Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 20/2023-T
Data da decisão: 2024-03-20  IRC  
Valor do pedido: € 42.566,32
Tema: IRC – RFAI – actividades de transformação de produtos de carne
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 Árbitro Francisco Carvalho Furtado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A..., LDA, pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... Braga, notificada do despacho da Senhora Chefe de Divisão de Administração da Direcção de Serviços de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, datado de 23 de Setembro de 2022 nos termos do qual é indeferido o recurso hierárquico interposto da decisão da reclamação graciosa em que se contesta a legalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2022 ..., no valor total de € 42.566,32, que inclui juros compensatórios no valor de € 2.854,87,  requerem pronúncia arbitral, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com vista à declaração de ilegalidade e anulação, quer do acto de liquidação de IRC do exercício de 2017, quer da decisão do Recurso Hierárquico.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 10 de Janeiro de 2023.

Os Requerentes não procederam à nomeação de arbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 28 de fevereiro de 2023, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral encontra-se, desde 20 de março de 2023, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 2 de junho de 2023.

Em 27 de abril de 2023, o Tribunal Arbitral proferiu despacho para que a Requerida, querendo, apresentasse Resposta e, bem assim, juntasse aos autos o procedimento administrativo.

Em 20 de Outubro de 2023 realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, tendo-se inquirido as testemunhas arroladas.

Em 6 de Novembro de 2023, a Requerida apresentou as suas alegações.

Em 7 de Novembro de 2023, a Requerente apresentou as suas alegações.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas que tem por objeto o comércio por grosso de carnes e de animais vivos, comércio por grosso de produtos derivados do leite, comércio por grosso de outros produtos não especificados, fabricação de produtos à base de carne, compra e venda de imóveis e abate de gado (produção de carne), conforme certidão permanente com o código de acesso ..., válida até 02/09/2023.
  2. A Requerente está registada com o CAE principal 10130 - fabricação de produtos à base de carne, e com os CAE secundários 10110 - abate de gado (produção e carne), 46320- comércio por grosso de carne e produtos à base de carne, 46382 - comércio por grosso de outros produtos alimentares, n.e., e 46331 - comércio por grosso de leite, seu derivados e ovos, conforme certidão permanente atrás referida.
  3. Concretamente, a Requerente dedica-se à transformação/fabricação de produtos à base de carne, comprando carcaças de animais a terceiros, muitas vezes provenientes de mercados externos, procedendo ao seu desmantelamento em diversos cortes, seguindo-se um processamento industrial da carne correspondente a um estádio de maturação para posterior embalamento em saco retrátil de alta barreira ou, em alternativa, em vácuo termoformado, sendo posteriormente colocado em caixas de cartão.
  4. A Requerente não faz criação de animais, nem compra animais vivos.
  5. Não obstante terem por base uma matéria-prima animal, todos os produtos são submetidos a um extenso processo de transformação industrial, tanto a nível físico como a nível químico.
  6. Transformação essa que implica um amplo e regular investimento em maquinaria, por forma a assegurar uma produção eficiente e em linha com as melhoras práticas.
  7. Além disso, e dado tratar-se de uma indústria alimentar, as normas de segurança e higienização requeridas exigem, para além dos investimentos inerentes a qualquer indústria, requisitos adicionais de investimento.
  8. Assim, a Requerente dedica-se a uma atividade que tem por base produtos agrícolas, como matérias-primas, os quais são sujeitos a um extenso processo de transformação em produtos alimentares destinados a consumo humano.
  9. A Requerente concretizou um projeto de investimento inicial em ativos fixos, destinado ao aumento da capacidade produtiva do seu estabelecimento e que originou a criação de postos de trabalho.
  10. O investimento iniciou-se em janeiro de 2016 e apenas ficou concluído em 2019.
  11. O dito investimento é elegível para efeitos de Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), uma vez que cumpre todos os requisitos legais previstos.
  12. A Requerente não beneficiou de nenhum auxílio fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa, nem beneficiou de nenhum auxílio subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários.
  13. Em conclusão, a inspeção tributária considerou que as atividades desenvolvidas pela Requerente integram o conceito de transformação de produtos agrícolas em que o produto final continua a ser um produto agrícola, e que apenas podem beneficiar do RFAI a transformação e comercialização de produtos agrícolas desde que o produto final resultante não seja um produto agrícola.
  14. Invoca ainda os vícios de falta de fundamentação e de notificação insuficiente.

