade da jurisprudência arbitral invocada pela Requerente não transitou ainda em julgado, e após invocar diversas excepções, a Requerida começa por lembrar o quadro legal do regime dos impostos especiais de consumo e da CSR, como transposição do Direito da União (por exemplo, Directiva n.º 2008/118/CE do Conselho, de 16/12/2008, Directiva 2003/96/CE do Conselho, de 27/10/2003, a Directiva 92/83/CE do Conselho, de 19/10/1992, e a Directiva 2011/64/UE do Conselho, de 21/06/2011).
  2. Em particular, a Requerida recorda o art. 4º do CIEC referente à incidência subjectiva (sujeitos passivos) e os arts. 15º a 20º do CIEC, relativos ao reembolso.
  3. Lembra que, nos termos dos arts. 1º e 3º, 1 da Lei n.º 55/2007, a CSR visava financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, SA., e constituía a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta era verificada pelo consumo dos combustíveis.
  4. E lembra que as taxas de CSR vieram a ser estabelecidas pela Portaria n.º 16-C/2008, de 9 de Janeiro, baixando-se as correspondentes taxas de ISP para que se mantivesse inalterado o total de oneração tributária da gasolina, do gasóleo rodoviário e do GPL auto.
  5. Refere a Requerida o momento em que a CSR passou a estar incorporada no ISP: com a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, que altera o CIES, a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de Maio, que transpõem as Directivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262.
  6. A solução foi reservar-se uma parcela do ISP, equivalente ao valor da CSR, para financiar a Infraestruturas de Portugal.
  7. A repercussão passou a resultar da nova redacção do art. 2º do CIEC, introduzida pela Lei n.º 24-E/2022:

Artigo 2.º

Princípio da equivalência

Os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

  1. E o legislador, no art. 6.º da Lei nº 24-E/2022, veio determinar que aquele art. 2º tem a natureza de norma interpretativa: “A redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC tem natureza interpretativa.
  2. Daqui retira a Requerida a inferência de que o ISP, e com a ele a CSR, é sempre repercutido nos consumidores, sendo esta uma norma de aplicação retroactiva.
  3. Assinala também que a Lei n.º 5/2019, de 11 de Janeiro, veio estabelecer o regime de cumprimento do dever de informação do comercializador de energia ao consumidor, consagrando no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, especificamente estabelecendo a obrigação da emissão de factura detalhada, discriminando as taxas e os impostos compreendidos nos valores totais.
  4. E a mesma desagregação dos valores facturados, em facturas detalhadas, passou a constar do Regulamento n.º 141/2020, de 20 de Fevereiro, da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), que estabeleceu o Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL ao Consumidor, nomeadamente dos seus arts. 8º e 9º.
  5. Significando isso que, a partir de 2020, as facturas de venda de produtos combustíveis passaram a reflectir o tipo de produto em causa, de forma detalhada e discriminada por tributo/imposto, reforçando, segundo a Requerida, a conclusão de que os impostos em causa (ISP, CSR, Taxa de carbono, IVA) são repercutidos no consumidor.
  6. Ao contrário da alegação da Requerente (de que a CSR estaria a financiar despesas gerais que poderiam ser financiadas por qualquer imposto, pelo que teria uma finalidade puramente orçamental, havendo, assim, uma desconformidade entre os artigos 3.º e seguintes da Lei n.º 55/2007, que criou a CSR como imposto especial de consumo não-harmonizado, e o estatuído no n.º 2 do artigo 1.º da Directiva 2008/118/CE, tendo em consideração o conteúdo que a jurisprudência do TJUE atribui ao conceito de “motivo específico”), a Requerida sustenta que existe um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, através da Lei nº 55/2007.
  7. É que, sendo a CSR uma receita própria da Infraestruturas de Portugal, a questão dos objectivos e finalidades desta entidade terá que ser analisada à luz do Decreto-Lei n.º 380/2007, que lhe atribui a concessão do financiamento, concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, ao mesmo tempo que aprova as bases da concessão.
  8. E logo na Base 2, al. b), nº 4 do Contrato de Concessão, refere-se que a concessionária deve prosseguir os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental – sendo que os dois objectivos têm sido efectivamente prosseguidos, e alcançados, constituindo, por si mesmos, “motivos específicos” para a razão de ser da CSR, distintos de finalidades de cobertura de despesas gerais, de finalidades puramente orçamentais.
  9. Afigura-se inequívoco, à Requerida, que existem, na CSR, objectivos e finalidades não-orçamentais, estando subjacente à sua criação e afetação motivos específicos distintos de uma finalidade orçamental, nomeadamente finalidades de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, sendo, pois, a referida CSR conforme ao direito comunitário.
  10. Subsidiariamente, a requerida encara a hipótese de reembolso, com o argumento de que isso produziria um enriquecimento sem causa do contribuinte – invocando a propósito a regra dominante no Direito da União: “a ordem jurídica comunitária e a proteção dos direitos que ela consagra não exigem a concessão do reembolso de impostos indevidamente liquidados ao contribuinte em condições tais que produzam o seu enriquecimento sem causa” (Acórdão do TJUE Hans Just, Proc. 68/79, em 27 de Fevereiro de 1980, §26).
  11. Sendo que, em tese geral, nem o direito comunitário nem os princípios do Estado de Direito e da protecção da confiança toleram o enriquecimento sem causa de um sujeito passivo, através do reembolso de um imposto que por ele foi repercutido sobre terceiros.
  12. Em despacho proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no Proc. C-460/21, tendo por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado no âmbito do processo n.º 564/2020-T, o TJUE concluiria:

O Direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo”.

  1. E antes, no mesmo despacho proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no Proc. C-460/21, o TJUE estabelecia que:

A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (…). [§] Por conseguinte, incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, incluindo quando nada conste a este respeito no direito nacional. (…) [§] Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa.” [§§ 39, 40 e 42]

  1. E assim, conclui a Requerida, provado que esteja que os impostos indevidamente arrecadados foram efectivamente incluídos no preço das mercadorias vendidas, e assim repercutidos nos adquirentes, o Estado não está obrigado à devolução dos ditos impostos.
  2. Quanto ao standard de prova, defende a Requerida que o Estado não pode ser onerado com uma prova impossível – lembrando, por um lado, que a repercussão da CSR não é uma repercussão que tenha um mecanismo de requisitos formais legalmente consagrados como acontece, por exemplo, com o IVA, sucedendo que a repercussão, como é habitual nos impostos especiais sobre o consumo, opera simplesmente através do preço; e, por outro lado, que, do ponto de vista contabilístico, a CSR não está individualizada numa conta específica, pois o valor da CSR não está segregado do valor do ISP, sendo ambos os tributos encarados como um todo.
  3. Informa a Requerida que, com vista a fazer prova da repercussão efectiva da CSR pela Requerente, foi efectuada pela AT uma acção, constando da Informação n.º 22-ENG/2022, de 19/12/2022, da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT (Divisão de Inspeção a Empresas não Financeiras I), os resultados da análise efetuada que comprovam que a CSR liquidada, relativamente às introduções no consumo efetuadas no ano 2020, foi incluída no preço de venda dos combustíveis e, consequentemente constituiu encargo, não da Requerente, mas de quem adquiriu os combustíveis.
  4. Conclui-se nesse estudo que consta do Relatório e Contas da Requerente que o pagamento do ISP, apesar de ter o correspondente gasto incluído no custo das mercadorias vendidas na demonstração de resultados, é considerado como outros pagamentos operacionais na demonstração dos fluxos de caixa, reconhecendo a Requerente que o ISP, onde se inclui a CSR, é um gasto incluído no Custo das Mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas (CMVMC) – sendo sobre o custo das mercadorias vendidas (CMV), o qual integra o ISP e a CSR, que a empresa aplica uma percentagem, de forma a chegar a uma margem bruta que lhe permita conferir viabilidade e continuidade do negócio (a esta margem bruta serão ainda posteriormente deduzidos outros gastos, nomeadamente, impostos sobre lucros, gastos com financiamentos, salários, electricidade, gastos administrativos, etc.).
  5. Deduzindo a Requerida que, mesmo que, por absurdo, todos os restantes gastos não existissem, a totalidade do CMV teria sempre de ser reflectida no preço praticado ao cliente, sob pena, não só de o negócio não ser viável, como inclusivamente incorrer em ilegalidade, por praticar preços de venda abaixo do respectivos preços de custo.
  6. Em síntese, infere a Requerida que, do tratamento contabilístico adoptado pela Requerente, o qual tem acolhimento na NCRF18, se constata, sem margem de dúvida, que o resultado apurado não é inferior pelo facto de existir a CSR, dado que esta é incorporada no CMVMC dos combustíveis vendidos, sobre o qual é aplicada a margem de lucro, e concomitantemente repercutida no valor de venda, constituindo assim um encargo do consumidor final, adquirente dos combustíveis, e não da Requerida, que apenas assume o papel de sujeito passivo do imposto.
  7. Procedendo a uma análise detalhada da contabilidade da Requerente, a Requerida faz notar que os valores apurados reflectem o peso significativo que os impostos (32,61%) e a CSR (6,37%) assumem face ao total do CMVMC, comparado com a diminuta margem bruta de comercialização de 1,79%, demonstrando que estes não são um encargo suportado pela empresa, mas obrigatoriamente terão que ser repassados para os adquirentes do combustível, incluídos no CMVMC sobre o qual é aplicada a margem de comercialização, inviabilizando desta forma a argumentação de que a CSR não é incluída no CMVMC, e subsequentemente no preço de venda, mas sim que se trata de um encargo da própria empresa.
  8. Conclui a Requerida que a CSR foi incluída no preço de venda dos combustíveis alienados pela Requerente, não obstante a CSR não ser facturada separadamente nem reconhecida contabilisticamente numa conta de gastos ou rendimentos especifica, sendo registada em conjunto com o ISP, e ambos subsequentemente incorporados na conta de CMVMC.
  9. Essa inclusão da CSR no CMVMC constituiria, para a Requerida, o reconhecimento, por parte da empresa, de que a CSR incorpora o preço de custo dos combustíveis, e consequentemente é incluída no respectivo preço de venda. Mais simplesmente, se a CSR está incluída no Custo das Mercadorias Vendidas, tal significa que está incorporada no preço de venda do combustível.
  10. E a Requerida volta a insistir que, por um lado, a obrigação de emissão de factura detalhada faz transparecer a presença da CSR no preço final de venda aos consumidores; e que, por outro lado, o art. 2º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, ao estabelecer que o ISP e a CSR são sempre repercutidos nos consumidores, e ao revestir a natureza de norma interpretativa, se aplica retroactivamente a todas as situações de liquidação de CSR – o que faz com que passe a considerar-se como legalmente consagrado o mecanismo da repercussão da CSR.
  11. Decorre da repercussão que o contribuinte, de facto, é o consumidor final – e daí nasce a circunstância de alguns adquirentes, consumidores ou comercializadores de combustíveis, terem vindo a apresentar, igualmente, pedidos de pronúncia arbitral com fundamento na repercussão da CSR no preço dos produtos combustíveis adquiridos aos sujeitos passivos de ISP/CSR.
  12. Isto bastaria, no entender da Requerida, para evidenciar como a repercussão da CSR gera uma situação na qual a devolução do tributo geraria o enriquecimento sem causa dos sujeitos passivos, como a Requerente, porque os sujeitos passivos, dada a repercussão, não suportam economicamente o tributo.
  13. Ao reembolsar a CSR à Requerente, o Estado estaria a transferir para esta entidade as verbas que os consumidores finais suportaram quando adquiriram os combustíveis, sendo que os consumidores continuariam a suportar o impacto negativo que esta contribuição causou, o Erário Público não arrecadaria qualquer receita, passando a Requerente a ser a beneficiária efectiva de uma receita que não faz qualquer sentido que constitua rendimento desta entidade, faltando a legitimidade, e violando-se princípios de neutralidade, e até de capacidade contributiva.
  14. Além disso, opõe-se a Requerida à ideia de que caiba ao Tribunal Arbitral determinar os montantes precisos a restituir, devendo isso ser determinado em sede de execução da decisão.
  15. Quanto aos juros indemnizatórios, entende a Requerida que não são devidos; mas que, se o forem, então devem ser calculados nos termos do art. 43º, 3, c) da LGT, sendo devidos somente um ano após a data de 15 de Julho de 2022, a data em que foi apresentado o pedido de Revisão Oficiosa.

