SUMÁRIO:
I – A CSR, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária.
II – A recusa do reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se a Administração Tributária provar que o imposto foi suportado, na íntegra ou parcialmente, por uma pessoa diferente do sujeito passivo, e que além disso não se repercutiu negativamente nas margens de venda ou no volume de vendas do sujeito passivo, de modo que o reembolso pudesse gerar um enriquecimento sem causa;
III – A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.
Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, João Taborda Gama e Miguel Patrício, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
A..., LDA., sociedade com sede em Rua ..., n.ºs ... a..., ...-... Porto, titular do número único de identificação fiscal e pessoa coletiva ... (“Requerente”), tendo sido notificada, através do Ofício n.º 2023..., de 24.02.2023, do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Diretor da Alfândega de Leixões, em 17.02.2023, de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de ISP e Contribuição do Serviço Rodoviário (“CSR”) n.º 2019/..., de 12.02.2019, n.º 2019/..., de 12.03.2019, n.º 2019/..., de 12.04.2019, n.º 2019/..., de 14.05.2019, n.º 2019/..., de 12.06.2019, n.º 2019/..., de 12.07.2019, n.º 2019/..., de 12.08.2019, n.º 2019/..., de 12.09.2019, n.º 2019/..., de 14.10.2019, n.º 2019/..., n.º 2019/..., 12.11.2019 e n.º 2019/..., de 12.12.2019, na parte relativa à CSR, referente a 2019, no montante global de € 8.154.907,16, vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL COLETIVO com designação de árbitros pelas partes, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma, designando a Requerente o Exmo. Senhor Dr. João Taborda da Gama, com os fundamentos que faz constar da petição inicial que aqui junta.
É Requerida a AT.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 30-05-2023, com indicação de árbitro, e foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 07-06-2023. Em 19-07-2023, foi designado o árbitro pela Requerida.
Em 05-09-2023, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou o árbitro presidente do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 05-09-2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O TAC encontra-se, desde 25 de setembro de 2023, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 25 de outubro de 2023.
Em 6 de dezembro de 2023, o TAC proferiu o seguinte despacho:
“1. Notifique-se a Requerente para exercer o direito de resposta quanto à matéria da exceção invocada pela Requerida.
2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a prova produzida é meramente documental.
3. Por outro lado, notifica-se as partes para, querendo, produzirem alegações, no prazo de 15 dias, em simultâneo, a começar a contar depois de decorrido o prazo para direito de resposta às exceções, podendo depois o processo prosseguir para a prolação da sentença.
4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.
5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Notifiquem-se as partes do presente despacho.”
Ambas as partes apresentaram alegações.
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POSIÇÃO DAS PARTES
II.1 Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
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A Requerente é uma sociedade que tem por objeto, entre outras atividades, a exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos.
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No contexto da sua atividade, a Requerente procede à introdução de produtos petrolíferos no mercado português, em particular gasolina e gasóleo rodoviário, entregando, para esse efeito, as respetivas declarações de introdução ao consumo junto da Alfândega competente.
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Com efeito, em 2019 a ora Requerente introduziu no mercado gasolina e gasóleo rodoviário nos seguintes valores (em litros):
Mês
|
Gasóleo
|
Gasolina 95
|
Gasolina 98
|
Janeiro
|
3 017 130,00
|
827 113,00
|
85 956,00
|
Fevereiro
|
2 063 964,00
|
554 010,00
|
53 394,00
|
Março
|
1 179 199,00
|
398 512,00
|
27 136,00
|
Abril
|
7 103 411,00
|
1 764 473,00
|
117 126,00
|
Maio
|
6 653 453,00
|
2 195 444,00
|
109 326,00
|
Junho
|
3 205 945,00
|
976 610,00
|
57 318,00
|
Julho
|
6 727 373,00
|
2 092 580,00
|
126 447,00
|
Agosto
|
9 955 167,00
|
3 075 068,00
|
325 140,00
|
Setembro
|
6 102 981,00
|
1 588 662,00
|
158 539,00
|
Outubro
|
1 849 159,00
|
564 762,00
|
52 990,00
|
Novembro
|
4 389 029,00
|
1 044 997,00
|
84 629,00
|
Dezembro
|
7 097 542,00
|
1 602 626,00
|
136 498,00
|
TOTAL GLOBAL
|
59 344 353,00
|
16 684 857,00
|
1 334 499,00
|
-
Tendo em consideração a introdução no consumo de produtos petrolíferos, é liquidado à Requerente um montante de CSR correspondente à multiplicação dos litros de gasolina e gasóleo rodoviário introduzidos no mercado acima identificados pelo valor da CSR estabelecido no artigo 4.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (“Lei 55/2007”)[1], nos termos do qual o valor da contribuição rodoviária corresponde a:
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€ 87/1.000 litros para a gasolina; e
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€ 111/1.000 litros para o gasóleo rodoviário.
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Assim, concretamente no que respeita ao ano de 2019, aqui em apreço, tendo por base as declarações de introdução no consumo, a AT emitiu à ora Requerente liquidações conjuntas de ISP, CSR e outros impostos no valor total de € 40.401.243,02, dos quais € 8.154.907,16, respeitam a CSR (cfr. documento n.º 1 que se junta), conforme se segue:
Mês
|
Gasóleo
|
CSR
Gasóleo
|
Gasolina 95
|
CSR
Gasolina 95
|
Gasolina 98
|
CSR
Gasolina 98
|
Janeiro
|
3 017 130,00
|
334 901,43 €
|
827 113,00
|
71 958,83 €
|
85 956,00
|
7 478,17 €
|
Fevereiro
|
2 063 964,00
|
229 100,00 €
|
554 010,00
|
48 198,87 €
|
53 394,00
|
4 645,28 €
|
Março
|
1 179 199,00
|
130 891,09 €
|
398 512,00
|
34 670,54 €
|
27 136,00
|
2 360,83 €
|
Abril
|
7 103 411,00
|
788 478,62 €
|
1 764 473,00
|
153 509,15 €
|
117 126,00
|
10 189,96 €
|
Maio
|
6 653 453,00
|
738 533,28 €
|
2 195 444,00
|
191 003,63 €
|
109 326,00
|
9 511,36 €
|
Junho
|
3 205 945,00
|
355 859,90 €
|
976 610,00
|
84 965,07 €
|
57 318,00
|
4 986,67 €
|
Julho
|
6 727 373,00
|
746 738,40 €
|
2 092 580,00
|
182 054,46 €
|
126 447,00
|
11 000,89 €
|
Agosto
|
9 955 167,00
|
1 105 023,54 €
|
3 075 068,00
|
267 530,92 €
|
325 140,00
|
28 287,18 €
|
Setembro
|
6 102 981,00
|
677 430,89 €
|
1 588 662,00
|
138 213,59 €
|
158 539,00
|
13 792,89 €
|
Outubro
|
1 849 159,00
|
205 256,65 €
|
564 762,00
|
49 134,29 €
|
52 990,00
|
4 610,13 €
|
Novembro
|
4 389 029,00
|
487 182,22 €
|
1 044 997,00
|
90 914,74 €
|
84 629,00
|
7 362,72 €
|
Dezembro
|
7 097 542,00
|
787 827,16 €
|
1 602 626,00
|
139 428,46 €
|
136 498,00
|
11 875,33 €
|
TOTAL GLOBAL
|
59 344 353,00
|
6 587 223,18 €
|
16 684 857,00
|
1 451 582,56 €
|
1 334 499,00
|
116 101,41 €
|
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Não podendo a ora Requerente concordar com a liquidação de CSR, porque manifestamente ilegal, deduziu, em 15.07.2022, pedido de revisão oficiosa contra os atos de liquidação (cfr. documento n.º 2 que se junta).
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Por Ofício n.º 2023S..., de 19.01.2023, da Alfândega de Leixões, a ora Requerente foi notificada do projeto de decisão do pedido de revisão oficiosa, no sentido do indeferimento (“Projeto de Decisão”), e para exercer o competente direito de audição prévia (cfr. documento n.º 3 que se junta).
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Em 24.01.2023, a ora Requerente exerceu o seu direito de audição prévia (cfr. documento n.º 4 que se junta).
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Em 14.02.2023, veio a ora Requerente a ser notificada do Ofício n.º 2023..., de 13.02.2023, da Alfândega de Leixões, destinado a retificar o Ofício n.º 2023S..., de 19.01.2023, no qual, por lapso, foi indicado no ponto II. Informação n.º 21-ENG/2022 da UGC de 19.12.2022, o nome da empresa “B..., Lda.”, quando o nome a indicar era o da ora Requerente – A..., Lda. (cfr. documento n.º 5 que se junta).
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Em 01.03.2023, por Ofício n.º 2023S..., veio a ora Requerente a ser notificada do Despacho do Exmo. Senhor Diretor da Alfândega de Leixões, proferido em 17.02.2023, de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de ISP e CSR n.º 2019..., de 12.02.2019, n.º 2019/..., de 12.03.2019, n.º 2019/..., de 12.04.2019, n.º 2019/..., de 14.05.2019, n.º 2019/..., de 12.06.2019, n.º 2019/..., de 12.07.2019, n.º 2019/..., de 12.08.2019, n.º 2019/..., de 12.09.2019, n.º 2019/..., de 14.10.2019, n.º 2019/..., n.º 2019/..., 12.11.2019 e n.º 2019/..., de 12.12.2019, na parte relativa à CSR, todas relativas ao período de 2019, no montante global de € 8.154.907,16 (cfr. documento n.º 6 que se junta).
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Não podendo a ora Requerente conformar-se com este ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, nem com aqueles atos de liquidação, porque ilegais, deduz o presente pedido de pronúncia arbitral.
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Está em causa no presente pedido de pronúncia arbitral a (i)legalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa e dos atos de liquidação de CSR emitidos e notificados à ora Requerente pela introdução no consumo de produtos petrolíferos, em concreto gasolina e gasóleo rodoviário, em 2019.
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A ilegalidade das liquidações de CSR ora postas em crise resulta de erro de Direito por violação do Direito Europeu e, por conseguinte, de inconstitucionalidade por violação do princípio do primado, consagrado no artigo 8.º, n.º 4 da CRP.
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Nos termos do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118[2]:
“Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.”.
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Significa isto que a criação de IEC não harmonizados depende, de acordo com as Diretiva 2008/118 e a Diretiva 2020/262, da verificação de duas condições:
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a existência de motivo específico válido; e
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o respeito pelas regras fiscais da União aplicáveis aos IEC ou ao IVA para a determinação da base tributável, cálculo, exigibilidade e fiscalização.
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Estas duas condições são cumulativas, como decorre do próprio texto do artigo 1.º, n.º 2 das Diretivas.
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No que respeita à primeira condição – a existência de “motivo específico” –, o TJUE veio já esclarecer que a existência de “motivo específico” não se confunde com finalidades meramente orçamentais.
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Com efeito, como referido pelo TJUE no acórdão Statoil Fuel & Retail, de 05.03.2015 (processo C-553/13), “a existência de um motivo específico na aceção da referida disposição [artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118] não pode ser estabelecida pela simples afetação das receitas do imposto considerado ao financiamento de despesas gerais que incumbem à coletividade pública num dado setor. Com efeito, no caso contrário, o alegado motivo específico não poderia ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental.” (cfr. parágrafo 40).
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Refere o TJUE neste acórdão Statoil Fuel & Retail (C-553/13) que as “despesas gerais [em causa nos autos] são suscetíveis de ser financiadas pelo produto de impostos de qualquer natureza. Por conseguinte o motivo específico invocado, ou seja, o financiamento da organização dos transportes públicos (…) não pode ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental” (cfr. parágrafo 44).
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Como tal, apesar de a afetação do produto de um imposto ao financiamento de competências atribuídas a uma qualquer entidade pública poder constituir um elemento considerar para aferir da existência de um “motivo específico”, essa afetação não é, por si só, suficiente.
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Isto porque está em causa matéria de organização interna do orçamento dos Estados-Membros, podendo os Estados-Membros decidir impor, independentemente do fim visado, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de certas despesas.
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Ora, se tal fosse, por si só, suficiente para concluir pela existência de um “motivo específico”, qualquer motivo seria “específico” para efeitos do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118 e da Diretiva 2020/262, desvirtuando de sentido e efeito útil o IEC harmonizado instituído por estas Diretivas.