 

II.2      Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida, na resposta apresentada, fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

  1. À luz das normas legais aplicáveis (CFI, TFUE, RGIC, OAR’s), a actividade económica prosseguida pela Requerente relativa à transformação e comercialização de produtos agrícolas que dão origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado não é elegível para o incentivo fiscal previsto nos art.º 22.º a 26.º do CFI (RFAI)
  2. A Requerente não demonstra os factos que invoca sendo sobre ela que recai o ónus de prova dos factos alegados;
  3. As normas relativas a benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica da a sua natureza excepcional;
  4. Atenta a concreta actividade da Requerente os investimentos realizados não são elegíveis para o benefício fiscal pretendido - RFAI
  5. O acto de liquidação encontra-se fundamentado nos termos previstos na Lei;
  6. A decisão da reclamação graciosa encontra-se fundamentada nos termos previstos na Lei;
  7. A Requerente tomou conhecimento e percebeu o itinerário cognoscitivo subjacente a cada um dos actos;
  8. As actividades de agricultura são expressamente excluídas do âmbito de aplicação das OAR e RGIC;
  9. o legislador teve o cuidado de remeter, no n.º 3 do artigo 2.º do CFI, para uma portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia, a especificação dos códigos das actividades económicas que, à luz dos objectivos definidos no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, se pretendia favorecer, levando em conta, igualmente, o princípio da parcimónia, afirmado no parágrafo 5 das OAR, no sentido de que os auxílios “só podem desempenhar um papel eficaz se forem empregues com parcimónia e de forma proporcionada”;
  10. Não é válida a conclusão que a Requerente pretende inculcar quando se extrai das suas afirmações e conclusões (erróneas, adiante-se) de que tanto a actividade económica da agricultura, como as actividades de produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do TFUE não estão excluídos das OAR per si, pelo que se entende, porque na parte final do parágrafo 10 das OAR é dito que as regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações;
  11. O que resulta do artigo 1.º da Portaria é que o legislador nacional não usou a faculdade concedida no parágrafo 168 das Orientações para os auxílios estatais no sector agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020, para a concessão de auxílios sob a forma de benefícios fiscais aos investimentos na transformação e comercialização de produtos agrícolas, aceitando, portanto, uma efetiva derrogação total das OAR pelas Orientações para os auxílios estatais no sector agrícola dentro dos pressupostos legais exigidos nessas normas Europeias.
  12. Não havendo ilegalidade na prática do acto de liquidação, não deve ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas; que tem por objeto o comércio por grosso de carnes e de animais vivos, comércio por grosso de produtos derivados do leite, comércio por grosso de outros produtos não especificados, fabricação de produtos à base de carne, compra e venda de imóveis e abate de gado (produção de carne) (conforme certidão permanente);
  2. A Requerente está registada com o CAE principal 10130 - fabricação de produtos à base de carne, e com os CAE secundários 10110 - abate de gado (produção e carne), 46320- comércio (conforme certidão permanente);
  3. A Requerente dedica-se à transformação/fabricação de produtos à base de carne (prova testemunhal);
  4. A Requerente não faz criação de animais, nem compra animais vivos (prova testemunhal).
  5. A Requerente compra carcaças de animais a terceiros procedendo ao seu desmantelamento (prova testemunhal);
  6. Por ofício n.º ... de 6 de Maio de 2020, a Requerente foi notificada do Relatório de Conclusões de Inspecção Tributária realizado em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2019... (documento 3 junto ao requerimento inicial), em que é concluído que: E, como já foi referido, a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no anexo I do Tratado encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do n.º 1 da já citada portaria n.º 282/2014 aplicável ao RFAI por remissão do n.º 1 do artigo 22.º do CFI e do próprio n.º 12 do artigo 22,º deste código, que na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGCI.
  7. Em 2017 a Requerente realizou um investimento no valor de € 264.042,66 para o sector de produção, com o objetivo de aumentar a capacidade do estabelecimento fabril (Relatório de Inspecção Tributária);
  8. A Requerente deduziu à colecta o valor de € 39.711,45, no âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) (Relatório de Inspecção Tributária).
  9. Em 1 de Junho de 2020 a Requerida praticou o acto de liquidação de IRC n.º 2020..., de que resulta o valor a pagar de € 42.566,32 (documento 4, junto ao requerimento inicial);
  10. Em 17 de Julho de 2020, a Requerente pagou o imposto liquidado pela Requerida (documento 7 junto ao requerimento inicial)
  11. Através de ofício de 26 de Setembro de 2022, a Requerente foi notificada do despacho do Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Serviços de IRC, nos termos do qual foi indeferido o recurso hierárquico interposto (documento 1, junto ao requerimento inicial)
  12. O presente pedido de pronúncia arbitral foi deduzido dia 10/02/2023.

