Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 412/2023-T
Data da decisão: 2024-02-11  Selo  
Valor do pedido: € 722.926,41
Tema: Imposto do Selo - alínea e) do n.° 1 e n.° 7, do artigo 7.° do CIS – Decisão arbitral (em anexo)
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DECISÃO ARBITRAL

 

(Complemento no termos dos artigos 614.º e 615.º do CPC e al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT)

 

 

Os árbitros que constituem o Tribunal Arbitral coletivo, Guilherme W. d'Oliveira Martins, João Marques Pinto e Paulo Nogueira da Costa, acordam em proceder ao complemento da decisão arbitral proferida no presente processo nos termos e com os fundamentos seguintes:

 

  1. Por decisão arbitral de 11 de fevereiro do corrente ano, o Tribunal Arbitral acordou em julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
  2. A decisão arbitral foi notificada às Partes pelo CAAD em 15 de fevereiro de 2024.
  3. Através de requerimento de 19 de fevereiro de 2024, veio a Requerente solicitar o seguinte:
  1. No pedido de pronúncia arbitral, nomeadamente nos artigos 105.º a 155.º, as Requerentes invocaram um fundamento autónomo e subsidiário de anulação dos atos tributários no qual se demonstrou a incompatibilidade da sujeição a imposto do selo das comissões bancárias cobradas no âmbito de programas de emissão de papel comercial e/ou obrigações, e nos artigos 156.º a 158.º, as Requerentes suscitaram o pedido de reenvio prejudicial em caso de dúvidas na interpretação do direito da União.
  2. Na resposta da AT, nomeadamente no subcapítulo II.3 (artigos 98.º a 142.º), o Exmo. RFP refutou especificadamente este fundamento subsidiário, e pugnou pela desnecessidade do reenvio prejudicial (artigos 143.º a 157.º).
  3. Em resposta ao despacho arbitral de 17-11-2023, as Requerentes solicitaram, por requerimento remetido a 30-11-2023, a junção aos presentes autos dos despachos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), datados de 19-07-2023, proferidos nos processos C-416/22 e C‑335/22, referentes aos processos de reenvio prejudicial aos quais já na p.i. se havia feito referência e que à data estavam pendentes de decisão.
  4. Nestes despachos juntos aos autos, o TJUE concluiu em sentido favorável ao fundamento de anulação dos atos tributários impugnados na parte em que foram sujeitas a imposto do selo as comissões relacionadas com operação de reunião de capitais.
  5. Com efeito, em face da jurisprudência do TJUE sobre as SGPS (C-290/22), as Requerentes, que já esperavam tal desfecho quanto ao fundamento que se alicerçava na extensão da isenção de imposto do selo previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS às SGPS, aproveitaram para relembrar este Coletivo, no dito requerimento de 30-11-2023, que, não obstante esse fundamento (SGPS) cair por terra, havia ainda um outro, que abrangia parte do valor de imposto impugnado, que devia ser apreciado e relativamente ao qual, à luz da jurisprudência do TJUE junta, se perspetivava inclusivamente uma decisão em sentido favorável às Requerentes.
  6. Sucede que, não obstante o exposto, analisado o acórdão arbitral, constata-se que, na apreciação da matéria de direito, este fundamento de anulação (parcial) dos atos tributários não foi apreciado.
  7. Contudo, só se admite que tal sucedeu por lapso manifesto do Tribunal, visto que, compulsados os pontos k), q) a s), w) a cc) e ii) da posição das Requerentes (págs. 4-11) e os pontos do probatório b), d), em concreto d)ii. e f) (págs. 17-18) do acórdão arbitral, dão-se como provados os valores das comissões cobradas pelos bancos no âmbito de emissões de papel comercial, assim como o do imposto do selo de € 171.633,02 suportado.
  8. Nestes termos requer-se a V. Exa. seja a omissão de pronúncia suprida, mediante a correção por simples despacho ou prolação de nova decisão retificativa, o que se impõe não só mas também por dever de colaboração processual, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efetiva, sob pena de o contribuinte ter de se sujeitar à demora de um processo de impugnação da decisão judicial, junto do TCA Sul, cujo desfecho é inequívoco face à ostensiva omissão de pronúncia.
  1. É nosso entender, contudo, que, mesmo que havendo invocação de omissão de pronúncia, que por ora se remove, não assiste razão à Requerente, devendo manter-se o sentido de total improcedência do pedido arbitral.
  2. Ora, a este propósito alegam as Requerentes que o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE incorpora também a proibição de sujeição a Imposto do Selo dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos (instituições que detêm o exclusivo legal da tomada firme e colocação das emissões) na vigência dos referidos contratos, por revestirem a natureza de “formalidades conexas” com estes mesmos contratos.
  3. O referido preceito, sob a epígrafe “Operações não sujeitas a impostos indiretos”, tem o seguinte conteúdo:

«2.      Os Estados Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto:

b)      Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.»

  1. Defendem as Requerentes que a expressão “formalidades conexas” deve ser interpretada em sentido amplo de modo a abranger inclusivamente as comissões pagas pelas Requerentes às instituições de crédito com as quais celebraram contratos com vista à emissão de papel comercial junto de investidores, incluindo a clientes aos seus balcões.
  2. Realce-se, assim, repete-se, que não está em causa a autoliquidação do imposto do selo sobre quaisquer operações que tenham por objeto operações com títulos de dívida decorrentes de emissão de papel comercial, mas sim sobre “comissões bancárias” associadas aos empréstimos obrigacionistas e aos programas de papel comercial contratados pelas Requerentes com instituições de crédito.
  3. Posto isto, verifica-se que esta questão foi decidida, em sentido contrário ao propugnado pelas Requerentes, nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 586/2019-T e 2/2020-T. Por não terem sido invocadas razões para divergir da jurisprudência fixada nas referidas decisões arbitrais, passamos a segui-las de muito perto.
  4. Na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 586/2019-T, pode ler-se, entre o mais:

“É unanimemente aceite, pela doutrina e jurisprudência, que a emissão de obrigações e, bem assim, de papel comercial, não está sujeita a Imposto do Selo, na medida em que a verba 17.1 da TGIS não tributa estas operações. Esta realidade constitui uma decorrência da Diretiva 2008/7/CE. Através desta, o legislador europeu pretendeu, de forma clara e inequívoca, colocar em pé de igualdade todos os operadores que recorram a mercados primários para a obtenção de financiamento.

“Tal resulta, entre outros, do segundo e terceiro considerandos da Diretiva, que explicam aquele objetivo da seguinte forma:

“(2) Os impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, designadamente o imposto sobre as entradas de capital (imposto que incide sobre as entradas de capital nas sociedades), o imposto de selo sobre os títulos, e o imposto sobre as operações de reestruturação, independentemente de essas operações envolverem ou não um aumento de capital, dão origem a discriminações, duplas tributações e disparidades que dificultam a livre circulação de capitais. O mesmo se aplica a outros impostos indiretos com características idênticas às do imposto sobre as entradas de capital e do imposto de selo sobre os títulos.

(3) Consequentemente, é do interesse do mercado interno harmonizar a legislação relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais para eliminar, tanto quanto possível, fatores suscetíveis de distorcer as condições de concorrência ou entravar a livre circulação de capitais.”

  1. “Partindo da função auxiliar interpretativa desempenhada pelos considerandos enunciados, compreende-se o dispositivo no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE, quando determina o seguinte:

"2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:

(...)

b. Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis."

