DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 403/2014 – T
Tema: IVA – direito à dedução; artigo 21º do CIVA
I – RELATÓRIO
1. Em 27 de Maio de 2014 a sociedade “A”, S.A., titular do número de identificação fiscal …, com sede na Rua …, n.º …, …-… Lisboa (doravante designada por “Requerente”), submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à obtenção de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa com o n.º …, e consequentemente, os actos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.os … e …, referentes ao exercício de 2010, no valor de € 23.431,00 (vinte e três mil, quatrocentos e trinta e um euros), e de juros compensatórios n.os … e …, na quantia de € 2.239,90 (dois mil, duzentos e trinta e nove euros e noventa cêntimos), que totalizam um valor de € 25.670,90 (vinte e cinco mil, seiscentos e setenta euros e noventa cêntimos).
2. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro.
3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro único o signatário Jorge Carita, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
4. O tribunal arbitral ficou constituído em 30 de Julho de 2014.
5. Em 19 de Setembro de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou resposta.
6. Na mesma data da resposta a Requerida procedeu à junção do processo administrativo instrutor.
7. A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada pelas Partes.
8. A Requerente e a Requerida também dispensaram a apresentação de alegações escritas.
9. A posição da Requerente, expressa no pedido de pronúncia arbitral é, em resumo, a seguinte:
9.1. As correcções propostas pelos Serviços de Inspecção em sede de IVA resumem-se à desconsideração de deduções de IVA suportado pela Requerente com a realização de eventos promocionais e publicitários, no valor de € 23.431,00, respeitante ao IVA relativo ao Lançamento …, no valor de € 20.967,00 e à Entrega dos prémios …, no valor de € 2.464,00.
9.2. A Requerente discorda desta posição assumida pela AT, e apesar de ter procedido ao pagamento integral das liquidações adicionais e de juros compensatórios, considera que estas assentam num erro sobre os pressupostos de aplicação do artigo 21.º do Código do IVA.
9.3. Afirma a Requerente que o seu objecto consiste na “Distribuição de …, bem como a prestação de outros serviços acessórios ou complementares”, promovendo, no âmbito da prossecução da sua actividade, a realização de importantes eventos com o propósito de se publicitar e promover (actividade em que suporta custos acrescidos de IVA).
9.4. No caso do evento “…”, no que respeita ao motivo para a sua realização, assume-se “(…) como um projecto pioneiro – não só em Portugal como no Mundo – que visa dotar a … de informação e equipamentos capazes de automatizar a gestão das redes, melhorar a qualidade de serviço, diminuir os custos de operação, promover a eficiência … e a sustentabilidade ambiental e potenciar a penetração das energias renováveis.”.
9.5. No que respeita ao evento “…”, assume-se como “(…) manifestação do papel dinamizador da “A” no contexto de práticas de eficiência .. junto do consumidor final.”, distinguindo “(…) as instituições utilizadoras da … de distribuição que demonstrem ter conseguido optimizar a eficiência … no respeito pelos valores do ambiente.”.
9.6. Refere a Requerente que os eventos mencionados, determinam a necessidade de incorrer em despesas acessórias com aqueles e que “(…) compreenderam, designadamente, a preparação dos espaços onde o evento iria decorrer, bem como catering.”.
9.7. Deste modo, os eventos em causa inserem-se em acções de divulgação e promoção da imagem da Requerente e nessa medida intrinsecamente conexionados com a prossecução da sua actividade.
9.8. Referindo a Requerente ainda que, se tais despesas não se consideram alheias à actividade exercida, contribuindo para a sua prossecução, ao serem subsumíveis a despesas de publicidade, não vê por que razão haverá de ser questionado o direito à dedução do IVA.
9.9. Por todo o exposto, tendo a AT fundamentado no artigo 21.º do Código do IVA os actos de liquidação, estes padecem de vício de violação da lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, uma vez que se está perante despesas com fins publicitários, violando assim o disposto no artigo 20.º do Código do IVA e o artigo 73.º da LGT. Neste sentido pronunciou-se já o Tribunal Arbitral no âmbito do Processo n.º 238/2013-T, onde se discutiu matéria em tudo semelhante à aqui em apreço.
9.10. Quanto à liquidação de juros compensatórios, a Requerente refere que estes estão numa relação de acessoriedade com a liquidação de imposto. No caso concreto, numa circunstância em que as liquidações adicionais de IVA se encontram inquinadas de vícios que afectam a sua validade, esses vícios comunicam-se às correspondentes liquidações de juros compensatórios, uma vez que estas não podem existir sem aquelas.