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos e depoimentos das testemunhas arroladas.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Questões a serem decididas

  1. Em face da actividade desenvolvida pela Requerente os investimentos realizados podem beneficiar do RFAI?
  2. O acto de liquidação encontra-se fundamentado nos termos exigidos pela Lei?
  3. O acto de liquidação foi praticado com erro imputável aos serviços, tendo a Requerente direito a juros indemnizatórios?

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

Nos termos do disposto no artigo 124.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o Tribunal deve iniciar a sua análise pelas questões cuja resolução determine a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. Assim, sendo, e em cumprimento da referida disposição legal o Tribunal iniciará a sua análise pela questão de saber se a actividade da Requerente é, ou não, excluída do âmbito do RFAI.

 

Como resulta do Relatório de Conclusões da Acção de Inspecção Tributária, a Requerida considera que sim por considerar que: a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no anexo I do Tratado encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do n.º 1 da já citada portaria n.º 282/2014 aplicável ao RFAI por remissão do n.º 1 do artigo 22.º do CFI e do próprio n.º 12 do artigo 22,º deste código, que na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGCI.

 

É, pois, esta asserção que tem de ser testada de forma que se possa concluir pela legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação praticado. Com efeito, sendo o “contencioso tributário”, um contencioso de anulação, o que está verdadeiramente e causa é saber se os motivos subjacentes ao acto de liquidação encontram, ou não, acolhimento na letra da Lei.

 

O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), constitui um regime de auxílio com finalidade regional aprovado nos termos do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão de 6 de Agosto (2007-2013), e do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão , de 16 de junho (2014-2020), respetivamente. Segundo o § 31 do preâmbulo do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho (doravante designado por RGIC), os auxílios com finalidade regional promovem a coesão económica, social e territorial dos Estados-Membros e da União no seu conjunto. E, os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável. É este o rácio do benefício fiscal e que justifica o desagravamento subjacente.

No ordenamento jurídico nacional, o RFAI encontra-se regulado no Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.

É, pois, este o enquadramento legal onde o Tribunal pode buscar a resposta à questão que lhe foi submetida para apreciação.

O já referido Decreto-Lei n.º 162/2014 promoveu uma revisão do RFAI, ao abrigo da autorização legislativa concedida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho, que tinha o seguinte sentido e extensão, definidos no n.º 3 do mesmo artigo 2.º nestes termos:

“3 - A autorização prevista na alínea c) do n.º 1 tem como sentido e extensão:

a) Adaptar o regime às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente:

i) Às disposições constantes do Regulamento geral de isenção por categoria, que define as condições sob as quais certas categorias de auxílios podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno;

ii) Às regras previstas no mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;

b) Prorrogar a vigência do regime até 31 de dezembro de 2020;

c) Definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;(...)”

As atividades económicas relativamente às quais podem ser concedidos benefícios fiscais no âmbito do RFAI são indicadas no artigo 2.º do CFI, por remissão do seu artigo 22.º, n.º 1, que estabelece o seguinte:

Artigo 2.º

Âmbito objetivo

1 - Até 31 de dezembro de 2020, podem ser concedidos benefícios fiscais, em regime contratual, com um período de vigência até 10 anos a contar da conclusão do projeto de investimento, aos projetos de investimento, tal como são caracterizados no presente capítulo, cujas aplicações relevantes sejam de montante igual ou superior a (euro) 3 000 000,00.