  1. “Dito de outra forma, a Diretiva dispõe que os Estados-membros não possam tributar através de impostos indiretos, nomeadamente em sede de imposto de selo, inter alia, operações de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis.

“A Diretiva não identifica os sujeitos passivos que estão abrangidos por essa exigência de não-incidência de tributação indireta. Nem podia ser dessa forma.

“Na verdade, a Diretiva 2008/7/CE determina que os Estados-membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto, entre outras, a emissão de papel comercial, independentemente de quem os emitiu.

“Com efeito, é sabido que a emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, como papel comercial, pode ser realizada por diversas entidades.

“Em Portugal, a possibilidade de uma sociedade comercial proceder à emissão de obrigações encontra-se prevista no quadro do artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais, (…)” permitindo-se “concluir ser legítimo, a qualquer sociedade comercial, recorrer à emissão de obrigações ou papel comercial como forma de financiamento, não estando estas operações sujeitas a imposto de selo, como resulta – de forma clara e inequívoca, reitere-se - quer da Diretiva, quer da Tabela Geral de Imposto de selo (atendendo à não incidência).”

  1. Face ao exposto, as Requerentes não se encontravam – nem se encontram - impedidas de proceder diretamente à emissão de papel comercial beneficiando, nesse caso, da não-tributação em sede de imposto do selo.
  2. Como se pode ler na Decisão Arbitral, que estamos a seguir, “Reitere-se que tal resulta, de forma clara e inequívoca, do disposto no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE quando determina que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto os empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis “(…) independentemente de quem os emitiu (…)”
  3. “Caso a Requerente optasse por proceder diretamente à emissão de obrigações beneficiaria da isenção não apenas sobre a emissão, stricto sensu, mas igualmente sobre as formalidades conexas como, verbi gratia, o registo da emissão no livro de registo; o registo dos titulares das obrigações; eventuais autenticações de atas sociais, registos comerciais e publicações da deliberação de emissão pela sociedade.

“A parte final do artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE corrobora, aliás, este entendimento quando se refere à admissão à cotação em bolsa da emissão ou à colocação em circulação da emissão no mercado primário ou secundário, por exemplo através da colocação junto do público (que pode ser mais ou menos restrita).

“Em sentido idêntico, o TJUE pronunciou-se, no supra-citado acórdão “Air Berlin” (processo C-573/16). Atente-se, a este propósito, na seguinte conclusão então proferida: “o artigo 5.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade das novas ações emitidas por ocasião de um aumento de capital foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de propor a venda dessas novas ações.”

  1. Aqui chegados, verifica-se que, nos presentes autos, a factualidade subjacente é ligeiramente distinta da que se resulta da aplicação da Directiva 2008/7/CE ou do acórdão “Air Berlin”.
  2. No caso em análise, a Requerente solicitou os serviços de intermediação financeira de instituições de crédito – Bancos – para procederem à emissão de papel comercial.
  3. Neste contexto, a Requerente alega não estarem sujeitos a Imposto do Selo os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos na vigência dos referidos contratos.
  4. Aqui, deve começar por se reiterar que a Requerente optou por não proceder diretamente à emissão de obrigações ou papel comercial – apesar de o Código das Sociedades Comerciais o permitir – tendo contratado, para o efeito, os serviços de intermediação financeira prestados por bancos.
  5. Não estava obrigada a fazê-lo em face da realização de operações de emissão de papel comercial, não podendo aqui ser invocado o princípio da exclusividade das instituições de crédito e sociedades financeiras. “Este princípio, previsto nos artigos 4.º, n.º1, alínea f) e 8.º, n.º 2 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) refere-se ao exercício, a título profissional, entre outras atividades, das instituições de crédito e sociedades financeiras nas “participações em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos”.
  6. No entanto não exige que uma sociedade comercial contrate os serviços de uma instituição de crédito ou sociedade financeira para a emissão de obrigações por parte dessa mesma sociedade.” São questões completamente distintas.
  7. No caso concreto, a própria Requerente reconhece:
    1. “A A... e a B... não reúnem os recursos humanos, em número e/ ou em grau de especialização suficientes, nem a estrutura e os recursos técnicos necessários ao desempenho das funções tipicamente contratadas no âmbito das emissões de papel comercial e de obrigações.
    2. Por essa razão, não procedem à emissão direta dos títulos.
    3. Efetivamente, são atividades de intermediação financeira, os serviços e atividades de investimento em títulos, bem como os serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento.
    4. Constam dos serviços e atividades de investimento, entre outros, a receção e a transmissão (que inclui a colocação em contacto de dois ou mais investidores com vista à realização de uma operação) e execução de ordens por conta de outrem; os serviços e atividades de tomada firme e colocação/ subscrição com garantia; ou colocação sem garantia; a consultoria para investimento; a gestão de sistema de negociação multilateral e de sistema de negociação organizado.
    5. As aludidas instituições financeiras e de crédito, enquanto sujeitos passivos, liquidaram IS à A... e à B... sobre as concessões de crédito (quando aplicável), comissões e juros nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. b) do CIS.
    6. E a A... e a B... suportaram o referido IS enquanto titulares do interesse económico nos termos do artigo 3.º, n.º 1 e n.º 3, al. g) do CIS.”
  8. Em síntese, a Requerente não estava vinculada a contratar uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira em ordem a proceder à emissão de papel comercial.
  9. Não pode, por isso, considerar-se que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE.
  10. Estão em causa realidades distintas.
  • No caso da Diretiva 2008/7/CE proíbe-se a sujeição, a qualquer forma de imposto indireto, dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis independentemente de quem os emitiu. Ora as emissões de papel comercial sub judice não foram tributadas em imposto de selo.
  • Por outro lado, os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos, são tributados em sede de imposto de selo (cfr., v.g., verbas 17 e 17.3.3. da Tabela Geral de Imposto de Selo).
  1. Nem mesmo invoque a Requerente os despachos proferidos nos processos C-416/22 e C-335/22, como fundamento para dar-lhe razão, mesmo que parcial.
  2. Ora, para além de estarmos a referir-nos a situações concretas sem qualquer comparação ou paralelo, a obrigatoriedade ou não de efetuar/acatar o reenvio prejudicial não resulta da vontade das Partes nem pode ser decidida de forma genérica, dependendo apenas do juízo que o Tribunal nacional que tem de proferir a decisão fizer sobre a sua necessidade para decidir os litígios, como tem sido repetidamente afirmado pelo TJUE: «Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça » [...].
  3. Porém, no entendimento deste Tribunal Arbitral não há dúvida razoável sobre a solução de direito europeu quanto ao enquadramento dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos, que são tributados em sede de imposto de selo, nestas duas vertentes bem distintas:
    1. No caso da Diretiva 2008/7/CE proíbe-se a sujeição, a qualquer forma de imposto indireto, dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis independentemente de quem os emitiu.
    2. Por outro lado, os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos, são tributados em sede de imposto de selo (cfr., v.g., verbas 17 e 17.3.3. da Tabela Geral de Imposto de Selo).
  4. Em suma um pedido de reenvio judicial efetuado num processo arbitral ou até mesmo uma decisão não obriga um outro tribunal arbitral a determinar a suspensão da instância ou até mesmo decidir com base numa situação que só vincula no caso concreto, visto que esse é um poder discricionário do árbitro nas suas funções de julgador.
  5. Face ao requerimento da Requerente supra identificado e atendendo à circunstância do contencioso tributário ser um contencioso de anulação, o Tribunal Arbitral reconhece ser prudente inserir na sua decisão a referência expressa ao fundamento autónomo e subsidiário invocado pela Requerente de anulação dos atos tributários no qual se demonstrou a incompatibilidade da sujeição a imposto do selo das comissões bancárias cobradas no âmbito de programas de emissão de papel comercial e/ou obrigações, sendo que nos artigos 156.º a 158.º, as Requerentes suscitaram o pedido de reenvio prejudicial em caso de dúvidas na interpretação do direito da União.
  6. Desde modo, em face do disposto no artigo 614.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPC) e na alínea d) do n.º 1 do artigo 515.º do CPC, aplicáveis por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o Tribunal Arbitral procede à retificação da decisão arbitral proferida no dia 11 de fevereiro de 2024 e, nesta conformidade, acordam os Árbitros em julgar totalmente improcedentes os pedidos, principais e subsidiários, de pronúncia arbitral e condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de fevereiro de 2024