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Resulta do exposto que, no entendimento do TJUE, um “motivo específico”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118 e, por conseguinte, da Diretiva 2020/262, não é uma finalidade meramente orçamental.
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Acresce que, nos termos do Direito da União, as disposições derrogatórias devem ser objeto de interpretação estrita, tal como reiterado pelo TJUE no acórdão Statoil Fuel & Retail (C-553/13) (cfr. parágrafo 39).
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Para que exista um “motivo específico” na aceção do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118 e da Diretiva 2020/262 é necessário que o imposto tenha por objeto, por si mesmo, assegurar a realização do motivo específico invocado e que, portanto, exista um vínculo direto entre a utilização das receitas do imposto e o referido motivo.
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Este mesmo é o entendimento do TJUE no acórdão Statoil Fuel & Retail (C-553/13), ao referir que “[p]ara que a afetação predeterminada do produto de um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo permita considerar que esse imposto tem um motivo específico na aceção da mesma disposição, é preciso que o imposto em causa tenha por objeto, por si mesmo, assegurar a realização do motivo específico invocado e que, portanto, exista um vínculo direto entre a utilização das receitas do imposto e o referido motivo (v., neste sentido, acórdão Transportes Jordi Besora, EU:C:2014:108, n.º 30).” (cfr. parágrafo 41).
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Ora, na ausência de tal mecanismo de afetação predeterminada de receitas, um imposto que incide sobre produtos sujeitos a IEC apenas pode ser considerado como tendo um “motivo específico”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118 e da Diretiva 2020/262, “se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo” (cfr. acórdão Statoil Fuel & Retail, C-553/13, parágrafo 42, com negritos e sublinhados nossos).
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A CSR, ora em apreço, consubstancia um tributo de iniciativa do legislador nacional, que incide sobre produtos sujeitos a ISP, qualificando-se, nos termos e para os efeitos do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118 e da Diretiva 2020/262, como um IEC não harmonizado.
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Como tal, a CSR só é válida à luz da Diretiva 2008/118 e da Diretiva 2020/262 se respeitar a dupla condição imposta pelas Diretivas de:
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ter subjacente à sua criação e cobrança pelo menos um “motivo específico”; e
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respeitar as regras fiscais da União aplicáveis aos IEC ou ao IVA para determinação da base tributável, cálculo, exigibilidade e fiscalização do imposto.
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Isto mesmo salientou o TJUE no caso Vapo Atlantic (C-460/21), a respeito da CSR criada pela Lei 55/2007, ora em apreço, ao referir que “os Estados‑Membros podem cobrar outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos. Por um lado, estes impostos devem ser cobrados por motivos específicos e, por outro, estas imposições devem ser conformes com as normas fiscais da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, bem como à liquidação, à exigibilidade, ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.
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Estes dois requisitos, que visam evitar que outras imposições indiretas entravem indevidamente as trocas comerciais, revestem assim caráter cumulativo, como decorre da própria redação do artigo 1.o, n.º 2, da Diretiva 2008/118 (v. Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C‑553/13, EU:C:2015:149, n.º 36, e, por analogia, Acórdão de 25 de julho de 2018, Messer France, C‑103/17, EU:C:2018:587, n.º 36).” (cfr. parágrafos 21 e 22).
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Nos termos da Lei 55/2007, as receitas da CSR são afetas ao financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Estradas de Portugal (“EP”) / Infraestruturas de Portugal (“IP”) e são exclusivamente utilizadas para esse fim.
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Assim, a CSR foi criada com a finalidade de financiar uma entidade a cargo da qual está a gestão de uma parcela importante da rede rodoviária nacional.
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Resulta cristalino do disposto na Lei 55/2007 que as razões que subjazem à criação da CSR são razões de natureza orçamental que se traduzem no “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E.” (cfr. artigo 3.º, n.º 2).
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Ora, o financiamento da rede rodoviária nacional reconduz-se a despesas que incumbem ao Estado ou a uma entidade pública como a EP/IP, independentemente da existência da CSR.
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Com efeito, estas despesas gerais são suscetíveis de serem financiadas pelo produto de impostos de qualquer natureza, pelo que o fundamento que subjaz à CSR – o financiamento da rede rodoviária nacional – não pode ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental.
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Refere o TJUE no caso Vapo Atlantic (C-460/21):
“No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.º 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.” (cfr. parágrafo 29, com negrito e sublinhado nossos).
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Entendeu ainda o TJUE no caso Vapo Atlantic (C-460/21) a respeito da CSR:
“Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar‑se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C‑103/17, EU:C:2018:587, n.º 38).
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Em terceiro lugar, (…) o decreto‑lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.” (cfr. parágrafos 30 e 31, com negrito nosso).
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Pode ainda ler-se na mesma decisão do TJUE que “o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos [redução da sinistralidade na rede rodoviária nacional concessionada à EP/IP e sustentabilidade ambiental]. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam‑se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.” (cfr. parágrafo 32, com negritos e sublinhado nossos).
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É manifesto, à luz do acima exposto e do decidido pelo TJUE no acórdão Statoil Fuel & Retail (C-553/13) e no caso Vapo Atlantic (C-460/21), este último especificamente sobre a CSR, que a afetação das receitas da CSR a estas finalidades não basta para demonstrar a existência de motivo específico, nos termos da Diretiva 2008/118 e da Diretiva 2020/262, porquanto estas são despesas gerais que incumbem à coletividade pública e que incumbiriam ao Estado português independentemente da criação deste imposto.
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A Lei 55/2007 evidencia, pois, que inexiste qualquer vínculo direto entre a utilização das receitas do CSR e a finalidade que está subjacente à sua criação, nos termos em que o TJUE tem densificado este conceito.
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Com efeito, nos termos do artigo 4.º da Lei 55/2007, a CSR incide de modo geral sobre todo o consumo de gasolina e gasóleo rodoviário, de quanto resulta que é suportada por um universo de contribuintes superior àquele que efetivamente utiliza a rede rodoviária nacional a cargo da EP/IP.
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Acresce que resulta evidente da Lei 55/2007 que a CSR também não possui estrutura, designadamente matéria coletável ou taxa de tributação, que vise “influenciar o comportamento dos contribuintes” no sentido de permitir a realização da finalidade de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP/IP.
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Ao analisar em concreto esta questão, o TJUE no caso Vapo Atlantic (C-460/21) refere que “os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel.” (cfr. parágrafo 33).
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Mais afirmando que “o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes” (cfr. parágrafo 34).
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Como tal, concluiu o TJUE no caso Vapo Atlantic (C-460/21), em que apreciou a (des)conformidade com o Direito da União das normas da Lei 55/2007 que criaram a CSR, que “há que responder à primeira questão que o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários” (cfr. parágrafo 36, com negrito e sublinhado nossos).
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No mesmo sentido concluiu o Tribunal Arbitral no processo n.º 564/2020-T (no âmbito do qual foi solicitado o reenvio prejudicial que originou o Despacho no caso C-460/21), no qual foram árbitros Carlos Fernandes Cadilha, na qualidade de Árbitro Presidente, e ainda Elisabete Louro Martins e Arlindo José Francisco, que decidiu:
“as receitas provenientes da CSR destinam-se essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária (…) e têm uma finalidade puramente orçamental. Nem a estrutura do imposto revela a intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis. E, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos (…).
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Haverá de concluir-se, face a todo o exposto, que a CSR, criada pela Lei 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 (…)” (com negritos nossos).
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Em sentido idêntico veja-se o decidido no processo n.º 305/2022-T, no qual foram árbitros Manuel Macaísta Malheiros, na qualidade de Árbitro Presidente, Luís Menezes Leitão e Jesuíno Alcântara Martins.
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Importa destacar o decidido no processo n.º 304/2022-T, no qual foram árbitros Nuno Cunha Rodrigues, na qualidade de Árbitro Presidente, Nina Aguiar e António Melo Gonçalves, pois foi mais longe o Tribunal Arbitral ao referir:
“parece-nos clara a inconsistência na definição dos alegados “motivos específicos” da CSR, na medida em que a Lei 55/2007, no seu art.º 3.º, n.º 2 estipula que a CSR tem como finalidade específica o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal E.P.E. e mais concretamente a respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento; enquanto o ponto 4 da Base 2 do Decreto-Lei n.º 380/2007, que atribui às EP - Estradas de Portugal, S. A., a concessão do financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional e aprova as bases da concessão, estipula que é dever da concessionária (al. b) “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro ii anexo às presentes bases.”
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Não que exista, evidentemente, qualquer incompatibilidade entre estas duas missões cometidas à atual Infraestruturas de Portugal, S.A.. O que existe, sim, é inconsistência quando se sustenta que as duas finalidades constituem o motivo específico da CSR.
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Inconsistência que se vê ainda mais nítida quando se considera que a finalidade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional a cargo da entidade é a finalidade que a Lei 55/2007 atribui à CSR, e é uma finalidade de âmbito geral, que incumbe necessariamente ao Estado e que poderia ser financiada por quaisquer receitas fiscais; enquanto prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro ii anexo às presentes bases é uma missão atribuída através de um contrato de concessão, e não consta da lei que cria e regula a CSR, não se encontrando na lei tributária nenhuma norma que assegure que a CSR é afetada na sua totalidade a essa finalidade específica, pelo contrário, resulta da lei tributária (Lei 55/2007) que o não pode ser.
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Há, assim, que concluir, que a CSR não tem um “motivo específico”, antes se destina ao financiamento de despesas de caráter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são suscetíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de “motivo específico” o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118.” (com negritos e sublinhados nossos).
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Deste modo, é inquestionável que a CSR não cumpre uma das condições cumulativas a que o artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118 e da Diretiva 2020/262 sujeita os impostos indiretos não harmonizados que incidam sobre produtos sujeitos a IEC por ela regulados.
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Nestes termos, é forçoso concluir que os artigos 1.º, 2.º, n.º 1, 3.º, 4.º, n.º 1 e 5.º, n.º 1 se encontram em contradição com o disposto no artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118 e da Diretiva 2020/262 sendo, nessa medida, inconstitucionais por violação do princípio do primado do Direito da União sobre o Direito interno ordinário, consagrado no artigo 8.º, n.º 4 da CRP, e ilegais.
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Do exposto decorre a ilegalidade dos atos de liquidação de CSR de 2019, ora postas em crise, no montante de CSR de € 8.154.907,16, que devem ser anuladas.
II.2 Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
POR EXCEPÇÃO – Da incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria
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A espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.
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Sendo que, além da decisão proferida no indicado processo arbitral, a competência da Instância arbitral no que concerne à impugnação de contribuições financeiras foi igualmente objeto de análise nos Processos arbitrais n.º 123/2019-T, 138/2019-T, 182/2019-T, 248/2019-T e 585/2020-T, sendo consensual o entendimento de que, a sindicâncias de tais contribuições se encontra excluída da competência dos tribunais arbitrais tributários.
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E, quanto à natureza jurídica da CSR, não se suscitam dúvidas que a mesma constitui uma contribuição financeira, distinguindo-se, assim, do imposto.
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De facto, de acordo com o disposto no artigo 1.º e no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, a CSR foi criada com o objetivo de financiar a rede rodoviária nacional, a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (doravante IP), nos termos do Contrato de Concessão Geral da rede rodoviária nacional celebrado com o Estado, e “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis “Existindo um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, a rede rodoviária nacional a cargo da IP é financiada pelos seus utilizadores (princípio do utilizador-pagador), e apenas subsidiariamente pelo Estado, cf. artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, constituindo receita própria da IP.
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Representando, assim, a CSR, uma contraprestação/contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes/utilizadores das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da referida concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro.
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De acordo com o contrato de concessão, a IP está obrigada a “serviços públicos” específicos, como a conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.
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Tratando-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários (os utilizadores da rede rodoviária nacional), se efetiva na compensação da conservação e requalificação da rede rodoviária nacional, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira e não de imposto.
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Nesse sentido, a CSR encontra-se excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.