2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:

                a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

                b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;

                c) Atividades e serviços informáticos e conexos;

                d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

                e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;

                f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;

                g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;

                h) Atividades de centros de serviços partilhados.

3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.

Artigo 22.º

Âmbito de aplicação e definições

1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

 

A portaria para que remete o n.º 3 do artigo 2.º do CFI - Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro - refere no seu Preâmbulo o seguinte:

Atendendo à necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014, são também definidos na presente portaria os setores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais.

 

Concretizando, os artigos 1.º e 2.º desta Portaria estabelecem o seguinte:

Artigo 1.º 

Enquadramento comunitário

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.

Artigo 2.º

Âmbito setorial

Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:

                a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;

                b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

                c) Alojamento - divisão 55;

                d) Restauração e similares - divisão 56;

                e) Atividades de edição - divisão 58;

                f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;

                g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;

h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;

               i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72

j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;

k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.

Resulta do n.º 3 do artigo 2.º do CFI, que o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos «códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior» e não a definição dessas actividades. Aliás, nem seria constitucionalmente admissível a definição do âmbito objectivo de benefícios fiscais por tal via, uma vez que se trata de matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, só podendo ser regulada por lei formal ou decreto-lei autorizado, como decorre do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, n.º 1, alínea b) da CRP.

Assim, e como se referiu já nas Decisões Arbitrais proferidas nos Proc. n.º 220/2020-T e 169/2021-T do CAAD, aquele n.º 3 do artigo 2.º do CFI deve ser interpretado com o alcance, que é o que resulta do seu teor literal, de permitir que fossem definidos por portaria os «códigos de atividade económica» que se reportam às actividades que nele se indicam poderem beneficiar do RFAI e não que pudessem ser alteradas, para menos, as actividades abrangidas.

Por isso, «o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional» que o Governo foi autorizado a esclarecer foi definido pelos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, e 22.º, n.º 1, do CFI e o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos códigos das actividades que se indicaram incluir-se nesse âmbito.

Sendo assim, a Portaria n.º 282/2014 não constitui norma habilitante no n.º 3 do artigo 2.º do CFI para estabelecer, restringindo, o âmbito definido no n.º 2 do mesmo artigo, que “não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas”.

Na verdade, o estabelecimento destas inelegibilidades, reportadas a determinadas actividades elencadas no artigo 2.º, n.º 2, do CFI, reconduz-se ao afastamento da aplicabilidade do benefício fiscal a essas actividades, extravasando a competência objectiva que foi atribuída aos membros do Governo pelo n.º 3 do artigo 2.º do CFI, que se restringia à indicação dos Códigos das actividades definidas no n.º 2 do mesmo artigo.

É certo que os diplomas de Direito da União que são invocados no Preâmbulo da Portaria n.º 282/2014, e a “necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais» aí referida, poderiam constituir «um fundamento constitucional e uma habilitação legal prévia da emanação de regulamentos internos” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anot., 4ª edição, volume II, pág. 78), mas tal habilitação não é admissível quando “seja incompatível com a ordem material de competências constitucionalmente estabelecida (excluem-se, pois, regulamentos de actuação de directivas em matérias de reserva de lei)”, o que sucede neste caso, pois a definição do âmbito dos benefícios é matéria que a lei constitucional portuguesa integra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos citados artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP (Decisão Arbitral proferida no Processo 220/2020-T).

 

 

Resulta da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho (autorização legislativa), que se visou com o RFAI «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional». O artigo 2.º do CFI elenca as actividades que podem usufruir de benefícios fiscais, entre as quais inclui a «indústria transformadora» [alínea a) do n.º 2], mas reafirmando o respeito do “âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC. O artigo 22.º, n.º 1, do CFI estabelece que “o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC”. Como vimos já a Requerida defende que a atividade da Requerente é excluída do âmbito de aplicação do RFAI, porque as atividades de transformação de produtos agrícolas em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado estão excluídas do âmbito do RFAI. Importa, pois, verificar se a atividade de transformação de produtos à base de carne exercida pela Requerente está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR (Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013), e do RGIC (Regulamento Geral de Isenção por Categoria, aprovado pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de Junho de 2014.