 

O Árbitro Presidente,

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

(João Marques Pinto)

 

(Paulo Nogueira da Costa)

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 412/2023-T

Tema: Imposto do Selo - alínea e) do n.° 1 e n.° 7, do artigo 7.° do CIS.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO:

I.  Nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

II. Esta isenção, à semelhança de todas as outras, enquadra-se no conceito de benefício fiscal fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;

III. Não é possível extrair da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

IV. A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.

V. O artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, João Marques Pinto e Paulo Nogueira da Costa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A..., SGPS, S.A., sociedade comercial registada sob o número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede em ..., ...-... ..., doravante “A...”, e B..., SGPS, S.A., sociedade comercial registada sob o número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial e de identificação de pessoa coletiva..., com sede na Rua..., nº. ..., ...-... .... .., doravante “B...”, e doravante conjuntamente “Requerentes”, vêm, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do RJAT, apresentar PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL sobre o despacho de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, notificado através do Ofício n.º ...-DJT/2023, de 01-03-2023, no PROAT ...2021..., que apreciou o mérito dos atos de liquidação de Imposto do Selo (IS) de 2017 e de 2018 da A..., melhor identificadas infra e o despacho de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, notificado através do Ofício n.º...-DJT/2023, de 01-03-2023, no PROAT ...2021..., que apreciou o mérito dos atos de liquidação de IS de 2017 e 2018 da B... .

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 5 de junho de 2023.

A Requerente não procedeu à nomeação de arbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 25 de julho de 2023, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O TAC encontra-se, desde 14 de agosto de 2023, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 2 de outubro de 2023.

Por despacho de 8 de agosto de 2022, o TAC proferiu o seguinte despacho:

“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, nomeadamente a testemunha indicada pela Requerente, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito.

2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. Em 03-05-2021, a A... apresentou pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de IS de 2017, 2018 e de Janeiro de 2019, discriminados nas tabelas-síntese infra:

 

 

  1. Esta tabela-síntese é elaborada com base nas faturas das operações, nas declarações emitidas pelos Bancos envolvidos e nos mapas de cálculo de suporte por banco (que se juntam como documento n.º 3 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
  2. As liquidações atrás enumeradas resultaram num montante a pagar de IS de € 720.165,08, liquidado pelas várias entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros identificadas no quadro acima.
  3. A A... suportou IS sobre operações de concessão de crédito, comissões e juros no âmbito de financiamentos concedidos por instituições financeiras.
  4. Em 03-05-2021, a B... apresentou pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IS de 2017 e 2018, discriminados na tabela-síntese infra:

 

  1. Esta tabela-síntese é elaborada com base nas faturas das operações, nas declarações emitidas pelo Banco envolvido e no mapa de cálculo de suporte (que se juntam como documento n.º 4 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
  2. As liquidações atrás enumeradas resultaram num montante a pagar de IS de € 3.585,00, liquidado pela entidade concedente do crédito e da garantia ou credora de juros identificada no quadro acima.
  3. A B... suportou IS sobre operações de concessão de crédito, comissões e juros no âmbito de financiamentos concedidos por instituições financeiras.
  4. Não obstante terem procedido ao pagamento das liquidações, as Requerentes discordam das liquidações de IS em apreço.
  5. Conforme se demonstrará no presente pedido de pronúncia arbitral, o crédito concedido às Requerentes, assim como as comissões cobradas e os juros pagos nesse âmbito, enquanto sociedade gestoras de participações sociais (SGPS), são operações que beneficiam da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, a qual, por erro de direito, não foi tida em consideração nas liquidações dirigidas a ambas.
  6. E, caso assim não se entenda, como se detalhará infra, as comissões cobradas pelas instituições de crédito às Requerentes no âmbito de programas de emissões de papel comercial são operações que devem estar excluídas do IS, por tal tributação afrontar a alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, relativa aos impostos indiretos sobre as reuniões de capitais.
  7. Assim, o presente pedido de pronúncia arbitral visa obter a anulação dos atos de indeferimento dos pedidos de revisão apresentados pela A... e pela B... (documentos n.º 1 e 2 juntos), que se impugnam imediatamente nesta sede, nos quais apreciou o mérito dos atos de liquidação de IS de 2017 e de 2018, e, em consequência, a anulação dos atos tributários aí contestados.
  8. A A... é uma sociedade gestora de participações sociais e o seu objeto social consiste na gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas (cuja cópia da certidão permanente se junta como documento n.º 5 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
  9. No âmbito da sua atividade social, a A... recorreu a financiamento junto de instituições de crédito, ou colocado por instituições de crédito junto de investidores (papel comercial e/ou obrigações), bem como suportou juros e comissões por intermediação financeira junto de várias instituições financeiras e de crédito relativamente às quais incidiu IS nos termos das várias rúbricas aplicáveis da verba 17 da TGIS.
  10. Em concreto, a A... suportou IS liquidado pela Caixa Geral de Depósitos S.A., Banco Comercial Português, S.A. (Millenium), Banco de Sabadell Portugal, S.A., Banco Santander Totta, S.A., Banco do Brasil AG - Sucursal em Portugal, Banco BIC Português, S.A., Banco BPI, S.A., Caixa Económica Montepio Geral - Caixa Económica Bancária, S.A. e Banco Popular Portugal, S.A..
  11. O IS incidiu sobre a concessão de crédito, comissões e juros nos termos da verba 17 da TGIS, que estabelece a incidência objetiva sobre as operações financeiras, nomeadamente as realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras.
  12. Algumas dessas comissões são devidas às instituições de crédito elencadas pelos serviços de intermediação financeira no âmbito de programas de emissões de papel comercial e de obrigações da A..., designadamente as comissões de agente, de organização, ou de garantia de subscrição (programas e, por uma questão de economia processual, parte da documentação conexa que se juntam como documento n.º 6 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
  13. É que a A... aderiu a vários programas de emissões das instituições de crédito envolvidas.
  14. Cada banco acomoda vários programas e cada programa várias emissões, tendo havido, na vigência dos programas, sucessivas alterações e aditamentos.
  15. A B... também é uma sociedade gestora de participações sociais e o seu objeto social consiste na gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas (cuja cópia da certidão permanente se junta como documento n.º 7 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
  16. No âmbito da sua atividade social, a B... contraiu empréstimos sob a forma de papel comercial, bem como suportou juros e comissões junto do Banco Comercial Português, S.A. (Millenium) relativamente às quais incidiu IS nos termos das várias rúbricas aplicáveis da verba 17 da TGIS.
  17. Em concreto, a B... suportou IS liquidado pelo banco Millennium sobre comissões relacionadas com o financiamento nos termos da verba 17 da TGIS.
  18. Essas comissões são devidas àquela instituição de crédito pelos serviços de intermediação financeira no âmbito de um programa de emissões de papel comercial da B... (programa e alguma da documentação conexa já juntas como documento n.º 6), designadamente as comissões de agente pagador.
  19. Esta solução de financiamento da tesouraria das empresas através da emissão de papel comercial ou de obrigações (valores mobiliários de natureza monetária, representativos de dívida), livremente negociável e normalmente colocado e distribuído em bancos, apresenta as vantagens de diversificar as fontes de financiamento e de aceder aos mercados financeiros, com ganhos na visibilidade junto da comunidade dos investidores nacionais e internacionais.
  20. Tanto a A..., como a B..., como tem sido prática no mercado, contrataram serviços de intermediação financeira prestados por bancos, com uma vasta rede de balcões no país, e com forte experiência, no âmbito dos programas de emissões de papel comercial e de obrigações, nomeadamente para a assistência e emissão e/ou colocação de valores mobiliários e prestação de serviços conexos, incluindo o pagamento, por conta e ordem das entidades emitentes, o registo da emissão, a comercialização, a produção e a divulgação dos produtos no mercado, e a guarda dos títulos.
  21. A A... e a B... não reúnem os recursos humanos, em número e/ ou em grau de especialização suficientes, nem a estrutura e os recursos técnicos necessários ao desempenho das funções tipicamente contratadas no âmbito das emissões de papel comercial e de obrigações.
  22. Por essa razão, não procedem à emissão direta dos títulos.
  23. Efetivamente, são atividades de intermediação financeira, os serviços e atividades de investimento em títulos, bem como os serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento.
  24. Constam dos serviços e atividades de investimento, entre outros, a receção e a transmissão (que inclui a colocação em contacto de dois ou mais investidores com vista à realização de uma operação) e execução de ordens por conta de outrem; os serviços e atividades de tomada firme e colocação/ subscrição com garantia; ou colocação sem garantia; a consultoria para investimento; a gestão de sistema de negociação multilateral e de sistema de negociação organizado.
  25. As aludidas instituições financeiras e de crédito, enquanto sujeitos passivos, liquidaram IS à A... e à B... sobre as concessões de crédito (quando aplicável), comissões e juros nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. b) do CIS.
  26. E a A... e a B... suportaram o referido IS enquanto titulares do interesse económico nos termos do artigo 3.º, n.º 1 e n.º 3, al. g) do CIS.
  27. Em concreto, a A... suportou, entre Janeiro de 2017 e Janeiro de 2019, liquidações de IS no valor de € 720.165,08. Expurgado o mês de Janeiro de 2019, que não é objecto de impugnação nesta sede, a A... suportou, entre Janeiro de 2017 e Dezembro de 2018, liquidações de IS no valor de € 719.341,41[1]:

 

  1. Já a B... suportou, entre Janeiro de 2017 e Setembro de 2018, liquidações de IS no valor de € 3.585,00, conforme se sintetiza:

 

 

 

 

  1. O que somado a € 719.341,41, dá um valor global impugnado no presente pedido de pronúncia arbitral de € 722.926,41.
  2. Do total do valor de IS pago pela Requerente, os seguintes montantes respeitam a comissões cobradas no âmbito da emissão do programa de papel comercial:

 

 

 

 

II.2      Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

II.1. - Dos pressupostos – objetivos e subjetivos – da isenção estabelecida na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS

  1. Sob a epígrafe “Operações financeiras”, que enquadra todas as verbas que a compõem, a verba 17 da TGIS conjugada com o n.º 1 do artigo 1.º do CIS, a verba 17.1 da TGIS determina a incidência de Imposto do Selo sobre a “utilização de crédito, sob a forma de fundos (…) em virtude da concessão de crédito a qualquer título (…)”.
  2. Por sua vez, a verba 17.3 da mesma Tabela determina a incidência de Imposto do Selo sobre as “operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”, aqui se incluindo:

“17.3.1 - Juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação;

17.3.2 - Prémios e juros por letras tomadas, de letras a receber por conta alheia, de saques emitidos sobre praças nacionais ou de quaisquer transferências;

17.3.3 - Comissões por garantias prestadas;

17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.

  1. Não obstante as regras de incidência objetiva acima citadas, determina a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que são isentos deste imposto "[os] juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.".
  2. Contudo, o n.º 7 deste mesmo artigo estabelece que “o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea." – cf. redação conferida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2016 – “Lei OE 2016”).
  3. Pelo que, nos termos conjugados da alínea e) do n.º 1 e do n.º 7, ambos do artigo 7.º do CIS, do lado objetivo da isenção apenas estão isentas de imposto, quando nelas intervenham os sujeitos ali identificados, e sem equiparar a elas quaisquer outras, as seguintes operações:

i. Utilização do crédito concedido;

ii. Garantia prestada na concessão do crédito;

iii. Juros remuneratórios cobrados pela concessão do crédito;

iv. Comissões cobradas diretamente destinadas à concessão do crédito.

  1. Já do lado subjetivo a lei exige que tais operações sejam realizadas por: “Instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras”;
  2. Tendo como destinatários,

i. “Sociedades de capital de risco,

ii. Bem como sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”;

iii. Desde que, “[u]mas e outras sejam domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças".

  1. Entendem as Requerentes que “as operações financeiras em análise preenchem na totalidade os pressupostos objetivos e subjetivos de aplicação da isenção do IS prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, na medida em que respeita à concessão de crédito, assim como às comissões e aos juros cobrados por instituições de créditos à A... e à B..., enquanto sociedades gestoras de participações sociais, que se qualificam, à luz da legislação europeia, como instituições financeiras, e em que intervieram instituições mutuantes e mutuárias que se encontram domiciliadas em Portugal, e não em nenhum dos territórios com regime fiscal privilegiado. Pelo que se mostram preenchidos, na totalidade, os requisitos de aplicação da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, sendo forçoso concluir que a concessão de crédito a favor das Requerentes, assim como as comissões cobradas, beneficiam da isenção aí consagrada, de onde decorre a necessidade de se proceder à anulação dos despachos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa e das liquidações de IS subjacentes, com fundamento na sua ilegalidade, e restituição à A... e à B... do imposto indevidamente suportado.”
  2. Ora, desde já antecipamos que, como demonstraremos de seguida, não lhes assiste razão.

