Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 366/2023-T
Data da decisão: 2024-02-28  IRS  
Valor do pedido: € 585.126,70
Tema: IRS – ajudas de custo
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SUMÁRIO:

Os montantes atribuídos pela entidade patronal aos respectivos funcionários, que não têm natureza remuneratória e que visam compensar os encargos por estes incorridos com viagens, alojamento e alimentação, ao serviço e no interesse da entidade patronal, qualificam-se como ajudas de custo, não sendo sujeitas a IRS nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 3, alínea d) do CIRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Clotilde Celorico Palma e Arlindo José Francisco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

1 – Relatório

 

  1. A..., S.A., com o NIF/NIPC ... e sede na Rua ..., ..., ..., ...-... Porto, vem, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, com vista à apreciação da legalidade das liquidações de IRS e juros compensatórios, respeitantes a 2019, conforme demonstração de Liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2023..., no montante de € 517.013,75 e respectivos juros compensatórios, no montante de € 68.112,95, tudo no valor global de € 585.126,70, actos praticados pela AT aqui Requerida.
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 22/05/2023, na mesma data notificado à AT.
  3. Os Árbitros foram designados em 09/06/2023, tendo comunicado a sua aceitação no prazo aplicável e, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no seu n.º 1, sem que as partes nada viessem dizer, o Tribunal ficou constituído em 31/07/2023, que na mesma data proferiu Despacho de notificação à Requerida, nos termos dos n.ºs 1 e 2.º do artigo 17º do já citado RJAT.
  4. A Requerente fundamenta o seu pedido, em síntese, na ilegal ampliação do âmbito do procedimento inspectivo, na violação da Lei na qualificação das ajudas de custo como rendimentos de trabalho dependente, na dispensa de retenção na fonte sobre tais rendimentos e por último na falta de responsabilidade solidária e/ou subsidiária enquanto substituto tributário, tudo como melhor consta na respectiva petição que aqui se dá por integralmente reproduzida, nesta parte, para todos os efeitos legais.
  5. Por sua vez a Requerida e também em síntese, vem dizer que não assiste razão à Requerente em nenhum dos pontos abordados, considerando que quanto à ampliação do âmbito e extensão do procedimento inspectivo, o mesmo encontra-se fundamentado e notificado oportunamente à Requerente. No que respeita à eventual violação da Lei na qualificação das ajudas de custo como rendimentos de trabalho dependente, os serviços inspectivos verificaram que não foram observados os pressupostos da atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado, pelo que, por força do disposto no artigo 2.º n.ºs 1 e 2 e n.º 3 alínea d), do CIRS, os montantes atribuídos e pagos pela Requerente a título de ajudas de custo aos trabalhadores da área operacional colocados em projectos configuram rendimento do trabalho dependente (categoria A), em sede de IRS. Relativamente a eventuais ilegalidades na dispensa de retenção na fonte e substituição tributária, os serviços inspectivos verificaram que não estavam preenchidas as condições para a dispensa de retenção (artigos 99º n.º 5 e 101º-B n.º 1 al e) do CIRS, em conformidade com artigos 98.º e 99.º, do mesmo diploma, pelo que deveria a Requerente ter considerado esses montantes para efeitos de retenções na fonte sobre rendimento do trabalho dependente e não o tendo feito fica, ao abrigo do n.º 4 do artigo 103.º do CIRS, responsável solidária pelo imposto não retido, uma vez que se tratam de rendimentos sujeitos a retenção que não foram contabilizados nem comunicados aos respectivos beneficiários, no caso, os trabalhadores da área operacional colocados em projectos, tudo como melhor consta na respectiva resposta que aqui se dá por integralmente reproduzida nessa parte, para todos os efeitos legais.
  6. Após a apresentação da resposta da AT, o Tribunal proferiu Despacho, em 05/12/2023, a designar o dia 10 de Janeiro de 2024, pelas 10 horas, para efeitos da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, que teve lugar nessa data com a audição das testemunhas arroladas pela Requerente, conforme acta junta.
  7. Em 18/01/2024 a Requerida juntou aos autos o processo administrativo em resultado de notificação do Tribunal Arbitral para o efeito.
  8. Na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, entre outras decisões, foi fixado o prazo para alegações simultâneas, que as partes produziram, tendo mantido as posições já assumidas nas anteriores peças processuais.