 

IV. E. Posição da Requerida em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerida esclarece que, para ela, o crucial deste litígio é, além da conformidade da legislação nacional que criou a CSR com as normas europeias vigentes sobre a matéria, também o direito que o Estado tem de recusar o reembolso daquela contribuição quando o encargo fiscal é efectivamente suportado por uma pessoa diferente do sujeito passivo do tributo, pois que, neste caso, o reembolso da CSR a este último determinaria uma situação de enriquecimento sem causa.
  2. Sobre este último ponto, lembra a Requerida que o TJUE, no seu Despacho proferido em 07/02/2022, no Proc. C-460/21, esclarece que:

A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas” (§39)

  1. De onde resulta que, desde que seja provado que os impostos indevidamente arrecadados foram efectivamente incluídos no preço das mercadorias vendidas, e, assim, repercutidos nos adquirentes, o Estado não está obrigado à devolução dos ditos impostos.
  2. A Requerida entende que essa prova da repercussão resulta da demonstração objectiva da realidade dos factos que foi efectuada com a resposta, através de elementos que se relacionam com os factores inerentes às transacções comerciais que foram realizadas, sendo que a própria contabilidade da Requerente espelha tal repercussão, não deixando dúvidas sobre tal comprovação – em suma, a repercussão encontrar-se-ia provada através da contabilização de operação de compra, tendo em conta o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC).
  3. Entendendo que é incongruente com a posição da Requerente a simples constatação da multiplicação de acções judiciais de pedido de restituição de valores pagos, alegadamente a título de CSR, por consumidores que consideram que aquela contribuição foi repercutida sobre eles – sendo que a procedência de todas as acções deste tipo conduziria ao absurdo de uma única liquidação de CSR poder dar lugar ao reembolso da quantia liquidada e cobrada em duplicado, ou, mais ainda, multiplicada pelo número de integrantes da cadeia de comercialização de gasolina e gasóleo.
  4. Insistindo que a argumentação de que a CSR não foi incluída no preço de venda dos combustíveis conduziria à prática ilegal de preços de venda inferiores ao respetivo custo, uma prática que, além das implicações contra-ordenacionais, seria, para além disso, económica e financeiramente inviável.
  5. Lembrando ainda que, com a entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, a CSR passou a integrar o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos, ISP, clarificando-se nesse diploma que os Impostos Especiais de Consumo, IEC, nos quais se inclui o ISP, e até agora a CSR, são sempre repercutidos nos consumidores, tratando-se de um esclarecimento ao qual é atribuído carácter interpretativo, e que, por isso, integra a lei interpretada, produzindo efeitos sobre as situações anteriores, porquanto vem fixar e esclarecer o sentido da lei.
  6. Quanto à questão do reembolso, recorda que, ainda que se considerasse que o regime jurídico da CSR não é conforme ao Direito da União, tem o tribunal de considerar provado que o montante pago a título de CSR pela Requerente, no período em causa, não pode ser-lhe reembolsado dado que tal montante não foi suportado por ela, pois, ao ter sido incluído no preço de venda ao público dos combustíveis, o respectivo encargo recaiu sobre os consumidores finais.
  7. Impondo-se a conclusão de que as liquidações impugnadas não seriam ilegais.

 

V. Fundamentação da decisão

 

V.A. A matéria de excepção.

 

Temos de encarar as seguintes questões:

 

  1. A excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter, como objecto, actos de liquidação de um tributo qualificável como “contribuição financeira”).
  2. A excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da causa de pedir (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter, por objecto, a apreciação em abstracto da legalidade da CSR, e não a mera anulação de actos de liquidação da CSR).

 

V.A.1. A excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter como objecto actos de liquidação de um tributo qualificável como “contribuição financeira”).

 

Vimos que a Requerida, em sede de excepção, sustentou que o presente Tribunal Arbitral seria incompetente na medida em que a CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que estabelece que a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo outros tributos, como aqueles que devam ser qualificados como contribuições financeiras.

Numa brevíssima retrospectiva, a constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no art. 165º, 1, i), da CRP, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

A LGT, aprovada em 1998, passou a incluir, entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, no seu art. 4º, os pressupostos desses diversos tipos de tributos.

A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderá ser qualificado como de taxas coletivas, na medida em que estas visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas.

Os impostos visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as contribuições bilaterais, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas, inerentes às prestações públicas de que as contribuições são contrapartida, ficam essas contribuições bilaterais consignadas, no sentido de não poderem ser desviadas para outros serviços ou despesas.

São, pois, tributos com uma estrutura “paracomutativa”, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas porque estas são tributos rigorosamente comutativos, que se dirigem à compensação de prestações efectivas.

Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias, designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa, admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao seu regime concreto, podendo, portanto, ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar, desde que observada a lei-quadro (cfr. Acórdão nº 365/2008 do TC, de 2 de Julho de 2008, Proc. n.º 22/2008).

Ou seja, não há dúvida de que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.

Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.

Essa qualificação não se modifica pelo nomen iuris atribuído – o que aliás não é caso único no sistema fiscal português (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015, de 20 de Outubro de 2015).

Essa qualificação não se modifica, também, pela circunstância de surgirem algumas correspectividades, como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.

Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa[1]).

Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal.

Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, de 31 de Março de 2022), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008:

Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança. 

Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano. (...) Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas.

Essa qualificação surge também em Casalta Nabais, que assevera:

estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal[2].

Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza.

Concordamos com o argumento de que, em termos de incidência objectiva e subjectiva, e de mecânica de aplicação, a CSR é decalcada do ISP, distinguindo-se somente em termos de restrição de incidência objectiva e territorial e de taxas, e pelo facto de ter finalidade própria. E concordamos que a posterior abolição da CSR, e a sua incorporação no ISP, que passa a ser directamente a fonte de receitas da Infraestruturas de Portugal, é sumamente revelador da natureza de imposto que a CSR já tinha.

Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a excepção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.

A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é considerada uma contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, incidindo sobre as pessoas singulares e colectivas que integram o sector energético nacional.

A receita obtida com a CESE é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei nº 55/2014, de 9 de Abril, com o objectivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético (art. 11º) – tendo a CESE por base, assim, a referida contraprestação de natureza “grupal”, na medida em que constitui um preço público, a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional à entidade à qual são consignadas as receitas.

A CESE não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração efectue aos respectivos sujeitos passivos, nem preenche o requisito de unilateralidade que caracteriza o imposto, uma vez que não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, nem se destina à satisfação das necessidades financeiras do Estado, antes se pretendendo que o sector energético contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua actividade.

A CESE é, em suma, um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa, que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários, e visando prevenir riscos a que este grupo está exposto, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades desse sector – e tudo isso faz com que assuma a natureza jurídica de “contribuição financeira”.

Essa caracterização da CESE, insista-se, não é manifestamente extensiva à CSR, pelo que não é aplicável ao caso a jurisprudência arbitral que veio declarar a incompetência do tribunal arbitral ratione materiae para a apreciação de litígios que tivessem como objecto a CESE.

As correspectividades que definem uma “contribuição financeira” são muito restritivas e exigentes, dadas as implicações do afastamento que elas possam representar face às salvaguardas que acompanham os regimes dos impostos. Como indica o Acórdão do STA de 4 de Julho de 2018 (Proc. nº 01102/17):

quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário”.

Sublinhemos que a CSR visou financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 1º da Lei 55/2007), mais tarde a Infraestruturas de Portugal. O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Estradas de Portugal, depois Infraestruturas de Portugal, era assegurado pelos respectivos utilizadores (art. 2º).

Esses utilizadores deviam ser definidos como os sujeitos que têm um vínculo com a actividade da entidade titular da contribuição, e com a actividade pública financiada pelo tributo, sendo os seus beneficiários, e correspondentemente os responsáveis pelo seu financiamento; no entanto, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do ISP, que, nos termos do art. 4º, 1, a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo, pois, qualquer nexo específico entre o benefício resultante da actividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respectivos sujeitos passivos.