II.2 - Da alegada aplicabilidade da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS às SGPS

  1. Sobre este assunto não pode a AT deixar de fazer notar que a questão que aqui se discute já foi decidida a seu favor nas decisões arbitrais n.º 856/2019-T, de 22-09-2020, n.º 37/2020, de 19-11-2020, n.º 559/2020-T, de 24-06-2021, n.º 170/2021-T, de 9-11-2021, n.º 62/2021-T, de 12-11-2021, n.º 92/2021-T, de 13-12-2021, n.º 444/2021-T, de 31-12-2021, n.º 79/2021-T, de 21-01-2022, e n.º 241/2022-T, de 8-11-2022.
  2. Na verdade, o único efeito dessa exclusão é afastá-las do cumprimento da regulamentação de acesso e de supervisão prudencial estabelecidas na Diretiva 2013/36/UE e no Regulamento n.º 575/2013, submetendo-as a um regime de acesso e supervisão financeira próprio, e não desqualificá-las como “instituições financeiras”, como aliás decorre do disposto na alínea b) do n.º 25 do artigo 13.º da referida Diretiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II).
  3. A este respeito o aspeto fundamental a ter em conta assenta precisamente no facto de as SGPS no sector dos seguros e as SGPS de seguros mistas, porquanto adquirem e detém participações numa empresa de seguros ou resseguros, ficarem sujeitas à regulamentação e supervisão prudencial das empresas de seguros e resseguros que fazem parte de um grupo, prevista nas suas várias vertentes no Título III da Diretiva 2009/138/CE.
  4. Do que ficou exposto nos dois parágrafos anteriores decorrem TRÊS CONCLUSÕES INABALÁVEIS:

- PRIMEIRO, que as empresas de seguros, resseguros e as “SGPS” que adquirem e detêm as suas participações sociais são “instituições financeiras”;

- SEGUNDO, que as “SGPS” que detêm aquelas participações são “instituições financeiras” precisamente por esse facto, isto é, pelo simples, mas determinante facto, de deterem participações em empresas de seguros;

- TERCEIRO, e mais importante para o que aqui nos ocupa, o elo de conexão que as liga é o facto de, por esse motivo, estas últimas, isto é, as “SGPS” do sector segurador, assim qualificadas por deterem participações em empresas de seguro e resseguro, ficarem sujeitas à supervisão de grupo de um dos sectores que compõem o sistema financeiro, em concreto, o do sector segurador.

  • Ou seja, e revertendo estas conclusões para o caso que se aprecia, aquela que nos parece ser numa perspetiva sistemática e teleológica a melhor interpretação da definição de “instituição financeira" inserta no ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, é aquela em que uma SGPS, pelas participações sociais que adquire e/ou detém numa instituição de crédito ou empresa de investimento, fica, por esse mesmo motivo, sujeita ao quadro regulatório e de supervisão numa base individual ou consolidada imposta pelas respetivas autoridades de supervisão financeira.
  • Interpretação contrária conduziria à conclusão, defendida aliás pelas Requerentes, de que uma qualquer empresa, SGPS incluídas, podia ser “instituição financeira”, independentemente de estar ou não sujeita à supervisão financeira, o que contraria todo o modelo do sistema financeiro europeu.
  • Na verdade, chegar-se-ia ao absurdo de essas entidades serem definidas como “instituições financeiras”, mas a sua atividade não estar sujeita ao regime de supervisão prudencial do sistema financeiro, tanto português como europeu, que é precisamente aquilo que é cuidado pela Diretiva 2013/36/EU e pelo Regulamento n.º 575/2013, conforme decorre com clareza da leitura dos artigos 1. os de ambos os diplomas comunitários.
  • A função do Regulamento (UE) n.º 575/2013 é indicar quais as entidades que devem cumprir requisitos prudenciais nos termos desse regulamento e estão sujeitas a supervisão prudencial nos termos da Diretiva 2013/13/UE.
  • Contrariamente ao que fazem as Requerentes, não pode interpretar-se literalmente a expressão “empresa (…) cuja atividade principal é a aquisição de participações”, isolada do regime instituído pelo Regulamento (UE) n.º 575/2013 e pela Diretiva 2013/13/UE.
  • Tal interpretação, inadmissível à luz daqueles diplomas comunitários (e na perspetiva da AT), implica que se considere “instituição financeira” as SGPS cujo objeto é a gestão de participações em sociedades não sujeitas a requisitos ou supervisão prudenciais, isto é, que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2013/36/UE e do Regulamento (UE) n.º 575/2013.
  • Daí que deva entender-se por “empresa (…) cuja atividade principal é a aquisição de participações” uma SGPS cuja atividade principal seja a aquisição e detenção de participações em empresas sujeitas a requisitos prudenciais e a supervisão prudencial nos termos e para os efeitos, respetivamente, do Regulamento (UE) n.º 575/2013 e da Diretiva 2013/36/EU, sendo esta a interpretação que melhor se coaduna com a necessidade de manter a conexão entre a sociedade gestora de participações sociais e as atividades reguladas pela Diretiva 2013/36/EU e pelo Regulamento (UE) n.º 575/2013.
  • Ora, tal não acontece no presente caso, porquanto as Requerentes não detêm participações sociais em filiais ou participadas qualificadas como instituições de crédito ou empresas de investimento que as obrigue a ficar igualmente sujeitas ao supervisor financeiro destas.
  • Aliás, é claro que a atividade das Requerentes se situa no setor puramente industrial, isto é, apenas gerem participações fora do setor financeiro, ou por outras palavras, apenas gerem participações em empresas que exercem atividades não reguladas pela Diretiva 2013/36/UE e pelo Regulamento (UE) n.º 575/2013, bem como fora do setor dos seguros, não são sendo, por isso, “instituições financeiras.”
  • Conclui–se, assim, que as Requerentes se enquadram no elenco das sociedades gestoras de participações expressamente excluídas do ponto 26) do n.º 1 do artigo 4. º do Regulamento n.º 575/2013, por não integrarem o conceito de “instituição financeira”, nos termos da legislação comunitária.

 

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. As Requerentes são SGPS, estando sujeitas ao regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, (RJSGPS), tendo em consonância por objeto a gestão de participações sociais em outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.
  2. No âmbito da sua atividade social, a A... recorreu a financiamento junto de instituições de crédito, ou colocado por instituições de crédito junto de investidores (papel comercial e/ou obrigações), bem como suportou juros e comissões por intermediação financeira junto de várias instituições financeiras e de crédito relativamente às quais incidiu Imposto do Selo nos termos das várias rúbricas aplicáveis da verba 17 da TGIS.
  3. Em concreto, durante aquele período, compreendido entre janeiro de 2017 e dezembro de 2018, a A... suportou Imposto do Selo liquidado pela Caixa Geral de Depósitos S.A., Banco Comercial Português, S.A. (Millenium), Banco de Sabadell Portugal, S.A., Banco Santander Totta, S.A., Banco do Brasil AG - Sucursal em Portugal, Banco BIC Português, S.A., Banco BPI, S.A., Caixa Económica Montepio Geral - Caixa Económica Bancária, S.A. e Banco Popular Portugal, S.A., no montante total de € 719.341,41,
  4. Destes € 719.341,41:

i. € 551.293,39 correspondem a Imposto do Selo liquidado pelos bancos sobre a utilização de crédito em virtude da sua concessão, juros e comissões; e

ii. € 168.048,02 correspondem a Imposto do Selo liquidado pelos bancos sobre comissões de intermediação financeira cobradas sobre programas de papel comercial. 12. Já a B..., durante aquele período, compreendido entre janeiro de 2017 e setembro de 2018, suportou Imposto do Selo liquidado pelo Millennium BCP sobre comissões de intermediação financeira cobradas sobre programas de papel comercial, no montante total de € 3.585,00.

