Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 577/2022-T
Data da decisão: 2024-03-07   Outros 
Valor do pedido: € 352.544,70
Tema: ASSB - Adicional de solidariedade sobre o sector bancário. A liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE.
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SUMÁRIO:

- Atenta a pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia, declarativa da incompatibilidade com o disposto 49.° e 54.° TFUE, e, atento o princípio do primado do direito da União Europeia bem como o disposto no artigo 8.º, n.º 4 da CRP, é inválida a autoliquidação do denominado ASSB, (Adicional de Solidariedade Sobre o Sector Bancário), porque contrária ao direito da União.

- Deve, pois, o ato tributário em causa, ser anulado, por ilegalidade substantiva, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do CPA, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

DECISÃO ARBITRAL

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi, em 29-09-2022, aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, sendo, nos termos legais, notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Tribunal Arbitral ficou constituído em 13-12-2022.

 

I – RELATÓRIO

1- A..., NIPC..., com local de representação em ..., Rua ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

1.1- Pediu a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada e, mediatamente, a anulação do ato subjacente de autoliquidação do ASSB referente ao passivo do 2.º semestre de 2020 e pago pela REQUERENTE em dezembro de 2021, por vícios de violação de Lei, incluindo constitucional, e por violação do Direito da União Europeia, devendo a AT ser condenada ao reembolso e pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, ... por motivo exclusivamente imputável à AT, tudo com as demais consequências legais.

 

1.2- Sustenta, (em resumo)...

O acto de autoliquidação do ASSB em causa é ilegal porque:

a) Viola a Lei de Enquadramento Orçamental, mais concretamente atentando contra o princípio geral da não-consignação de receitas, sendo que as receitas do ASSB são alocadas ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social («FEFSS»), e contra a especificação orçamental, não havendo qualquer referência específica ao ASSB na Lei do Orçamento do Estado para 2020;

b) Viola o princípio legal e constitucional da igualdade na vertente da capacidade contributiva, uma vez que a base de incidência objetiva do ASSB não se coaduna com as exigências constitucionais de adequação à capacidade contributiva dos sujeitos passivos;

c) Viola o Direito Europeu:

i. Na vertente da liberdade de estabelecimento por discriminação das entidades não residentes que operam em Portugal através de uma sucursal; e, também,

ii. Na vertente de violação da Diretiva 2014/59/UE, de 15 de maio de 2014 que harmoniza a tributação e resolução das instituições bancárias.

 

B. DA VIOLAÇÃO DA LEI DE ENQUADRAMENTO ORÇAMENTAL

i. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO GERAL DA NÃO-CONSIGNAÇÃO DE RECEITAS

A LEO estabelece, de entre outros princípios conformadores, o princípio geral da não-consignação de receitas fiscais, no seu artigo 16.º, n.º 1.

Sucede, porém, e conforme já explicitado pela REQUERENTE, que a receita resultante da cobrança do ASSB é integralmente consignada ao FEFSS.

 

ii. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIFICAÇÃO ORÇAMENTAL

A Lei n.º 27-A/2020, que contém o regime do ASSB, é manifestamente violadora de um outro princípio que resulta do disposto na LEO: o princípio da especificação orçamental.

A necessidade de uma discriminação concreta e individualizada das receitas e das despesas do Estado em sede do Orçamento atende a razões de transparência das dotações orçamentais, ou seja, de modo a impedir a existência de dotações e fundos secretos, como dispõe o artigo 105.º, n.º 3, da CRP.

A LEO concretiza esta exigência constitucional de especificação das receitas do Estado no seu artigo 17.º, n.º 2, devendo as receitas, segundo esse preceito, ser «especificadas por classificador económico e fonte de financiamento».

Com efeito, em nenhuma das rubricas que nos oferece a Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que aprovou o Orçamento Suplementar para 2020, é possível descortinar a alocação da receita proveniente da cobrança do ASSB, pois a classificação das receitas fiscais se encontra grosseiramente incluída em qualquer rubrica que não permite a sua compreensão e, por isso, não especificada.

 

DA VIOLAÇÃO DE LEI CONSTITUCIONAL– PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Quer se considerasse o ASSB uma contribuição ou um imposto, sempre ocorreria violação do Princípio da Igualdade. Sendo o ASSB um imposto, a violação do Princípio da Igualdade – que legitima e limita a criação e imposição de qualquer tributo – ocorre na sua vertente de princípio da capacidade contributiva.