 

2 – Saneamento

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 31 de Julho de 2023 e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.
  2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  3. Não padecendo o processo de nulidades, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

3 – Matéria de facto

 

3.1 – Factos provados

 

  1. O Tribunal Arbitral, com base nos documentos juntos aos autos pelas partes e não impugnados, e no depoimento das testemunhas, considera provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
  1. A Requerente é uma sociedade anónima, que se dedica à prestação de serviços científicos especializados na área da energia, diagnóstico de avarias de máquinas eléctricas e conversores de electrónica de potência a nível industrial e de aerogeradores, bem como na reparação e manutenção de máquinas e equipamentos industriais, encontrando-se abrangida pelo CAE principal n.º 74900 – Outras actividades de consultoria, científicas, técnicas e similares e pelo CAE secundário n.º 33120 – Reparação e manutenção de máquinas e equipamentos.
  2. A sua actividade é exercida em parques eólicos, nacionais e estrangeiros em serviços de manutenção, prevenção e de reparações em turbinas eólicas quer em ambiente terrestre como marítimo, através de equipas especializadas e preparadas que se deslocam com muita regularidade para os diferentes locais onde há necessidade da sua presença.
  3. A Requerente, como entidade empregadora, procede à contratação dos seus funcionários (trabalhadores dependentes) em Portugal, tendo por base a realização de trabalho neste território.
  4. Tendo igualmente os trabalhadores da Requerente da área técnica/operacional, de executar tarefas fora das instalações da Requerente, concretamente nos parques eólicos em causa nos contratos de prestação de serviços celebrados com os respectivos clientes.
  5. Todos os contratos de trabalho celebrados entre a Requerente e os seus funcionários da área técnica/operacional prevêem que o exercício de actividade ocorre nas instalações da Requerente, em Portugal, e nos locais, em território nacional ou no estrangeiro, onde estiverem em curso projectos em que esteja envolvida.
  6. No exercício das suas funções, é habitual que os trabalhadores da Requerente que exercem funções técnicas efectuem deslocações em Portugal e no estrangeiro, suportando encargos com viagens e alimentação.
  7. Durante o período de deslocação a Requerente paga ajudas de custo aos trabalhadores das equipas relativas a viagens, alojamento, e transporte destes para os parques onde irá haver a intervenção das equipas.
  8. A Requerente não paga aos funcionários das equipas deslocadas despesas de natureza pessoal.
  9. A Requerente foi notificada em 15/11/2021 de que iria ser sujeita a inspecção tributária e em 28/12/2021 que tinha sido instaurado procedimento de inspecção tributária externa de âmbito parcial que incidiria sobre o IRC do exercício de 2019.
  10. Posteriormente, mais concretamente em 17/05/2022, foi notificada da alteração do âmbito do procedimento inspectivo para parcial em IRC e IVA, tendo, em 25 do mesmo mês, sido notificada da alteração de âmbito parcial para âmbito geral e ainda em 31 do citado mês foi notificada da ampliação do prazo do procedimento inspectivo por um período adicional de 3 meses.
  11. A Requerente foi notificada para apresentação de documentos e prestar esclarecimentos, o que fez em 03/10/2022, tendo sido notificada da ampliação do prazo de procedimento inspectivo por novo período adicional de 3 meses.
  12. Em 24/10/2022 foi a Requerente notificada do projecto de relatório de inspecção, tendo comunicado que pretendia proceder a regularizações de correcções no âmbito do IRC, que aceitava, discordando e exercendo o direito de audição, quanto às correcções referentes às retenções na fonte de IRS, expondo os seus argumentos de discordância com o entendimento preconizado pelos SIT.
  13. Em 02/12/2022 a Requerente foi notificada do RIT definitivo e ulteriormente das liquidações de retenções na fonte de IRS, relativas ao ano de 2019, no valor de € 517.013,75 e da liquidação de juros compensatórios no valor de € 68.112,95, cujo pagamento efectuou em 15-02-2023.
  14. Do relatório dos SIT, resulta que no período de 2019 a Requerente não reteve, não declarou e não entregou o montante de € 517.013,75, apurado mensalmente conforme quadro que segue:

Mês

Retenções em falta em €

Janeiro

35.496,00

Fevereiro

32.496,00

Março

34.663,00

Abril

41.117,00

Maio

48.948,00

Junho

46.710,00

Julho

45.042,00

Agosto

45.887,00

Setembro

42.749,00

Outubro

46.749,00

Novembro

56.706,75

Dezembro

40457,00

Total

517.013,75

 

  • Os montantes apurados resultam do entendimento dos SIT de que os trabalhadores nos contratos individuais de trabalho que celebraram com a Requerente, aceitaram exercer funções em Mortágua ou Porto, ou em deslocações quer em Portugal quer no estrangeiro, estando por isso, sempre no seu local de trabalho, não reunindo, condições para receberem ajudas de custo, dado não cumprirem os pressupostos da sua atribuição idêntica aos servidores do Estado e, por isso, ficam os valores assim recebidos sujeitos a tributação ao abrigo do artigo 2.º n.ºs 1, 2 e 3 alínea d) do CIRS.
  • Os valores apurados pelos SIT não foram aceites pela Requerente que, no exercício do direito de audição, explicou os motivos da sua não concordância, não tendo os Serviços da Requerida aceite, considerando que os argumentos não eram susceptíveis de alterar as correcções constantes no projecto de relatório, mantendo‑as.
  • Em 19/05/2023 a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral.

 

3.2 – Factos não provados

 

  1. Não se consideraram como não provados quaisquer factos com relevância para a decisão da causa.

 

3.3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. O Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria de facto alegada, mas antes seleccionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada, conforme aos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e ao artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT.
  2. Tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.
  3. A convicção deste Tribunal Arbitral sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta aos autos e no depoimento das testemunhas, que se revelou sério, coerente e credível perante a factualidade em apreciação nestes autos.
  4. Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, como prevê o artigo 110.º do CPPT, relativa à prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

4 – Matéria de direito

 

4.1 – Ordem de conhecimento dos vícios

 

  1. No pedido arbitral a Requerente invocou diversos vícios, todos conducentes à anulação dos actos de liquidação contestados, embora sem estabelecer entre eles uma relação de subsidiariedade. Nestes casos, determina o artigo 124.º do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT, que a apreciação dos vícios deverá ser feita segundo o prudente critério do julgador, de forma a assegurar a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
  2. Assim, será apreciado em primeiro lugar o vício de violação de lei por errónea qualificação das ajudas de custo como rendimentos de trabalho dependente. Em segundo lugar será apreciado o vício de violação de lei por errónea aplicação dos pressupostos de retenção na fonte. Em terceiro lugar será apreciado vício de violação de lei por errónea aplicação das regras de responsabilidade inerentes à substituição tributária. Em quarto e último lugar será apreciado o vício de violação de lei por ilegal ampliação do âmbito do procedimento inspectivo.

 

4.1 – Violação de Lei: qualificação de ajudas de custo como rendimentos de trabalho dependente

 