  1. Sucede que, as Requerentes entendem que as referidas liquidações de Imposto do Selo não se encontram conformes com a legislação aplicável, porquanto entendem que as mesmas beneficiam da norma de isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, na medida que que sendo SGPS configuram “instituições financeiras” nos termos da legislação comunitária para a qual aquele normativo remete, pelo que devem ser anuladas.
  2. Sem conceder, entendem ainda que a sujeição a Imposto do Selo das comissões por si suportadas, relativamente aos contratos de emissão de papel comercial, é ilegal por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais
  3. Em consequência, a A... apresentou, em 03-05-2021, contra as sobreditas liquidações, um pedido de revisão oficiosa de ato tributário, autuado sob o n.º ...2021..., indeferido em 01-03-2023.
  4. Em consequência, a B... apresentou, em 03-05-2021, contra as sobreditas liquidações, um pedido de revisão oficiosa de ato tributário, autuado sob o n.º ...2021..., indeferido em 28-02-2023.
  5. Não se conformando com as decisões proferidas, interpuseram coligadas, em 02-06-2023, o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[2], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

IV.2.A. Enquadramento geral

 

A alínea e) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS, já identificado, visa isentar as operações financeiras strictu sensu promovidas no âmbito da atividade bancária e de intermediação financeira entre instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária. Estão em causa situações contempladas nas verbas 17 e 10 da Tabela Geral de Imposto do Selo, conforme decorre do n.° 1 do artigo 1.° do CIS, quando as entidades concedentes do crédito ou da garantia e as entidades utilizadores do crédito ou beneficiárias da garantia, umas e outras, sejam domiciliadas nos Estados Membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado.

A alínea e), do n.° 1, do artigo 7.° do CIS divide-se em duas partes, com a subdivisão de uma delas:

a)            uma primeira, de natureza objetiva, onde se enunciam taxativamente "os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido";

b)           a segunda, de natureza subjetiva, que se subdivide em duas secções:

a.            "instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras";

b.            “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças";

O n.° 7 do artigo 7.° do CIS dispõe ainda que a isenção prevista na alínea e) do n.° 1 "apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”

Assim, nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, nas seguintes operações:

- utilização do crédito concedido;

- garantia prestada na concessão do crédito;

- juros cobrados pela concessão do crédito;

- comissões cobradas "diretamente destinadas" à concessão do crédito.

Da leitura das disposições ficamos a compreender que esta isenção, à semelhança de todas as outras, tem uma delimitação fechada. Por este modo, os benefícios fiscais como tal, saem da indisponibilidade própria do quadro normativo tributário e entram no campo da disponibilidade, fora daquilo que constitui o núcleo essencial da tributação.

Não obstante afastarem as normas de incidência, os benefícios fiscais também estão submetidos à reserva de lei, por via do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. Na verdade os motivos que justificam a integração dos benefícios fiscais no âmbito da exigência constitucional de reserva de lei, apesar do seu carácter desonerador, tem que ver com a excecionalidade que caracteriza os benefícios fiscais , mas também com a necessidade de uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, quando se discriminam positivamente contribuintes, sem perder de vista o princípio da coerência sistemática que necessariamente rege o sistema fiscal.

Ademais, esta excecionalidade evidenciada resulta de uma opção política de fundo centrada no incentivo individual, de natureza económica, social e cultural, do comportamento dos sujeitos passivos.

Em concreto no caso sub judice, e não obstante a inexistência de uma norma geral de incidência percebe-se que o selo visa tributar manifestações da capacidade contributiva. Deste modo, a extrafiscalidade associada aos benefícios fiscais deste imposto derroga necessariamente aquela capacidade contributiva identificada. É de assinalar, nesse sentido, que os benefícios fiscais no imposto do selo inserem-se em dois grupos:

a)            o primeiro que chamamos benefícios fiscais acessórios, e que por razões de uniformidade tributária, associa a extrafiscalidade dos benefícios criados, à extrafiscalidade criada para outros impostos estaduais, como sejam o IRC e IRS.

Esta extrafiscalidade por associação não retira o valor atribuído nos outros tributos. Apenas uniformiza o tratamento dos sujeitos passivos ou contribuintes, cujo comportamento é desagravado por razões extrafiscais. Isto vem demonstrar que não é o carácter eclético do legislador no imposto do selo que impede uma determinada uniformidade no tratamento das matérias que merecem relevância extrafiscal, dado o acolhimento constitucional devido, que legitima a cedência da capacidade contributiva.

b)           o segundo grupo, que abrange os benefícios fiscais exclusivos do imposto. Estes são, porém em menor número, e visam objetivos muitos concretos.

São de apontar dois exemplos: o dos benefícios respeitantes aos contratos de futuros e opções (previstos no artº 7º/1, alíneas c) e d) do CIS e os respeitantes aos contratos de reporte de valores mobiliários realizados em bolsa (previstos no artigo artº 7º/1, alínea m) do CIS). Estão aqui em causa, como legitimadores da derrogação à capacidade contributiva, os artigos 61.º e 87.º, ambos da CRP. O legislador cria, assim, condições para propiciar à celebração de determinados contratos relativos a valores mobiliários, pela remoção de barreiras, tendo em vista o financiamento de entidades públicas e privadas, atraindo o investimento interno e externo, potenciando os interesses dos adquirentes.

Com relevância para o caso concreto, o núcleo essencial do imposto, no que respeita às operações financeiras identificadas na verba 17 da Tabela Geral, é desta forma recortado pelo artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do mesmo CIS, derrogando a igualdade, pelo revestimento de um benefício ao investimento e à desoneração do crédito. E esse recorte do núcleo essencial, pelo referido benefício, determina que os elementos objetivos e subjetivos nele constantes não possam sofrer qualquer ampliação ou derrogação para além do previsto.

Por isso, desde logo, nos parece que encontrar argumentos que extravasem esta delimitação fechada de um benefício fiscal exclusivo do IS serão abusivos e desprovidos de qualquer fundamento. 

Ora vejamos sobre a admissibilidade e limites da remissão para todos os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

Na lei portuguesa não encontramos uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/12, de 31/12, a proceder à enumeração de entidades que qualifica casuisticamente como “Instituições de crédito” (artigo 3.º), “Empresas de investimento” (artigo 4.º-A) e “Sociedades financeiras” (artigo 6.º), e, no artigo 6.º n.º1, alínea b) refere que são instituições financeiras  as referidas nas subalíneas ii) e iv da alínea z) do artigo 2.º-A, nas quais se incluem: i)As sociedades  financeiras de crédito; ii) As sociedades de investimento; iii) As sociedades de locação financeira; iv) As sociedades de factoring; v) As sociedades de garantia mútua; vi) As sociedades gestoras de fundos de investimento; vii) As sociedades de desenvolvimento regional; viii) As agências de câmbio; ix) As sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos; x) As sociedades financeiras de microcrédito.”   

 

IV.2.B. Do entendimento expresso no processo C-290/22 do TJUE

 

Esta opção do legislador nacional vai, aliás, no mesmo sentido do Direito das União, que aliás está bem expresso no processo C-290/22, cuja parte relevante aqui se transcreve:

“52      Com as questões submetidas, que importa examinar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.

53      Segundo jurisprudência constante, decorre das exigências da aplicação uniforme do direito da União e do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta não só os seus termos mas também o contexto desta disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa [v., neste sentido, Acórdão de 30 de março de 2023, M. Ya. M. (Repúdio da sucessão por um co‑herdeiro), C‑651/21, EU:C:2023:277, n.° 41 e jurisprudência referida].

54      Em primeiro lugar, no que diz respeito à redação do artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36, esta disposição refere que, para efeitos desta diretiva, se deve entender por «instituição financeira» uma instituição financeira na aceção do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013.

55      O artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, deste regulamento, lido em conjugação com o seu artigo 4.°, n.° 1, ponto 3, enuncia que, na aceção do referido regulamento, entende‑se por «instituição financeira» uma empresa que não seja uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento e uma sociedade de gestão de ativos. Este artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, exclui, em contrapartida, do conceito de «instituição financeira» as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas. 

56      Esta disposição menciona, assim, de maneira geral, que as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações estão abrangidas pelo conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, e, na sua versão aplicável às datas pertinentes dos processos principais, exclui deste conceito unicamente as instituições de crédito, as empresas de investimento e algumas sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.

