Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 331/2023-T
Data da decisão: 2024-03-01  IRC  
Valor do pedido: € 47.254,26
Tema: IRC-Tributações autónomas: Despesas não documentadas: Artigo 88º,nº1 do CIRC: Ónus da prova.
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SUMÁRIO:

As despesas não documentadas a que se refere o artigo 88º, nº1do CIRC, reconduzem-se a saídas de meios financeiros do património da empresa sem documento de suporte que permita apurar o seu destino, o seu beneficiário, natureza, origem e finalidade.

 DECISÃO ARBITRAL

I-RELATÓRIO

1. A..., Lda., pessoa colectiva nº  ..., com sede na Rua ..., nº ..., ..., ...-... ... (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), apresentou em 2023-05-05, pedido de constituição de tribunal arbitral e consequente pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 dos artigos 2º, 5º, nº 2 alínea a), 6º, nº 1 e 10º nºs 1 e 2, todos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), e dos artigos nº 1 e 2º da Portaria 112-A/2011, de 2 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação, da liquidação adicional de IRC nº 2022... de 28 de Dezembro, com acerto de contas, e demonstração de liquidação de juros nº 2023..., no valor global de  47.254,26 €, com data limite de pagamento em 20-02-2023.

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2023-05-08 e notificado à Requerida em 2023-05-10 nos termos legais.

3. Nos termos, e para efeito do disposto na alínea a) do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4.Em 2023-06-23 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 3, alíneas a) e b) do RJAT, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O tribunal arbitral singular ficou constituído em 2023-07-11 de acordo com a prescrição da alínea c) artigo 11º do RJAT, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

6.Devidamente notificada para tanto através de despacho proferido na supra referida data, a Requerida após pedido, de prorrogação de prazo para apresentar a sua resposta e o processo administrativo (PA) (que lhe foi concedido por despacho de 2023-09-28), procedeu à junção da sua resposta bem como do processo administrativo em 2023/10/19.

7. Em 2023/11/07, realizou-se a inquirição de testemunhas apresentadas pela Requerente na Delegação do Porto do CAAD.

8.Na secção supra referida, foram as partes notificadas para apresentarem, no prazo de dez dias e de modo simultâneo alegações escritas, indicada data para a prolação da decisão e sua notificação às partes, e ainda solicitado o envio das peças processuais em formato “word”, e advertida a Requerente  para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

9. A AT e Requerente, apresentaram alegações escritas, respectivamente, em 08 e 09 de Janeiro de 2024.

10. Por despacho proferido em 2024-01-04, e pelas razões constantes do mesmo, foi prorrogado o prazo para a prolação da decisão e sua notificação às partes, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 21º do RJAT.

11. Nas alegações escritas, as partes reiteraram e densificaram os argumentos constantes do pedido de pronúncia arbitral e correspetiva resposta, procedendo ainda à identificação de jurisprudência em abono das respectivas  teses.

******* 

12. A fundamentar o seu pedido, a Requerente invoca, com relevo para o que aqui importa, o que segue (que se menciona maioritariamente por transcrição);

12.1.A Requerente/Impugnante exerce a actividade com o CAE principal “Exploração florestal - 02200” e CAE secundário 1 “Construção de outras obras de engenharia civil, N.E. - 042990”, CAE secundário 2 “Aluguer máq. e equip. para a constr. e engenharia civil – 077320”, CAE secundário 3 “Silvicultura e outras atividades florestais – 002100” e o CAE secundário 4 “Preparação dos locais de construção – 043120” (Cfr. artigo 1 do ppa e documento n.º 5, com o mesmo junto)

 

12.2. No ano/exercício de 2018, a actividade e CAE da Requerente/Impugnante eram de exploração florestal, construção de outras obras de engenharia civil, aluguer de máquinas e equipamentos para a construção e engenharia civil e silvicultura e outras actividades florestais (Cfr. artigo 2 do ppa e documento nº 5 com o mesmo junto).

 

12.3. No ano/exercício de 2018, a Requerente/Impugnante encontrava-se enquadrada para efeitos de IRC, no regime geral de tributação, tendo apresentado a sua Declaração de IRC dentro do prazo legal para o efeito tendo originado o pagamento respectivo no valor 19.681,66€ (Cfr. artigo 2 do ppa e documentos nºs 6,7 e 8 com o mesmo juntos).

12.4. Com data de 19-05-2022, a Requerente/Impugnante foi notificada da carta-aviso, a dar conhecimento que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) iria proceder à acção de inspeção externa, ao abrigo da Ordem de Serviço Externa n.º OI2022..., com data de despacho de 08/04/2022, a qual terá sido emitida pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de  ...(Cfr.  artigo 4 do ppa e documento nº 9 com o mesmo junto).

 

12.5.A Requerente/Impugnante foi notificada do Projecto de Relatório de Inspecção no dia 14 de Novembro de 2022. (Cfr. artigo 7 do ppa e documento nº 10 com o mesmo junto), onde é referido o seguinte:

(…) O sujeito passivo, para o normal desenvolvimento da sua atividade, utiliza a conta bancária de depósitos à ordem que possui na CGD, com o nº..., pelo que lhe foi solicitado cópia dos extratos bancários referentes aos movimentos ocorridos naquela conta no decurso do ano de 2018.

O sujeito passivo cumpriu com o que lhe foi solicitado, tendo apresentado à Inspeção Tributária a cópia dos respetivos extratos bancários, sendo que, da análise dos mesmos, resultou a identificação de um conjunto de movimentos de saídas monetárias daquela conta bancária, cujo suporte foi essencialmente o levantamento de numerário em caixa multibanco e a emissão pelo sujeito passivo de cheques, como segue:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

12.6.A relevação contabilística dos movimentos financeiros apresentados no quadro anterior, ocorreu mediante a execução do lançamento do respetivo valor a crédito da conta SNC “12041_CGD- Caixa Geral de Depósitos” por contrapartida  (a débito) da conta SNC “11101- Caixa Fixo”.

12.7.A Requerente/Impugnante apresentou a sua audiência prévia no dia 23 de Novembro de 2022.

12.8. No que concerne à tributação autónoma a Requerente/Impugnante manifestou que: (cfr. artigo 9 do ppa e documento nº 11 com o mesmo junto).

(…)

2 – Não concordar com o valor de 41.485,00€ de Tributação Autónoma, por não serem devidas pelas seguintes razões:

A empresa só recebe dos seus clientes e do Estado (reembolso de IVA), através de transferências bancárias (não através de multibanco);

Logo, não possuímos em Caixa qualquer recurso;

Para fazer face a pequenas despesas, procede-se a levantamentos através de cartão e algumas vezes, levantamento em cheques;

Tivemos pessoal em obras fora do concelho, que necessitaram de levar dinheiro para fazer face a despesas de deslocação e outras que possa surgir;

Foi manifestada a sugestão de acompanhar o extrato do caixa com os respetivos documentos de suporte (exemplificando com uma amostragem aleatória de gastos efetuados), iremos anexar todas as cópias dos documentos que justificam os gastos efetuados durante o ano de 2018;

O Contabilista Certificado afirmou a impossibilidade de associar as notas levantadas em cada movimento com os gastos efetuados (até porque várias vezes os valores que os colaboradores levavam da empresa, não eram suficientes e como era lógico eram reembolsados da diferença), os levantamentos foram efetuados para fazer a possíveis gastos (na sua maioria), e imprevisíveis;

Juntamos fluxos de Caixa do Exercício de 2018, onde são evidentes as origens e aplicações dos fluxos monetários;

Os gastos efetivamente suportados pela empresa constam dos registos da contabilidade, como pagos, sendo assim como é possível a presunção de outros gastos para as mesmas importâncias?