  1. Quanto a este ponto cumpre essencialmente determinar se os montantes pagos pela Requerente aos seus trabalhadores da área técnica/operacional pelo exercício de actividade nas instalações dos seus clientes foram validamente enquadrados para efeitos de IRS no regime aplicável às ajudas de custo.
  2. Como o recebimento e quantificação daqueles valores não é controvertido, designadamente o respeito pelo limiar até ao qual não são tributadas as ajudas de custo, apenas se impõe apreciar qual a qualificação a atribuir àqueles montantes.
  3. Se aquelas verbas forem qualificadas como ajudas de custo, não será devido IRS sobre as mesmas por força do disposto no artigo 2.º, n.º 3, alínea d) do CIRS.
  4. Se os referidos montantes não puderem ser qualificados como ajudas de custos, por concretizarem remuneração de trabalho dependente, será devido IRS por preenchimento das normas de incidência objectiva previstas no artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS.
  5. No pedido arbitral a Requerente defendeu que os montantes pagos eram efectivamente ajudas de custo, em suma, com base nos seguintes argumentos:
  • Nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril, considera-se domicílio necessário, para efeitos de abono de ajudas de custo, a localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções;
  • Nos contratos de trabalho em causa nos autos, está claramente previsto o local de trabalho funcional (Mortágua e Porto) dos colaboradores da Requerente;
  • Pela própria natureza da actividade da Requerente e dada a especificidade das intervenções, que incluem tarefas que têm necessariamente de ser executadas in loco, seja num parque eólico, seja noutra instalação, equipamento ou projecto em curso – sendo certo, de igual modo, que outras tarefas terão de ser executadas nas instalações da Requerente;
  • Do vasto acervo documental disponibilizado pela Requerente no âmbito do procedimento inspectivo constam exactamente todos os mapas de deslocações de todos os colaboradores da Requerente, relativos a todo o ano de 2019, os quais comprovam claramente que, uma vez terminada a deslocação dos colaboradores, estes regressam ao respectivo local de trabalho nas instalações da Requerente;
  • A Requerente indicou expressamente a origem e destino de cada deslocação, e do projecto ou actividade a que respeitava cada deslocação, bem como a respectiva duração, permitindo assim à AT saber, com a exactidão necessária, quais os colaboradores que tiveram intervenção em cada concreto projecto, quando ocorreu tal intervenção e por quantas vezes, destrinçando-se também se tal intervenção ocorreu apenas num projecto ou vários, em quais projectos, onde e quando;
  • A Requerente teve o cuidado de distinguir o valor que paga em cada uma dessas deslocações em função do país a que respeitam, tendo em conta que o custo de vida difere de país para país, como igualmente difere o risco associado a determinadas geografias, o que tem reflexo no acréscimo de gastos, nomeadamente com transportes;
  • A Requerente teve ainda o cuidado de considerar a maior ou menor distância relativamente a Portugal, pois que também isso tem consequências quanto aos gastos que os colaboradores da Requerente são obrigados a suportar no exercício das suas funções;
  • A AT aponta que os boletins itinerários de apuramento diário das ajudas de custo não mencionam a hora de início e fim, nem a continuação da prestação de trabalho, o que em nada prejudica a compreensão da informação naqueles contida, sendo que tal exigência não resulta da lei;
  • A AT refere que a atribuição e pagamento das ajudas de custo é reiterada e na maior parte dos meses é a principal ou uma forte componente remuneratória dos trabalhadores, não se verificando a atribuição de pagamento de ajudas de custo de forma ocasional ou excepcional, contudo, as ajudas de custo (todas elas e não apenas as que respeita aos colaboradores em apreço) correspondem a 24,38% dos gastos com pessoal, o que significa que as remunerações destes correspondem a uma quantia três vezes superior ao valor das ajudas de custo;