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Razões pelas quais, a sindicância dos atos de liquidação de CSR está fora do âmbito das matérias suscetíveis de apreciação em sede arbitral, conforme resulta do artigo 2.º do RJAT, verificando-se a exceção dilatória que se traduz na incompetência material do tribunal arbitral, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.
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Todavia, ainda que se entenda ser o tribunal arbitral competente para apreciar a legalidade desta contribuição financeira, mais se dirá que, sempre existiria a incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via.
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Efetivamente, resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral, e sua fundamentação, que o que a Requerente suscita junto desta instância arbitral é a legalidade do regime da CSR, no seu todo.
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De facto, ao sustentar o seu pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, não obstante com fundamento na sua desconformidade face ao direito europeu a Requerente vem questionar todo o regime jurídico desta contribuição, conforme resulta do PPA.
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No seu articulado a Requerente põe em causa, não uma, ou mais normas da Lei n.º 55/2007, de 31/08, e demais legislação atinente a esta contribuição, mas o regime da CSR, in totum, fazendo referência às motivações da própria lei e à sua estrutura.
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Resultando de toda a verve argumentativa da Requerente que o que, de facto, pretende é suscitar questão referente à apreciação da legalidade do regime da CSR, o qual, considerado desconforme com o direito europeu, é apresentado como fundamento do pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação na parte relativa à CSR.
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Até porque, quanto à pretensão impugnatória, assente na inexistência de “motivo específico”, a que se refere o n.º 2, do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, não pode resultar da decisão proferida no âmbito do Proc. C-460/21, já que, quanto ao eventual direito a reembolso, admite-se a prova da repercussão do tributo.
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Concluindo-se que, no presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente vem suscitar uma questão que se prende com a natureza e conformidade jurídico-constitucional do regime jurídico da CSR, plasmado na Lei n.º 55/2007 (e artigo 204.º da Lei n.º 7-A/2016 – Lei do OE para 2016), e, concomitantemente, na restante legislação, incluindo o Decreto- Lei n.º 380/2007, de 13/11, e Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29/05, todos na redação aplicável à data dos factos.
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Pelo que, pretendendo a Requerente, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos.
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Ora, considerando o teor do pedido e sua fundamentação, o mesmo extravasa o âmbito da Ação Arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º, o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político- legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a atos de liquidação de impostos, determina a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa.
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Isto é, a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, não é da competência do tribunal arbitral.
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Ora, na verdade, sendo a competência taxativa, não se admite a apreciação de atos de natureza legislativa, emanados da função legislativa como é o caso da Lei do Orçamento (reserva exclusiva da Assembleia da República, artigo 161.º, alínea g), da CRP), e da Lei n.º 55/2007 (artigo 161.º, alínea c), da CRP) não podendo ser sindicáveis através de impugnação arbitral, por força do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
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Afigurando-se inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pela Requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem.
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O tribunal arbitral já se pronunciou amiúde sobre a sua competência mormente nas decisões proferidas nos Processos n.º 212/2020-T, n.º 707/2019-T, n.º 131/2019-T e n.º 117/2021-T.
POR EXCEPÇÃO – Da caducidade do direito de ação
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Não se encontra verificada a afirmação vertida pela Requerente acerca da tempestividade do presente pedido arbitral.
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Pelo contrário, entende a Requerida que, no caso dos autos, deve proceder a exceção da intempestividade do pedido arbitral com base na intempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações efetuadas, cuja decisão de indeferimento está na origem do presente pedido arbitral.
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Com efeito, constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 30/05/2023, do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, apresentado junto da Alfândega de Leixões em 15/07/2022, ao abrigo do n.º 1 artigo 78.º da LGT (cf. Doc. 2 junto com o PPA e PA).
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E para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral, não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão oficiosa.
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A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa em 15/07/2022, junto da Alfândega de Leixões, de atos de liquidação efetuados no ano de 2019, a título de ISP, CSR, na parte relativa aos montantes liquidados a título de CSR.
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Tal pedido de revisão foi efetuado nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.
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Sucede, aliás, que o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral não serão tempestivos quanto a algumas das identificadas liquidações.
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É que, tomando por referência o ano em que foram efetuados os atos de liquidação, ano de 2019, em 15/07/2022, data em que foi apresentado do pedido de revisão oficiosa ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa (de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/CSR), previsto na 1ª parte do nº 1 do artigo 78.º da LGT.
POR IMPUGNAÇÃO
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A A..., Lda., ora Requerente, é um operador económico, detentor de estatuto IEC concedido ao abrigo e nos termos do regime previsto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto–Lei n.º 73/2010, de 21 de junho.
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Enquanto operador IEC a Requerente atua na área dos produtos petrolíferos e energéticos, encontrando-se, quanto às introduções em causa nos presentes autos (cf. estância aduaneira identificada nas cópias dos DUC), sob a jurisdição da Alfândega de Leixões, constituindo esta, neste âmbito a estância aduaneira de controlo do operador.
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De acordo com a informação constante do Processo Administrativo, com referência ao ano de 2019, a Requerente efetuou introduções no consumo de produtos petrolíferos, tendo sido processadas as respetivas Declarações de Introdução no Consumo (e-DIC) e emitido o Documento Único de Cobrança em conformidade, referentes às liquidações identificadas (cf. PA, e documentos/DUC).
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Em 15/07/2022, a Requerente apresentou junto da Alfândega de Leixões um pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de ISP/CSR relativos ao ano de 2019, quanto à parte em que foram objeto de liquidação da CSR.
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O pedido de revisão oficiosa foi objeto de pronúncia por parte da AT, tendo a Alfândega de Leixões e a Unidade dos Grandes Contribuintes efetuado a análise do pedido, conforme resulta dos elementos junto ao PA.
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Na sequência da notificação e pronúncia da Requerente em sede de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, mantendo-se o projeto de decisão, foi proferida a decisão final.
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Assim, por despacho de 17/02/2023, do Diretor da Alfândega de Leixões, foi indeferido o pedido de revisão oficiosa apresentado, decisão que veio a ser notificada à Requerente pelo ofício n.º 2023..., de 24/02/2023, rececionado em 01/03/2023.
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Em 30/05/2023 a Requerente apresentou, junto da Instância Arbitral, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, formulando o pedido de anulação dos atos de liquidação de CSR efetuados no ano de 2019, no montante de 8.154.907,16 €, bem como a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios.
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A estrutura tributária específica da CSR, a análise que, em concreto, foi efetuada pela AT, através da ação da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), ao tratamento contabilístico e ao enquadramento fiscal que a Requerente efetua à CSR, bem como a existência de legislação relativa à fatura de venda dos produtos em causa, e a nova redação do artigo 2.º do CIEC, introduzida pela Lei n.º 24-E/2022 são demonstrativas da repercussão desta contribuição no Preço de venda ao público (PVP).
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Em qualquer caso, o reembolso dos montantes pagos a título de CSR a quem paga o imposto ao Estado, mas não o suporta (já que, quem suporta a carga do imposto são, efetivamente, os seus clientes), comprovado, aliás, também, pelos pedidos arbitrais apresentados por consumidores que não são sujeitos passivos, configura uma situação de enriquecimento sem causa, fonte de obrigações, no âmbito do direito civil, nos termos do artigo 474.º do Código Civil.
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Posição igualmente sufragada por Manuel Macaísta Malheiros, ao afirmar que: Entendo que os autos contêm elementos suficientes que demonstram a prática pela Requerente da repercussão da CSR no preço do produto fornecido aos adquirentes, locupletando-se à custa dos clientes.
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A Requerida demonstrou essa prática de forma, a meu ver, suficiente não deixando dúvidas de que houve repercussão.
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Caso se entenda que há dúvidas sobre se a Requerente tinha repercutido total ou parcialmente a CSR sobre os clientes então o tribunal deveria decidir que o montante eventualmente a restituir à Requerente, em consequência da anulação decidida, ser fixado em liquidação de sentença, nos termos do artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado…” em execução da sentença. (voto vencido na decisão do Proc. 305/2022-T, não transitada).
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Como é consabido, o enriquecimento carecerá de causa sempre que o direito não o aprove ou consente, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida, isto é, que legitime o enriquecimento.
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Nas palavras do Prof. Antunes Varela o enriquecimento será injusto quando, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outra pessoa.
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Dado que a lei não define tal conceito, e dada a natureza diversa da fonte de que pode emergir, tal significa que o enriquecimento injusto terá sempre que ser apreciado e aferido casuisticamente, interpretando e integrando a lei à luz dos factos apurados.
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Ora, no caso sub judice, como vimos, não existe uma causa concreta que justifique o reembolso da CSR à Requerente, pois este encargo fiscal é efetivamente suportado por uma pessoa diferente do sujeito passivo do tributo, o consumidor final.
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Assim, a prova da repercussão da CSR nos preços praticados ao consumidor feita pela AT é demonstrativa da falta de causa justificativa para o reembolso da CSR à Requerente, com fundamento no enriquecimento sem causa.
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Ao reembolsar a CSR à Requerente o Estado estaria a transferir para esta entidade as verbas que os consumidores finais suportaram quando adquiriram os combustíveis, sendo que os consumidores continuariam a suportar o impacto negativo que esta contribuição causou, o Erário Público no final não arrecadaria qualquer receita (num primeiro momento arrecadou, mas num momento posterior estaria a devolver o valor cobrado), passando a Requerente a ser a beneficiária efetiva de uma receita, sem qualquer causa legítima, que não faz qualquer sentido que constitua rendimento desta entidade (na medida em que quem suportou efetivamente o encargo com a CSR foram os consumidores finais).
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Com o que, certamente, também concorda Sérgio Vasques porquanto, na obra supracitada (Manual de Direito Fiscal), defende que “A doutrina do enriquecimento sem causa constitui, portanto, uma válvula de segurança que tem permitido lidar com os casos em que o reembolso ao sujeito passivo leva a uma distribuição do encargo do imposto contrária ao princípio da neutralidade e, diríamos nós, contrária ao princípio da capacidade contributiva”.
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Além disso, acrescente-se, tal situação configuraria ainda uma violação do princípio da justiça tributária, por via do consagrado no artigo 103.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, não sendo a justiça material, por força do princípio da legalidade fiscal, a justiça no exclusivo interesse de qualquer das partes, mas a justiça distributiva, que é a almejada pelo direito fiscal, visando o sistema fiscal a prossecução da verdade e da justiça material.
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Face a todo o supra explanado, é imperioso concluir-se que, ainda que se considerasse que o regime jurídico da CSR não é conforme ao direito comunitário, o que apenas para efeitos de raciocínio se concebe, tem o tribunal de considerar provado que o montante de 8.154.907,16 €, pago a título de CSR, relativamente a introduções no consumo efetuadas em 2019, não pode ser reembolsado à Requerente dado que tal montante não foi pela mesma suportado, pois ao ter sido incluído no preço de venda ao público dos combustíveis, o respetivo encargo recaiu sobre os consumidores finais dos produtos.
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Peticiona a Requerente a restituição do valor total de 8.154.907,16 € a título de CSR que teria pago indevidamente, importando referir que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, com competência para a apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos (artigo 2.º, n.º 1).
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Ora, além da CSR não se tratar de um imposto, como se aludiu acima, as atribuições dos tribunais arbitrais tributários não incluem competências no âmbito da execução de sentenças/decisões, não lhes competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, em concreto, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação, o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão, em conformidade, aliás, com o já decidido pela instância arbitral nesse sentido.
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Assim, incumbindo às alfândegas efetuar as liquidações, compete-lhes igualmente promover as diligências necessárias ao cumprimento das decisões arbitrais, designadamente quanto ao cálculo dos montantes que, em caso de procedência das ações, venham a ser reembolsados ao sujeito passivo.
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Além dos demais pedidos formulados, peticiona, ainda, a Requerente, o pagamento de juros indemnizatórios que, no seu entender, seriam devidos por conta da anulação dos atos de liquidação.
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É que, peticionando-se o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento, há que considerar que o pedido arbitral foi efetuado na sequência de um pedido de revisão oficiosa que a Requerente apresentou junto da Alfândega de Leixões.