57      A este respeito, importa especificar que, embora o artigo 1.°, ponto 2, alínea a), iii), do Regulamento 2019/876 preveja uma nova redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013, que também exclui do conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, resulta da decisão de reenvio no processo C‑290/22 que esta nova redação não é aplicável ratione temporis aos processos principais.

58      Além disso, embora a redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 vise as empresas cuja atividade principal é o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, atividades essas que integram o setor financeiro, a utilização da conjunção coordenativa «ou» indica que o legislador da União não quis que o exercício direto de uma ou mais dessas atividades fosse um critério de definição do conceito de «instituição financeira», na aceção do Regulamento n.° 575/2013.

59      Não obstante, importa também sublinhar que resulta da redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas devem ser consideradas «instituições financeiras», na aceção deste regulamento.

60      Ora, por um lado, o artigo 4.°, n.° 1, ponto 20, do referido regulamento enuncia que, na aceção deste, se entende por «companhia financeira» uma instituição financeira que não seja uma companhia financeira mista e cujas filiais sejam exclusiva ou principalmente instituições de crédito, empresas de investimento ou instituições financeiras, sendo pelo menos uma destas filiais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento.

61      Por outro lado, resulta do artigo 4.°, n.° 1, ponto 21, do Regulamento n.° 575/2013, lido em conjugação com o artigo 2.°, ponto 15, da Diretiva 2002/87, que deve ser considerada uma «companhia financeira mista», na aceção deste regulamento, uma empresa‑mãe, que não é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, a qual em conjunto com as suas filiais, de que pelo menos uma é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, e com quaisquer outras entidades, constitui um conglomerado financeiro. 

62      Afigura‑se assim que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas constituem tipos de sociedades concretamente definidas que se caracterizam simultaneamente pelo facto de a sua atividade principal consistir na aquisição de participações e pela existência de relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento.

63      Daqui resulta que a referência expressa, no artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não teria nenhuma utilidade se esta disposição devesse ser entendida, pelo simples facto de visar as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações, como integrando sistematicamente no conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, todas as sociedades que exercem essa atividade principal.

64      No entanto, como a advogada‑geral salientou no n.° 41 das suas conclusões, resulta dos próprios termos do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 que a lista das instituições financeiras enunciada nesta disposição não é exaustiva. Por conseguinte, da referência, nesta disposição, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não se pode deduzir que a inexistência de certas relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento obsta necessariamente à qualificação de «instituição financeira», na aceção deste regulamento.

65      Em segundo lugar, o contexto em que o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas atividades do setor financeiro.

66      Antes de mais, o principal elemento do regime aplicável às instituições financeiras definido pela Diretiva 2013/36 diz respeito à possibilidade de estas exercerem, no âmbito da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, atividades do setor financeiro noutro Estado‑Membro.

67      Com efeito, o artigo 34.° desta diretiva, sob a epígrafe «Instituições financeiras» e que constitui o único artigo da diretiva que se refere unicamente às instituições financeiras, autoriza essas instituições, em certas condições, a exercerem noutro Estado‑Membro as atividades constantes do anexo I da referida diretiva. Este artigo concretiza, assim, o princípio, enunciado no considerando 20 da mesma diretiva, segundo o qual é conveniente alargar, em certas condições, o benefício do reconhecimento mútuo a determinadas operações financeiras quando as mesmas sejam exercidas por uma instituição financeira filial de uma instituição de crédito. 

68      Por conseguinte, o facto de uma empresa ser qualificada de «instituição financeira», na aceção da Diretiva 2013/36, é desprovido de interesse, para efeitos da aplicação do seu artigo 34.°, se essa empresa não pretender exercer atividades do setor financeiro.

69      Em seguida, o Regulamento n.° 575/2013 prevê, para efeitos da aplicação dos requisitos prudenciais impostos por este regulamento, uma série de consequências para a atribuição, a uma determinada empresa, da qualificação de «instituição financeira».

70      Mais precisamente, resulta do artigo 18.°, n.° 1, do referido regulamento que as instituições de crédito e as empresas de investimento que sejam obrigadas a cumprir os requisitos do mesmo regulamento com base na sua situação consolidada procedem, em princípio, a uma consolidação integral, nomeadamente, de todas as instituições financeiras que são suas filiais ou, se for caso disso, filiais da mesma companhia financeira‑mãe ou da companhia financeira mista‑mãe. 

71      Em contrapartida, esta disposição não impõe que se realize uma consolidação prudencial que inclua todas as filiais das instituições e das empresas de investimento.

72      Além disso, decorre do artigo 4.°, n.° 1, ponto 27, do Regulamento n.° 575/2013 que as instituições financeiras constituem «entidades do setor financeiro», à semelhança, nomeadamente, das instituições de crédito, das empresas de investimento e das empresas de seguros.

73      Ora, resulta do artigo 36.°, n.° 1, alíneas g) a i), do artigo 56.°, alíneas c) e d), e do artigo 66.°, alíneas b) a d), deste regulamento que os investimentos, realizados pelas instituições de crédito e pelas empresas de investimento, nas entidades do setor financeiro estão sujeitos a um regime específico que implica, em particular, determinadas deduções no cálculo dos fundos próprios dessas instituições e dessas empresas.

74      As participações qualificadas das instituições de crédito e das empresas de investimento fora do setor financeiro são, em contrapartida, regidas por regras diferentes, previstas, nomeadamente, no artigo 36.°, n.° 1, alínea k), e nos artigos 89.° e 90.° do referido regulamento, regras que podem, em especial, implicar uma ponderação dessas participações no cálculo dos requisitos de fundos próprios ou uma proibição dessas participações, quando estas excedam determinadas percentagens de fundos próprios da instituição de crédito ou da empresa de investimento em causa.

75      Decorre do exposto que o Regulamento n.° 575/2013 define as regras relativas à consolidação e aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e das empresas de investimento que, na medida em que sejam próprias das participações nas instituições financeiras ou noutras entidades do setor financeiro e que difiram das regras aplicáveis às participações fora do setor financeiro, podem ser vistas como estando baseadas na tomada em consideração da especificidade das atividades desse setor.

76      Ora, tal lógica seria posta em causa em caso de aplicação das regras próprias das participações nas entidades do setor financeiro a uma participação fora desse setor de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, pelo simples facto de esta última participação ser gerida por intermédio de uma filial dessa instituição ou dessa empresa cuja atividade consista na aquisição de participações.

77      Por último, o artigo 5.° da Diretiva 2013/36 prevê a coordenação interna das atividades das autoridades competentes para a supervisão não só das instituições de crédito e das empresas de investimento mas também das instituições financeiras, estabelecendo assim uma relação entre, por um lado, a supervisão prudencial do setor financeiro e, por outro, o controlo das instituições financeiras.

78      Do mesmo modo, o artigo 117.°, n.° 1, e o artigo 118.° desta diretiva enunciam as obrigações de cooperação entre as autoridades competentes dos Estados‑Membros aplicáveis às instituições financeiras, sem alargar esse regime às entidades não pertencentes ao setor financeiro nas quais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento detenha participações.

79      Em terceiro lugar, resulta do artigo 1.° da Diretiva 2013/36 e do artigo 1.° do Regulamento n.° 575/2013 que estes atos têm por objeto definir as regras relativas ao acesso à atividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Também decorre do considerando 5 desta diretiva e do considerando 14 deste regulamento que os referidos atos têm, nomeadamente, por objetivo contribuir para a realização do mercado interno no setor das instituições de crédito.