  • As ajudas de custo não são atribuídas de forma ocasional ou excepcional porque são atribuídas sempre que há necessidade de deslocação do colaborador aos parques eólicos dos clientes;
  • As quantias recebidas pelos colaboradores a título de ajudas de custo não têm uma correspectividade directa com a prestação do trabalho, isto é, uma relação com as horas de trabalho prestadas, produtividade, bem-fazer, assiduidade ou pontualidade, não podendo ser qualificadas como rendimento de trabalho dependente.
  1. Pelo contrário, entendeu a Requerida que as quantias pagas deviam ser qualificadas como rendimento de trabalho dependente, em síntese, com base nos seguintes argumentos:
  • As remunerações atribuídas, pagas e contabilizadas a título de ajudas de custo, importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal e remunerações do trabalho suplementar dos trabalhadores da área operacional colocados em projectos não correspondem a valores atribuídos a título de ajudas de custo, mas sim a rendimentos de trabalho dependente sujeitos a tributação na categoria A, nos termos da alínea d), do n.º 3, do artigo 2.º do CIRS;
  •  Não foram observados pela Requerente os pressupostos da atribuição de ajudas de custo, previstos no Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril, que estabelece as normas relativas ao abono de ajudas de custo e de transportes pelas deslocações em serviço público e pelo Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de Julho, que disciplina o abono de ajudas de custo por deslocação em serviço ao estrangeiro;
  • Considerar, no presente caso, que o domicílio necessário apenas corresponde ao local onde os trabalhadores aceitaram o lugar ou cargo para exercer as suas funções (Mortágua ou Porto), constituiria uma forma de ficcionar deslocações para locais distintos daqueles onde aceitaram prestar o seu trabalho, não se vislumbrando que os montantes atribuídos e pagos pelo sujeito passivo a título de ajudas de custo tenham natureza compensatória, mas antes sim, natureza remuneratória;
  • Não tendo tais montantes natureza compensatória, não se pode afirmar que relativamente à sua atribuição e pagamento não existe qualquer correspectividade com a prestação do seu trabalho;
  • Nos termos da alínea a), do n.º 2, do artigo 75.º da LGT a presunção de veracidade não se verifica se as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, que é o que se verifica no presente caso;
  • A AT fez todas as diligências, seguiu todos os procedimentos e recolheu todos os meios de prova admitidos em direito, tendo em vista o apuramento dos factos tributários, que sustentaram as correcções/liquidações efectuadas em sede de retenção na fonte de IRS do ano de 2019, tendo sido observados os princípios da verdade material e do inquisitório (artigos 6.º do RCPITA e 58.º da LGT);
  • A AT cumpriu o ónus de provar a existência dos pressupostos de facto e de direito que fundamentam as correcções efectuadas (artigo 74, n.º 1 da LGT), isto é, que fundamentam que por força do disposto no artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 e n.º 3 alínea d), do CIRS, os montantes atribuídos e pagos pelo sujeito passivo a título de ajudas de custo aos trabalhadores da área operacional colocados em projectos configuram rendimento do trabalho dependente em sede de IRS, devendo ser tributados como tal.
  1. Cumpre então decidir se às quantias em causa no presente processo deve ser atribuída uma natureza compensatória (ajudas de custo) ou remuneratória (rendimentos de trabalho dependente).
  2.  As ajudas de custos correspondem a montantes pagos pela entidade patronal aos seus funcionários com o propósito de compensar encargos por estes suportados no exercício da actividade e no interesse da entidade patronal, inexistindo, assim, um qualquer intuito de remunerar a prestação laboral em si considerada.
  3. Quanto à densificação do conceito de ajudas de custo, vejam-se as seguintes considerações do Tribunal Central Administrativo Norte, proferidas no acórdão de 13 de Fevereiro de 2014, no âmbito do processo n.º 00237/06.9BEBRG:

A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.

Na prática, porém, as coisas não se apresentam com tal linearidade. A dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos. E por vezes, o trabalhador faz a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar. Ora estas quantias, embora sejam justificadas com a ocorrência de custos ao serviço da entidade patrimonial, podem gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efectivamente suportados. E, assim sendo, as «ajudas de custo» podem conter verdadeiros rendimentos. Que, por apresentarem alguma conexão com a prestação do trabalho, cabem no conceito de remuneração acessória a que aludem a parte final do n.º 2 e a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Todavia, a tributação da totalidade das «ajudas de custo» nas situações descritas também coloca problemas delicados. Problemas, desde logo, relacionados com a desigualdade de tratamento dos trabalhadores que, pela natureza do seu trabalho ou das circunstâncias em que fosse prestado, não pudessem determinar em cada momento a componente do custo e a componente do ganho das ajudas. Problemas relacionados com objectivos sociais e económicos que, muitas vezes, se associam à atribuição destas quantias, que extravasam a relação laboral e que se entende dever estimular e proteger. Problemas relacionados com a capacidade de fiscalização concreta destas situações, o custo que lhes está associado e a sua proporção com o valor das receitas potenciais.

Razões de sobra para que o legislador abdicasse da tributação das eventuais vantagens económicas que trabalhador obtivesse em consequência do recebimento de tais quantias, desde que contidas num determinado limite quantitativo – artigo2.º, n.º 3, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Assim, na parte em que não excedam determinados limites, as «ajudas de custo» não são tributáveis, mesmo que delas derivem vantagens económicas para o trabalhador, porque a lei exclui essas quantias da incidência do imposto. Na parte em que esses limites são excedidos, porém, o legislador presume que o seu recebimento gerou um excedente patrimonial para o trabalhador (e que, por conseguinte, o custo efectivo não atingiu aquele montante), constituindo um rendimento suplementar enquadrável no conceito de remuneração acessória.

A que acresce um limite qualitativo: as «ajudas de custo» são tributáveis quando (ou na parte em que) não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.

Tudo isto, naturalmente, no pressuposto de que essas quantias sejam percebidas a título de «ajudas de custo». Nada impede, na verdade, a que sobre essa designação seja acordado entre trabalhador e empregador o pagamento de quantias que não se destinem verdadeiramente a compensar custos, mas a remunerar trabalho. Sendo que, em tal caso, não se pode sequer falar em ajudas nem em custos.

Em alguns casos, o legislador presume que as importâncias despendidas não têm conexão com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal. São aqueles em que seja apurado que as importâncias atribuídas dizem respeito a despesas de deslocação, de viagens e de representação e não tenham sido prestadas contas até ao fim do exercício. Trata-se, porém – se bem vemos – de situações em que aquelas importâncias são provisionadas pela entidade patronal mas em que o trabalhador só tem direito ao valor dos custos efectivamente suportados com esse fim.”.

  1. No presente processo resultou provado que para além do montante atribuído a título de ajudas de custo a Requerente não pagou quaisquer despesas de natureza pessoal aos seus trabalhadores da área técnica/operacional, no âmbito das deslocações por estes efectuadas para prestar serviços nos parques eólicos ou instalações, em Portugal ou no estrangeiro, dos clientes da Requerente.
  2. Os montantes pagos a título de ajudas de custo visaram efectivamente compensar os encargos com viagens, alimentação e transporte daqueles trabalhadores, razão pela qual os valores atribuídos foram diferenciados em função do nível de custos subjacente aos locais para onde ocorria a deslocação dos trabalhadores.
  3. Se estes custos apenas se realizaram em função da alocação dos trabalhadores para as instalações dos clientes da Requerente e se não foram incorridos no interesse daqueles mas sim no da respectiva entidade patronal, é compreensível que não fossem suportados pela retribuição mensal paga pela Requerente mas sim por ajudas de custos atribuídas especificamente para o efeito.
  4. O facto de as ajudas de custo serem pagas de forma reiterada não impede que apenas sejam atribuídas em função das concretas deslocações realizadas e dos custos que se presumem estar associados.
  5. Basta ter em consideração que os trabalhadores eram alocados a diferentes projectos, em diferentes locais, de forma temporária, ainda que dilatada no tempo.
  6. O que é passível de ser aferido através dos mapas de suporte elaborados pela Requerente, dos quais consta o local, a data e a actividade realizada por conta da qual foram pagas as ajudas de custo.
  7. Isto sendo certo que não obsta ao controlo da natureza das ajudas de custo a falta de indicação naqueles mapas de suporta da hora de início e de fim da prestação de actividade.
  8. Sem prejuízo, a eventual insuficiência de mapas de suporte não seria motivo por si só suficiente para afastar a qualificação das verbas pagas como ajudas de custo.
  9. É que os montantes pagos a título de ajudas de custos, ao terem sido inscritos e reconhecidos na contabilidade da Requerente, gozam da presunção de veracidade e boa-fé consagrada no artigo 75.º da LGT.
  10. Presunção que a AT não logrou ilidir, apesar de lhe competir o ónus de provar que as ajudas de custo eram na verdade rendimentos de trabalho dependente, por força do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
  11. Em sentido próximo, vejam-se as seguintes conclusões do Tribunal Central Administrativo Norte, proferidas no acórdão de 7 de Junho de 2018, no âmbito do processo n.º 01070/08.9BEBRG:

“(…) do facto de a quantia paga ao trabalhador a esse título ser fixa e regular não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.

As ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo uma contraprestação do trabalho realizado. E estando os montantes pagos registados na contabilidade da Recorrida como ajudas de custo, face ao princípio da veracidade das declarações dos contribuintes e da contabilidade ou escrita, quando organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal - artigo 75.º da LGT - incumbe à Administração Tributária provar que tais quantitativos não se destinaram a cobrir as despesas suportadas pelo trabalhador em virtude de estar deslocado do seu posto de trabalho.

Caberia, por isso, à Administração Tributária reunir outros indicadores que, por sis ó ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias percebidas são consideradas remuneração de trabalho. Como decorre do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

  1. Estando assente que as importâncias pagas como ajudas de custo não têm natureza remuneratória mas sim compensatória, cumpre por fim aferir se foram “observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado” conforme exigido nos termos do artigo 2.º, n.º 3, alínea d) do CIRS.
  2. Nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril, e do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de Julho, têm direito a ajudas de custo os trabalhadores “deslocados do seu domicílio necessário”.
  3. Nos termos do artigo 2.º do Decreto‑Lei n.º 106/98, de 24 de Abril, considera-se como domicílio necessário:

a) A localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço;

b) A localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida na alínea anterior;

c) A localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções.”.

  1. Ora, tal como resulta da matéria de facto provada supra, todos os contratos de trabalho celebrados entre a Requerente e os seus trabalhadores da área técnica/operacional prevêem que o exercício de actividade ocorre nas instalações desta.
  2. Contudo, como a actividade da Requerente é essencialmente exercida em serviços de manutenção, prevenção e de reparações em parques eólicos, nacionais e estrangeiros, dos clientes da Requerente, prevêem igualmente os referidos contratos de trabalho que a actividade também será exercidas nas instalações dos clientes da Requerente.
  3. Verifica-se, portanto, que não existe relativamente aos contratos em questão um único local fixo onde seja prestada actividade, variando o local de trabalho em função do concreto projecto a que, em cada momento, são alocados os trabalhadores, que no seu término regressam às instalações da Requerente.
  4. Consequentemente, o domicílio necessário dos trabalhadores da Requerente da área técnica/operacional terá de corresponder à localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional que, in casu, corresponde ao local das instalações da Requerente sitas em Mortágua/Porto.
  5. O que significa que as ajudas de custo foram de facto pagas em virtude de deslocações dos trabalhadores ao serviço da Requerente para locais diferentes do seu domicílio necessário, de tal modo que se encontravam preenchidos os pressupostos de atribuição de ajudas de custo previstos no Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril, e no Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de Julho.
  6. Em face do exposto, conclui-se que os montantes pagos pela Requerente aos seus trabalhadores não se qualificam como remunerações de trabalho dependente mas sim como ajudas de custos não sujeitas a tributação em sede de IRS por força do disposto no artigo 2.º, n.º 3, alínea d) do CIRS.
  7. Nesta medida, julga-se procedente a ilegalidade imputada aos actos de liquidação impugnados, impondo-se a sua anulação e o consequente reembolso à Requerente do montante de imposto indevidamente pago.
  8. Uma vez que a ilegalidade dos actos de liquidação impugnados resulta de erro, única e exclusivamente, imputável aos serviços, é devido à Requerente o pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor indevidamente pago, à taxa legal supletiva, desde a data do pagamento indevido até à data do integral e efectivo reembolso à Requerente, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.
  9. Fica prejudicada, porque inútil, a apreciação dos demais vícios invocados pela Requerente, que já obteve integral satisfação do pedido efectuado no presente processo.

 

5. Decisão

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar procedente a ilegalidade dos actos de liquidação de IRS e juros compensatórios impugnados, determinando-se a sua anulação em conformidade;
  2. Condenar a Requerida a restituir  à Requerente a quantia de € 585.126,70;
  3. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios;
  4. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

6. Valor do processo

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 585.126,70.

 

7. Custas

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 8.874,00, a suportar pela Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2024

 

Os árbitros,

 

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente e Relatora)

 

 

 

Clotilde Celorico Palma

 

Arlindo José Francisco