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De facto, embora o n.º 1 do artigo 43.º da LGT estabeleça que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido,
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A alínea c), do n.º 3, do mesmo artigo 43.º, ao dispor que são igualmente devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste , salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”, consagra um critério especial para os casos em que seja apresentado pedido de revisão da liquidação.
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Deste modo, e seguindo a abundante e consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, mormente a vertida nos Acórdãos de 28/01/2015, no Processo n.º 0722/14, de 11/12/2019, no Processo n.º 058/19.9BALSB, de 20/05/2020, no Processo n.º 05/19.8BALSB, de 26/05/2022, no Proc. n.º 159/21.3BALSB, entende-se que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto (cf. artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT).
-
No mesmo sentido já se pronunciou o tribunal arbitral, designadamente nas decisões proferidas nos processos n.º 296/2020-T, 18/2021-T, 785/2020-T e 271/2021-T.
-
Assim, atendendo a que, no caso concreto, o pedido de revisão foi apresentado em 15/07/2022, junto da estância aduaneira competente, só haveria lugar ao pagamento de juros indemnizatórios um ano após aquele pedido, face ao estabelecido na alínea c), do n.º 3, do Concluindo-se que, independentemente de o pedido ser, ou não, favorável ao contribuinte, só há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos sobreditos.
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Destarte, face ao que se invoca, não se verifica, conforme se expôs, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios. artigo 43.º da LGT.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
O processo não enferma de nulidades.
-
Fundamentação
IV.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
-
A Requerente é uma sociedade que tem por objeto, entre outras atividades, a exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos.
-
No contexto da sua atividade, a Requerente procede à introdução de produtos petrolíferos no mercado português, em particular gasolina e gasóleo rodoviário, entregando, para esse efeito, as respetivas declarações de introdução ao consumo junto da Alfândega competente.
-
Com efeito, em 2019 a ora Requerente introduziu no mercado gasolina e gasóleo rodoviário nos seguintes valores (em litros):
Mês
|
Gasóleo
|
Gasolina 95
|
Gasolina 98
|
Janeiro
|
3 017 130,00
|
827 113,00
|
85 956,00
|
Fevereiro
|
2 063 964,00
|
554 010,00
|
53 394,00
|
Março
|
1 179 199,00
|
398 512,00
|
27 136,00
|
Abril
|
7 103 411,00
|
1 764 473,00
|
117 126,00
|
Maio
|
6 653 453,00
|
2 195 444,00
|
109 326,00
|
Junho
|
3 205 945,00
|
976 610,00
|
57 318,00
|
Julho
|
6 727 373,00
|
2 092 580,00
|
126 447,00
|
Agosto
|
9 955 167,00
|
3 075 068,00
|
325 140,00
|
Setembro
|
6 102 981,00
|
1 588 662,00
|
158 539,00
|
Outubro
|
1 849 159,00
|
564 762,00
|
52 990,00
|
Novembro
|
4 389 029,00
|
1 044 997,00
|
84 629,00
|
Dezembro
|
7 097 542,00
|
1 602 626,00
|
136 498,00
|
TOTAL GLOBAL
|
59 344 353,00
|
16 684 857,00
|
1 334 499,00
|
-
Tendo em consideração a introdução no consumo de produtos petrolíferos, é liquidado à Requerente um montante de CSR correspondente à multiplicação dos litros de gasolina e gasóleo rodoviário introduzidos no mercado acima identificados pelo valor da CSR estabelecido no artigo 4.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (“Lei 55/2007”)[3], nos termos do qual o valor da contribuição rodoviária corresponde a:
-
€ 87/1.000 litros para a gasolina; e
-
€ 111/1.000 litros para o gasóleo rodoviário.
-
Assim, concretamente no que respeita ao ano de 2019, aqui em apreço, tendo por base as declarações de introdução no consumo, a Requerida emitiu à Requerente liquidações conjuntas de ISP, CSR e outros impostos no valor total de € 40.401.243,02, dos quais € 8.154.907,16, respeitam a CSR (cfr. documento n.º 1 junto ao Pedido Arbitral), conforme se segue:
Mês
|
Gasóleo
|
CSR
Gasóleo
|
Gasolina 95
|
CSR
Gasolina 95
|
Gasolina 98
|
CSR
Gasolina 98
|
Janeiro
|
3 017 130,00
|
334 901,43 €
|
827 113,00
|
71 958,83 €
|
85 956,00
|
7 478,17 €
|
Fevereiro
|
2 063 964,00
|
229 100,00 €
|
554 010,00
|
48 198,87 €
|
53 394,00
|
4 645,28 €
|
Março
|
1 179 199,00
|
130 891,09 €
|
398 512,00
|
34 670,54 €
|
27 136,00
|
2 360,83 €
|
Abril
|
7 103 411,00
|
788 478,62 €
|
1 764 473,00
|
153 509,15 €
|
117 126,00
|
10 189,96 €
|
Maio
|
6 653 453,00
|
738 533,28 €
|
2 195 444,00
|
191 003,63 €
|
109 326,00
|
9 511,36 €
|
Junho
|
3 205 945,00
|
355 859,90 €
|
976 610,00
|
84 965,07 €
|
57 318,00
|
4 986,67 €
|
Julho
|
6 727 373,00
|
746 738,40 €
|
2 092 580,00
|
182 054,46 €
|
126 447,00
|
11 000,89 €
|
Agosto
|
9 955 167,00
|
1 105 023,54 €
|
3 075 068,00
|
267 530,92 €
|
325 140,00
|
28 287,18 €
|
Setembro
|
6 102 981,00
|
677 430,89 €
|
1 588 662,00
|
138 213,59 €
|
158 539,00
|
13 792,89 €
|
Outubro
|
1 849 159,00
|
205 256,65 €
|
564 762,00
|
49 134,29 €
|
52 990,00
|
4 610,13 €
|
Novembro
|
4 389 029,00
|
487 182,22 €
|
1 044 997,00
|
90 914,74 €
|
84 629,00
|
7 362,72 €
|
Dezembro
|
7 097 542,00
|
787 827,16 €
|
1 602 626,00
|
139 428,46 €
|
136 498,00
|
11 875,33 €
|
TOTAL GLOBAL
|
59 344 353,00
|
6 587 223,18 €
|
16 684 857,00
|
1 451 582,56 €
|
1 334 499,00
|
116 101,41 €
|
-
A Requerente deduziu, em 15.07.2022, pedido de revisão oficiosa contra os atos de liquidação (cfr. documento n.º 2 junto com o Pedido Arbitral).
-
Por Ofício n.º 2023..., de 19.01.2023, da Alfândega de Leixões, a Requerente foi notificada do projeto de decisão do pedido de revisão oficiosa, no sentido do indeferimento (“Projeto de Decisão”), e para exercer o competente direito de audição prévia (cfr. documento n.º 3 junto ao Pedido Arbitral).
-
Em 24.01.2023, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia (cfr. documento n.º 4 junto ao Pedido Arbitral).
-
Em 14.02.2023 a Requerente foi notificada do Ofício n.º 2023..., de 13.02.2023, da Alfândega de Leixões, destinado a retificar o Ofício n.º 2023..., de 19.01.2023, no qual, por lapso, foi indicado no ponto II. Informação n.º 21-ENG/2022 da UGC de 19.12.2022, o nome da empresa “B..., Lda.”, quando o nome a indicar era o da Requerente – A..., Lda. (cfr. documento n.º 5 junto ao Pedido Arbitral).
-
Em 01.03.2023, por Ofício n.º 2023..., a Requerente foi notificada do Despacho do Diretor da Alfândega de Leixões, proferido em 17.02.2023, de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de ISP e CSR n.º 2019/..., de 12.02.2019, n.º 2019/..., de 12.03.2019, n.º 2019/..., de 12.04.2019, n.º 2019/..., de 14.05.2019, n.º 2019/..., de 12.06.2019, n.º 2019/..., de 12.07.2019, n.º 2019/..., de 12.08.2019, n.º 2019/..., de 12.09.2019, n.º 2019/..., de 14.10.2019, n.º 2019/..., n.º 2019/..., 12.11.2019 e n.º 2019/..., de 12.12.2019, na parte relativa à CSR, todas relativas ao período de 2019, no montante global de € 8.154.907,16 (cfr. documento n.º 6 junto ao Pedido Arbitral).
-
A Requerente deduziu o presente pedido de pronúncia arbitral em 30 de maio de 2023, alegando a ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa e dos atos de liquidação de CSR acima descritos.
Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[4], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. 2. Matéria de Direito
IV.2.A. Exceção de incompetência absoluta do tribunal por o pedido de pronúncia arbitral ter como objeto atos de liquidação de um tributo qualificável como “contribuição financeira”
A Requerida sustenta que as liquidações em causa se referem a um tributo que tem a qualificação de “contribuição financeira”, estando a apreciação da sua legalidade excluída da competência dos tribunais arbitrais, por força dos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.
Em primeiro lugar[5], nos termos do art.º 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais tributários abrange a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de quaisquer tributos, pelo que a qualificação da CSR como contribuição financeira não determinaria a incompetência do tribunal, mas apenas a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária, ao abrigo do art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Desde a revisão constitucional de 1997, que deu à alínea i) do nº 1 do art.º 165.º da CRP a sua atual redação, não pode restar mais qualquer dúvida de que o sistema tributário português comporta três categorias de tributos: os impostos, as taxas e as “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (acórdãos TC n.º 365/2008, de 02.07.2008; e n.º 539/2015, de 21.10.2015, proc. 27/15).
Quanto à taxa, ela consiste numa prestação pecuniária, definitiva, sem caráter sancionatório, que forma o objeto de uma obrigação ex lege, e que se destina ao financiamento dos gastos públicos; esta espécie de tributo distingue-se do imposto pelo caráter bilateral, ou sinalagmático da relação jurídica da qual é o objeto, na medida em que o sujeito passivo da taxa tem um direito especificamente ligado ao seu pagamento, direito esse a que corresponde um dever jurídico por parte do sujeito ativo, sendo que um e outro se contêm na estrutura da relação jurídica tributária (vd. acórdãos do TC n.º 20/2003, de 15.01.2003, proc. 327/02; n.º 461/87, de 16.12.1987, proc. 176/87; n.º 76/88, de 07/04/1988, proc. 2/87; n.º 67/90, de 14.03.1990, proc. 89/89; n.º 297/2018, de 07/06/2018, proc. 1330/17, entre muitos outros).
Quanto ao imposto, ele consiste numa prestação pecuniária, que forma o objeto ou conteúdo material de uma obrigação ex lege, com caráter definitivo, mas sem caráter sancionatório, e que se destina “à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” (acórdãos TC n.º 539/2015, de 21.10.2015, proc. 27/15; nº 437/2021, de 22.06.2021, proc. 82/21). O imposto caracteriza-se ainda por se inserir numa relação tributária unilateral, não sinalagmática, o que significa que não existe, pela parte do sujeito passivo, nenhum direito específico correlacionado com a obrigação tributária, nem da parte do sujeito ativo, nenhuma obrigação específica para com o primeiro, que tenha o caráter de contrapartida pelo pagamento do imposto (esta conceção do imposto encontra-se plenamente sancionada por uma vasta e consistente jurisprudência do Tribunal Constitucional, podendo citar-se os acórdãos n.º 582/94, de 26.10.1994, proc. 596/93; n.º 583/94, de 26.10.1994, proc. 536/93; n.º 584/94, de 26.10.1994, proc. 540/93; n.º 1140/96, de 06.11.1996, proc. 569/96; n.º 274/2004, de 20.04.2004, proc. 295/03, entre muitos outros).
Dada a estrutura unilateral, não sinalagmática, da relação tributária que tem como objeto o imposto, a definição do respetivo quantum baseia-se na capacidade contributiva dos sujeitos passivos (acórdão TC n.º 437/2021, de 22.06.2021, proc. 82/21); já no caso da taxa, dada a estrutura bilateral ou sinalagmática da relação jurídica tributária da qual aquela é objeto, a definição do respetivo quantum baseia-se numa aproximação ou estimativa do valor da contraprestação (princípio da equivalência jurídica) (acórdão TC n.º 301/2021, de 13.05.2021, proc. 181/20), podendo esse valor ser definido pelo custo que a prestação tem para o sujeito ativo, pelo valor do benefício que o sujeito passivo obtém, ou ainda por outras grandezas sempre estreitamente correlacionadas com a prestação pública individualizada que integra o sinalagma.