Não estando aqui em causa qualquer tipo de substituição tributária, conclui-se ainda:

  • que o universo de entidades que beneficiam da actividade financiada pela CSR, ou dão causa a ela, não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população, de um modo geral;
  • que o efectivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efectivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal, mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.

Conclui-se que a CSR, apesar do seu nomen juris e da circunstância de a sua receita se destinar a financiar uma actividade pública específica, não tem o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade “grupal” ou colectiva que seriam necessários para a sua caracterização como contribuição financeira.

Como se escreveu no Sumário da decisão do Proc. nº 629/2021-T,

Uma parcela de um imposto especial de consumo não deixa de ser um imposto especial de consumo por o legislador lhe atribuir uma narrativa (de resto oscilante entre a compensação de custos e a contrapartida de benefícios) e lhe providenciar uma consignação orgânica (mormente se a entidade que dela beneficia deixa de ter como função única providenciar a suposta contrapartida que justificaria a alteração de género).

Por outro lado, segundo a jurisprudência constante do TJUE, a qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do Direito da União Europeia, compete ao Tribunal de Justiça, em função das características objectivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe é dada pelo direito nacional[3].

É verdade que, no processo arbitral que motivou o pedido de reenvio prejudicial ao TJUE (Proc. n.º 564/2020-T), o Tribunal qualificou a CSR como um imposto, formulando as questões prejudiciais com base nesse pressuposto; mas, pelo que acabou de se referir, o que é decisivo é que, na decisão em que culminou esse pedido de reenvio – o Despacho de 7 de Fevereiro de 2022 no Proc. C-460/21 –, o TJUE, para além de não colocar em causa essa qualificação, assume, para efeitos do art. 1º da Directiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indirecto, o qual abrange quaisquer “imposições” indirectas que, pelas suas características estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico”, na acepção da Directiva, e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado (no caso português, o ISP) de “todo o efeito útil” (§ 26 do Despacho).

Em suma, para o TJUE o tributo instituído pela lei portuguesa constitui um imposto, não obstante a sua designação original, porquanto, em virtude do desenho escolhido pelo legislador português, representa uma imposição indirecta sem motivo específico, e como tal suceptível de frustrar os objectivos de harmonização positiva subjacentes à Directiva 2008/118.

Foi o legislador português que, não obstante classificar o tributo como “contribuição”, definiu a respectiva incidência subjectiva, em termos análogos à do ISP (art. 5º da Lei nº 55/2017), colocando-se assim no âmbito de aplicação do art. 1º, 2 da Directiva 2008/118.

Portanto, mesmo que, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, a CSR viesse a ser qualificada como uma contribuição financeira, nem por isso ela, tal como está desenhada, deixaria de ser um imposto indirecto na acepção da Directiva – reservando-se o TJUE, insista-se, o exclusivo da qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do Direito da União Europeia, em função das caraterísticas objectivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe fosse, ou seja, dada pelo direito nacional – como forma de prevenir que os Estados-membros possam, em função da maior ou menor criatividade constitucional em termos de tributos públicos, frustrar os propósitos de harmonização e de neutralidade no plano dos impostos indirectos sobre o consumo.

Assim, atentos os princípios, seja o da interpretação conforme, seja o do primado do Direito da União Europeia (consagrado no art. 8º, 4 da CRP, tal como interpretado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 422/2020), há que considerar que os dispositivos legais que regulam a CSR devem ser interpretados no sentido de que consagram um imposto indirecto sobre o consumo de produtos petrolíferos.

Segue-se, portanto, que, sendo a CSR um imposto, a competência deste tribunal não é afastada por essa circunstância, nos termos do art. 2º do RJAT, e a AT não se desvincula, pela mesma razão, da jurisdição dos tribunais arbitrais, nos termos do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Esta excepção da incompetência material do tribunal arbitral com fundamento na qualificação da CSR como contribuição financeira improcede, pois, sendo este tribunal competente para apreciação do litígio e encontrando-se a AT vinculada à decisão que vier a ser proferida.

 

V.A.2. A excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da causa de pedir (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter por objeto a apreciação em abstracto da legalidade da CSR, e não a mera anulação de actos de liquidação da CSR).

 

Na tese da Requerida, o pedido e respectiva fundamentação extravasam o âmbito da acção arbitral prevista no art. 2º do RJAT, uma vez que, no seu entender, não estaria em causa a apreciação da ilegalidade concreta de actos de liquidação de impostos, mas antes, e muito mais amplamente, a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa, mais precisamente a apreciação abtracta da natureza, e conformidade jurídico-constitucional, do regime jurídico da CSR, plasmado na Lei n.º 55/2007 e legislação subsequente.

Ao fundamentarmos a escolha e demarcação da matéria de prova, já tínhamos assentado que não daríamos como provadas, nem não provadas, alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, e insusceptíveis de prova.

Cremos ser o caso com a invocação desta excepção.

O pedido de pronúncia que fez nascer este processo indica claramente o seu propósito, que é o de obter a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de CSR. É desse objecto bem identificado, e concreto, que nasce o pedido de reembolso, que nasce a reivindicação de juros indemnizatórios, que nasce o cálculo do valor da causa. E é no confronto entre a pretensão deduzida (o pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamentos (a causa de pedir) que tem de se aferir a competência em razão da matéria do Tribunal.

A Requerente não pede ao Tribunal que declare a ilegalidade da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, nem que decrete a sua ineficácia.

A ilegalidade abstracta, ou seja, a desconformidade da Lei nº 55/2007 com o Direito da União Europeia, mais precisamente com o art. 1º, 2, da Directiva 2008/118, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo, é um dos alicerces da argumentação que conduz à ilegalidade específica que é objecto do pedido de pronúncia arbitral – impondo-se reconhecer que, sem se estabelecer aquela desconformidade, sem sindicar a conformidade da lei nacional com o direito da União, não se poderia inferir esta ilegalidade dos actos de liquidação.

Estamos aqui perante o que se designa por ilegalidade abstracta, ou absoluta, da liquidação, que se distingue da ilegalidade em concreto pela circunstância de, na primeira, estar em causa a ilegalidade do tributo, e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação. Na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação se consumou, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada, nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado.

Por essa mesma razão, a própria ilegalidade abstracta pode ser objecto de impugnação em tribunal arbitral, na medida em que “qualquer ilegalidade” – entenda-se, tanto a concreta como a abstracta – pode ser fundamento de impugnação judicial, nos termos do art. 99º do CPPT; e essa possibilidade é expressamente reconhecida nas decisões arbitrais dos Processos n.os 275/2016-T, 656/2016-T e 48/2017-T do CAAD.

Se o que a Requerida pretende, ao apresentar esta excepção, é alegar que está vedado ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre uma questão de constitucionalidade, como a questão da articulação abstracta do direito nacional com o direito da União – especificamente a vigência directa, na ordem interna, do direito derivado da União (art. 8º da CRP), também aqui a alegação laboraria em equívoco.

Lembremos que a Constituição admite o controlo difuso de constitucionalidade pelos tribunais (art. 204.º da CRP) e prevê o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, ou apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (art. 280.º, 1 da CRP). Pelo que a desaplicação de normas pelos tribunais, por iniciativa oficiosa ou por suscitação das partes, corresponde a uma forma de fiscalização concreta de constitucionalidade para a qual os tribunais têm competência própria, não se confundindo com a competência do Tribunal Constitucional, que intervém em sede de recurso de constitucionalidade, ou no âmbito da fiscalização abstracta da constitucionalidade (art. 281.º da CRP).

Ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade, o art. 204º da CRP refere-se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre tribunais estaduais e tribunais arbitrais, e o artigo 280° da CRP, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais.

E, como o Tribunal Constitucional tem também vindo a afirmar, os tribunais arbitrais dispõem do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral, e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais (entre outros, o Acórdão n.º 181/2007 do TC, de 8 de Março de 2007, Processo n.º 343/2005).

Logo, ainda que tivesse sido suscitada, no pedido arbitral, a inconstitucionalidade de qualquer das normas do regime da CSR, nada obstava a que o tribunal arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso a que se refere o artigo 204.° da CRP. Por maioria de razão, estando em causa, no caso vertente, a desconformidade da CSR com a Directiva nº 2008/118, não pode deixar de se concluir pela competência contenciosa do tribunal para a apreciação do litígio.

Logo, mesmo que fosse verdadeira e susceptível de prova a alegação de que o objecto do processo não é aquele que foi expresso no pedido de pronúncia, mas algo que está meramente implícito nela, ainda assim não decorreria dessa circunstância a incompetência absoluta deste tribunal.

Insistamos: é manifesto que a Requerente não pede ao tribunal arbitral que declare a ilegalidade, ou se pronuncie sobre a conformidade constitucional, da Lei 55/2007: o que pretende é a declaração de ilegalidade dos actos identificados no pedido de pronúncia, por sustentar estarem em desconformidade com o direito europeu.

Claro que, ao pretender que o tribunal arbitral declare a ilegalidade de tais actos, a Requerente não pode deixar de designar como fundamento da sua pretensão a ilegalidade abstracta dos mesmos, a qual cabe na competência material do tribunal arbitral.

A impugnação de uma liquidação com o argumento de ilegalidade implica necessariamente a apreciação do quadro legal, e essa apreciação há-de implicar sempre um certo grau de abstracção, sob pena de, na ausência de um certo grau de abstracção, não se poderem formar juízos categóricos, definitivos, sobre ilegalidade.

A verdade é que a impugnação das liquidações se foi mantendo como foco da argumentação da Requerente, mas também, como referimos, não seria deslocado se tivesse evoluído para um grau de maior abstracção, culminando logicamente no plano da inconstitucionalidade. Esse plano não foi expressamente atingido, mas, se o tivesse sido, isso caberia no controlo difuso de constitucionalidade pelos tribunais (art. 204º da CRP), articulando-se com o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, ou apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (art. 280º, 1 da CRP).