No que concerne às OAR, a Autoridade Tributária entendeu que a exclusão decorre do seu ponto 10 em que se estabelece o seguinte:

10. A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (9), com exceção da pesca e da aquicultura ( 10 ), da agricultura ( 11) e dos transportes ( 12 ), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. As presentes orientações aplicam-se a medidas de auxílio em apoio de atividades fora do âmbito do artigo 42.º do Tratado, mas abrangidas pelo regulamento relativo ao desenvolvimento rural, e cofinanciadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural ou concedidas como um financiamento nacional em suplemento dessas medidas cofinanciadas, salvo previsão em contrário das regras setoriais.

A nota de rodapé (11), relativa à agricultura, refere o seguinte:

«Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola».

Ora, a Requerida entende que os produtos transformados e comercializados pela Requerente não mudam, no essencial, a natureza dos produtos que lhes deram origem. Daí, e considerando as normas que antecedem, uma vez que as actividades de transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado se encontram excluídas do âmbito do RFAI, conclui pela inegibilidade dos investimentos feitos pela Requerente (e aqui postos em crise), para efeitos desse benefício fiscal.

Não parece que a Requerida tenha, neste concreto aspecto, razão.Com efeito, atento o disposto do §10 (e respectiva nota de rodapé 11) das OAR 2014-2020 e dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola  a actividade de transformação de carne não está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR 2014-2020, uma vez que a mesma se reconduzirá, quanto muito, à transformação de produtos agrícolas e não à respetiva produção.

Com efeito, como está expresso no § 10 das OAR (e respetiva nota 11), as Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola são suscetíveis de derrogar total ou parcialmente estas OAR. Assim, e perfilhando também as conclusões alcançadas nas supra mencionadas decisões Arbitrais, designadamente na Decisão 220/2020-T, em tribunal coletivo presidido pelo Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a liquidação em causa enferma de um erro de direito, quanto à invocação das OAR como obstáculo à aplicação do benefício fiscal.

Com efeito, das Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola não resulta que, apenas poderá beneficiar do RFAI se os produtos finais dela resultantes não forem um produto agrícola de acordo com a definição prevista no artigo 38.º do TFUE, isto é, não for um dos produtos enumerados no Anexo I do referido Tratado.

 

A questão tinha de ser apreciada e só se se concluísse que estas (as Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola) não derrogam, total ou parcialmente as OAR, se poderia concluir pela exclusão do benefício fiscal com base nestas. Efetivamente, nas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020», publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 204/1, de 01-07-2014, refere-se no ponto 33:

(33) - Em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (27). Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.

 

Como resulta da segunda parte do ponto (33), as OAR não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários, mas aplicam-se à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações relativas aos setores agrícola e florestal. Além de que, na secção 1.1.1.4., ponto (168), das mesmas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020» estabelece-se que:

(168) Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:

a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado;

(b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020; 

(c) As condições estabelecidas na presente secção.

 

Conclui-se, pois, que a atividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente de produtos à base de carne, não é uma das “actividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's” a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014, referido na alínea (a)], ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais como parecem ser no caso concreto

 

Por fim, importa averiguar a, possível, exclusão do benefício fiscal pela aplicação do RGIC.

Neste particular, a Requerida entendeu que a atividade da Requerente se integra no conceito de «transformação de produtos agrícolas» e, como o produto final desta atividade é um produto agrícola, porque enumerado no Anexo l do Tratado, esta atividade encontra-se excluída do RGIC, de acordo com o seu Considerando (11).

Por força do preceituado no artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do RGIC, este diploma é aplicável aos auxílios com finalidade regional, como são os previstos no CFI, à face do preceituado no n.º 2 do seu artigo 2.º. Relativamente aos auxílios concedidos no sector de transformação e comercialização de produtos agrícolas, o afastamento da aplicação do RGIC é estabelecido nos seguintes termos:

Artigo 1.º

Âmbito de aplicação

(...)