9.11. Assim, para além da restituição do montante do imposto liquidado pela Requerente, no valor de € 23.431,00, devem também ser restituídos os juros compensatórios no montante de € 2.239,90.
9.12. Por último, ficando provada a ilegalidade das liquidações adicionais de IVA que já se encontram pagas, a Requerente entende que tem direito a juros indemnizatórios.
10. A posição da entidade Requerida expressa na resposta é, em síntese abreviada, a seguinte:
10.1. Na verdade, a Requerente invoca erro sobre os pressupostos na aplicação do artigo 21.º do Código do IVA, alegando que os eventos em causa inserem-se em ações de divulgação e promoção da imagem daquela e, nessa medida, estão intrinsecamente relacionados com a prossecução da sua atividade e, sendo o fim prosseguido pela norma o de evitar a fraude fiscal e admitindo a presunção de não afetação a operações tributadas prova em contrário, haverá que determinar, no caso concreto, a finalidade com que os serviços foram adquiridos no sentido de aferir o carácter dedutível (ou não) do IVA incorrido.
10.2. Tais argumentos, no entender da Requerida, são manifestamente improcedentes.
10.3. Efetivamente, a norma do artigo 21.º do CIVA exclui o direito à dedução de certas despesas que, atenta a sua natureza, permitem presumir que estas possam ser aproveitadas para a satisfação de necessidades particulares. O que significa que o legislador, embora admita que os bens ou serviços identificados no n.º 1 possam destinar-se a fins empresariais, ao reconhecer como difícil o controlo da sua utilização, optou por excluir a possibilidade de deduzir o IVA respectivo, evitando, assim, a possibilidade de fraude. Por isso, as situações aí expressas de exclusão do direito à dedução são excepcionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, independentemente da sua utilização.
10.4. Para além de que, no que respeita às exclusões à dedução plasmadas no artigo 21.º do Código do IVA, o TJUE tem defendido que “a margem de aplicação concedida aos Estados membros no que se reporta à aplicação das exclusões é ampla, apenas tendo como limite o caso em que um Estado membro tenha acabado por excluir a quase totalidade dos bens e serviços do sistema do direito à dedução, esvaziando de conteúdo a Directiva.”.
10.5. E assim, a legislação portuguesa, está conforme a Sexta Directiva (que instituiu o IVA), existindo uma restrição do direito à dedução que respeita a determinados bens específicos, cujas particularidades têm o mérito de sustentar tal limitação, a qual, desde logo, pode não ser integral, como sucede no caso em apreço, em que a dedução pode ser feita numa proporção de 50%, uma vez cumpridos certos pressupostos.
10.6. Entende ainda que o regime invocado pela Requerente constante do artigo 73.º da LGT, apenas se aplica às normas de incidência tributária e não às normas relativas ao direito à dedução do IVA, como é o caso dos autos.
10.7. A Requerida concluiu pela improcedência total do pedido de pronúncia arbitral formulado, sendo evidente a conformidade legal do acto objecto dos presentes autos.
II – QUESTÕES DECIDENDAS
11. Em face do exposto, nos números anteriores, a principal questão a decidir é a seguinte:
a) A decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º … e os subjacentes actos tributários de liquidação adicional de IVA n.os … e …, e de juros compensatórios n.os … e … referentes ao exercício de 2010, no valor global de € 25.670,90, dizendo € 23.431,00 respeito às liquidações adicionais e € 2.239,90 a juros compensatórios, da autoria do Ministério das Finanças, Autoridade Tributária e Aduaneira, Unidade dos Grandes Contribuintes, Divisão de Gestão e Assistência Tributária, padecem de erro nos pressupostos de facto e de direito, por incorrer no vício de violação da lei.
III – SANEAMENTO
O Tribunal encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, de acordo com o n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
Tudo visto, cumpre proferir.
IV – FUNDAMENTOS DE FACTO
12. Tendo em conta o processo administrativo tributário (PAT) e a prova documental junta aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como se segue:
A. A Requerente encontra-se enquadrada, para efeitos do IVA, no regime normal de periocidade mensal, como sujeito passivo com direito à dedução integral do imposto.
B. A Requerente foi objecto de procedimento tributário de inspecção levado a efeito pela Unidade dos Grandes Contribuintes, através da Ordem de Serviço n.º OI…, de …, com a finalidade de verificar o apuramento da sua situação tributária, bem como a obtenção de um grau de segurança aceitável sobre as demonstrações financeiras e as declarações fiscais entregues refletem o cumprimento das obrigação tributárias inerentes ao exercício da sua actividade.