Quanto à “contribuição financeira” (designemo-la assim, ficando entendido que nos referimos às “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” referidas na al. i) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP, e salvaguardando que não se encontra doutrinal ou jurisprudencialmente encerrada a questão da designação, única ou plural, desta categoria de tributos bem como das espécies que ela possa comportar), o Tribunal Constitucional tem optado por não adotar uma definição fechada, recorrendo antes a vários contributos que vão sendo desenvolvidos pela doutrina.
No acórdão n.º 7/2019 (de 13.05.2021, proc. 301/21, relator Almeida Ribeiro), o Tribunal Constitucional diz:
“Segundo Sérgio Vasques estes tributos situam-se no terreno intermédio que vai das taxas aos impostos, incluindo-se nesta categoria «não apenas as taxas de regulação económica, mas toda a parafiscalidade associativa, as contribuições para a segurança social, as contribuições especiais de melhoria, assim como o universo crescente dos tributos ambientais, todos eles com estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários» (...).”
No mesmo aresto o tribunal cita também Suzana Tavares da Silva, nos seguintes termos:
“E de acordo com Suzana Tavares da Silva estes tributos podem «agrupar-se em três tipos fundamentais: 1) como instrumento de financiamento de novos serviços de interesse geral que ocasionam um benefício concreto imputável a alguns destinatários diferenciados (ex. prevenção de riscos naturais) – contribuições especiais financeiras; 2) como instrumento de financiamento de novas entidades administrativas cuja atividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários (ex. taxas de financiamento das entidades reguladoras) — contribuições especiais parafiscais; e 3) como instrumentos de orientação de comportamentos (finalidades extrafiscais) — contribuições orientadoras de comportamentos ou (...) contribuições especiais extrafiscais» (...)”
Finalmente, no mesmo aresto, o Tribunal cita a sentença do tribunal a quo, nos seguintes termos:
“(...) [E]sta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade /causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública — mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários.”
Não há, pois, dúvida de que a “contribuição financeira” é hoje entendida, consensualmente, como uma prestação pecuniária coativa definitiva e não sancionatória (um tributo, portanto) que forma o objeto de uma relação jurídica tributária com uma estrutura de “bilateralidade ou comutatividade coletiva ou grupal”, na medida em que a obrigação tributária impende individualmente sobre os membros de um grupo de sujeitos passivos, mas tendo essa obrigação uma contrapartida, a qual consiste numa prestação, de caráter público, a que está obrigado o sujeito ativo, não individualizada, mas coletiva, na medida em que a atividade é prestada de forma difusa ao grupo de sujeitos passivos.
Sendo, assim, a comutatividade coletiva o traço distintivo que caracteriza a contribuição financeira, a dificuldade está em concretizar em que se traduz essa comutatividade coletiva que não assenta, como na taxa, numa contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo.
O Supremo Tribunal Administrativo já por várias vezes analisou a questão e, sem em nenhum momento se afastar da jurisprudência do Tribunal Constitucional, tem caraterizado o “nexo de bilateralidade ou comutatividade coletiva” nos seguintes termos (STA 2 Sec. Ac. De 04.07.2018, proc. 01102/17, relator Casimiro Gonçalves):
“(...) quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.”
Baseando-nos em todas os anteriores contributos jurisprudenciais e doutrinários, mas sobretudo no último acórdão citado do STA, concluímos que não é o simples facto de um tributo ter, desde logo, a designação de “contribuição” (ac. TC paran.º 539/2015) e nem o facto de esse tributo ter a respetiva receita consignada (ac. TC n.º 232/2022), que o qualifica automaticamente como “contribuição financeira”; antes é, para tal, necessário, como judicia o STA, que esse tributo tenha com finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.”
Com efeito, o sistema tributário comporta tributos que têm a designação de “contribuições” e são verdadeiros impostos, como se extrai, desde logo, do n.º 3 do art.º 4.º da LGT.
Por outro lado, o sistema tributário comporta igualmente impostos que, ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos (estabelecido no art.º 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental), têm a sua receita consignada (vg. ac. TC n.º 369/99, de 16.06.1999, proc. 750/98).
Por conseguinte, nem o nomen juris “contribuição”, nem a afetação da receita a uma finalidade específica são suficientes para qualificar um tributo como “contribuição financeira”.
O elemento decisivo para essa qualificação é a existência de uma estrutura de comutatividade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita e os sujeitos passivos do tributo.
A mesma conceção encontra-se plasmada no acórdão do TC n.º 232/2022 (de 31.03.2022, proc. 105/22, relator J.E. Figueiredo Dias), em que o tribunal afirma:
“[E]sta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos (...)”
E o tribunal acrescenta nesse mesmo aresto, com particular importância para a questão que nos ocupa no presente processo:
“(...) acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários”.
Ou seja, para que possamos afirmar estar-se perante uma “contribuição financeira”, é necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida coletiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respetivos sujeitos passivos.
Confrontemos esta construção, totalmente amparada na jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, bem como na doutrina por estes citada, com o decidido no processo arbitral n.º 629/2021-T (decisão de 03.08.2022, relator Vítor Calvete) sobre a mesma questão de que se ocupa o presente processo arbitral.
A decisão arbitral cita Filipe de Vasconcelos, nos seguintes termos:
“(...) [O] nexo bilateral que subjaz ao respetivo facto tributário [tem] caráter derivado, já que resulta de uma presunção de benefício ou utilidade na esfera dos sujeitos passivos, por pertencerem ou integrarem, num determinado intervalo de tempo, um grupo, tendencialmente homogéneo de interesses”, (...) “homogeneidade de interesses” e (...) “responsabilidade de grupo (…) que se deve ao facto de os sujeitos passivos deste tipo de tributo partilharem um ónus ou responsabilidade de custeamento ou suporte da atividade pública que não pode atribuir-se isoladamente, mas apenas em face daquela que é a respetiva inserção no grupo a que efetivamente pertencem.”
Cita ainda Suzana Tavares da Silva, nos seguintes termos:
“(...) [A] A. recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão: “1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (p. 91).”
Concluindo o Tribunal:
“(...) o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas coletivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária.”
A conclusão a que chegámos acima, com base na jurisprudência quer do Tribunal Constitucional quer do Supremo Tribunal Administrativo, mostra-se plenamente coincidente com a decisão arbitral citada.
Entendemos, assim, que o que distingue uma “contribuição financeira” de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública.
A Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007).
Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP–- Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP–- Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, de um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade. Na verdade, tal nexo de comutatividade afigura-se ser inexistente no caso da CSR.
A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1.º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2.º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.
No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4.º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.
Embora a Requerida afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.
Nos termos do n.º 1 do art.º 20.º da LGT, “a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”.
Para que estivéssemos, no caso presente, perante uma situação de substituição tributária, era necessário que os consumidores que pagam o preço dos combustíveis aos revendedores estivessem na posição de “contribuintes”.
Sobre o conceito de contribuintes, o n.º 3 do art.º 18.º diz que “o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.” De onde se retira que o contribuinte é uma das espécies da categoria “sujeitos passivos” e estes são as pessoas (ou entidades) que estão obrigadas ao pagamento da prestação tributária, o que não acontece com os consumidores dos combustíveis.
Concluímos, assim, que não estamos perante uma situação de substituição, pelo que os sujeitos passivos da CSR são igualmente os respetivos contribuintes diretos.
Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.
Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.
É ainda relevante a posição do Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, onde se lê:
“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.
Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.
(...)
Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas.”
A posição do Tribunal de Contas apenas reforça a conclusão do Tribunal, já anteriormente enunciada, de que a CSR é um imposto de receita consignada.
A interpretação que adotamos é igualmente corroborada por Casalta Nabais, J., Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Almedina, Coimbra, 2019, p. 15, em que o Autor afirma que “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal.”
Logo, não procede a alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos”.
IV.2.B. Exceção de incompetência absoluta do tribunal por o objeto do pedido consistir na declaração de invalidade de todo o regime da CSR
Conforme indica na sua petição inicial, a Requerente requereu a constituição de tribunal arbitral para se pronunciar sobre a ilegalidade do “indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de ISP e Contribuição do Serviço Rodoviário (“CSR”) n.º 2019/..., de 12.02.2019, n.º 2019/..., de 12.03.2019, n.º 2019/..., de 12.04.2019, n.º 2019/..., de 14.05.2019, n.º 2019/..., de 12.06.2019, n.º 2019/..., de 12.07.2019, n.º 2019/..., de 12.08.2019, n.º 2019/..., de 12.09.2019, n.º 2019/..., de 14.10.2019, n.º 2019/..., n.º 2019/..., 12.11.2019 e n.º 2019/..., de 12.12.2019, na parte relativa à CSR, referente a 2019, no montante global de € 8.154.907,16”.
No final da sua petição inicial, a Requerente formula o seu pedido nos seguintes termos:
-
a anulação do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Diretor da Alfândega de Leixões, em 17.02.2023, de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de ISP e CSR em 15.07.2022;
-
a anulação dos atos de liquidação n.º 2019/..., de 12.02.2019, n.º 2019/..., de 12.03.2019, n.º 2019/..., de 12.04.2019, n.º 2019/..., de 14.05.2019, n.º 2019/..., de 12.06.2019, n.º 2019/..., de 12.07.2019, n.º 2019/..., de 12.08.2019, n.º 2019/..., de 12.09.2019, n.º 2019/..., de 14.10.2019, n.º 2019/..., n.º 2019/..., 12.11.2019 e n.º 2019/..., de 12.12.2019, com todas as consequências legais, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios.
Não fica qualquer dúvida de que a pretensão da Requerente consiste em que o tribunal arbitral:
-
Declare a ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa referente aos atos de liquidação em causa;
-
Declare a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados.
A Requerente não pede ao Tribunal que declare a ilegalidade da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto nem que decrete a sua ineficácia.
A Requerente pede, sim, que o Tribunal declare (mediatamente) a ilegalidade dos atos de liquidação, a qual, na sua opinião, é consequência da desconformidade da Lei n.º 55/2007 com o direito comunitário, nomeadamente o n.º 2 do art. 1.º Diretiva 2008/118/CE, de 16/12/2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo.
Estamos aqui perante o que se designa por “ilegalidade abstrata ou absoluta da liquidação”, que se distingue da “ilegalidade em concreto” por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do ato tributário ou da liquidação (STA 2 Sec., ac. de 20.03.2019, proc. 0558/15.0BEMDL 0176/18, relator Aragão Seia). Na ilegalidade abstrata a ilegalidade não reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o ato foi praticado (Lopes de Sousa, J., Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 5.ª ed., II vol., pág. 323).
Nos termos do corpo do art.º 99.º do CPPT, “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, entendendo-se que aqui se inclui a ilegalidade abstrata da liquidação (CAAD, decisão arbitral de 31.01.2018, proc. nº 104/2017-T).
Portanto, pretendendo a Requerente a declaração da ilegalidade dos atos de liquidação, sendo a ilegalidade abstrata das liquidações fundamento de impugnação dos atos tributários, sendo os tribunais arbitrais competentes para apreciar a legalidade da liquidação e de, sendo o caso, declarar a sua ilegalidade, não se verifica procedente a exceção de incompetência material do tribunal arbitral em virtude da natureza do pedido.
IV.2.C. Exceção de caducidade do direito de ação
Finalmente a terceira exceção suscitada pela Requerida respeita à questão da caducidade do direito de ação, por intempestividade do pedido de revisão oficiosa.
O artigo 78.º, n.º 1, da LGT prevê que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
Contudo, com base no n.º 7 do mesmo art.º 78.º, os tribunais superiores têm entendido, numa jurisprudência que se pode dizer hoje plenamente unânime e consolidada, que “a Administração não pode demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão [oficiosa] do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados, já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições” (STA 2 Sec., ac. de 29.05.2013, proc. 0140/13, relator Valente Torrão). Ou seja, os sujeitos passivos têm apenas o prazo da reclamação graciosa para pedir a revisão (não oficiosa) dos atos tributários, mas podem pedir à administração tributária que tome a iniciativa de desencadear a revisão oficiosa, a qual pode ser realizada no prazo de quatro anos previsto na segunda parte do nº 1 do art.º 78.º, dispondo o sujeito passivo de um prazo de quatro anos para efetuar esse pedido, o mesmo em que a Autoridade Tributária pode tomar a iniciativa de efetuar o procedimento.