 Como prova, juntamos fluxos de Caixa do exercício de 2018, onde são evidentes as origens e aplicações dos fluxos monetários.

 

12.9. Concretamente, a Impugnante apresentou todos os gastos existentes e documentados conforme documentos em arquivo na contabilidade, respeitantes ao ano de 2018 (Cfr. artigo 10 do ppa e documentos nºs 12 a 17 com o mesmo junto).

  1. Cópias dos cheques nºs ..., ..., ..., ..., ... e ..., para pagamentos de fornecedores da Impugnante; Cfr. Doc. n.º 12;
  2. Levantamentos de 150,00€ a 1.000,00€ para as respectivas despesas diárias; Cfr. Doc. n.º 12;
  3. Extractos de conta e de movimentos de entradas e saídas, clientes e fornecedores; Cfr. Doc. n.º 12;
  4. Balanços; Cfr. Doc. n.º 12;
  5. Facturas de compras; Cfr. Doc. n.º 13;
  6. Mapa detalhado de compras; Cfr. Doc. n.º 13;
  7. Cópias de cheques; Cfr. Doc. n.º 14;
  8. Correspondência com clientes por causa de pagamentos; Cfr. Doc. n.º 15;
  9. Balancetes e extractos de conta quanto a movimentos de levantamentos de 150,00€ a 1.000,00€; Cfr. Doc. n.º 16;
  10. Extractos de conta bancária; Cfr. Doc. n.º 17.

 

 

12.10. Os mesmos que, tendo presente a declaração de IRC de 2018, os gastos e as despesas devidamente documentados e aceites pela Impugnada, em arquivo da contabilidade, inclusive, além das demais confirmadas e documentadas com o respectivo lançamento contabilístico, também as seguintes (cfr. artigo 11 do ppa e documentos nºs 18 a 22 com o mesmo juntos)

  1. Audição exercida pela Impugnante, com a explicação dos documentos e lançamentos na contabilidade, formas de pagamento, conferência bancária, respectivas facturas e despesas associadas; Cfr. Doc. n.º 18;
  2. 1) 12-12-2017 – Recibo n.º 55141343 – ... – 652,41€ - 09-02-2018 - Cheque CG...; Cfr. Doc. n.º 19;
  3. 2) 06-01-2018 – Documento cobrança – IMPIC – 650,00€ - 09-03-2018 – Débito cheque ...; Cfr. Doc. n.º 19;
  4. 3) 31-01-2018 – Autoridade Tributária – IUC – 191,00€ - 05-02-2018 – Débito cheque ...; Cfr. Doc. n.º 19;
  5. 4) 02/01/2018 – FR VD/302842 –D..., Lda. – 144,67€ - 09-01-2018 – Débito cheque ...; Cfr. Doc. n.º 19;
  6. 5) 28-02-2018 - Autoridade Tributária – IUC – 106,00€ - 05-03-2018 – Débito cheque ...; Cfr. Doc. n.º 19;
  7. 6) 01-06-2018 – Autoridade Tributária – IUC – 191,00€ - 06-06-2018 – Débito cheque...; Cfr. Doc. n.º 19;
  8. 7) 693,00€ - 13-08-2018 - Débito cheque ...; Cfr. Doc. n.º 19;
  9. 8) 09-10-2018 – Factura n.º 2967 –...– 319,80€ - 11-10-2018 – Débito cheque ...; Cfr. Doc. n.º 19;
  10. 9) 20-10-2018 – Recibo EUW036602349 –...– 721,20€ - 23-11-2018 – Cheque ...; Cfr. Doc. n.º 19;
  11. 10) 20-10-2018 – Recibo EUW036602347 –...– 721,20€ - 15-11-2018 – Cheque ...; Cfr. Doc. n.º 19;
  12. 11) 30-11-2018 – Autoridade Tributária – IUC – 426,69€ - 05-12-2018 – Débito cheque ...; Cfr. Doc. n.º 19;
  13. 1) 01-02-2018 – FTR SEC118/132 –...– 64,00€ - 01-02-2018 – Compra ...; Cfr. Doc. n.º 20;
  14. 2) 22-10-2018 – Conservatória – 65,00€ - 22-10-2018 – Compra 0000113915; Cfr. Doc. n.º 20;
  15. 1) 05-02-2018 –B... Lda. – 50,02€ - Cartão débito CGD 1574; Cfr. Doc. n.º 21;
  16. 2) 05-06-2018 –B... Lda. – 7,50€ - Cartão débito CGD 6695; Cfr. Doc. n.º 21;
  17. 3) 16-06-2018 – C...S.A. – 7,90€ - Pagamento automático CGD 0336; Cfr. Doc. n.º 21;
  18. 4) 23-08-2018 – FS 16R/14663 –... – 60,00€ - Cartão crédito; Cfr. Doc. n.º 21;
  19. 5) 20-12-2018 – FR 17671/2018 – ... – 36,54€ - Multibanco; Cfr. Doc. n.º 21;
  20. 1) 19-04-2018 – FS 1/110309 –...– 65,00€ - 19-04-2018 – Cmpra 0000113915; Cfr. Doc. n.º 22.

 


12.11. No Relatório Inspectivo datado de 20/12/2020, notificado à Requerente, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, é referido, para além do mais, e com pertinência, o seguinte:

“O sujeito quis demonstrar que o valor de 82.970,00€, relativo a levantamentos em numerário e em cheques (conforme ponto V.2 do capítulo V do projeto de relatório – reproduzido na íntegra no presente relatório), está associado a despesas pagas em numerário no ano de 2018.