Ora, nem o art. 204º nem o art. 280º da CRP, ao referirem-se genericamente a tribunais, discriminam entre tribunais estaduais e tribunais arbitrais; e, por seu lado, o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que os tribunais arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral, e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais (cfr. Acórdão n.º 181/2007 do TC, de 8 de Março de 2007, Proc. n.º 343/2005).

Como afirmámos, uma questão de desconformidade da CSR com normas de direito europeu derivado, nomeadamente com a Directiva 2008/118, não pode deixar de considerar-se abrangida pela competência contenciosa do tribunal arbitral.

A impugnação judicial de um acto de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (art. 99º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante da violação de normas de direito interno e a ilegalidade resultante da violação de normas de direito europeu – sendo que estas vigoram directamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (art. 8.º da CRP).

Sendo assim, não existe qualquer obstáculo a que o tribunal arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade do acto de liquidação baseado em desconformidade da CSR com Directivas europeias, dispondo manifestamente de competência para fazê-lo.

Pode vislumbrar-se, subjacente à alegação desta excepção, um outro argumento – o de que a Requerente está a impugnar toda a aplicação da CSR através do meio arbitral, parcelando-a em pequenos períodos de liquidação que permitam não atingir os valores-limite de competência da jurisdição arbitral e de vinculação da AT às decisões arbitrais, logrando resolver por via arbitral, parcela a parcela, questões que, num cômputo agregado, estariam reservadas ao âmbito judicial estrito: mas o facto é que isso não foi expressamente invocado, e é um problema de configuração legal e de iure condendo, que não pode ser apreciado no próprio âmbito arbitral.

Verifica-se, pois, que o pedido formulado pela Requerente, nos termos em que foi formulado e em que configurou o presente processo, se insere dentro da competência material do tribunal arbitral, tal como definida no RJAT, pelo que improcede a excepção de incompetência material invocada pela Requerida.

 

V.B. O mérito da causa.

 

Improcedendo todas as excepções suscitadas, estamos em condições de nos pronunciarmos sobre o mérito da causa, que gravita em torno de um tema central:

 

A questão de saber se os actos tributários são ilegais pelo facto de a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, ser um imposto desconforme com o Direito da União Europeia, especificamente com o n.º 2 do artigo 1.º da Directiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, e da Directiva 2020/262, tendo por base o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no despacho proferido em 07/02/2022, no Proc.º C-460/21.

 

Suscitam-se cinco tipos de questões relativas ao mérito da causa:

 

  1. A ilegalidade das liquidações da Contribuição de Serviço Rodoviário.
  2. Desvinculação da posição assumida pelo TJUE em sede de reenvio prejudicial.
  3. A legitimidade processual activa da Requerente e o direito ao reembolso.
  4. A retroactividade de normas interpretativas – e uma incongruência.
  5. O direito a juros indemnizatórios.

 

V.B.1. A ilegalidade das liquidações da Contribuição de Serviço Rodoviário.

 

A ilegalidade invocada pela Requerente consistiria no seguinte:

A CSR configura um imposto não-harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados (excisable goods).

A Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro, permite ao legislador nacional que onere produtos já sujeitos ao ISP.

Mas, para prevenir que seja posto em causa o sistema harmonizado dos IEC, a aludida Directiva subordina a criação destes impostos não-harmonizados sobre excisable goods à dupla condição de

  1. respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA;
  2. terem como fundamento um “motivo específico”.

No entender da Requerente, esse motivo específico não se verifica, visto que a CSR foi criada por razões de ordem puramente orçamental, não fazendo a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que cria a CSR, qualquer apelo a objectivos de política ambiental, energética ou social.

Pelo contrário, as razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR reportam-se à necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto transformada na Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., encontrando-se a receita da CSR genericamente consignada ao referido financiamento.

No âmbito do Proc. nº 564/2020-T, decidiu-se colocar ao TJUE questões a esse respeito, em sede de reenvio prejudicial:

"1. O artigo 1.º, n.º 2, da Directiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, e designadamente a exigência de “motivos específicos”, deve ser interpretado no sentido de que a finalidade de um imposto é meramente orçamental quando a sua criação é feita com o objectivo de financiar empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, por ocasião da renovação da sua concessão, e à qual a receita do imposto fica genericamente afectada, e a sua estrutura não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo? 

2. O Direito da União e os princípios da legalidade e segurança jurídica permitem que o reembolso de impostos indirectos contrários à Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, seja recusado pelas autoridades nacionais com fundamento no enriquecimento sem causa do sujeito passivo quando não haja disposições legais específicas de Direito interno que o prevejam?

3. O Direito da União permite que, ao fundamentar a recusa do reembolso de impostos indirectos contrários à Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, as autoridades nacionais presumam a repercussão do imposto e o enriquecimento sem causa do sujeito passivo, obrigando-o a demonstrar que estes não se verificam?

O TJUE, em decisão de 7 de Fevereiro de 2022 (despacho no processo nº C-460/21), respondeu:

"1. O artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.

2. O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo".

Os tribunais nacionais estão obrigados a seguir a posição do TJUE no que se refere à interpretação e aplicação do Direito da União Europeia: a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo nestes domínios, até por força do primado do Direito da União Europeia, previsto no artigo 8º, 4 da CRP.

A jurisprudência arbitral subsequente acatou essa vinculação, ainda quando tenha procurado adensar e particularizar a formulação encontrada pelo TJUE.

Assim, no respeitante ao “motivo específico”, reconheceu-se que a Lei nº 55/2007 enunciava finalidades próprias para a CSR, mas que isso não bastava para preenchimento dos requisitos estabelecidos pela Directiva nº 2008/118, e retomados pelo TJUE: a CSR tinha por finalidade própria o financiamento de despesas de carácter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado, e são susceptíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais – e isso denota por si mesmo a ausência de “motivos específicos” para a criação daquele tributo, ferindo-o de ilegalidade abstracta.

Por outras palavras, a afectação da receita a despesas determinadas, podendo constituir um indicador de um motivo específico, não é comprovação suficiente desse motivo específico, exigindo-se a prova de uma ligação directa entre a utilização da receita e a finalidade do imposto – a demonstração de que, por exemplo, a estrutura do imposto serve para desmotivar economicamente condutas que o imposto visa prevenir ou contrariar.

Mas tal comprovação torna-se impossível quando, como no caso da CSR, a receita do imposto esteja destinada a cobrir despesas susceptíveis de serem financiadas pelo produto de impostos de qualquer natureza – sendo que é manifesto que o financiamento da Infraestruturas de Portugal pode ser obtido pelo produto de impostos de qualquer natureza, é um financiamento decorrente de um motivo meramente orçamental, de obtenção de receita.

Como salientou o próprio TJUE, a ligação directa entre a utilização da receita e a finalidade da CSR ficaria demonstrada se o produto desse imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto – mas não é o caso, e daí o ponto 1 da conclusão a que o TJUE chegou, em resposta ao pedido de decisão prejudicial.

A finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme com o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova de que tenham sido cumpridos os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão.

Conclui-se que a CSR é ilegal, por violação da Directiva n.º 2008/118, sendo, em consequência, ilegais as liquidações impugnadas.

Especificamente, seguindo a jurisprudência vinculativa do TJUE, tem este tribunal de concluir pela inexistência de motivos específicos na criação da CSR, o que conduz à sua ilegalidade, por violação do disposto na Directiva 2008/118/CE do Conselho, que submete a possibilidade de o Estado criar impostos não harmonizados sobre IEC harmonizados à dupla condição de estes respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA, e de terem como fundamento um motivo específico.

Sendo as liquidações ilegais, e sendo-o por erro imputável aos serviços da Requerida, o imposto foi indevidamente pago.

Nos termos do n.º 1 do art.º 100.º da LGT, a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

Esta obrigação de reconstituição da situação ex ante tem raiz no princípio da responsabilidade civil do Estado, e demais entidades públicas, por acções ou omissões, praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. Uma vez que os sujeitos passivos, ou os particulares em geral, têm o direito fundamental de serem tributados em estrito cumprimento da legalidade, pode também dizer-se que, de uma liquidação tributária ilegal, resulta uma violação de um direito fundamental.

O princípio da obrigatória restituição dos impostos pagos indevidamente ao abrigo do Direito da União vale também naquele ordenamento, como decorrência do princípio do efeito directo das normas de Direito da União.

Além disso, nesta matéria, vigora ainda o princípio da equivalência, e que significa que as condições em que o sujeito passivo pode obter a restituição de um imposto pago indevidamente em violação do Direito da União não podem ser menos favoráveis do que as que são aplicáveis para obter a restituição de um imposto indevidamente pago por violação do direito interno.

No que respeita ao reembolso, ao enriquecimento sem causa e à repercussão do imposto, na fundamentação da sua resposta de 7 de Fevereiro de 2022, o TJUE considerou que:

39. A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas. […]

42. Por conseguinte, um Estado‑Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido.

43. Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo.

44. Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos.

45. Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção.

46. O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão.

47. Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.”

Daqui decorre, novamente em consonância com o decidido pelo TJUE, que o Estado não pode recusar a restituição do imposto com fundamento numa presunção de repercussão do mesmo, e consequente enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

Não havendo prova concreta de efectiva repercussão, e de repercussão plena, do imposto, mas meros juízos presuntivos, e não havendo prova de que a repercussão que tenha existido não tenha redundado numa quebra de vendas e de receitas da Requerente, e que portanto a restituição redunde necessariamente em enriquecimento sem causa da Requerente – sendo que estas provas incumbiam à Requerida –, não existe fundamento para recusar o reembolso do imposto indevidamente pago, sendo essa a consequência natural da declaração de ilegalidade das liquidações.

Assim, para recusar o reembolso da CSR paga, teria a Requerida que demonstrar, por um lado, que a Requerente, pese embora tenha pago a CSR, a repercutiu total e efectivamente a terceiros, em concreto a adquirentes das mercadorias por si vendidas, que por sua vez fossem consumidores finais (isto é, sem a possibilidade de também eles repercutirem); e, por outro lado, que o reembolso da CSR paga constituiria um efectivo enriquecimento sem causa da Requerente.