 3. O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:

                (...)

c) Auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos:

i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou

ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários;

 

Depreende-se desta limitação dos auxílios excluídos do âmbito de aplicação do RGIC, que este diploma é aplicável aos auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas em todos os outros casos cuja exclusão não está prevista. No caso em apreço, é definida na alínea 10) do artigo 2.º do RGIC como «transformação de produtos agrícolas», “qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda”.  E por Produto agrícola entende-se “um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013” [definição (11) que consta do artigo 2.º do RGIC].

Assim, por força do disposto no artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, só não é permitida a concessão de auxílios estatais à actividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii), isto é, «sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa» ou «sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários». Situações que não se verificam no caso concreto.

 

Consequentemente, não se verificando qualquer destas situações no caso em apreço (i.e.., efetivamente o RFAI não é um auxílio fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa (…) nem é um auxílio subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários), tem de se concluir que a aplicação do benefício fiscal do RFAI também não é afastada pelo RGIC.

 

Pelo que, mesmo considerando que os produtos transformados pela Requerente pudessem enquadrar-se no Capítulo 16 do Anexo I do TFUE e na posição 1602, da Nomenclatura Combinada de Bruxelas [Regulamento (CEE) n° 2658/87, de 23/07 e Regulamento de Execução (EU) 2017/1925, da Comissão, de 22/01/2017, ainda assim, os investimentos e a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo não estariam excluídos do RFAI.

 

Por outro lado, o artigo 13.º, alínea b), do RGIC, que define o âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional, confirma a aplicação à actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, ao excluir do seu âmbito de aplicação os «auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica», mas esclarecendo que não é como tal considerada «a transformação de produtos agrícolas», nestes termos:

Artigo 13.º

Âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional

 A presente secção não é aplicável aos seguintes auxílios:

(...)

b) Auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica; os regimes destinados a atividades turísticas, infraestruturas de banda larga ou comercialização e transformação de produtos agrícolas não são considerados orientados para setores específicos da atividade económica;

 

Por tudo o que se deixa exposto, conclui-se que a atividade da Requerente em causa se inclui no âmbito de aplicação do RGIC, pelo que a exceção de aplicação do RFAI às atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação do RGIC, que se prevê na parte final do artigo 22.º, não afasta a aplicação do benefício fiscal do RFAI àquela atividade.”

 

Como se deixou indicado o contencioso tributário é um contencioso de anulação pelo que concluindo-se que a motivação que subjaz ao acto de liquidação de IRC viola as normas e princípios jurídicos aplicáveis outra solução não resta ao Tribunal senão declarar a ilegalidade e anular o acto de liquidação em apreço devendo assim, e em conclusão, proceder totalmente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Relativamente aos juros indemnizatórios determina o artigo 43.º da LGT, n.º 1, que serão devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Considerando o teor da norma constante do artigo 24.º do RJAT, n.º 5, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral e esse direito pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal pagamento indevido derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da Requerida.

O artigo 24.º, b) do RJAT determina que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o disposto no artigo 100.º da LGT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, a) do RJAT: “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

As normas do artigo 2.º, n.º 1 a) e b) do RJAT utilizam a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, e apesar de não se referirem a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos Tribunais Tributários, sendo essa a interpretação que está de acordo com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, e tem como primeira diretriz: “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

Nos presentes autos, o acto de liquidação de IRC e juros compensatórios foram praticados pela requerida na sequência da mencionada ação de inspeção tributária e posteriormente objeto de reclamação graciosa em que a AT teve a possibilidade sanar os erros cometidos.

Deste modo, nos termos do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT, a Requerida deve proceder ao pagamento à Requerente de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento do imposto e juros compensatórios em excesso até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

 

  1. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar totalmente procedente o presente pedido arbitral e anular a liquidação adicional de IRC n.º 2020... e, bem assim, a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, com as legais consequências.
  2. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da respectiva nota de crédito
  3. Condenar a Requerida nas custas arbitrais.

 

  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 42.566,32, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

 

 

 

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2.142,00, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido principal foi totalmente procedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 20 de março de 2024.

 

O Árbitro,

 

(Francisco Carvalho Furtado)

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.