Analisados os fundamentos e verificados os documentos anexos ao direito de audição, apresentados pelo sujeito passivo, apraz-nos tecer as seguintes considerações:

O sujeito passivo refere que juntou todos os documentos que justificam os gastos efetuados durante o ano de 2018;

Nos documentos enviados, constam os seguintes modos de pagamento: “Numerário”, “Multibanco”, “Cartão de débito”, “Cartão de crédito” e “Pagamento automático”. Em grande parte dos documentos não consta qualquer identificação do modo de pagamento;

Os documentos foram enviados todos juntos, sem qualquer separação por mês;

O sujeito passivo não agrupou, não identificou e nem quantificou os gastos pagos, em numerário, em cada mês, que permitisse aferir sobre a utilização dos meios monetários subjacentes aos referidos levantamentos mensais e em cheques, associados à conta bancária cujos extratos foram alvo de análise no âmbito do procedimento inspetivo;

Impunha-se igualmente, que juntamente com a documentação apresentada, o sujeito passivo

demonstrasse, mediante a respetiva relevação contabilística, que as despesas incorridas no ano/exercício de 2018, cujo pagamento se efetivou em numerário, tiveram, grosso modo, correspondência com os levantamentos em numerário e em cheques verificados nos extratos bancários;

Não foi feita a correspondência de cada levantamento (cheque ou multibanco) com o(s) respetivo(s) documento(s) dos gastos ocorridos;

Da documentação apresentada em sede de audição prévia, constam documentos cujo o modo de pagamento refere “multibanco”, o que evidencia que o sujeito passivo não dispõe do controlo que se exigia em relação aos fluxos monetários (saídas de meios financeiros), realizados em numerário;

Foram enviados documentos onde consta que os mesmos foram pagos por “cartão de crédito”, ou “cartão de débito”, logo, o pagamento não foi em numerário, como o sujeito passivo pretendeu fazer crer ao juntar tais documentos;

No quadro seguinte, identificam-se ainda outros gastos, que pese embora não indiquem o meio de pagamento utilizado, é possível identificar por datas e valor, de que os mesmos, muito provavelmente, foram pagos por cheque:

(…)

Também em relação aos documentos identificados no quadro anterior, o sujeito passivo pretendeu fazer crer que o pagamento foi efetuado em numerário, o que não corresponde à realidade.

Foram enviados documentos, identificados no quadro abaixo, com indicação de pagamento por “multibanco”, que a AT conseguiu identificar no extrato bancário da CGD como pagamentos com cartão, ou seja, esses documentos não foram pagos em numerário como o sujeito quer demostrar:

(…)

Os documentos que se indicam no quadro seguinte, foram faturas emitidas em nome do sujeito passivo, pagas por meio de multibanco, mas que não constam como débitos no extrato bancário da C.G.D. em nome das “A...”, ou seja, tudo leva a crer que esses gastos não foram pagos sequer pela empresa, sendo que também o meio de pagamento utilizado não foi em numerário:

(…)

O documento que se indica no quadro seguinte, foi uma fatura emitida em nome do sujeito passivo, paga por meio de multibanco, e que consta como débito no extrato bancário da C.G.D. em nome das “A...”, ou seja, trata-se de documento que não foi pago em numerário:

(…)

No somatório efetuado pela AT de todos os documentos enviados pelo sujeito passivo, foram considerados como pagamento em numerário todos aqueles que inequivocamente está indicado nos mesmos “Numerário”, e todos aqueles que não referem o modo de pagamento. Do valor apurado, constatou-se que o valor anual (janeiro a dezembro), ultrapassou o valor de 82.970,00€ (valor dos levantamentos em numerário e em cheque que está na origem da proposta de correção em sede de tributação autónoma), conforme quadro que se segue:

(…)

Mês Levantamentos Pagamentos Diferença

Janeiro 10.900,00€ 8.472,15€ 2.427,85€

Fevereiro 9.750,00€ 6.323,28€ 3.426,72€

Março 8.650,00€ 7.295,26€ 1.354,74€

Abril 5.350,00€ 5.930,55€ -580,55€

Maio 7.100,00€ 8.181,81€ -1.081,81€

Junho 4.200,00€ 7.052,93€ -2.852,93€

Julho 3.900,00€ 4.418,58€ -518,58€

Agosto 3.850,00€ 3.868,18€ -18,18€

Setembro 5.555,00€ 6.493,96€ -938,96€

Outubro 3.565,00€ 9.134,30€ -5.569,30€

Novembro 5.950,00€ 3.561,21€ 2.388,79€

Dezembro 14.200,00€ 17.325,11€ -3.125,11€

Total 82.970,00€ 88.057,32€ -5.087,32€

(...)

Da análise ao quadro anterior, infere-se ainda que, tendo em linha de conta somente a análise comparativa entre valores globais de levantamentos da conta bancária e os pagamentos que terão sido efetuados em numerário, se torna inviável, em face das diferenças verificadas, fazer corresponder cada levantamento a pagamentos efetuados em numerário.

Face ao descrito, e por tudo o que já foi referido neste capitulo, o sujeito não fez prova clara e evidente quanto ao destino dos montantes levantados no ano de 2018 no valor de 82.970,00€, e, por conseguinte, será de manter a correção preconizada no ponto V.2 do capítulo V do presente relatório (que constituiu uma reprodução na íntegra do capítulo V do projeto de relatório), ou seja, determinação do valor de 41.485,00€ (=82.970,00€*50%), a título de tributação autónoma em sede de IRC, por estarem reunidos os pressupostos para aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.

Proceder-se-á, assim, à elaboração do respetivo Documento de Correção (DC), em sede de IRC, com referência ao ano/exercício de 2018, como forma de materializar a correção que se efetiva em matéria de tributação autónoma no presente relatório, conforme descrito no parágrafo anterior.”

 

Do referido Relatório Inspectivo, resulta em conclusão que:

“Deste modo, face ao plasmado nos parágrafos anteriores, considera a Inspeção Tributária que se está perante despesas não documentadas, e, por isso, estarem reunidos os pressupostos para aplicação do n.º 1 do artigo 88º do CIRC, quanto à tributação autónoma à taxa de 50% do montante total dos movimentos financeiros elencados no quadro anterior.

Assim, calcula-se o imposto (IRC) em falta no montante de 41.485,00€, conforme o quadro seguinte:

Descrição Valor

[1] Valor sujeito a tributação autónoma 82.970,00€

[2] Taxa de tributação autónoma 50%

[3]=[1]×[2] Imposto (IRC) em falta 41.485,00€

V.3. Resumo das correções

Em conformidade com o descrito nos pontos anteriores, obtém-se um lucro tributável e tributação autónoma, corrigidos, conforme quadro que se segue:

Item Descrição

Ano/Exercício de 2018

1 Lucro tributável declarado 127.908,47€

2 Gastos não aceites fiscalmente 1.148,65€

3 Imparidades 13.819,00€

4=2+3 Correção ao lucro tributável 14.967,65€

5=1+4 Lucro tributável corrigido 142.876,12€

6 Tributação autónoma declarada 5.904,01€

7 Correção à tributação autónoma 41.485,00€

8=6+7 Tributação autónoma corrigida 47.389,01€”

 

12.12. A Impugnante procedeu às regularizações respectivas. (Cfr. artigo 14 do ppa e documento nº 24 com o mesmo junto).

 

12.13. À excepção das despesas aceites e que a Impugnada pretendia considerá-las como sujeitas a tributação autónoma, quando as mesmas estão aceites e documentadas com o respectivo registo de lançamento e arquivadas na contabilidade da Impugnante. (Cfr. artigo 15 do ppa)

 

12.14.  A Impugnada recebeu a Liquidação adicional/correctiva com o n.º 2022 ... de 28 de Dezembro de 2022 com acerto de contas de 3 de Janeiro de 2023, com a Demonstração de Liquidação de IRC (Imposto sobre Rendimento das Pessoas Colectivas) e Demonstração da Liquidação de Juros com a Compensação n.º 2023 ..., reportada ao ano de 2018, no valor total de 47.254,26€ (acertos e juros), com data limite de pagamento a 20-02-2023, com data de pagamento por caução de 05-05-2023 (cfr. artigo 16 do ppa e documentos  nºs 1,2,3 e 4 com o mesmo juntos)

 

12.15. De acordo com a Declaração de IRC da Requerente/Impugnante tais gastos/despesas foram considerados aceites, porque devidamente documentados, nos termos do já citado art.º 23.º do Código do IRC.(cfr, artigo 21 do ppa).