No caso dos autos, não resultou provada a repercussão integral da CSR paga, pelo que, não podendo tal repercussão ser presumida, não poderá este tribunal acolher a tese defendida pela Requerida. Não tendo resultado provada a repercussão, é evidente que não se verificam os pressupostos de que a lei faz depender o enriquecimento sem causa, que a Requerida também não logrou demonstrar.

Resta acrescentar, secundando o TJUE, que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo, e mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, e o grau em que o foi, o respectivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas: pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto.

Contudo, a Requerida não aduz quaisquer argumentos, ou faz qualquer prova, no sentido de que as margens de lucro da Requerente não se reduziram no período em análise, por comparação com outros períodos em que a taxa da CSR tenha sido mais baixa – pois uma tal redução, a verificar-se, poderia significar um efeito negativo da CSR sobre os resultados.

A Requerida também não faz qualquer prova de que o volume de vendas dos distintos produtos não sofreu uma redução no mesmo período, por comparação com períodos em que a taxa da CSR foi mais baixa, o que também poderia significar um efeito negativo da CSR sobre os resultados.

Em qualquer dos casos, ficaria fortemente posta em causa a hipótese de enriquecimento sem causa – voltando a sublinhar-se que a repercussão do imposto, seja ela legal ou económica, não é, só por si, suficiente para alicerçar a excepção de enriquecimento sem causa.

Lembremos que, entre a matéria de facto não-provada, elencámos a existência, ou não, de repercussão efectiva da CSR, o respectivo grau, os efeitos económicos do grau de repercussão que possa ter ocorrido, e as quebras nas vendas que um aumento de preço por repercussão da CSR possa ter causado.

Assim, o tribunal arbitral, tendo em consideração o princípio da tutela jurisdicional efectiva, interpretando restritivamente a excepção de enriquecimento sem causa, e considerando ser sobre a Requerida que impende o ónus de provar esse enriquecimento sem causa, considera não provada essa excepção ao princípio do reembolso integral do imposto.

Por todo o exposto, não pode opor-se ao pedido de reembolso do imposto indevidamente liquidado uma suposta situação de enriquecimento sem causa por efeito da repercussão do imposto nos consumidores.

 

V.B.2. Desvinculação da posição assumida pelo TJUE em sede de reenvio prejudicial.

 

Na sua Resposta, a Requerida sustenta não só que se verifica a condição de “motivo específico” exigível pelo Direito da União, como também que fez prova plena da repercussão integral a jusante da CSR, tornando visível o enriquecimento sem causa que beneficiaria a Requerente em caso de reembolso daquela contribuição.

Concluindo que, portanto, está removido qualquer fundamento para a alegada desconformidade da Lei nº 55/2007 com a Directiva nº 2008/118.

Entende, por isso, que algo mudou relativamente ao contexto que suscitou, no processo arbitral nº 564/2020-T, o reenvio prejudicial para o TJUE, e a decisão tomada pelo TJUE em 7 de Fevereiro de 2022 (processo nº C-460/21) – procurando, em suma, que a decisão no presente processo não se vincule às directrizes resultantes desta decisão do TJUE.

A questão suscitada tem uma resposta que é evidentemente prejudicada pelo entendimento que este tribunal adopta sobre a situação sub iudice e sobre o respectivo enquadramento normativo.

Não vislumbrando as diferenças fundamentais que a Requerida alega, não se vê razão para se afastar, no caso presente, a orientação que resulta da tomada de posição do TJUE, e que por isso permanece vinculativa.

Relembremos que o despacho do TJUE, proferido em reenvio prejudicial, estabeleceu que as receitas provenientes da CSR se destinam essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária mediante a sua consignação à Infraestruturas de Portugal, e têm uma finalidade puramente orçamental, sendo que a estrutura do imposto não revela a intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis, e, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR, de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu, é apresentada em termos demasiado genéricos, não tendo sido sequer feita a prova de que tenham sido cumpridos os objectivos da redução da sinistralidade e da sustentabilidade ambiental, os quais se encontram definidos no quadro II anexo às bases da concessão – habilitando a conclusão de que a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na acepção do art. l°, 2, da Directiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficientes, para estabelecer uma relação directa entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, tal como são genericamente enunciados.

Sendo uma questão prejudicada pela solução dada a outras questões, apenas a destacamos para que não ficasse a ideia de que, tratando-se de um ponto que envolve a consideração de outras jurisdições, o tribunal não a tinha considerado, ou a tinha omitido.

 

V.B.3. A legitimidade processual activa da Requerente e o direito ao reembolso.

 

Embora desta feita, e ao contrário do sucedido em outros processos com o mesmo tema, a Requerida não tenha suscitado a questão da ilegitimidade processual da Requerente em sede de defesa por excepção, a questão está latente em toda a argumentação da Requerida, de tal forma que não podemos deixar de encará-la autonomamente.

A questão nasce dos efeitos da consideração da hipótese de repercussão plena do imposto – o que faria com que, não obstante o o sujeito passivo de CSR ser aquele que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta contribuição seria economicamente suportado pelo consumidor do combustível, redundando naquilo que a Requerida aventa poder constituir uma forma de substituição tributária – em termos de o contribuinte de facto da CSR passar a ser a única parte legítima para peticionar a declaração de ilegalidade dos respectivos actos de liquidação, retirando à Requerente, na sua qualidade de “repercutente”, o interesse em agir.

Adiantemos, desde já, que é o art. 9.º, 1 e 4 do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, 1 do RJAT, que define a legitimidade activa no processo arbitral tributário, e lá não se prevê que essa legitimidade se possa perder por efeito de uma repercussão que propiciasse a identificação de um interesse, concorrente ou exclusivo, na esfera de um “repercutido” que não seja o sujeito passivo.

E essa conclusão não se modifica com a alteração da redacção do art. 2.º do CIEC pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, a converter a “repercussão económica” em “repercussão legal”, mesmo que essa alteração tenha alcance interpretativo / retroactivo (ou seja, mesmo que não fosse inconstitucional): porque também aí não ocorre, nem passa a ocorrer, substituição tributária, visto que não só não é o consumidor final quem responde pela prestação tributária, como também é a própria lei que exclui do conceito de sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.

Por outras palavras, não ocorre nesta situação uma deslocação da obrigação tributária, do contribuinte directo para um terceiro, o contribuinte “de facto” – aquele que, por repercussão, suporta o peso do imposto. E sem essa deslocação da obrigação, sem essa vinculação jurídica do contribuinte “de facto”, não pode ocorrer uma verdadeira substituição tributária, nos termos dos arts. 20º e 28º da LGT.

Com efeito, para que exista a substituição tributária a que se refere o art. 20º da LGT, é preciso que ocorra a deslocação da obrigação tributária, do contribuinte directo (isto é, de quem se encontra abrangido pelas normas de incidência do imposto) para um terceiro: sendo que a responsabilidade do substituto tributário, nos termos do art. 28.º da LGT, se traduz na obrigação de dedução das importâncias que estiverem sujeitas a retenção, e da respectiva entrega nos cofres do Estado, em termos que exoneram o substituído da entrega dessas mesmas importâncias.

A conjugação do art. 9º, 1 e 4 do CPPT com o art. 18º, 3 da LGT dissipa quaisquer dúvidas sobre a legitimidade processual da Requerente: têm essa legitimidade os contribuintes, e contribuinte é o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou colectiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.

Ora a Requerente é sujeito passivo do ISP, de acordo com a norma de incidência subjectiva constante do art. 4.º, 1, a), do CIEC; e, consequentemente, é responsável pelo pagamento da CSR, por força do disposto nos arts. 4.º, 1, e 5.º, 1, da Lei n.º 55/2007 – sendo consequentemente, na qualidade de contribuinte directo, titular da relação jurídica tributária, e parte legítima no processo (art. 9º, 1 do CPTA).

Sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR em causa nos presentes autos, e, como tal, parte legítima, sendo ela que retira utilidade da demanda, improcederia, pois, uma excepção de ilegitimidade processual da Requerente que tivesse sido invocada (mas não foi).

Por outro lado, uma vez que a competência dos Tribunais arbitrais se circunscreve, no que é aqui relevante, à avaliação de actos de liquidação, os actos de repercussão são, qua tale, inarbitráveis – restando, como únicos factos relevantes para apurar a legitimidade da Requerente para impugnar os actos de liquidação da CSR, os referentes às relações estabelecidas com os sujeitos passivos que intervieram nesses actos.

Além disso, havendo um regime especial de revisão no CIEC, para o qual remetia o art. 5º, 1 da Lei n.º 55/2007, que criou a CSR, o círculo dos potenciais impugnantes dos actos de liquidação da CSR tenderá a convergir com o círculo dos potenciais credores do reembolso delimitado no art. 15º, 2 do CIEC: “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto”; ou seja: “o depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado”, ou ainda “a pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação”. Esses círculos de legitimidade tenderão a convergir, mas não necessariamente a coincidir, visto que, como é óbvio, um pedido de revisão não se confunde com um pedido de reembolso – até porque ambos podem cumular-se.

Em todo o caso, impressiona a circunstância de o art. 15º, 2 do CIEC se ter mantido inalterado ao longo da história desse Código, e de os arts. 15º, 2 e 4º, 1 e 2, a) só terem sofrido, também eles, uma única alteração substancial, o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva” – o que só pode significar que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.

Querendo isto dizer, muito pragmaticamente, que só os sujeitos passivos aí identificados, e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre erros na liquidação.

O entendimento subscrito quanto à ausência, no caso, de substituição tributária prejudica amplamente a atribuição de relevância à repercussão económica deste tributo (e a questão da retroactividade “interpretativa”, dada a inconstitucionalidade, prejudica o alcance da respectiva requalificação como “repercussão legal”).