No mesmo sentido, se pode ainda citar o acórdão do STA, 2 Sec., proc. 536/07, 20.11.2007, em que se afirma: “Embora este artº 78º da LGT, no que concerne a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do «prazo de reclamação administrativa», no seu nº 6 [nº 7 na redação atualmente vigente] faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte. Idêntica referência é feita no nº 1 do artº 49º da LGT, que fala em «pedido de revisão oficiosa». Esta possibilidade de a revisão «oficiosa», que deve ser da iniciativa da administração tributária, ser suscitada por um pedido do contribuinte veio a ser confirmada pela alínea a) do nº 4 do artº 86º do C.P.P.T., que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviços».”
É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação), que se faça, também na sequência de pedido seu, a “revisão oficiosa” (que a Administração pode realizar por sua iniciativa).
A revisão oficiosa prevista na segunda parte do n.º 1 do art.º 78.º tem de ter obrigatoriamente por fundamento “erro imputável aos serviços”.
Por conseguinte, quando seja o sujeito passivo a pedir à Autoridade Tributária que leve a cabo essa “revisão oficiosa”, o sujeito passivo tem naturalmente o ónus de invocar esse “erro imputável aos serviços”.
Torna-se aqui fulcral, como se deduz, a noção de “erro imputável aos serviços”.
Como tem afirmado o Supremo Tribunal Administrativo em inúmeras ocasiões, e como é confirmado, por exemplo, no acórdão já citado proferido no processo 1007/11, o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro”; ou no acórdão do mesmo tribunal de 12.12.2001 (2 Sec., proc. 26.233, relator Jorge de Sousa) em que se afirma que “esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro, já que a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços»” (no mesmo sentido acórdãos do STA de 22-03-2011, proc. 01009/10; de 06/02/2002 proc. 26.690; de 05/06/2002 proc. 392/02; de 12/12/2001, proc. 26.233; de 16/01/2002 proc. 26.391; de 30/01/2002, proc. 26.231; de 20/03/2002, proc. 26.580; de 10/07/2002, proc. 26.668).
Assim, ao invocar “erro imputável aos serviços” nos termos e para os efeitos da segunda parte do n.º 1 do art.º 78.º, o sujeito passivo pode alegar que o “erro imputável aos serviços” consiste em ilegalidade. Evidentemente, essa alegação de ilegalidade poderá ou não vir a revelar-se procedente. Mas o exame sobre a procedência da ilegalidade já não relevará, nesse caso, para a admissibilidade formal do pedido de revisão, ou para aferir a sua tempestividade, mas apenas para a decisão do mérito do pedido.
No caso dos autos, a Requerente dirigiu à Requerida AT um pedido de “revisão oficiosa” ao abrigo da segunda parte do n.º 1 do art.º 78.º, invocando “erro imputável aos serviços”, na forma de ilegalidade abstrata. Mais concretamente, a Requerente invocou que as liquidações em causa são ilegais, por a CSR (Contribuição de Serviço Rodoviária), criada pela Lei n.º 55/2007 de 31/08, violar o direito da União Europeia, nomeadamente o n.º 2 do art. 1.º da Diretiva 2008/118/CE, de 16/12/2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo.
Não há dúvida de que a ilegalidade abstrata é uma forma de ilegalidade do ato tributário, e mais concretamente da liquidação.
A Autoridade Tributária, contudo, alega que, tendo as liquidações sido efetuadas em estrito cumprimento de uma lei vigente, não estando no seu poder deixar de aplicar uma lei que se encontra em vigor e que não foi declarada inválida por nenhum órgão competente para tal, não poderá falar-se nesta situação em “erro imputável aos serviços”.
Contudo, o Supremo Tribunal Administrativo já se debruçou sobre esta exata questão, pelo que, em cumprimento do disposto no nº 3 do art.º 8.º do Código Civil, que dispõe que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, e também porque se nos afigura totalmente correta a interpretação jurisprudencial, nada mais faremos do que seguir estritamente a jurisprudência daquele tribunal.
Vejamos então.
No acórdão proferido no processo 01009/10,[13] o STA começa por afirmar que “[o] «erro imputável aos serviços» concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à Administração, com ressalva do erro na autoliquidação que, para o efeito, é equiparado aos daquela primeira espécie - art. 78.º, n.º 2 in fine.”
Acrescentando em seguida:
“Havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266.º, n..º 1 da CRP e 55.º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”.
Assim o facto de as “liquidações de CSR [terem sido] efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável” não implica a inexistência de “erro imputável aos serviços”, uma vez que o “erro imputável aos serviços” pode consistir numa ilegalidade abstrata. Pelo que, nesta parte, a alegação de intempestividade não procede.
Mas alega a Requerida na sua resposta, se bem interpretamos, que a ilegalidade abstrata resultante de violação de uma norma de direito da União Europeia é uma situação particular, em que, não cabendo à Autoridade Tributária nenhuma margem para decidir desaplicar a norma de direito interno, tal ilegalidade nunca poderia traduzir “erro imputável aos serviços”.
Em especial, essa forma de ilegalidade abstrata (incompatibilidade da norma interna com a norma de direito da União Europeia) não poderia configurar “erro imputável aos serviços” quando a norma de direito da União Europeia violada seja uma norma que “vincule diretamente todos os poderes públicos e os particulares”.[16] Por outras palavras, essa forma de ilegalidade não poderia, no entender da Requerida, configurar “erro imputável aos serviços” quando a norma de direito da União Europeia violada fosse uma norma “com mero efeito direto”.
Entendemos que é útil à clareza da decisão que as diversas questões sejam rigorosamente delimitadas.
Vejamos em primeiro lugar a questão do efeito direto da Diretiva n.º 2008/118, e a sua relevância para a apreciação da questão.
No acórdão Van Gend en Loos (caso C-26/62, 5-02-1963) o Tribunal de Justiça definiu “efeito direto” do direito comunitário. Diz o tribunal que o Direito comunitário não cria obrigações apenas para os Estados, mas também direitos para os indivíduos. Por conseguinte - e nisto consiste o “efeito direto” – os indivíduos podem exercer tais direitos, invocando diretamente o direito comunitário tanto perante os tribunais nacionais como perante os tribunais europeus, perante normas que sejam claras, precisas e incondicionais.
No que diz respeito às diretivas, o acórdão Van Duyn v Home Office (caso C-41/74, 14-12-1974) estabeleceu a possibilidade de ser reconhecido efeito direto vertical a normas de diretivas, como é o caso da Diretiva n.º 2008/118.
O acórdão Foster v British Gas (caso C-188/89, 12-07-1990), por sua vez, deixou assente que qualquer organismo governamental, empresa nacionalizada ou empresa do setor público pode ser considerado como entidade pública para efeitos de aplicação do “efeito direto vertical”.
Pois bem, afigura-se a este tribunal que o que a Requerente faz na presente situação é, precisamente, invocar uma norma constante de uma diretiva contra o Estado, o que pode fazer visto já estar cumprido o prazo de transposição, estarem em causa normas claras, precisas e incondicionais, sendo reconhecido à diretiva, neste contexto, efeito direto vertical.
Não vemos, pois, como o “mero efeito direto” que a Requerida afirma ser atributo da diretiva, possa ser um obstáculo à sua invocação para efeitos do n.º 1 do art.º 78.º da LGT.
Já a aplicabilidade direta, que tem apenas que ver com a necessidade ou desnecessidade de transposição do ato normativo europeu para o direito interno e que, após o acórdão Van Duyn v Home Office, não pode ser tido como prejudicial ao efeito direto do ato normativo, afigura-se-nos totalmente irrelevante para a questão.
Resta, pois, a mera questão de saber se, sendo a ilegalidade abstrata invocada decorrente de uma violação, por parte da norma tributária interna, de uma norma de direito da União Europeia, tal ilegalidade se apresenta à partida como insuscetível de ser invocada no âmbito do n.º 1 do art.º. 78.º, determinando que o pedido de revisão oficiosa, porque não podia basear-se numa tal ilegalidade, seja intempestivo.
Basta agora referir que o acórdão já citado do STA no processo 01009/10 versa, precisamente, sobre uma liquidação, objeto de um pedido de revisão oficiosa, efetuada com base numa norma de direito da União Europeia.
E também no acórdão já citado de 12.12.2021 do STA se sumaria, no ponto I do respetivo sumário:
“As possibilidades de reação dos particulares contra atos ilegais de liquidação de tributos, quando está em causa a violação de normas de direito comunitário não se esgotam na impugnação judicial, sendo admissíveis, no caso de não pagamento do tributo, a impugnação dentro do prazo de oposição à execução fiscal, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 286.º do C.P.T., e a revisão do ato tributário, nas condições referidas nos arts. 94.º do C.P.T. e 78.º da L.G.T., seguida de eventual impugnação contenciosa de decisão de indeferimento.”
E ainda, finalmente, o acórdão do STA 2 Sec. de 08-02-2017, pro. 0678/16 (relator Casimiro Gonçalves) em que se afirma:
“Ora, como se viu, a recorrente sustenta que a ilegalidade imputada aos atos de retenção não configura erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto no art. 78.º da LGT e, nessa medida, não podia ser objeto do pedido de revisão oficiosa.
Mas não tem razão.
Com efeito, nada obsta a que a questão da ilegalidade por violação do direito comunitário seja apreciada em sede de pedido de revisão oficiosa.
Tal como referido na sentença e na jurisprudência ali citada, a circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação do ato de liquidação, não impedia que a impugnante pedisse a respetiva revisão oficiosa e impugnasse contenciosamente o eventual ato de indeferimento desta, sendo que também «não há que fazer qualquer tipo de distinção entre as razões que levaram a tal erro.
Não há assim que curar de saber se estamos perante um erro em sentido estrito, resultante de uma deficiência técnica dos próprios serviços de liquidação, ou, pelo contrário, se estamos perante um erro em sentido lato, resultante de vício de violação de lei» (cfr. o ac. do STA, de 12/12/2001, proc. n.º 026487).
(...)
Assim, é de concluir que, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do art. 152.º do CPT, a Impugnante podia pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efetuar e podia impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento”.
Podemos então concluir que, de acordo com jurisprudência do STA, o pedido de revisão oficiosa efetuado no prazo (quatro anos) previsto na segunda parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT pode ter como fundamento a ilegalidade abstrata da liquidação resultante da violação do Direito da União Europeia por parte da lei em que se baseia a liquidação.
Estamos plenamente de acordo com esta jurisprudência pois, a partir do momento em que se admite que o pedido de revisão oficiosa, previsto no art.º 78.º, n.º 1 conjugado com o n.º 7 do mesmo preceito, constitui, não já um meio especial de a administração corrigir erros por si cometidos na aplicação do direito – como a letra da lei sugere – mas sim mais um meio de reação ao alcance do sujeito passivo contra a ilegalidade do ato tributário, há que entender “ilegalidade” como qualquer violação do bloco de legalidade, o qual inclui não apenas as leis de grau inferior que são imediatamente aplicáveis ao ato administrativo, mas também todas aquelas de grau hierárquico superior que, não se aplicando imediatamente ao ato administrativo em causa, condicionam a validade das leis de grau inferior, como é o caso das leis constitucionais e do direito da União Europeia, e ainda os regulamentos e até atos administrativos anteriores.
Face a tudo o que ficou exposto, podemos assentar nas seguintes conclusões, referentes à possibilidade de os sujeitos passivos efetuarem pedido de revisão oficiosa com base na segunda parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT:
Os sujeitos passivos podem provocar, através de um pedido, o procedimento de revisão oficiosa da liquidação no prazo estabelecido no nº 1 do art.º 78.º da LGT, sempre que invoquem para isso “erro imputável aos serviços”;
O “erro imputável aos serviços” compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro;
O erro de direito pode consistir numa ilegalidade abstrata, ie. numa ilegalidade da norma tributária;
A ilegalidade abstrata pode ser originada numa incompatibilidade entre a norma tributária e o direito da União Europeia.