 

12.16. Pelo que sendo estes gastos/despesas aceites e documentados, os respectivos pagamentos não podem ser sujeitos à tributação autónoma nos termos do art.º 88.º do CIRC. (cfr, artigo 22 do ppa).

 

12.17. Face ao exposto verifica-se o fundamento de impugnação por vício de violação de lei e por erro nos pressupostos de facto nos termos previstos no art.º 99.º e ss. do CPPT.  (cfr. artigo 26 do ppa).

 

12.18.  Para além de considerações quanto ao ónus da prova, que serão objecto de apreciação infra culmina a Requerente o seu pedido de pronúncia no sentido da anulação da liquidação/demonstração adicional de IRC identificada, com o reembolso pela Impugnada do valor liquidado a título de caução no valor de 47.772,67€ pela Impugnante e,

 

12.19.  Pela  condenação no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT e do art.º 61.º, do CPPT.

 

13. Como referido, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu em 2023-10-10 à junção da sua resposta, bem como do processo administrativo (PA onde preconiza a improcedência do pedido de pronuncia arbitral, remetendo fundamentalmente para o Relatório de Inspeção Tributária, sustentando a sua posição do seguinte modo (que igualmente se cita, maioritariamente, por transcrição, e para o que aqui releva):

 

“(…)

13.1.A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva ao abrigo da ordem de serviço externa n.º OI2022..., ao período de tributação de 2018, da qual resultaram correções, na medida em que a Inspeção Tributária (IT) concluiu estar perante despesas não documentadas que reúnem os pressupostos para aplicação do n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC (CIRC), quanto à tributação autónoma, à taxa de 50%. (Cfr, artigo 6 da resposta)

 

 13.2. A Requerente alega que, em sede de direito de audição, “apresentou todos os gastos existentes e documentados, conforme documentos em arquivo na contabilidade, respeitantes ao ano de 2018” e acresce que os mesmos foram aceites, porque estavam devidamente documentados, nos termos do artigo 23.º do CIRC. (Cfr, artigo 7 da resposta)

 

13.3. Assim, entende que os respetivos pagamentos não podem ser sujeitos à tributação autónoma nos termos do artigo 88.º do CIRC. (Cfr. artigo 8 da resposta)

 

13.4. Trazendo à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), processo n.º 2421/15.5BEPRT, de 02.02.2022, a Decisão do CAAD de 20.09.2012, processo n.º 7/2011-T, bem como, o acórdão do STA, processo n.º 204/10, de 07.07.2010, a Requerente alega que, no entendimento da jurisprudência, as despesas não documentadas apenas podem ser consideradas aquelas “despesas relativamente às quais não existe prova documental”, o que não se aplica no caso concreto destes autos, em que todas as despesas estão devidamente documentadas, registadas e arquivadas na contabilidade. (Cfr., artigo 9 da resposta)

 

13.5.De acordo com o artigo 88.º, n.º 1, do CIRC: “As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %”, contudo, no caso em apreço, considera a Requerente que, atendendo às provas apresentadas (as despesas estão documentadas e lançadas na contabilidade) e ao facto de os gastos terem sido aceites pela AT, não se aplica o regime restritivo de incidência tributária da tributação autónoma ao abrigo do artigo 88.º, n.º 1, do CIRC. (Cfr, artigo 10 da resposta).

 

13.6. Nesse sentido, a Requerente entende que a liquidação adicional identificada respeitante à tributação autónoma deverá ser anulada por carecer de fundamento de facto e de Direito. (Cfr, artigo 11 da resposta).

 

13.7. Segundo a Requerente foi cumprido o seu ónus da prova, dentro do respetivo enquadramento legal nos termos dos artigos 72.º a 76.º da Lei Geral Tributária (LGT). (Cfr, artigo 12 da resposta).

 

13.8. Em face do exposto, de acordo com a Requerente, verifica-se o fundamento de impugnação por vício de violação de lei e por erro nos pressupostos de facto, nos termos previstos no artigo 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). (Cfr, artigo 13 da resposta).

 

13.9. A Requerente pretende que sejam anulados estes atos tributários e que a Administração Tributária (AT) fique vinculada a restabelecer a situação que existiria se o ato tributário em causa não tivesse sido praticado, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT, que determina, que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão. (Cfr, artigo 14 da resposta).

13.10. Assim, solicita a anulação da liquidação adicional de IRC identificada e o reembolso do valor liquidado a título de caução no valor de 47.772,67€, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º, do CPPT (Cfr, artigo 15 da resposta)

 

13.11.“(…)  a Requerente alega factos que servem de fundamento e que substancialmente configuram a alegada posição jurídica de que se arroga, sem que o prove. (Cfr. artigo 20 da resposta).

 

13.12. E é à parte que alega determinados factos que compete fornecer a demonstração da realidade dos factos alegados, necessários à procedência do pedido por si deduzido em juízo. (Cfr.  artigo 20 da resposta)

 

13.13. Ademais, assente-se que prova dos factos não se faz pela insistência nem tão pouco com meras alegações e suposições, antes pela sua demonstração, que deve assentar antes de mais na realidade (Cfr. artigo 22 da resposta).

 

13.14. Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2022..., a Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção externo, de âmbito geral, relativamente ao exercício de 2018, de que resultou uma correção meramente aritmética, decorrente da aplicação do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, ou seja, da aplicação da taxa de 50% sobre despesas não documentadas, no montante de 82.970,00 €, a título de tributação autónoma (Cfr., artigo 25 da resposta).

 

13.15. (…) os SIT identificaram, no âmbito da ação inspetiva, um conjunto de movimentos de saídas monetárias da conta bancária da CGD (n.º ...1) em nome da Requerente, no montante total de 82.970,00 €, através de levantamentos de 150 € e 100 € em caixa multibanco e emissão de cheques de 1000 €, os quais não identificam o beneficiário da respetiva importância (ver extensa listagem inserta nas páginas 13 a 20 do RIT – constante do PA). [Cfr. artigo 27 da resposta).

 

13.16. As saídas de dinheiro foram registadas na sua contabilidade, através do lançamento contabilístico, dos respetivos valores a débito da conta “11101 – Caixa Fixo” por contrapartida da conta 120401 – Depósitos à Ordem. (Cfr. artigo 28 da resposta).