Se assim não fosse, poderíamos admitir que, tendo havido repercussão plena, e provando-se essa repercussão plena (ou não se ilidindo uma eventual presunção de repercussão plena), fossem os repercutidos a ter legitimidade para impugnar os actos que concretizassem a repercussão, ou os actos que a antecedessem (através dos arts. 18º, 4, a), 54º, 2, 65º e 95º, 1 da LGT, e 9º, 1 e 4 do CPPT): pois, num caso desses, apenas o repercutido seria afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo, e o substituto só teria legitimidade na medida em que não tivesse repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade (por analogia com o estabelecido no art. 132º do CPPT) – podendo haver concorrência de legitimidades, a reclamar a solução do litisconsórcio necessário, embora não pela via da intervenção provocada (arts. 33º e 316º, 1 do CPC), que não se afigura admissível no contencioso arbitral tributário, na medida em que a intervenção em processos arbitrais, dada a natureza destes, estará restrita a duas hipóteses: a apresentação voluntária ou um requerimento de intervenção espontânea.

Sem esquecermos que o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (art. 9º, 1 e 4 do CPPT). No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E o art. 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.

Tratando-se, no caso presente, de sujeito passivo originário, não se coloca, em relação à Requerente, a questão de saber se se constituiu uma relação jurídico-tributária com o credor tributário Estado, como se colocaria se se tratasse de sujeitos derivados, a qualquer título; nem é preciso apelar, como o seria neste segundo caso, à noção de “interesse legalmente protegido” para conferir à Requerente uma legitimidade, via arts. 9º, 1 e 4 do CPPT e 18º, 3 da LGT.

No entanto, afigura-se claro que a CSR não constituía, à data dos factos, um caso de repercussão legal: a Lei n.º 55/2007, que instituiu a CSR, não contemplava qualquer mecanismo de repercussão legal, e nem sequer de repercussão meramente económica – ainda que se saiba que, dado o seu escopo lucrativo, as empresas tendem a repassar para os adquirentes, através dos preços, uma parte dos gastos em que incorrem, entre eles também, mas não exclusivamente, os gastos tributários. É verdade que, como repetidamente temos referido, entretanto a repercussão legal veio a ser associada ao ISP e à CSR, por força da nova redacção do CIEC introduzida pela Lei n.º 24-E/2022, com uma pretensão de retroactividade, acrescentada pelo facto de se atribuir natureza interpretativa a essa nova redacção do art. 2º do CIEC (art. 6º da Lei nº 24-E/2022).

Só que, por um lado, essa solução é problemática, não apenas porque não é pacífico que seja possível ou juridicamente admissível uma retroactividade desse género, e através desse artifício, mas também porque uma tal solução lança a AT para os domínios de uma contradição flagrante na abordagem processual deste tema – como se verá adiante.

Por outro lado, essa nova “repercussão legal”, se fosse válida, surgiria desacompanhada de meios de controlo e prova que permitiriam a sua gestão e a dissuasão de abusos, como por exemplo ocorre com a repercussão legal prevista no art. 37º do CIVA, que, essa sim, surge acompanhada de mecanismos adequados para esses efeitos.

Seja como for, insistamos: mesmo que tivesse ocorrido repercussão plena da CSR, mesmo que se tivesse provado essa repercussão plena, mesmo que se excluíssem efeitos da CSR sobre o volume de vendas da Requerente independentemente da repercussão, a ponto de ficar estabelecido que o encargo do tributo foi completa e rigorosamente transferido da Requerente para as suas contrapartes, ainda assim a legitimidade procedimental e processual destas últimas dependeria, em primeiro lugar, da demonstração de um interesse legalmente protegido, nos termos e para os efeitos do art. 9º do CPPT; e dependeria ainda, consequentemente, da demonstração de que estas foram os consumidores finais de combustíveis sobre os quais recai, ou deve recair, o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo – ou seja, da demonstração de que estas últimas, por sua vez, não constituíram um simples elo intermédio do circuito económico, ou seja, não repercutiram economicamente a jusante, elas próprias, a CSR “embutida” no preço, repassando o encargo económico do tributo para a sua própria clientela.

Ou seja, mesmo a ter havido repercussão, devidamente comprovada, isto não retiraria parcialmente à Requerente legitimidade processual nem a atribuiria aos repercutidos, a menos que estes demonstrassem, para adquirirem legitimidade concorrente e residual:

  1. a existência de um interesse directo e legalmente protegido na sua esfera – não bastando a invocação e comprovação, pelos repercutidos, da existência de uma repercussão, fosse ela legal, fosse ela meramente económica;
  2. a ausência de repercussão a jusante no circuito económico, pelos próprios repercutidos, através do preço de bens e serviços entregues ou prestados à sua clientela.

Mas nunca retiraria completamente à Requerente, como sujeito passivo, a sua legitimidade processual, visto que – insista-se – não ocorria na CSR, à data dos factos, repercussão legal[4].

A complicar este raciocínio está o facto de a Lei n.º 55/2007 não fazer qualquer referência a quem deve suportar, do ponto de vista económico, o encargo da CSR, mas apenas estabelecer, no seu art. 5º, 1, que “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”.

Ou seja, como assinalado antes, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, não remetendo, o referido art. 5º, 1, para o art. 2º do CIEC, no qual se prevê a repercussão legal nos IEC, mas somente para as normas do CIEC que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.

Mas compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura dessa legitimidade suscitaria:

  • quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão económica e a determinação do seu quantum;
  • quer no potencial de multiplicação de devoluções de imposto indevido – simultaneamente ao sujeito passivo e aos múltiplos repercutidos económicos dentro da cadeia de valor – de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

Sobre esta segunda consequência, não podemos deixar de referir advertências formuladas recentemente:

o parque automóvel português é composto por 6,5 milhões de veículos ligeiros, a que acrescem 500 mil veículos pesados, num total de cerca de 7 milhões de veículos em circulação. [§] Se, por hipótese, admitirmos que cada automobilista fará, relativamente à CSR, um “pedido de revisão do ato de liquidação” e considerando que podem ser revistos os atos de liquidação relativos aos últimos quatro anos, temos que este contencioso poderá somar 28 milhões de processos![5]

A ter havido um qualquer grau de repercussão económica, nada impede os repercutidos, não obstante a sua ilegitimidade activa no presente Processo, de buscarem o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra a Requerente, seja nos termos gerais do Direito nacional, seja, a nível europeu, nos termos declarados pelo TJUE em Acórdão de 20 de Outubro de 2011 (Proc. C-94/10, Danfoss A/S (§§ 24 a 29) – preservando-se, por qualquer das vias, o princípio fundamental da tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da CRP).

Não esqueçamos que, a ter havido verdadeira repercussão, mesmo repercussão plena, entre o terceiro repercutido e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do imposto, não nascendo a sua obrigação da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de repercutir, que cabe ao sujeito passivo, e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito.

Daqui decorre que as relações entre o sujeito passivo e qualquer repercutido se regem pelo Direito Privado – uma razão suplementar, para lá do que consta dos arts. 2º a 4º do RJAT, para se sustentar a incompetência do Tribunal arbitral para se envolver na ponderação dessas relações “repercutente - repercutido”, e respectivas implicações – isto, não obstante dever enfatizar-se que a circunstância de o repercutido estar à margem da relação jurídica tributária não significa que ele esteja à margem do Direito, e não lhe assista alguma protecção, ainda que num plano subalterno face à tutela reservada aos sujeitos passivos (como resulta do disposto na LGT – por exemplo, do art. 18º, 4, a), em casos de repercussão legal – ou do art. 9º, 1 do CPPT, mediante prova de “interesse legalmente protegido”).

Não consta do RJAT a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, como previsto no art. 29º, 1, do RJAT, em concreto, e de acordo com a natureza dos casos omissos, das normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.

A regra geral do direito processual, que consta do art. 30º do CPC, é a de que é parte legítima quem tem “interesse directo” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida” – sendo a mesma regra reproduzida no processo administrativo, conferindo-se legitimidade activa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (art. 9º, 1 do CPTA).

A legitimidade no processo decorre do conceito central de “relação material”, que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um acto tributário, cujo sujeito passivo é delimitado nos termos do art. 18º, 3 da LGT.

Deste preceito resulta que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade do repercutido só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido.

No art. 5º, 1 da Lei n.º 55/2007, como referimos já, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, nem sequer no art. 3º, 1, quando estabeleceu que a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis” – sendo ainda que, como referimos também, a remissão para o CIEC, na Lei n.º 55/2007, é expressamente circunscrita aos procedimentos de “liquidação, cobrança e pagamento”.

De tudo isto decorre que compete à AT demonstrar, nos procedimentos administrativos ou nas acções instauradas pelos sujeitos passivos da CSR, que se verificou a repercussão efectiva e completa do imposto sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional para, desse modo, evitar um reembolso do imposto indevidamente liquidado que redundasse em enriquecimento sem causa de sujeitos passivos “repercutentes” e na possibilidade de um duplo reembolso do imposto – que ocorreria se, na ausência de litisconsórcio, os repercutidos lograssem demandar com sucesso a AT para tutela do “interesse legalmente protegido” de não serem o suporte fáctico do encargo económico de um tributo indevido, porque ilegal.

É pelo facto de os sujeitos passivos da CSR serem partes inequivocamente legítimas que, nos casos em que os Requerentes não têm essa qualidade de sujeitos passivos, invocando a de “repercutidos”, a AT tem reagido com a invocação do litisconsórcio necessário, suscitando o incidente de intervenção provocada – que, como vimos, deve entender-se excluída do âmbito dos processos arbitrais –, mas deixando claro que, no entender da AT, sem a intervenção dos sujeitos passivos, dada a própria natureza da relação jurídica, a decisão a proferir não produzirá o seu efeito útil normal, deixando de ser possível a composição definitiva dos interesses em causa (art. 33º, 2 do CPC). Isto, sem embargo de poder discordar-se da pertinência da invocação de litisconsórcio necessário, impondo-se a constatação de que as entidades repercutentes e repercutidas têm diferentes interesses em demandar e quanto a elas não se verifica qualquer dos critérios legais que justificam o litisconsórcio necessário.

Há mais uma diferença entre sujeitos passivos e terceiros “repercutidos” que não podemos deixar de mencionar, em apoio da legitimidade processual da ora Requerente: tem sido comum que a AT invoque, nos processos referentes à CSR, a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral (susceptível de causar uma nulidade insanável, nos termos do art. 98º, 1, a) do CPPT), essencialmente por falta de identificação dos actos a impugnar, como o determina o art. 10º, 2, b) do RJAT – especificamente quando os requerentes são repercutidos, e os actos a impugnar envolvem a análise dos contornos, e efeitos, da repercussão (como, por exemplo, os dados e valores que permitam estabelecer a correlação entre os actos de liquidação praticados a montante pelos fornecedores de combustíveis / “percutentes”, sujeitos passivos do imposto, e as facturas de compra emitidas, a jusante, aos seus clientes / “repercutidos”).