80      Resulta de todos os elementos precedentes que uma empresa cuja atividade principal não esteja relacionada com o setor financeiro, por não exercer, nem diretamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na aceção da Diretiva 2013/36 e do Regulamento n.° 575/2013.

81      Por conseguinte, há que responder às questões submetidas que o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.”

 

No quadro exposto, a Requerente não é uma entidade financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da sua atividade.

Realce-se que a Requerente não cabe sequer no artigo 117.º do RGICSF, nos termos do qual “só ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras”. Além de se tratar de uma norma de direito nacional, com finalidade de natureza estritamente prudencial, a Requerente, atento o seu objeto, não se subsume sequer no seu âmbito.

Invoca a Requerente jurisprudência do CAAD, a saber, a Decisão Arbitral proferida no processos n.º 911/2019-T 819/2019-T, 3/2020-T, 110/2020-T, 502/2020-T, 81/2021-T (relativo a Imposto do Selo suportado pela requerente com as operações de crédito aqui em causa por referência ao período de Março a Outubro de 2017), 281/2021-T, 334/2021-T, como contendo argumentos válidos para considerar esta isenção como sendo aplicável a esta entidade).

No entanto os argumentos neles contidos, salvo o devido respeito, interpretam grosseiramente o ordenamento jurídico no sentido de que a norma do artigo 7.º, n. º1, alínea e) do CIS remete para um conceito europeu de instituição financeira, que não encontra guarida nos normativos europeus aplicáveis. Na realidade, como ficou demonstrado, a remissão do conceito que é feita naquelas decisões arbitrais à Diretiva 2013/36/UE e ao Regulamento UE 575/2013, desconsidera por completo que os instrumentos financeiros têm como objeto o sector bancário e as entidades sujeitas à supervisão bancária, pelo que tais instrumentos não podem abranger (nem abrangem) simples SGPS.

No mesmo sentido, na interpretação de qualquer definição, incluindo a de “participação” (constante do artigo 4.º, do “Regulamento”) não nos podemos alhear que as mesmas são instrumentais à aplicação deste normativo, ou seja, tornar efetivo o seu âmbito e regime jurídico artigo 4.º, n.º1, do “Regulamento”. A definição de participação, sobretudo relevante para efeitos de supervisão prudencial, não pode, assim, deixar de referir-se às que são detidas pelas entidades que atuam no mercado bancário e financeiro, nos termos e para os efeitos dos diplomas acima mencionados. Para esse efeito basta atentar nas definições de Companhia financeira e Companhia financeira mista [cfr. artigo 4.º, pontos  20) e 21) do “Regulamento” ].

Argumenta a Requerente que: “Por referência justamente às sociedades gestoras de participações, a norma comunitária em referência apenas exclui do conceito de instituições financeiras as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE” [ ver artigo 4.º , 26) do “Regulamento”] .

Ou seja, na ótica da Requerente, se a norma comunitária se limita a excluir expressamente estas entidades do conceito de instituição financeira, então é porque todas as outras integram o conceito de instituição financeira. Ora, esta interpretação não tem o mínimo apoio literal, sistemático nem teleológico dos preceitos em causa. Repete-se, a interpretação da norma tem de ter em conta que estamos a tratar de entidades que, pela sua atividade, estão sujeitas aos requisitos prudenciais e regime de supervisão a que se refere o “Regulamento”, no domínio do setor bancário e financeiro, como ficou dito.    

Finalmente, também não tem qualquer paralelo o “papel de intermediação do financiamento da participada”, que a Requerente alega, confrontado com aquele que é exclusivamente desempenhado pelas instituições de crédito – “atividade de receção, do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria” (artigo 8.º do RGICSF).

Em síntese, podemos concluir que a Requerente, enquanto entidade meramente gestora de participações sociais, não preenche os requisitos que levam a classificar uma entidade como instituição financeira, a saber: i) O formal (pois não consta da enumeração dos diplomas Europeus mencionados, nem do nacional); e ii) O material, uma vez que a sua atividade não releva do mercado bancário e financeiro, de modo a convocar a aplicação do regime de supervisão constante da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013 e o RGICSF.

A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.

Assim, não ocorre, por tudo isto, a violação de lei invocada pela Requerente:

a)            Não só porque o conceito de benefício fiscal (no qual se enquadra o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS) é fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;

b)           Mas também porque que não é possível extrair de todo do regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

 

IV.2.C. Quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas

 

Quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas no artigo 82.º da ppa veio a Requerente suscitar que a orientação da Requerida ao pretender corrigir qualquer putativa deficiência em norma que brigue com o quantum do imposto devido, é indevida, porquanto só o legislador pode corrigi-la, alterando para o efeito a lei.

E não é qualquer legislador, porquanto as leis nestas matérias de impostos e benefícios fiscais estão abrangidas pela reserva de lei da Assembleia da República.

Seria, pois, inconstitucional a norma que permitisse tal correção por quem tem mera função de intérprete e aplicador da lei. A incidência e o afastamento da incidência dos impostos via benefícios fiscais são, constitucionalmente falando, reserva de lei da Assembleia da República, como tal insuscetíveis de serem modificadas casuisticamente por via administrativa ou outra, a pretexto de que, no critério do aplicador da lei a Assembleia da República devia ter legislado assim, ou assado, e não o fez.

E mais ainda, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, na redação em vigor à data dos factos (2017 e 2018), é inconstitucional quando interpretado (conforme pretendido pela AT) no sentido de excluir da lista de mutuárias suscetíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de instituições financeiras, as sociedades gestoras de participações sociais, num contexto em que é interpretado como incluindo os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento, os fundos de capital de risco, etc., por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias, (artigos 2.º - Estado de direito – e 13.º, da Constituição).

Não assiste à Requerente qualquer razão quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas.

Como ficou demonstrado, o resultado interpretativo a que se chegou é o que resulta da conjugação dos elementos interpretativos de ordem literal, sistemático e teleológico e não viola quaisquer normas ou princípios constitucionais. Pelo contrário, a acolher-se a tese da Requerente, no sentido de poder ser classificada como uma instituição financeira, é que conduziria o Tribunal a criar verdadeiramente uma norma que não existe nem na nossa jurídica nem na comunitária, com violação do princípio da separação de poderes.

Também não colhe qualquer violação do princípio da igualdade. Repare-se no absurdo da Requerente ao pretender colocar-se em pé de igualdade, na aplicação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, tal como acontece com os seus mutuários, quando a mesma, pela sua natureza e atividade, não está sujeita aos requisitos e regime jurídico especialmente exigente em matéria de preenchimento de regras prudenciais, a que estão sujeitas as entidades submetidas à Diretiva e ao “Regulamento”. Entre essas regras, temos, repete-se, as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, e, ainda, as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, etc. Regime este que, como vimos, se encontra justificado, na valoração feita pelos legisladores, quer da União, quer nacional, a garantir a estabilidade do mercado bancário e financeiro. 

 

  1. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

a.            Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b.            Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em €  722.926,41, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 10.404,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido principal foi totalmente improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 11 de fevereiro de 2024.

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

(João Marques Pinto)

 

 

(Paulo Nogueira da Costa)

 



[1] Não acompanhamos os valores apresentados pela AT na informação n.º 42-ISCPS1/2023 no âmbito do PROAT da A... (€ 718.828,18), e que não vingaram na acção administrativa que antecedeu o segundo despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em causa.

[2] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.