C. No âmbito da acção inspectiva, supra referenciada, a Inspecção Tributária propôs a correcção de diversas correcções relativamente ao IVA deduzido no período de 2010, incluindo as que resultaram nas liquidações adicionais ora aqui contestadas. Efectivamente, a Requerente procede, de um modo geral – tal como procedeu, em particular, no ano de 2010, às deduções do IVA contido em diversas despesas relacionadas com actividades promocionais. No caso concreto, a Inspecção Tributária defendeu que as despesas relacionadas com os eventos “…” e “…” não podem ser deduzidas na totalidade, mas sim em 50% do IVA suportado, de acordo com o artigo 21.º, n,º 2 alínea d) do Código do IVA (cfr. Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, fls 30 a 78 do PAT).
D. Em conformidade com o entendimento expresso no ponto anterior, a Inspecção Tributária procedeu à correcção do valor do IVA deduzido nos referidos eventos, determinando os saldos em dívida e, dessa forma, apurando o imposto em falta.
E. Em resultado do ponto anterior, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação adicional n.º … e …, no montante de € 23.431,00, e de juros compensatórios sob os n.ºs de liquidação … e … no valor de € 2.239,90 (Cfr. Projecto Relatório da Inspecção Tributária, fls. 20, 22, 26 e 28 do PAT).
F. Em 31 de Maio de 2013, a Requerente procedeu ao pagamento integral das liquidações (Cfr. Projecto Relatório da Inspecção Tributária, fls. 20, 22, 26 e 28 do PAT).
G. As liquidações adicionais de IVA, bem como as correspondentes aos juros compensatórios, referidas no ponto E, foram objecto de reclamação graciosa em 18 de Setembro de 2013, a que foi atribuído o n.º de processo … (cfr. fls. 3 do PAT).
H. Através do ofício n.º …, datado de 28 de Janeiro de 2014, a Requerente foi notificada do Projecto de Decisão, nos termos e para efeitos na alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT (cfr. fls 19 da Reclamação Graciosa).
I. Decorrido 15 dias sem a Requerente ter exercido o direito de participação, em 26 de Fevereiro de 2014 é a mesma notificada do indeferimento do pedido formulado na Reclamação Graciosa., através do ofício n.º … de 25 de Fevereiro de 2014, por despacho da Chefe de Divisão da DGAT.
J. A “A” S.A. é uma empresa cujo objectivo consiste na “Distribuição de …, bem como a prestação de outros serviços acessórios ou complementares” (cfr. artigo 12.º da petição arbitral da Requerente e certidão permanente com a senha de acesso ..)
K. A Requerente promoveu a realização do evento promocional “…” e os “…” (Cfr. documento n.º 7 e 8 do Pedido arbitral e Projecto de Relatório de Inspecção Tributária fls. 49 e 50 do PAT).
L. Os eventos referidos tiveram projecção mediática (transmissão televisiva e menção daqueles nos variados órgãos de comunicação social) (cfr. documento n.º 9 do Pedido arbitral).
M. No que respeita a outros eventos promocionais levados a cabo pelo Grupo “A”, a AT, em matéria em tudo idêntica à que ora nos ocupa, tem resolvido a favor da Requerente (cfr. Recurso Hierárquico anexado como documento n.º 10 do Pedido arbitral).
13. Relativamente aos factos enunciados no n.º anterior, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo tributário, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral.
14. Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
V – FUNDAMENTOS DE DIREITO
15. Vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão já enunciada (vd., supra n.º11).
16. Ou seja, se a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º … e os subjancentes actos tributários de liquidação adicional de IVA n.os … e …, e de juros compensatórios n.os … e … referentes ao exercício de 2010, no valor global de € 25.670,90, dizendo € 23.431,00 respeito às liquidações adicionais de imposto e € 2.239,90 a juros compensatórios, da autoria do Ministério das Finanças, Autoridade Tributária e Aduaneira, Unidade dos Grandes Contribuintes, Divisão de Gestão e Assistência Tributária, padecem de erro nos pressupostos de facto e de direito, por incorrer no vício de violação da lei.
17. Na factualidade objecto dos presentes autos arbitrais ficou provado que a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal de periocidade mensal, como sujeito passivo com direito à dedução integral do imposto. E, de um modo geral, procede às deduções do IVA contido em diversas despesas relacionadas com actividades promocionais.