No fundo, trata-se de arguir, no âmbito processual tributário, a falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir, nos termos do art. 186º, 1, a) do CPC, ou a falta de requisitos enumerados no art. 78º, 2 do CPTA.

A AT tem tido esta reacção habitualmente depois de notificada e antes da constituição do tribunal arbitral, tendo o CAAD, invariavelmente, remetido a ponderação de um tal incidente à competência do próprio tribunal arbitral a constituir, o qual deve apreciá-la como questão prévia, prejudicial da pronúncia sobre o mérito.

A razão para a AT suscitar essa questão está claramente ligada ao problema que mencionámos: pode ser impraticável fazer prova de quais são os actos de liquidação específicos dos quais derivam, a jusante, cada uma das transacções que, após a introdução no consumo, acarretam a repercussão económica por meio da incorporação do tributo nos preços – sendo portanto razoável admitir-se que, por um conjunto de circunstâncias, os repercutidos não reúnam condições para identificar os actos de liquidação, de modo a poderem solicitar a respectiva revisão.

Daí que, no presente processo, a AT não tenha seguido por esse caminho – o que autoriza a interpretação de que terá concluído que, sendo a Requerente o próprio sujeito passivo da relação tributária, que declarou os produtos para consumo, a quem foi liquidado o imposto, e que efectuou o correspondente pagamento, a Requerente está em condições de proceder a uma identificação completa, e documentada, dos actos de liquidação específicos que ela pretende impugnar (por exemplo, relacionando os DIC com as facturas das vendas de combustível, e com as liquidações que sobre eles recaíram); e pode também significar que a AT subscreve a ideia de que a legitimidade para solicitar o reembolso, centrada na figura do sujeito passivo (aquele que declarou os produtos para consumo e efectuou o pagamento das imposições correspondentes), seja a matriz da legitimidade para solicitar a revisão das liquidações – ainda que, de novo, ambas não se confundam.

A confirmar os receios que justificam a atitude defensiva de invocação, ainda na fase procedimental, da ineptidão do pedido de pronúncia, já ocorreu que Requerentes “repercutidos” argumentem que, não sendo eles os sujeitos passivos do imposto, nem os directos responsáveis pela sua liquidação, mas apenas as entidades que suportam o encargo por efeito da repercussão, não lhes compete o ónus de identificação e de comprovação dos actos de liquidação repercutidos, nem a prova da conexão entre os actos de liquidação e as facturas de compra que revelam a repercussão do imposto – até por assumida impossibilidade de obterem elementos de informação que estão na posse, não deles, mas do sujeito passivo do imposto.

 

V.B.4. A retroactividade de normas interpretativas – e uma incongruência

 

Já assinalámos a entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (Altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262).

O art. 3º dessa Lei dá nova redacção ao art. 2º do Código dos IEC:

(…) Os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

E o art. 6º dessa Lei nº 24-E/2022 estabelece o seguinte:

A redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC tem natureza interpretativa.

O tema, há muito controvertido, das leis interpretativas na lei fiscal permite dois caminhos para uma tal lei:

  1. o de tornar certo direito que era incerto, aclarando ou declarando direito preexistente, preenchendo alguma lacuna, caso em que temos uma retroactividade puramente formal;
  2. o de modificar direito preexistente e certo, intervindo em disputas doutrinárias ou jurisprudenciais, violando expectativas quanto à continuidade desse direito preexistente, colidindo com prerrogativas jurisdicionais, caso em que temos retroactividade material.

Deste modo, leis e normas autodeclaradas como interpretativas, mas que sejam inovadoras, são materialmente retroactivas.

Ora, como lapidarmente se estabelece no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021, Proc. nº 843/19,

a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição”.

A Requerente encara a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, como um reconhecimento da invalidação da CSR pelo TJUE, e a consequente ilegalidade da CSR – e daí a abolição da CSR através da sua “reincorporação” no ISP, consumada naquele diploma.

Por seu lado , para a Requerida, a Lei nº 24-E/2022 determina que a repercussão dos IEC nos consumidores é um efeito legal, ou seja, passa a presumir-se “iuris et de iure” que a repercussão é inerente à tributação especial do consumo – sustentando a Requerida que a retroacção que essa norma interpretativa acarreta terá necessariamente de se fazer sentir nos casos pendentes, como nos presentes autos, tendo por único limite as sentenças transitadas em julgado.

Só que essa leitura do art. 6º da Lei nº 24-E/2022 é inconstitucional, como resulta claramente do supracitado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021.

Além disso, mesmo que essa leitura não fosse inconstitucional, ainda assim ficariam por satisfazer alguns dos critérios estabelecidos no despacho de 7 de Fevereiro de 2022 do TJUE: nomeadamente, ficaria por realizar-se a comprovação da repercussão efectiva da CSR nos consumidores através da subida de preços; e, por implicação, a comprovação da medida efectiva do enriquecimento sem causa, se este existisse e pudesse ser provado.

Adicionalmente, e em observância da jurisprudência do TJUE (Acórdão Weber’s Wine World, Proc. nº C-147/01, Ponto nº 95), faltaria ainda uma norma interna que permitisse à Requerida fazer uso da excepção do enriquecimento sem causa para afastar o direito ao reembolso de um imposto cobrado em violação do Direito Europeu, norma essa que encontramos no Código do IVA, mas que não se encontra no Código dos IEC – uma razão adicional para não se poder excepcionar ao reembolso da CSR indevida, porque uma tal atitude de “excepção sem lei” constituiria violação do princípio da legalidade tributária consagrado no art. 103.º da CRP.

Esta a questão jurídica em torno do tema da retroactividade, cuja solução destrói os propósitos do expediente de recurso a normas “interpretativas” para resolver um problema jurídico, e interferir na adjudicação judicial e arbitral de interesses em processos já em curso.

Só que aqui se revela, adicionalmente, uma incongruência, que convirá analisar, até porque ela tem, também ela, efeitos favoráveis à legitimidade da Requerente, seja para peticionar a invalidade das liquidações de CSR, seja para requerer o correspondente reembolso.

Comecemos por repetir a advertência que transcrevemos antes:

o parque automóvel português é composto por 6,5 milhões de veículos ligeiros, a que acrescem 500 mil veículos pesados, num total de cerca de 7 milhões de veículos em circulação. [§] Se, por hipótese, admitirmos que cada automobilista fará, relativamente à CSR, um “pedido de revisão do ato de liquidação” e considerando que podem ser revistos os atos de liquidação relativos aos últimos quatro anos, temos que este contencioso poderá somar 28 milhões de processos![6]

Recapitulemos que o problema aconselha que se evite a duplicação de reembolsos, seja fazendo convergir o direito ao reembolso com o direito à revisão, seja lançando-se mão da figura do litisconsórcio necessário, sempre que se trate de pedidos de pronúncia apresentados por operadores económicos que não sejam os sujeitos passivos da relação tributária, invocando somente a condição de “repercutidos” – o que não é o caso nos presentes autos.

Se não for assim, e se se admitir que a invocação de ilegalidade de liquidações de CSR assentes nas DIC apresentadas pelas fornecedoras de combustíveis possa alastrar irrestritamente àqueles que invoquem a repercussão dessas liquidações, então será difícil evitar a duplicação, ou multiplicação, de reembolsos, e um eventual locupletamento repartido entre repercutentes e repercutidos, passando a fazer todo o sentido a advertência antes transcrita.

Outra forma de reagir é a que acabámos de classificar como inconstitucional – a introdução retroactiva de uma “repercussão legal” como forma de travar indiscriminadamente os reembolsos aos sujeitos passivos, reservando os reembolsos apenas aos “repercutidos”.

E há ainda a forma incongruente de reagir a esse perigo, e que consiste em, ao mesmo tempo:

  • invocar a repercussão contra os próprios sujeitos passivos da CSR, alegando que, tendo ocorrido essa repercussão, esses sujeitos enriqueceriam sem causa se lhes fosse reembolsado o tributo;
  • não reconhecer legitimidade activa aos repercutidos, independentemente da comprovação de uma repercussão económica completa, invocando o litisconsórcio necessário com os repercutentes, insistindo no chamamento à demanda destes sujeitos passivos.

Desta combinação de reacções – insistir na repercussão e depois negar-lhe efeitos – pode resultar um obstáculo importante à possibilidade de duplicação de reembolsos, mas resulta também uma atitude incongruente, claramente incongruente, da Requerida, a AT.

Pode, com efeito, admitir-se que a AT insista em demarcar um círculo estrito de legitimidade activa – nomeadamente assumindo que apenas os sujeitos passivos que declararam a introdução dos produtos para consumo, e efectuaram o pagamento do imposto, podem solicitar a anulação das liquidações e o reembolso por erro na liquidação.

Mas não pode admitir-se que a AT, esgrimindo o argumento da repercussão – o mesmo argumento que recusa aos repercutidos – procure furtar-se a reembolsar o imposto, seja aos sujeitos passivos que pagaram o imposto, seja aos repercutidos sobre os quais tenha comprovadamente recaído, seja parte, seja a totalidade, do suporte económico daquele pagamento.

Negando-se injustificadamente a reembolsar um imposto ilegal, será o Estado a locupletar-se, sem causa, com receitas tributárias indevidas.

É verdade que, não obstante o apoio genérico que é concedido por lei à posição dos repercutidos, o simples ónus probatório que sobre eles recai pode ser muito oneroso, a ponto de se revelar impraticável – bastando pensarmos que as repercussões são eventuais efeitos de transacções que ocorrem após a introdução no consumo, a jusante dos sujeitos passivos na relação de imposto, independentemente do número de clientes ou de intervenientes na cadeia de abastecimento e comercialização, pelo que cada uma dessas transacções não tem que ter por base um acto de liquidação específico, o que pode inviabilizar, completa e definitivamente, a identificação, em concreto, do acto tributário que lhe está subjacente.