 

13.17. Notificada para esclarecer o motivo daqueles movimentos, a Requerente apenas alegou que os referidos levantamentos da sua conta bancária tinham em vista o pagamento, em numerário, das despesas diárias da empresa, sem, no entanto, estabelecer uma correspondência entre o pagamento das despesas suportadas e os levantamentos aqui em causa. (Cfr. artigo 29 da resposta)

 

13.18. Em sede de direito de audição a requerente vem apresentar os documentos que, na sua opinião, justificam os gastos efetuados durante o ano de 2018, contudo, os Serviços de Inspeção concluem no RIT que a Requerente não fez prova clara e evidente quanto ao destino dos montantes levantados no ano de 2018, no montante de 82.970,00 €, porquanto, em resumo: “(…) - O sujeito passivo não agrupou, não identificou e nem quantificou os gastos pagos, em numerário, em cada mês, que permitisse aferir sobre a utilização dos meios monetários subjacentes aos referidos levantamentos mensais e em cheques, associados à conta bancária cujos extratos foram alvo de análise no âmbito do procedimento inspetivo; - Impunha-se igualmente, que juntamente com a documentação apresentada, o sujeito passivo demonstrasse, mediante a respetiva relevação contabilística, que as despesas incorridas no ano/exercício de 2018, cujo pagamento se efetivou em numerário, tiveram, grosso modo, correspondência com os levantamentos em numerário e em cheques verificados nos extratos bancários; - Não foi feita a correspondência de cada levantamento (cheque ou multibanco) com o(s) respetivo(s) documento(s) dos gastos ocorridos; - Da documentação apresentada em sede de audição prévia, constam documentos cujo o modo de pagamento refere “multibanco”, o que evidencia que o sujeito passivo não dispõe do controlo que se exigia em relação aos fluxos monetários (saídas de meios financeiros), realizados em numerário; - Foram enviados documentos onde consta que os mesmos foram pagos por “cartão de crédito”, ou “cartão de débito”, logo, o pagamento não foi em numerário, como o sujeito passivo pretendeu fazer crer ao juntar tais documentos; - No quadro seguinte, identificam-se ainda outros gastos, que pese embora não indiquem o meio de pagamento utilizado, é possível identificar por datas e valor, de que os mesmos, muito provavelmente, foram pagos por cheque: (…) - Foram enviados documentos, (…), com indicação de pagamento por “multibanco”, que a AT conseguiu identificar no extrato bancário da CGD como pagamentos com cartão, ou seja, esses documentos não foram pagos em numerário como o sujeito quer demostrar: (…) - No somatório efetuado pela AT de todos os documentos enviados pelo sujeito passivo, foram considerados como pagamento em numerário todos aqueles que inequivocamente está indicado nos mesmos “Numerário”, e todos aqueles que não referem o modo de pagamento. Do valor apurado, constatou-se que o valor anual (janeiro a dezembro), ultrapassou o valor de 82.970,00€ (valor dos levantamentos em numerário e em cheque que está na origem da proposta de correção em sede de tributação autónoma), (…): (…) - Da análise ao quadro anterior, infere-se ainda que, tendo em linha de conta somente a análise comparativa entre valores globais de levantamentos da conta bancária e os pagamentos que terão sido efetuados em numerário, se torna inviável, em face das diferenças verificadas, fazer corresponder cada levantamento a pagamentos efetuados em numerário.”  (Cfr. artigo 30 da resposta).

 

13.19. “(…)” impunha-se que a Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, demonstrasse de forma cabal, a correspondência entre a documentação apresentada e os levantamentos em numerário e em cheques, porém, tal não aconteceu, limitando-se a Requerente a remeter, novamente, a mesma amálgama de documentação anteriormente apresentada aos SIT e por estes analisada, não sendo possível estabelecer qualquer relação entre aqueles documentos e as diversas saídas de meios financeiros aqui em causa. (Cfr, artigo 31 da resposta).- destaque e negrito no original-

 

Pois, além da conta de caixa conta SNC “11101 – Caixa Fixo” não refletir o alegado pela Requerente, nem sequer foram apresentadas as denominadas “folhas de caixa” ou outro documento semelhante, que permite o controlo regular das entradas e saídas de caixa e proporcionam meios que possibilitam o registo de tais operações na contabilidade, pois nelas são registados, diariamente, todos os movimentos de tesouraria, quer as entradas de caixa (levantamentos, recebimentos em numerário), correspondente identificação das saídas de caixa (identificação das despesas efetuadas, depósitos, …), e apuramento do saldo em caixa no final do dia. (Cfr. artigo 32 da resposta).- negrito no original-

 

13.20. De sublinhar ainda, ter sido constatado que a Requerente nem sequer teve a exigida diligência com a prova a apresentar, pois, muito dos documentos que alegadamente serviriam de justificação, àquelas saídas de meios financeiros da empresa em numerário, continham a indicação expressa de terem sido pagos outros meios diferentes de numerário, mormente “multibanco” cartão de crédito ou por cheques identificáveis nos extratos bancários da empresa, exibir os mesmos documentos anteriormente apresentados sem estabelecer qualquer relação entre estes e os levantamentos aqui em análise.

(Cfr. artigo 33 da resposta)- sublinhado no original.

 

 

13.21. Com efeito, a Requerente não conseguiu demonstrar, que os gastos suportados no período de tributação de 2018, cujos documentos de suporte anexou, têm correspondência com os levantamentos em numerário e em cheques verificados nos extratos bancários ora controvertidos, os quais nem sequer identificam os destinatários daqueles montantes. (Cfr., artigo 34 da resposta) - negrito no original.

 

13.22. Assim, as saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita determinar a natureza das despesas ou o seu beneficiário, não podem deixar de ser consideradas como uma despesa não documentada. (Cfr., artigo 35 da resposta).

 

13.23. A Requerente alega que os gastos apresentados foram aceites, nos termos do artigo 23.º do CIRC, porque se encontravam devidamente documentados, e, por isso, não podem ser sujeitos à tributação autónoma, de acordo com o artigo 88.º do CIRC. (Cfr. artigo 36 da resposta).

 

13.24. Contudo, a razão que aqui nos prende tem a ver com o facto de a Requerente não ter provado que as saídas monetárias em causa neste PPA serviram para efetuar os pagamentos destas despesas e não, de outras quaisquer. (Cfr. artigo 37 da resposta).

 

13.25. Na verdade, a Requerente não pode afirmar que cumpriu o seu ónus da prova, apenas porque apresenta cópias dos documentos que justificam os seus gastos, tem que provar que os levantamentos em causa se destinaram a efetuar os pagamentos das despesas correspondentes aos comprovativos apresentados. (Cfr. artigo 38 da resposta).

 

13.26. Conclui-se deste modo que, não tendo a Requerente feito prova relativamente ao destino dos montantes levantados da sua conta bancária da CGD (n.º ...), NÃO CUMPRIU O ÓNUS QUE SOBRE SI CABIA DE FAZER PROVA DO QUE ALEGA, DE ACORDO COM A REGRA DE REPARTIÇÃO DO ÓNUS DA PROVA PREVISTA NO ARTIGO 74.º DA LGT. (Cfr. artigo 39 da resposta). – destaque no original.

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14. O tribunal arbitral singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

15. As partes têm personalidade e capacidade judiciária, estão devida e legalmente representadas (artigos 3º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tribunal Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT.

16. A acção é tempestiva, tendo o pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral sido apresentados no prazo referido no artigo 10º, nº 1 do RJAT.

17. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representas (artigos 3º, 6º e 15º do Código do Procedimentos e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT,

18. O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas quaisquer excepções de que deva conhecer-se

19. Inexiste, deste modo qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

11- FUNDAMENTAÇÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

Perante os documentos aportados ao processo, da factualidade  aceite pelas partes, o processo administrativo junto pela AT, e a prova testemunhal produzida, consideram-se provados, com relevo, e para o que aqui releva, os seguintes factos:

a-A Requerente/Impugnante exerce a actividade com o CAE principal” Exploração florestal- 02200” e CAE secundário 1 “Construção de outras obras de engenharia civil, N.E.-i 042000”, CAE secundária 2 “Aluguer de máq, e equp, para a const e engenharia civil – 077320”, CAE secundária 3 Silvicultura

b-No ano de 2018, a actividade e CAE da Requerente era de exploração florestal, construção de outras obras de engenharia civil, aluguer de máquinas e equipamentos e engenharia civil e silvicultura e outas actividades florestais,

c-Em 2018 a peticionante encontrava-se enquadrada para efeitos de IRC no regime geral de tributação,

d-Com data de 19-05-20, foi notificada no sentido de lhe ser dado conhecimento que sobre si iria incidir uma acção inspectiva de carácter geral e externa ao abrigo da Ordem de Serviço OI 2022..., relativamente ao exercício fiscal de 2018.

e-Com data de 14 de Novembro de 2022 a Requerente foi notificada do projecto de Relatório de Inspecção.

f-A Requerente apresentou em  23 de Novembro de 2022, seu direito de audição, nos termos supra referidos em  sede  de Relatório, e aqui dados como reproduzidos.

g- Com data de 20-12-2022, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, do qual resultaram as correcções aritméticas  de IRC , aqui em crise, na medida em que a AT concluiu estar-se perante despesas não documentadas.

No relatório em causa é referido, para além do mais, o seguinte:

 “O sujeito quis demonstrar que o valor de 82.970,00€, relativo a levantamentos em numerário e em cheques (conforme ponto V.2 do capítulo V do projeto de relatório – reproduzido na íntegra no presente relatório), está associado a despesas pagas em numerário no ano de 2018.

Analisados os fundamentos e verificados os documentos anexos ao direito de audição, apresentados pelo sujeito passivo, apraz-nos tecer as seguintes considerações:

O sujeito passivo refere que juntou todos os documentos que justificam os gastos efetuados durante o ano de 2018;

Nos documentos enviados, constam os seguintes modos de pagamento: “Numerário”, “Multibanco”, “Cartão de débito”, “Cartão de crédito” e “Pagamento automático”. Em grande parte dos documentos não consta qualquer identificação do modo de pagamento;

Os documentos foram enviados todos juntos, sem qualquer separação por mês;

O sujeito passivo não agrupou, não identificou e nem quantificou os gastos pagos, em numerário, em cada mês, que permitisse aferir sobre a utilização dos meios monetários subjacentes aos referidos levantamentos mensais e em cheques, associados à conta bancária cujos extratos foram alvo de análise no âmbito do procedimento inspetivo;

Impunha-se igualmente, que juntamente com a documentação apresentada, o sujeito passivo

demonstrasse, mediante a respetiva relevação contabilística, que as despesas incorridas no ano/exercício de 2018, cujo pagamento se efetivou em numerário, tiveram, grosso modo, correspondência com os levantamentos em numerário e em cheques verificados nos extratos bancários;

Não foi feita a correspondência de cada levantamento (cheque ou multibanco) com o(s) respetivo(s) documento(s) dos gastos ocorridos;

Da documentação apresentada em sede de audição prévia, constam documentos cujo o modo de pagamento refere “multibanco”, o que evidencia que o sujeito passivo não dispõe do controlo que se exigia em relação aos fluxos monetários (saídas de meios financeiros), realizados em numerário;

Foram enviados documentos onde consta que os mesmos foram pagos por “cartão de crédito”, ou “cartão de débito”, logo, o pagamento não foi em numerário, como o sujeito passivo pretendeu fazer crer ao juntar tais documentos;

No quadro seguinte, identificam-se ainda outros gastos, que pese embora não indiquem o meio de pagamento utilizado, é possível identificar por datas e valor, de que os mesmos, muito provavelmente, foram pagos por cheque:

(…)

Também em relação aos documentos identificados no quadro anterior, o sujeito passivo pretendeu fazer crer que o pagamento foi efetuado em numerário, o que não corresponde à realidade.

Foram enviados documentos, identificados no quadro abaixo, com indicação de pagamento por “multibanco”, que a AT conseguiu identificar no extrato bancário da CGD como pagamentos com cartão, ou seja, esses documentos não foram pagos em numerário como o sujeito quer demostrar:

(…)

Os documentos que se indicam no quadro seguinte, foram faturas emitidas em nome do sujeito passivo, pagas por meio de multibanco, mas que não constam como débitos no extrato bancário da C.G.D. em nome das “A...”, ou seja, tudo leva a crer que esses gastos não foram pagos sequer pela empresa, sendo que também o meio de pagamento utilizado não foi em numerário:

(…)

O documento que se indica no quadro seguinte, foi uma fatura emitida em nome do sujeito passivo, paga por meio de multibanco, e que consta como débito no extrato bancário da C.G.D. em nome das “A...”, ou seja, trata-se de documento que não foi pago em numerário:

(…)

No somatório efetuado pela AT de todos os documentos enviados pelo sujeito passivo, foram considerados como pagamento em numerário todos aqueles que inequivocamente está indicado nos mesmos “Numerário”, e todos aqueles que não referem o modo de pagamento. Do valor apurado, constatou-se que o valor anual (janeiro a dezembro), ultrapassou o valor de 82.970,00€ (valor dos levantamentos em numerário e em cheque que está na origem da proposta de correção em sede de tributação autónoma), conforme quadro que se segue:

(…)

Mês Levantamentos Pagamentos Diferença

Janeiro 10.900,00€ 8.472,15€ 2.427,85€

Fevereiro 9.750,00€ 6.323,28€ 3.426,72€

Março 8.650,00€ 7.295,26€ 1.354,74€

Abril 5.350,00€ 5.930,55€ -580,55€

Maio 7.100,00€ 8.181,81€ -1.081,81€

Junho 4.200,00€ 7.052,93€ -2.852,93€

Julho 3.900,00€ 4.418,58€ -518,58€

Agosto 3.850,00€ 3.868,18€ -18,18€

Setembro 5.555,00€ 6.493,96€ -938,96€

Outubro 3.565,00€ 9.134,30€ -5.569,30€

Novembro 5.950,00€ 3.561,21€ 2.388,79€

Dezembro 14.200,00€ 17.325,11€ -3.125,11€

Total 82.970,00€ 88.057,32€ -5.087,32€

(...)

Da análise ao quadro anterior, infere-se ainda que, tendo em linha de conta somente a análise comparativa entre valores globais de levantamentos da conta bancária e os pagamentos que terão sido efetuados em numerário, se torna inviável, em face das diferenças verificadas, fazer corresponder cada levantamento a pagamentos efetuados em numerário.