18. O preâmbulo do Código do IVA explica de forma esclarecedora o que visa e como funciona o imposto, assim:
“O IVA visa tributar todo o consumo em bens materiais e serviços, abrangendo na sua incidência todas as fases do circuito económico, desde a produção ao retalho, sendo, porém, a base tributável limitada ao valor acrescentado em cada fase.
A dívida tributária de cada operador económico é calculada pelo método do crédito de imposto, traduzindo-se na seguinte operação: aplicada a taxa ao valor global das transacções da empresa, em determinado período, deduz-se ao montante assim obtido o imposto por ela suportado nas compras desse mesmo período, revelado nas respectivas facturas de aquisição. O resultado corresponde ao montante a entregar ao Estado.
O IVA, aplicado de um modo geral e uniforme em todo o circuito económico, pressupondo a repercussão total do imposto para a frente, corresponde a uma tributação, por taxa idêntica, efectuada de uma só vez, na fase retalhista.
O método do crédito de imposto assegura, assim, que os bens utilizados na produção por uma empresa não sejam, em definitivo, tributados: as aquisições são feitas com imposto, mas dão lugar a uma dedução imediata no respectivo período de pagamento (salvo excepções, muito limitadas, destinadas a prevenir desvios fraudulentos).”.
19. O caso ora sob pronuncia arbitral, prende-se, precisamente, com o direito à dedução do imposto suportado por um agente económico – a Requerente – ao adquirir serviços para a realização de eventos, consistindo na realização de reuniões gerais, encontros, almoços, jantares, assim como a organização de espetáculos… com o propósito de se publicitar e promover, tudo no sentido de dinamizar práticas de eficiência … junto do consumidor final.
20. A Requerente pretende gozar do direito à dedução do IVA que lhe foi liquidado com a facturação das correspondentes prestações de serviços. Contudo, a Requerida entende que o IVA apenas é dedutível na proporção de 50%, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, alínea d) do Código do IVA.
21. O artigo 20.º, n.º 1, do Código do IVA dispõe que “só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações” que discrimina nas alíneas seguintes, sendo que logo da alínea a) constam as “transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e deles não isentas”.
Significa, deste modo, que o imposto suportado a montante só é dedutível se os bens ou serviços sobre que incidiu forem utilizados na produção, ou seja, servirem para a obtenção de receitas que hão-de ser tributadas a jusante, “pressupondo a repercussão total do imposto para a frente”. De fora fica o imposto relativo a bens e serviços cujo consumidor final é a própria empresa adquirente, pois estes bens e serviços não foram utilizados para possibilitar a obtenção de receitas tributáveis, mas usados para fins estranhos à empresa, que em última análise se reconduz à geração de receitas.
O artigo 21.º do Código do IVA exclui do direito à dedução o imposto contido em várias despesas, entre as quais as “respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções.” - alínea d) do nº 1. Mas logo na alínea d) do nº 2 nos diz que “não se verificará (...) a exclusão do direito à dedução” no caso de despesas efectuadas para as necessidades diretas dos participantes, “relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados diretamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %.”.
Coloca-se a questão de saber se este regime de exclusão do direito à dedução subsiste mesmo que respeite a bens insusceptíveis de utilização privada ou o sujeito passivo demonstre, de modo inequívoco, que as despesas têm carácter estritamente profissional.
Saliente-se que a Comissão Europeia já se manifestou no sentido de exclusão do direito à dedução apenas poder respeitar a despesas que não tenham carácter estritamente profissional não devendo, por isso, abranger instrumentos essenciais à actividade do sujeito passivo. No entanto, não podem ser excluídos bens e serviços de tal modo que resulte esvaziado o conteúdo do direito, atingindo o sistema geral do direito à dedução.
22. A Requerente defende, como também consta do probatório, que os eventos em causa são realizados com o propósito de se publicitar e promover – especificamente, no evento “…” “dotar a … de informação e equipamentos capazes de automatizar a gestão das redes, melhorar a qualidade de serviço, diminuir os custos de operação, promover a eficiência … e a sustentabilidade ambiental e potenciar a penetração das energias renováveis.”, no evento “…” no contexto de práticas de eficiência … junto do consumidor final, distinguindo as instituições utilizadoras da … que demonstrem ter conseguido optimizar a eficiência … no respeito pelo valores do ambiente – intrinsecamente conexionados com a prossecução da sua actividade e, ao serem subsumíveis como publicidade, conclui a Requerente, não se vê por que razão haverá de ser questionado o direito à dedução do IVA.