É razoável, assim, o argumento de que somente o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo, a quem foi liquidado o imposto e que efectuou o correspondente pagamento, reúne condições para identificar, com facilidade e segurança, os actos de liquidação, para solicitar a respectiva revisão com vista ao reembolso dos montantes cobrados – sendo que essa informação escapa, em princípio (salvo contraprova), aos repercutidos a jusante dessas entidades responsáveis pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR.

O que é reprovável, e causa perplexidade, é a dualidade de critérios, e a evidente incongruência da argumentação, que podemos formular ainda de outro modo:

  • Nos processos arbitrais em que sejam Requerentes os sujeitos passivos, a AT defende a ilegitimidade processual deles, na medida em que o encargo da CSR é, na verdade, suportado pelo consumidor dos combustíveis.
  • Nos processos arbitrais em que sejam Requerentes os consumidores finais dos combustíveis, a AT sustenta que estes não têm legitimidade, por não serem os sujeitos passivos do tributo, reclamando-se a presença, no processo, desses sujeitos passivos “repercutentes”.

Quando, na verdade, e como ficou estabelecido no Despacho do TJUE proferido no Proc. nº C-460/21, o reembolso duplicado, ou multiplicado, é evitado pela prova, ou falta de prova, da repercussão: se não tiver havido repercussão ou ela não for provada, só o sujeito passivo tem direito ao reembolso; se tiver havido repercussão completa, e esta for provada, e não existirem efeitos comprovados ao nível de “volume de vendas”, só o repercutido terá direito ao reembolso; e o reembolso será parcial, e reverterá para o sujeito passivo, em caso de ter havido, e ser comprovada, uma repercussão parcial:

“(…) um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido.” [§ 42]

 

V.B.5. O direito a juros indemnizatórios.

 

A Requerente solicitou ainda o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos arts. 24.º do RJAT, 35.º, 43.º e 100.º da LGT, 61.º do CPPT, 559º do Código Civil; e ainda nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

Decorre do art. 43º, 1 da LGT que são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

O tribunal arbitral não é apenas competente para apreciar a legalidade de actos de liquidação de impostos, cabendo-lhe ainda algumas atribuições que se enquadram no âmbito da execução de sentença - porque constitui um efeito da decisão arbitral de procedência que a AT deva praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto impugnado, e restabelecer a situação que existiria se esse acto não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).

Essa é, por outro lado, a necessária decorrência do dever de execução de sentenças de anulação de actos administrativos (art. 179º do CPTA), que se torna extensivo, nos mesmos exactos termos, às situações em que haja lugar à anulação administrativa por iniciativa da Administração, ou a requerimento do particular (art. 172º do CPA).

No caso, a Requerente veio deduzir um pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, mas esse é um pedido meramente acessório, e condicionado à declaração de ilegalidade dos actos tributários impugnados, não assumindo a natureza de um pedido autónomo de condenação na prática de acto devido, ou de reconhecimento de direitos legalmente protegidos que extravase o âmbito de competência material do tribunal arbitral. 

Por conseguinte, o tribunal arbitral não está impedido de incluir, no dispositivo, as cominações meramente consequenciais da declaração de ilegalidade do acto tributário.

De harmonia com o disposto no art. 24º, 1, b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto no art. 29º, 1, a) do RJAT.

Nos termos do art. 24º, 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

Tudo isso condicionado pela existência, ou não, de erro imputável aos serviços.

Mas já concluímos que se verifica, neste caso, ilegalidade abstracta das liquidações de CSR, em virtude da sua desconformidade com o Direito da União Europeia, o que se traduz na existência de erro imputável aos serviços.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, e em aplicação do art. 24º, 1, b) e 5 do RJAT, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Nos casos de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto no art. 43º, 3, c) da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente.

No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 15 de Julho de 2022, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 16 de Julho de 2023, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

V.B.6 – Conclusões

 

Pelo exposto, a CSR, na versão da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, vigente à data dos factos, não prossegue “motivos específicos”, na acepção do artigo 1.°, 2, da Directiva 2008/118 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficientes, para estabelecer uma relação directa entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental enunciados naquele quadro normativo.

Consequentemente, as liquidações emitidas enfermam de vício de violação de lei, decorrente da ilegalidade, por incompatibilidade das normas dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, nas redacções vigentes à data dos factos, com o artigo 1º, 2, da Diretiva 2008/118/CE, sendo que esta ilegalidade justifica a anulação das liquidações, nos termos do artigo 163º, 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c), da LGT.

 

V.B.7 – Aplicação uniforme do Direito.

 

Na fundamentação da decisão, e em obediência ao princípio geral consagrado no art. 8º, 3 do Código Civil, seguimos de perto as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.os 564/2020-T, 304/2022-T, 305/2022-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T, 296/2023-T, 298/2023-T, 332/2023-T, 374/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 409/2023-T, 410/2023-T, 465/2023-T, 486/2023-T, 490/2023-T, 523/2023-T e 534/2023-T, todos do CAAD[7].

 

V.B.8 – Questões prejudicadas.

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, pela ordem disposta pelo art. 124º do CPPT, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT.

 

VI. Decisão

 

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando ilegais e anulando parcialmente as liquidações de ISP e CSR n.º 2020/..., de 12.02.2020, n.º 2020/..., de 12.03.2020, n.º 2020/..., de 14.04.2020, n.º 2020/..., de 12.05.2020, n.º 2020/..., de 12.06.2020, n.º 2020/..., de 15.07.2020, n.º 2020/..., de 13.08.2020, n.º 2020/..., de 14.09.2020, n.º ..., de 12.10.2020, n.º 2020/..., de 14.12.2020 e n.º 2020/..., de 12.01.2021, na parte relativa à CSR;
  2. Declarar ilegal, e anular, o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as referidas liquidações;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição da importância indevidamente recebida com base nessas liquidações, no montante total de € 6.854.862,60 (seis milhões, oitocentos e cinquenta e quatro mil, oitocentos e sessenta e dois euros e sessenta cêntimos);
  4. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde 16 de Julho de 2023 até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

VII. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 6.854.862,60 (seis milhões, oitocentos e cinquenta e quatro mil, oitocentos e sessenta e dois euros e sessenta cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, 1, a), do RJAT e art.º 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Lisboa, 5 de Março de 2024

                                                                                                                

Os Árbitros

 

Fernando Araújo

 

João Taborda da Gama

   

Miguel Patrício

 

 



[1] Sérgio Vasques (2015), Manual de Direito Fiscal, Coimbra, p. 287.

[2] Casalta Nabais, José (2019), Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Coimbra, Almedina, p. 15.

[3] Cfr. “Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) – Fondazione Santa Lucia”, Proc. C-189/15, Acórdão de 18 de Janeiro de 2017, §29; “Test Claimants in the FII Group Litigation”, Proc. C-446/04, Acórdão de 12 de Dezembro de 2016, §107.

[4] A jurisprudência do STA já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tinha legitimidade para impugnar a respectiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (cfr. Acórdão de 1 de Outubro de 2003, Proc. n.º 0956/03).

[5] “A Contribuição de Serviço Rodoviário e a Legitimidade Processual dos Consumidores Finais”, e “A Contribuição de Serviço Rodoviário: Enquadramento e Desenvolvimentos Recentes”, edições de Agosto de 2022 e de Março de 2023 da Newsletter do Tax Litigation Team encabeçado por Rogério Fernandes Ferreira, disponível em https://www.rfflawyers.com/pt/know-how/newsletters/a-contribuicao-de-servico-rodoviario-e-a-legitimidade-processual-dos-consumidores-finais/4579/ e em

https://www.rfflawyers.com/pt/know-how/newsletters/a-contribuicao-de-servico-rodoviario-enquadramento-e-desenvolvimentos-recentes-marco-2023/4755/

[6] “A Contribuição de Serviço Rodoviário e a Legitimidade Processual dos Consumidores Finais”, e “A Contribuição de Serviço Rodoviário: Enquadramento e Desenvolvimentos Recentes”, edições de Agosto de 2022 e de Março de 2023 da Newsletter do Tax Litigation Team encabeçado por Rogério Fernandes Ferreira.

[7] Processos n.os 564/2020-T (Carlos Fernandes Cadilha, Elisabete Louro Martins, Arlindo José Francisco), 304/2022-T (Nuno Cunha Rodrigues, Nina Aguiar, António de Melo Gonçalves), 305/2022-T (Manuel Macaísta Malheiros, Luís Menezes Leitão, Jesuíno Alcântara Martins), 644/2022-T (Fernando Araújo, Nina Aguiar, Francisco Carvalho Furtado), 665/2022-T (Regina de Almeida Monteiro, Alberto Amorim Pereira, António Manuel Melo Gonçalves), 702/2022-T (Fernando Araújo, Catarina Belim, António A. Franco), 24/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Raquel Franco, Nina Aguiar), 113/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Sílvia Oliveira, Eva Dias Costa), 294/2023-T (Jorge Lopes de Sousa, Fernando Miranda Ferreira, Catarina Belim), 296/2023-T (Victor Calvete, Luís Menezes Leitão, Marcolino Pisão Pedreiro), 298/2023-T (José Poças Falcão, Maria Alexandra Mesquita, António A. Franco), 332/2023-T (Victor Calvete, José Nunes Barata, João Menezes Leitão), 374/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Magda Feliciano, Pedro Miguel Bastos Rosado), 375/2023-T (Alexandra Coelho Martins, Miguel Patrício, Maria do Rosário Anjos), 408/2023-T (Alexandra Coelho Martins, Tomás Cantista Tavares, Marcolino Pisão Pedreiro), 409/2023-T (Victor Calvete, Marisa Isabel Almeida Araújo, Ana Rita do Livramento Chacim), 410/2023-T (Jorge Lopes de Sousa, Sílvia Oliveira, Marta Vicente), 465/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Rui Marrana, António Franco), 486/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Maria Alexandra Mesquita, António Franco), 490/2023-T (Victor Calvete, Hélder Faustino, Amândio Silva), 523/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, João Taborda da Gama, Miguel Patrício), 534/2023-T (Sílvia Oliveira).