Face ao descrito, e por tudo o que já foi referido neste capitulo, o sujeito não fez prova clara e evidente quanto ao destino dos montantes levantados no ano de 2018 no valor de 82.970,00€, e, por conseguinte, será de manter a correção preconizada no ponto V.2 do capítulo V do presente relatório (que constituiu uma reprodução na íntegra do capítulo V do projeto de relatório), ou seja, determinação do valor de 41.485,00€ (=82.970,00€*50%), a título de tributação autónoma em sede de IRC, por estarem reunidos os pressupostos para aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.

Proceder-se-á, assim, à elaboração do respetivo Documento de Correção (DC), em sede de IRC, com referência ao ano/exercício de 2018, como forma de materializar a correção que se efetiva em matéria de tributação autónoma no presente relatório, conforme descrito no parágrafo anterior.”

 

Resulta ainda do referido relatório que:

“Deste modo, face ao plasmado nos parágrafos anteriores, considera a Inspeção Tributária que se está perante despesas não documentadas, e, por isso, estarem reunidos os pressupostos para aplicação do n.º 1 do artigo 88º do CIRC, quanto à tributação autónoma à taxa de 50% do montante total dos movimentos financeiros elencados no quadro anterior.

Assim, calcula-se o imposto (IRC) em falta no montante de 41.485,00€, conforme o quadro seguinte:

Descrição Valor

[1] Valor sujeito a tributação autónoma 82.970,00€

[2] Taxa de tributação autónoma 50%

[3]=[1]×[2] Imposto (IRC) em falta 41.485,00€

V.3. Resumo das correções

Em conformidade com o descrito nos pontos anteriores, obtém-se um lucro tributável e tributação autónoma, corrigidos, conforme quadro que se segue:

Item Descrição

Ano/Exercício de 2018

1 Lucro tributável declarado 127.908,47€

2 Gastos não aceites fiscalmente 1.148,65€

3 Imparidades 13.819,00€

4=2+3 Correção ao lucro tributável 14.967,65€

5=1+4 Lucro tributável corrigido 142.876,12€

6 Tributação autónoma declarada 5.904,01€

7 Correção à tributação autónoma 41.485,00€

8=6+7 Tributação autónoma corrigida 47.389,01€”

 

i A Requerente foi notificada, com data de 28 de Dezembro de 2022 da liquidação adicional de IRC nº 2022 ..., referente ao exercício fiscal de 2018.

 

j- Em 05 de Maio de 2023 a Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRC aqui em causa.

 

k- Nessa mesma data a Requerente apresentou junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral e pronúncia arbitral  que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, inexistem factos que devam considerar-se não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

Relativamente à matéria dada como provada, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que é alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3 do CPCivil, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 2 alíneas a) e e) do RJAT.

Deste modo os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica a   qual é estabelecida em atenção às várias soluções da (s) questão (ões) de Direito (cfr., artgo 596º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29º, alínea e) do RJAT).

 

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às produzidas na sua íntima convicção tomada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo, e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr, artº 607º, nº 3 do CPCivil, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 43/2013 de 26 de Junho).

Deste modo, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental carreada para os autos, e o processo administrativo consideram-se provados com relevo para a decisão os factos supra elencados.

Relativamente à prova testemunhal e não obstante as suas qualidades de responsáveis pela contabilidade da Requerente, (uma delas desde 1993) não lograram justificar a natureza, destinatário e finalidade dos levantamentos em numerário ou por cheques no valor global de 82.970,00 €.

Não se deram como provados, nem como não provados, as alegações produzidas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações conclusivas, insusceptíveis de prova, e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.

 

B. DO DIREITO

- questões a dirimir

As questões a decidir nos presentes autos, com densidade diferentes, são, na nossa perspetiva, as seguintes;

- a qualificação da divergência apurada como despesas não documentadas

- o enquadramento normativo dessa divergência,

- o ónus de prova (artigo 74º da Lei Geral Tributária)

 

****

As tributações autónomas foram introduzidas no ordenamento jurídico português, através do artigo 4º do Decreto Lei nº 129/90 de 9 de Junho, que previu a tributação autónoma, à taxa de 10%, das despesas confidenciais, ou não documentadas.

Posteriormente, desde o Decreto Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que integrou o seu normativo no Código de Rendimento das Pessoas Colectivas, até ao momento presente o regime das tributações autónomas, tem vindo a ser objecto de diversas alterações, nomeadamente quer de taxas, quer da sistematização e redacção às mesmas conferidas, nos respectivos códigos sobre os impostos sobre os rendimentos, ou seja, quer do CIRC, quer do CIRS.

Na verdade, como já anteriormente referido [1] a tributação autónoma das despesas confidenciais é até anterior. Na verdade, o actual artigo 88º, nº 1 do CIRC, remonta ao Decreto Lei nº 375/74, de 20 de Agosto, pela qual se procedeu à “Reforma do Sistema Tributário, tendente à sua racionalização e à atenuação da carga fiscal sobre as classes desfavorecidas, em vista a uma equitativa distribuição do rendimento”. Nesta se penalizando, por exemplo, as despesas confidenciais com uma multa equivalente ao valor das despesas assim contabilizadas.

Este tipo concreto de despesas – as despesas confidenciais/hoje despesas não documentadas- correspondem a uma antiga tradição contabilística, de enquadrar com tais determinados gastos efectuados pela empresa, que, na sua pureza, corresponderiam a despesas economicamente necessárias à actividade da empresa (despesas que supostamente têm de ser feitas para uma sociedade obter certas parcelas de mercado ou certos clientes) mas que, por qualquer razão, não era possível ou conveniente identificar o beneficiário das mesmas.

Naturalmente, que despesas desta natureza que, sublinhe-se, corresponderam a uma prática social e legalmente aceite num passado não muito distante encerram um elevado potencial anti-social, por darem evidente cobertura contabilística a práticas relacionadas quer com a corrupção (pagamento de subornos), quer com fraude e evasão fiscal.

No caso concreto estar-se-á perante tributação autónoma sobre despesas não documentadas dispondo o artigo 88º, nº 1 do CIRC, na redação da Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro;

Artigo 88º

Taxas de tributação autónoma

  1. As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 23º-A.

 

Tendo em consideração que esta disciplina sucede à antecedente das então designadas “despesas confidenciais ou não documentadas” impor -se -á previamente, ainda que de forma necessariamente breve, evidenciar a distinção entre “despesas não documentadas e “despesas indevidamente documentadas”.

Assim;

“1. Despesas não documentadas são aquelas que não têm por base qualquer documentos de suporte que as justifique”

“2. Despesas indevidamente documentadas são aquelas que têm suporte documental, mas o mesmo, por si só por si, não permite identificar, em termos quantitativos quais os bens ou serviços que determinaram certo pagamento a determinada entidade” [i]

 

O Tribunal Constitucional convocado a pronunciar-se sobre diversas questões relacionadas  com a tributação autónoma, (que neste sede não são convocadas) tem vindo a pronunciar-se acerca da tributação, de forma genérica, no sentido em que:

“Com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetam negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada  de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscal que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais, como dos trabalhadores, para a segurança social”

 

Como observa Saldanha Sanches [ii] “Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal das despesas que s encontram na zona de inserção da esfera pessoal e da vida empresarial, de modo e evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros (…)”

Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma”

Ainda de acordo com a doutrina e no que concerne ao escopo das tributações autónomas, resgatamos e que vem dito por Rui Duarte Morais;[iii] É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação, e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento.