Deste modo, conclui-se que a Requerente podia, efetivamente, pedir a revisão das liquidações, com base na segunda parte do n.º 1 do art.º 78.º, invocando a desconformidade da Contribuição de Serviço Rodoviário com a Diretiva n.º 2008/118/CE.
Por conseguinte, o pedido de revisão não foi intempestivo, pelo que não se verifica a alegada caducidade do direito de ação e, portanto, encontrando-nos perante uma decisão da Autoridade Tributária que apreciou a questão da legalidade das liquidações, dessa decisão cabe impugnação nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT.
IV.2.D. DO ALEGADO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI
A Requerente alega que as liquidações impugnadas são ilegais, por o imposto a que dizem respeito, a Contribuição de Serviço Rodoviário, violar a Diretiva 2008/118 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo (adiante designada por “Diretiva”).
De acordo com o art.º 1.º n.º 1 da Diretiva[6], a mesma estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo de um conjunto de produtos, entre os quais se encontram os “produtos energéticos”.
Ao abrigo desta diretiva e em transposição da mesma, foi aprovado o Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (através do DL n.º 73/2010), o qual criou, entre outros, o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos.
No n.º 2 do mesmo art.º 1.º, a Diretiva determina que os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.
A Requerente sustenta que a Contribuição de Serviço Rodoviário, incidindo sobre os mesmos produtos sobres os quais incide o Imposto sobre Produtos Petrolíferos, não se fundamenta em “motivos específicos”, sendo, por conseguinte, insuscetível de enquadramento na norma do referido n.º 2 do art.º 1.º da Diretiva.
O Tribunal de Justiça da União Europeia já se pronunciou várias vezes sobre os requisitos enumerados no n.º 2 do art.º 1.º da Diretiva e dos quais esta faz depender a possibilidade de os Estados-Membros criarem impostos não previstos na diretiva e incidentes sobre os mesmos produtos.
Concretamente, o TJUE debruçou-se sobre o significado do requisito “motivos específicos” no Acórdão Statoil Fuel & Retail.
Estava em causa no processo um imposto sobre as vendas instituído pelas autoridades locais da cidade de Taline. Este tributo, de acordo com a norma legal que o criava, era cobrado para a organização dos transportes públicos da área urbana da cidade. E a lei acrescentava especificamente que “o produto do imposto sobre as vendas será destinado, de modo específico, à realização desse objetivo.”
O imposto incidia sobre um vasto conjunto de vendas, incluindo as vendas a retalho de combustível líquido sujeito a impostos especiais de consumo.
O TJUE começou por observar que o “motivo específico” não é uma finalidade meramente orçamental, ie, de obtenção de receita (par. 37).
No entanto, uma vez que qualquer imposto prossegue necessariamente uma finalidade orçamental, o simples facto de um imposto ter um objetivo orçamental não é suficiente, enquanto tal, sob pena de esvaziar de substância o artigo 1..º, n..º 2, da Diretiva 2008/118, para excluir que se possa considerar que esse imposto tem também um motivo específico, na aceção da referida disposição (par. 38).
Prossegue o tribunal explicando que a afetação do produto de um imposto ao financiamento, pelas autoridades locais, de competências que lhes foram atribuídas pode constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico.
Contudo, essa afetação a finalidades específicas, que decorre de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado‑Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente, uma vez que qualquer Estado‑Membro pode decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas.
Veja-se, desde já, que as considerações até aqui reproduzidas se aplicam inteiramente à situação dos autos:
A CSR é um tributo cuja receita é, por imposição da lei que o cria, afetada a determinados fins específicos.
Esses fins específicos consistem, nos termos do nº 2 do art.º 3.º da Lei 55/2007, no financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal E.P.E., e mais concretamente da respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento.
Tal afetação não é, por si só, suficiente para garantir o seu enquadramento no n.º 2 do art.º 1.º da Diretiva. De facto, como diz o TJUE, a afetação de um tributo a uma finalidade específica não basta para o enquadrar no n.º 2 do art.º 1.º da Diretiva, uma vez que qualquer Estado‑Membro pode decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas; e “caso contrário, qualquer motivo poderia ser considerado específico, na aceção do artigo 1..º, n..º 2, da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado, instituído por esta diretiva, de todo o efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória como a do artigo 1..º, n..º 2, deve ser objeto de interpretação estrita”.
O acórdão prossegue dizendo que “[P]ara que a afetação predeterminada do produto de um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo permita considerar que esse imposto tem um motivo específico na aceção da mesma disposição, é preciso que o imposto em causa tenha por objeto, por si mesmo, assegurar a realização do motivo específico invocado e que, portanto, exista um vínculo direto entre a utilização das receitas do imposto e o referido motivo”.
Diz ainda o acórdão que, na falta deste “mecanismo” - um vínculo direto entre a utilização das receitas do imposto e o referido motivo – “um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo apenas pode ser considerado como tendo um motivo específico, na aceção do artigo 1..º, n..º 2, da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo.”
Existem, pois, duas modalidades, digamos, de “motivo específico” (na aceção do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva): ou “um vínculo direto entre a utilização das receitas do imposto e o motivo específico”; ou um tributo concebido, no que respeita à sua estrutura, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado.
Trata-se de duas modalidades alternativas de “motivo específico”, que não se sobrepõem nem se confundem.
Voltando ao caso concreto do acórdão Statoil Fuel & Retail, a receita do imposto em causa destinava-se e fora efetivamente utilizada no financiamento do exercício da competência do município em matéria de organização dos transportes públicos na respetiva área urbana. O tributo não cabia, portanto, na segunda modalidade de “motivo específico” indicada. Tal como o tributo no caso Statoil Fuel & Retail, também a CSR se destina a uma finalidade específica, que é o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal E.P.E., e mais concretamente a respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento.
No caso Statoil Fuel & Retail, a respeito da afetação do imposto a uma finalidade específica, o tribunal observa que, embora essa circunstância possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, “é necessário declarar que essa afetação se refere a despesas gerais que incumbem à cidade de Taline, independentemente da existência do imposto em causa no processo principal. Ora, essas despesas gerais são suscetíveis de ser financiadas pelo produto de impostos de qualquer natureza. Por conseguinte o motivo específico invocado, ou seja, o financiamento da organização dos transportes públicos na cidade de Taline não pode ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental.”
O que se verifica no caso da CSR, que tem, naturalmente, fins orçamentais, é uma situação exatamente idêntica, já que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal E.P.E., e mais concretamente a respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, corresponde a uma necessidade de despesas gerais que incumbem ao Estado, independentemente da existência do imposto em causa, e que são suscetíveis de ser financiados pelo produto de impostos de qualquer natureza.
O TJUE diz ainda (par. 45) que “a mera alocação da receita em causa” à finalidade indicada pelo Estado estónio como “motivo específico” não permite estabelecer um nexo direto, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, entre a utilização das receitas do referido imposto e essas finalidades.
O tribunal concluiu pela não conformidade do imposto em causa com a Diretiva sobre impostos especiais de consumo.
Recentemente, o TJUE pronunciou-se sobre a Contribuição de Serviço Rodoviário, através do Despacho de 07.02.2022, processo C-460/21.
Diz o tribunal nesse despacho (par. 30) que “para se considerar que prossegue um motivo específico, (...), a CSR deveria destinar‑se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa.”
Esta afirmação do tribunal relaciona-se com a posição sustentada no processo (de reenvio prejudicial) pela Autoridade Tributária, ao afirmar que “o Decreto‑Lei n.º 380/2007, que atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP, agora denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (a seguir «IP»), confere a esta última a prossecução de objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que constituem o motivo específico da CSR”.
O tribunal afirma também que resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam‑se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. O que já vimos ser certo, pois é essa a finalidade constante do n.º 2 do art.º 3.º da Lei 55/2007.
O tribunal diz ainda que “os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.
O TJUE diz por fim que não foi levado ao seu conhecimento nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.
O tribunal conclui que o artigo 1.º n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que o imposto em causa, cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários, não prossegue «motivos específicos», sendo por isso o imposto incompatível com a diretiva.
Embora os tribunais nacionais estejam obrigados, por força do princípio do primado e da colaboração leal estabelecido no artigo 4.º do TUE, a acatar as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia e, portanto, nada mais haja a acrescentar ao decidido por aquele tribunal, parece-nos clara a inconsistência na definição dos alegados “motivos específicos” da CSR, na medida em que a Lei 55/2007, no seu art.º 3.º, n.º 2 estipula que a CSR tem como finalidade específica o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal E.P.E. e mais concretamente a respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento; enquanto o ponto 4 da Base 2 do Decreto-Lei n.º 380/2007, que atribui às EP - Estradas de Portugal, S. A., a concessão do financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional e aprova as bases da concessão, estipula que é dever da concessionária (al. b) “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro ii anexo às presentes bases.”
Não que exista, evidentemente, qualquer incompatibilidade entre estas duas missões cometidas à atual Infraestruturas de Portugal, S.A.. O que existe, sim, é inconsistência quando se sustenta que as duas finalidades constituem o motivo específico da CSR.
Inconsistência que se vê ainda mais nítida quando se considera que a finalidade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional a cargo da entidade é a finalidade que a Lei 55/2007 atribui à CSR, e é uma finalidade de âmbito geral, que incumbe necessariamente ao Estado e que poderia ser financiada por quaisquer receitas fiscais; enquanto prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro ii anexo às presentes bases é uma missão atribuída através de um contrato de concessão, e não consta da lei que cria e regula a CSR, não se encontrando na lei tributária nenhuma norma que assegure que a CSR é afetada na sua totalidade a essa finalidade específica, pelo contrário, resulta da lei tributária (Lei 55/2007) que o não pode ser.
Há, assim, que concluir, que a CSR não tem um “motivo específico”, antes se destina ao financiamento de despesas de caráter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são suscetíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de “motivo específico” o artigo 1..º, n..º 2, da Diretiva 2008/118.
Ao ser a lei que cria o tributo ilegal por violar a Diretiva 2008/118, as liquidações impugnadas padecem do vício de ilegalidade abstrata, pelo que são anuladas por este Tribunal.
IV.2.E. OBRIGAÇÃO DE REEMBOLSO
Sendo as liquidações ilegais, e sendo-o por erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária, o imposto foi indevidamente pago.
Nos termos do n.º 1 do art.º 100.º da LGT, a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.
Evidentemente, esta regra da plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade (reposição da situação ex ante), implica em primeiro lugar o reembolso da prestação tributária indevidamente realizada (TCA-S, CT, ac. de 09.06.2021, proc. 12/05.8BESNT-A-A-A-C, relatora Patrícia Manuel Pires).
Esta obrigação de reconstituição da situação ex ante tem raiz no princípio da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. Uma vez que os sujeitos passivos, ou os particulares em geral, têm o direito fundamental de serem tributados em estrito cumprimento da legalidade, pode dizer-se que, de uma liquidação tributária ilegal, resulta uma violação de um direito fundamental.
O princípio da obrigatória restituição dos impostos pagos indevidamente ao abrigo do Direito da União vale também naquele ordenamento, como decorrência do princípio do efeito direto das normas de Direito da União.
Além disso, nesta matéria, vigora ainda o princípio da equivalência, que decorre do princípio da colaboração leal estabelecido no artigo 4.º do TJUE, e que significa que as condições em que o sujeito passivo pode obter a restituição de um imposto pago indevidamente em violação do Direito da União não podem ser menos favoráveis do que as que são aplicáveis para obter a restituição de um imposto indevidamente pago por violação do direito interno.
Contudo, alega a Requerida que, no caso dos autos, não existe obrigação de reembolso do imposto indevidamente pago, pois esse reembolso causaria na esfera jurídica da Requerente um enriquecimento sem causa, uma vez que o encargo do imposto não foi efetivamente suportado pela Requerente, tendo esta repercutido o imposto nos consumidores adquirentes dos combustíveis sobre os quais incidiu o imposto.