23. Apesar de a cláusula de standstill, prevista no artigo 17.º, n.º 6 da Sexta Directiva – a que actualmente corresponde o artigo 176.º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, a respeito do direito à dedução do IVA relativo a certas categorias de despesas, dispondo que os Estados-Membros podem estabelecer o seu próprio regime em matéria de exclusão do direito à dedução do IVA, computando que todas as disposições derrogatórias devem ser objecto de interpretação estrita, e desde que precisem com suficiente rigor a natureza e o objecto dos bens e serviços para os quais fica excluído o direito à dedução, a fim de garantir que essa faculdade não será utilizada para prever exclusões gerais desse regime. Significa assim, que o direito comunitário não se opõe a uma regulamentação nacional que exclui em 50% a dedução do IVA relativamente à categoria de despesas mencionadas nas alíneas c) e d), efectuadas para as necessidades diretas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados diretamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, por conterem uma designação suficientemente precisa do objecto dos bens e serviços. Mas também não se opõe a uma regulamentação nacional que preveja a dedução do IVA pago em bens e serviços utilizados em parte para fins privados e em parte para fins profissionais, mas de forma proporcional à sua utilização para fins profissionais[1].
24. No sentido de tornar claro o facto da Requerente defender que se trata de presunções que são ilidíveis, por força do disposto no artigo 73.º da LGT que estabelece que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”, saliente-se o que ficou dito no Acórdão Arbitral do CAAD n.º 238/2013-T, “São normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação». Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais. As normas relativas ao direito a dedução de IVA têm como efeito o afastamento da incidência do imposto, pelo que se reconduzem a normas de delimitação negativa de incidência, devendo aplicar-se o regime do referido artigo 73.º da LGT às presunções nela contidas.”.
Ainda na senda do mesmo aresto, “Como defende a Requerente, subjacentes às situações de afastamento do direito à dedução estarão presunções de que as despesas indicadas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 21.º não têm total ou parcialmente relação exclusiva com a actividade produtiva das empresas sujeita a IVA, pois é essa a única justificação aceitável para o afastamento da dedutibilidade deste imposto, que, como imposto sobre o consumo, se pretende que seja neutro para os intermediários no circuito económico.”.
25. No caso em análise, sendo os eventos em questão inseridos em acções de divulgação e promoção da imagem da Requerente e assim, intimamente ligados com a prossecução da sua actividade, de acordo com a projecção mediática, incluindo a transmissão televisiva, está claro o potencial dos objectivos propostos com aquelas acções. Saliente-se que, uma empresa da dimensão da Requerente com a realização de eventos deste género, é forçoso concluir que aqueles eventos tiveram em vista a satisfação de interesses particulares dos que produzem e dos que participam nos eventos em questão.
26. Considerando o exposto nos pontos anteriores, procede o alegado pela Requerente de que tem direito a deduzir a totalidade do IVA relativo às despesas com os eventos em análise. O não reconhecimento desse direito relativamente a € 23.431,00 é ilegal, por violação da alínea d), do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA e artigo 73.º da LGT.
27. Por fim, a Requerente faz também o pedido de juros indemnizatórios que devem acrescer à devolução do imposto indevidamente pago.
Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso em apreço, face à ilegalidade dos actos de liquidação adicionais de IVA, e atendendo a que os valores em causa já se encontram pagos, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
Os juros indemnizatórios são devidos desde 31.05.2013 até integral pagamento à Requerente das quantias liquidadas, calculados com base na quantia de € 25.670,90, nos termos dos artigos, art. 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT.
VI – DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente, o alegado vício de violação da lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º … e os subjacentes actos tributários de liquidação adicional de IVA n.os … e …, e de juros compensatórios n.os … e …, referentes ao exercício de 2010, no valor global de € 25.670,90, sendo € 23.431,00 respeitante às liquidações adicionais de imposto e € 2.239,90 a juros compensatórios, da autoria do Ministério das Finanças, Autoridade Tributária e Aduaneira, Unidade dos Grandes Contribuintes, Divisão de Gestão e Assistência Tributária, anulando-os na sua totalidade.
b) Condenar a Requerida a restituir a quantia indevidamente liquidada e paga no montante de € 25.670,90 (vinte e cinco mil, seiscentos e setenta euros e noventa cêntimos);
c) Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
Fixa-se o valor do processo em € 25.670,90, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2015.
O Árbitro
(Jorge Carita)
***
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
[1] Neste sentido, Acórdão do TJUE de 15.04.2010, Processo C-538/2008.