O objectivo parece ser o de tentar evitar (atenuando ou anulando a “vantagem” delas resultante em IRC) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins  empresariais bens que geraram custos fiscais fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes”.

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No caso subjacente, pretende a Requerente justificar que os levantamentos em numerário ou pagamentos por cheques ocorridos durante o ano de 2018 no montante de 82.970,00 € -supra identificados- se destinaram a pagar despesas da Requerente sem contudo associar / relacionar as mesmas àqueles levantamentos ou emissão de cheques.

Ou seja,

Não obstante o significativo acervo documental que a Requerente carreou para os autos, não logrou provar, no nosso entender, que os meios financeiros aqui em discussão se destinaram ao pagamento de “pequenas despesas imprevistas que poderiam surgir”.

O contabilista certificado da Requerente refere mesmo “a impossibilidade de associar as notas levantadas em cada movimento com os gastos efetuados”.

 

Pelo contrário, em sede de acção inspectiva foram identificados movimentos financeiros, consubstanciados em levantamentos de 150 € e 100 €, em caixas de multibanco, e emissão de cheques de 1.000 €.

Sem qualquer identificação ou correlação dos mesmos com os documentos a cuja junção a Requerente procedeu.

Com efeito, a ausência de correspondência de tais documentos (levantamentos em caixas multibanco e emissão de cheques) com as vários facturas e documentos juntos, determina desde logo, a conclusão de que se está perante “despesas não documentadas”.

Sublinhando-se que não obstante a Requerente ter ensaiado justificação para tais movimentos financeiros, não contém a mesma a virtualidade de constituir motivo para se concluir de outro jeito.

Como se concluiu, de entre outros do processo nº 213/2023-T, proferido sob a égide do CAAD, o significado de despesas não documentadas “reconduz-se a saídas de meio financeiros do património empresarial, por movimentação da conta caixa ou de contas bancárias (onde esses meios financeiros estavam registados), desprovidos de qualquer suporte documental”.

Em igual sentido, e a título meramente exemplificativo, pode ler-se no acórdão do STA de 31-03-2016, prolatado no âmbito do processo nº 0503/15: “As despesas em questão são tributadas apenas porque são efectuadas, havendo mesmo a cargo do contribuinte a obrigação de as tornar aparentes na sua declaração de rendimentos. Se toda ou parte de elas poderiam ter sido consideradas como custos da empresa para efeito de determinação do seu lucro tributável, aumentando a despesas fiscal com consequente diminuição do lucro tributável, e a empresa por decisão consciente, ou esquecimento, não as considerou desse modo na sua declaração de rendimentos, nem por isso, elas perdem a sua natureza, de despesas tributáveis em sede de tributação autónoma, que, por definição é uma tributação destacável da tributação em sede de IRC”.

 

Resulta assim das considerações expostas e da jurisprudência mencionada, que existe fundamento material para se alcançar a conclusão de que se está perante “despesas não documentadas “para efeitos do disposto no artigo 88º, nº 1 do CIRC, consubstanciadas por saída de meios financeiros sem qualquer suporte documental que permita concluir pelo destino que lhes foi dado, o seu beneficiário, natureza, origem e finalidade.

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Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

Ora, como já referido ex abundanti, e subscrevendo a posição da AT, a “Requerente não conseguiu demonstrar, que os gastos suportados no período de tributação de 2018, cujos documentos de suporte anexou, têm correspondência com os levantamentos em numerário e em cheques verificados nos extratos bancários ora convertidos, os quais nem sequer identificam os destinatários daqueles montantes”.

Daqui resulta, como já salientado, que a Requerente não logrou demonstrar, muito menos correlacionar os meios financeiros em causa, com o destino, beneficiário, natureza, origem e finalidade, dos mesmos.

“O ónus da prova dos alegados erros e irregularidades recai sobre a Requerente, por força do disposto no artigo 74º, nº 1, da LGT, pelo que a falta de prova que permite concluir pela sua existência tinha de ser valorada no procedimento tributário e no presente processo contra a Requerente. De é a Requerente que está em melhor posição probatória, dispondo ou devendo dispor dos elementos materiais necessários e suficiente para justificar as saídas de valores da empresa e evitar a incidência da tributação autónoma. (…) Por isso, há fundamento factual para a conclusão subjacente à liquidação impugnada, de que se está perante “despesas não documentadas”, para efeitos do artigo 88, nº 1 do CIRC, consubstanciadas por saída de meios financeiros da empresa sem documentos de suporte que permitam concluir pelo destino que lhes foi dado. (…) Não tem aqui aplicação, quanto à existência do facto tributário gerador da tributação autónoma, o preceituado no artigo 100º, nº 1 do CPPT, pois apenas é aplicável quando exista “fundada dúvida” e, neste caso, não se vislumbram razões que abalem a presunção de terem ocorrido despesas não documentadas a que conduzam as presunções referidas”.(Cfr, processo nº 235/2020-T, proferido em  20-10-2020, sob a égide do CAAD).

 

Pelo contrário, é convicção deste tribunal, que a AT demonstrou as razões de facto e de direito que concorreram para a verificação de se estar perante “despesas não documentadas”, a determinar as correções adicionais subjacentes,  promovidas em sede de IRC do ano de 2018.

 

III. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Na sequência da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, fica prejudicado o conhecimento do pedido de juros indemnizatórios por não devidos.

 

IV. DECISÃO 

Face ao que vem exposto, decide este Tribunal Arbitral Tributário em:

(i)- julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, relativo ao acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, e juros compensatórios, do exercício de 2018, no que respeita à tributação autónoma impugnada no valor de 47.254,26 € e, em consequência, manter o referido acto tributário nos seus precisos termos.

(ii)- condenar a Requerente ao pagamento das custas do processo.

 

IV. VALOR DO PROCESSO

De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 47.254,26 € (quarenta e sete mil duzentos e cinquenta e quatro euros e vinte e seis cêntimos)

 

V.CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 1, 22º do RJAT, e artigos 3º e 4º  do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem e Tabela à mesma anexa, fixa-se o montante de custas em 2.142,00 € (dois mil cento e quarenta e dois euros)

 

NOTIFIQUE

01 de Março de 2024

O árbitro

 

j.coutinho pires

 

[ A redação da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas

 

 

 



[1] Cfr. Processos nºs  659/2014-T, de 24/04/2015 e nº 348/2021-T, ambos proferidos no âmbito do CAAD.



[i] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 08-05-2019, relator Desembargador Jorge Cortês, no âmbito do processo nº 1119/16.1BELRA)

[ii] Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3 ª Edição, páginas 406 e seguintes.

[iii] Apontamentos ao IRC, Almedina, reimpressão de 2009, página 203.