A Requerida apoia a sua pretensão na própria jurisprudência do TJUE, que no acórdão de 27.02.1980, Hans Just I/S Caso C-68/79[25] afirma que (par. 26) “deve-se esclarecer a respeito que a proteção dos direitos garantidos nesta matéria pelo ordenamento jurídico comunitário não exige a concessão de restituição dos impostos indevidamente cobrados em condições que levem ao enriquecimento indevido dos titulares do respetivo direito. Nada se opõe, como tal, do ponto de vista do Direito comunitário, a que os tribunais nacionais levem em conta, de acordo com o seu direito nacional, o fato de que os impostos indevidamente cobrados possam ter sido incorporados nos preços da empresa tributada e repercutidos sobre os compradores.”
Em primeiro lugar, há que sublinhar que, no acórdão acabado de referir, o tribunal começa por observar (par. 22) que a abordagem comparativa dos sistemas nacionais demonstra que o problema do reembolso de impostos indevidamente pagos é resolvido de formas diferentes nos vários Estados-membros; e que, em certos casos, o pedido de reembolso de impostos indevidamente pagos deve ser proposto perante os tribunais ordinários (par. 23). Este é o caso, precisamente do sistema dinamarquês, ao qual se refere o processo decidido no acórdão.
Também no Despacho de 07.02.2022, processo C-460/21 (que visa a CSR), o tribunal diz (par. 39) que “[A] obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas.”
O tribunal diz ainda que “incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, incluindo quando nada conste a este respeito no direito nacional;” e que “[e]m condições como as que foram mencionadas no n..º 39 do presente despacho, o ónus do imposto indevidamente cobrado não é suportado pelo operador que a ele está sujeito, mas pelo comprador sobre o qual foi repercutido. Assim, reembolsar ao operador o montante do imposto que já recebeu do comprador equivaleria para aquele a um duplo pagamento suscetível de ser qualificado de enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador.”
Porém, o tribunal diz também que (par. 42) “um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa.”
O tribunal acrescenta no parágrafo 43 que “[c]onstituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá-la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo”.
Diz ainda o tribunal (par. 44) que “ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos.”
Conclui o tribunal que (par. 47) “mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas”.
O que resulta da jurisprudência do TJUE a este respeito é que o afastamento da obrigação de restituição do imposto indevidamente pago pode ter lugar a título estritamente excecional, uma vez que se trata de um desvio a um princípio fundamental e reconhecido pela ordem jurídica europeia;[26] e que, para o órgão de jurisdição nacional poder afastar a obrigação de restituição não basta provar que existiu repercussão do imposto sobre o consumidor, é ainda necessário provar que o reembolso dará lugar a um enriquecimento sem causa. O tribunal ressalva claramente, a respeito deste último aspeto, que, mesmo tendo havido efetiva repercussão, a restituição do imposto indevidamente pago pode não originar um enriquecimento sem causa, se o imposto e a sua repercussão nos preços de venda tiverem tido como efeito a redução do volume de vendas ou das margens de comercialização.
Citando a decisão no processo arbitral 564/2020-T, “tal como foi também assinalado pelo Tribunal de Justiça, que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo e mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas. Pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto."
Ora, a Requerida demonstra que, contabilisticamente, a Requerente incluiu a CSR nos seus custos. Importa dizer que tal conduta contabilística é apenas uma decorrência das normas contabilísticas (par. 11 da NCRF 18) e não resulta de qualquer juízo ou opção sobre a efetiva inclusão do imposto nos custos.
A Requerida intenta demonstrar também que as margens de comercialização praticadas pela Requerente “não permitem a acomodação da CSR”, o que significa que, no seu entender, se a CSR não fosse incluída no preço de venda as margens de comercialização se tornariam negativas.
Contudo, a Requerida não aduz quaisquer argumentos ou faz qualquer prova no sentido de que as margens de lucro da Requerente não se reduziram no período em análise, por comparação com outros períodos em que a taxa da CSR foi mais baixa. Uma tal redução, a verificar-se, significaria ou poderia significar um efeito negativo da CSR sobre os resultados.
A Requerida também não faz qualquer prova de que o volume de vendas dos distintos produtos não sofreu uma redução no mesmo período, por comparação com períodos em que a taxa da CSR foi mais baixa, o que também poderia significar um efeito negativo da CSR sobre os resultados.
Em qualquer dos casos, ficaria fortemente posta em causa a hipótese de enriquecimento sem causa (convém voltar a sublinhar que a repercussão do imposto, seja ela legal ou económica, não é, só por si, suficiente para alicerçar a exceção de enriquecimento sem causa).
Em face das apontadas limitações da prova apresentada pela Requerida, o tribunal deve sopesar os vários princípios jurídicos em jogo.
Em primeiro lugar, há que observar que o afastamento da obrigação de restituir o imposto indevidamente pago tira todo o efeito útil à decisão jurisdicional que tenha declarado a ilegalidade do ato de liquidação. Se através da impugnação, na circunstância em que se verifique a ilegalidade do ato e, portanto, a procedência da pretensão, o sujeito passivo, apesar disso, não consegue obter nenhum efeito útil da impugnação, o princípio da tutela jurisdicional efetiva fica seriamente comprometido. É o que diz o TJUE no Despacho de 07.02.2022, processo C-460/21, ao afirmar (par. 38): “o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares por estas disposições, conforme foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça.”
Acresce, dentro do mesmo argumento, que o raciocínio aplicado pela Requerida, neste caso, à CSR, poderia, na verdade, ser aplicado a praticamente qualquer tributo cobrado ilegalmente. Uma taxa paga pela licença de construção de um prédio também é incluída no custo e refletida no preço do imóvel, do mesmo modo que o são as contribuições para a segurança social, o IMI, o IMT e o Imposto do Selo sobre os imóveis afetos à produção, o ISV e IUC pagos sobre os veículos, a taxa de saneamento, etc. Não existe praticamente nenhum tributo, pago pelas empresas, que não seja repercutido no preço dos bens ou serviços vendidos. O argumento da Requerida, quanto procedente, implicaria que em nenhum destes casos, a anulação da liquidação daria lugar à restituição do tributo indevidamente pago.
Em segundo lugar, há que ter em consideração o que diz o TJUE na mesma decisão (par. 43) sobre a necessidade de interpretar restritivamente a exceção do enriquecimento sem causa: “[C]onstituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo”.
Por fim e em terceiro lugar, há que atender ao que o tribunal diz sobre o ónus da prova nesta matéria: “[O] direito da União exclui (...) que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas (...) (par. 46); e “um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa.
Em vista de tudo o que antes foi ponderado, o tribunal arbitral, tendo em consideração o princípio da tutela jurisdicional efetiva, interpretando restritivamente a exceção de enriquecimento sem causa, e considerando ser sobre a Requerida que impende o ónus de provar o enriquecimento sem causa, considera não provada a exceção de enriquecimento sem causa.
Tal como na decisão do processo arbitral n.º 564/2020-T, e cujo raciocínio é totalmente transponível para o caso presente, também neste caso o tribunal considera não ter sido efetuada prova evidente de que tenha havido uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores e sobretudo que a restituição provoque um efetivo enriquecimento sem causa, não neutralizado por variações nas margens de comercialização nem no volume de vendas.
Para efetuar a demonstração do enriquecimento sem causa, a Autoridade Tributária limita-se a tirar as seguintes ilações:
“A estrutura tributária específica da CSR, a análise que, em concreto, foi efetuada pela AT, através da ação da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), ao tratamento contabilístico e ao enquadramento fiscal que a Requerente efetua à CSR, bem como a existência de legislação relativa à fatura de venda dos produtos em causa, e a nova redação do artigo 2.º do CIEC, introduzida pela Lei n.º 24-E/2022 são demonstrativas da repercussão desta contribuição no Preço de venda ao público (PVP).
Em qualquer caso, o reembolso dos montantes pagos a título de CSR a quem paga o imposto ao Estado, mas não o suporta (já que, quem suporta a carga do imposto são, efetivamente, os seus clientes), comprovado, aliás, também, pelos pedidos arbitrais apresentados por consumidores que não são sujeitos passivos, configura uma situação de enriquecimento sem causa, fonte de obrigações, no âmbito do direito civil, nos termos do artigo 474.º do Código Civil.”
Ora, isso não permite concluir que a restituição efetivamente provoque um enriquecimento sem causa.
Com efeito, a informação em causa faz apelo ao próprio objetivo legislativo da criação da CSR, que terá sido o de onerar os utilizadores da rede rodoviária mediante o agravamento dos custos dos combustíveis. Reporta-se ao critério contabilístico do registo do custo das mercadorias vendidas quando os impostos imputáveis à aquisição devam incorporar esse custo. E argumenta ainda com a margem de comercialização para justificar que o operador não poderia deixar de repercutir o imposto sob pena de praticar preços de venda inferiores ao custo.
Ou seja, a Autoridade Tributária, para justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, assenta em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.
Quanto ao efetivo enriquecimento sem causa, que não resulta automaticamente da repercussão do imposto, a AT não efetua qualquer prova, pelo que há que condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago pela Requerente.
IV.3. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente pede reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.
Na sequência da anulação das liquidações a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias pagas, no valor total de € 8.154.907,16, o que é consequência da anulação.
No que concerne a direito a juros indemnizatórios, o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:
Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).
Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).
A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).
No entanto, como se refere supra, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
“Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que não há erro dos serviços.
No entanto, tal como referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 625/2020-T, citando diversa jurisprudência, “como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um ato ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade deriva apenas do direito da União Europeia:
– «em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa mesma liquidação»;
– «Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo art, 43.º da L.G.T., havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.
Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado»;
– «há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma norma nacional incompatível com uma Diretiva comunitária»;
– «os juros indemnizatórios previstos no art. 43ºda LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação».
Assim, no caso em apreço, não sendo os erros que afetam as liquidações impugnadas imputáveis à Requerente, eles são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por isso, A Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que deva ser reembolsada.
Os juros indemnizatórios devem ser contados, relativamente a cada pagamento, desde o termo do prazo de um ano sobre o pedido de revisão oficiosa das liquidações aqui impugnadas e cujo indeferimento deu causa ao presente pedido arbitral, ou seja, desde 15 de julho de 2023 (posto que, como resulta dos factos provados, o pedido de revisão foi apresentado em 15 de julho de 2022), por aplicação do artigo 43.º, n.º 1, alínea c), da LGT (cfr., entre outros, a decisão arbitral proferida no processo n.º 511/2022-T), até ao integral reembolso à Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
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DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
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Declarar a ilegalidade do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Diretor da Alfândega de Leixões, em 17.02.2023, de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de ISP e Contribuição do Serviço Rodoviário (“CSR”);
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Declarar a ilegalidade dos atos de liquidação de ISP e Contribuição do Serviço Rodoviário (“CSR”) n.º 2019/..., de 12.02.2019, n.º 2019/..., de 12.03.2019, n.º 2019/..., de 12.04.2019, n.º 2019/..., de 14.05.2019, n.º 2019/..., de 12.06.2019, n.º 2019/..., de 12.07.2019, n.º 2019/..., de 12.08.2019, n.º 2019/..., de 12.09.2019, n.º 2019/..., de 14.10.2019, n.º 2019/..., n.º 2019/..., 12.11.2019 e n.º 2019/..., de 12.12.2019, na parte relativa à CSR, referente a 2019, no montante global de € 8.154.907,16, com todas as consequências legais, nomeadamente devendo ser restituídas à Requerente, pela Requerida, as quantias indevidamente pagas com base em tais liquidações, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde 15 de julho de 2023 e até integral reembolso;
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(elimina-se esta alínea)[7].
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Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 8.154.907,16, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Notifique-se.
Lisboa, 23 de fevereiro de 2024.
Os Árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(João Taborda da Gama)
(Miguel Patrício)
[1] Salvo indicação em contrário, todas as referências à Lei n.º 55/2007 reportam-se à redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro, por ser esta a redação aplicável aos atos em discussão.
[2] O artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2020/262, em vigor desde março de 2020, tem a mesma formulação, limitando-se a substituir a referência a “Comunidade” por “União”.
[3] Salvo indicação em contrário, todas as referências à Lei n.º 55/2007 reportam-se à redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro, por ser esta a redação aplicável aos atos em discussão.
[4] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[7] De acordo com o Despacho de Retificação de 2024-03-04.