 

VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA VERTENTE DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

A capacidade contributiva configura uma dimensão fundamental do princípio da igualdade, e um vetor inalienável da configuração jurídica dos impostos.

CASALTA NABAIS classifica a capacidade contributiva como a ratio da contribuição, afirmando ainda que é a capacidade contributiva que «afasta o legislador do arbítrio».

A respeito das decorrências deste princípio na modelação dos impostos, atente-se igualmente nas palavras do Tribunal Constitucional, em Acórdão proferido no âmbito de processo n.º 695/2014:

«O princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes

diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem excepção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (nestes precisos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2010)».

Sendo este um imposto com um objetivo exclusivamente fiscal – a obtenção de receita, ainda que (erroneamente) consignada ao FEFSS – como se pode justificar que incida só e apenas sobre as instituições do setor bancário?

Um imposto incidiria sobre todos ou grande parte dos contribuintes, por forma a que fosse entregue a receita que o Estado pretende obter, com o mínimo esforço fiscal por parte dos sujeitos passivos, através de uma ampla distribuição dos encargos.

Se eram estes ensejos de aumentar a receita tributária o que o legislador deveria ter desenhado seria uma sobretaxa de IRC, de Derrama, ou de qualquer imposto, e como tal aplicá-lo a todos os sujeitos passivos a operar em determinada jurisdição – note-se aliás que o legislador assim o fez em tempos de crise aquando da introdução da sobretaxa do IRS.

 

DA VIOLAÇÃO DO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA

Não restam dúvidas que, não só o regime do ASSB viola a liberdade de estabelecimento, prevista no artigo 49.º e ss. do Tratado sobre o Funcionamento da UE (TFUE), como viola ainda a Diretiva 2014/59/UE, de 15 de maio de 2014, «que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento», ou seja, faz a regulação e harmonização de medidas de resolução bancária no plano do direito europeu.

 

VIOLAÇÃO DA LIBERDADE DE ESTABELECIMENTO

A Requerente, por ter a natureza jurídica de sucursal, não tem capitais próprios ou fundos próprios, contrariamente às instituições de crédito residente ou às filiais de instituições de crédito não-residentes.

Assim, por força da aplicação Regime do ASSB, a sua base de incidência é sempre mais elevada, em termos relativos, face à base tributável de uma instituição de crédito residente.

Com efeito, as instituições de crédito residentes, nos termos do Regime do ASSB, têm sempre, em termos relativos, uma base de incidência menor do que a de uma sucursal de instituição de crédito residente noutro Estado-Membro de UE (sucursais UE), uma vez que, tendo capitais próprios registados no seu balanço e não sendo estes considerados na base de incidência do ASSB, diminuem a sua base tributável nesse montante, não podendo as sucursais gozar dessa mesma dedução.

O que gera uma situação clara de discriminação entre entidades residentes e não residentes, a qual é proibida no âmbito do Direito Europeu.

O elemento do ASSB aqui em causa e manifestamente discriminatório é, antes de mais nada, a fórmula legal para a determinação da base de incidência objetiva, ou seja, os artigos 3.º, alínea a), e 4.º do Regime do ASSB previsto no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.

 

A conjugação destes elementos consolida o enquadramento jurídico-tributário do ASSB em Portugal como uma contribuição que tem como principal pressuposto a tributação do passivo.

No entanto, estas normas, quando aplicadas às sucursais EU, não tomam devidamente em conta as particularidades jurídico-contabilísticas do passivo das sucursais face ao passivo das instituições de crédito residentes.

A aplicação do ASSB às sucursais UE resulta numa discriminação quanto ao

apuramento da base de incidência objetiva do ASSB entre as sucursais UE e as instituições de crédito residentes, violadora do Direito Europeu, uma vez que, de acordo com o princípio do primado deste face ao direito nacional, os Estados Membros estão impedidos de impor obstáculos ao exercício das liberdades fundamentais no âmbito da União Europeia.

 

VIOLAÇÃO DA DIRETIVA 2014/59/UE, DE 15 DE MAIO DE 2014

Resulta claríssimo que o regime do ASSB viola também a Diretiva 2014/59/UE, de 15 de maio de 2014.

Pela Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março, foi concretizada a transposição para a ordem jurídica portuguesa da aludida Diretiva 2014/59/UE, de 15 de maio de 2014, mediante a qual o RGICSF foi objeto de várias alterações.

Simplesmente, o ASSB consubstancia um tributo sui generis, não previsto na Diretiva que, tal como já acontecia em sede da CSB, viola o regime das contribuições criado pela referida Diretiva.

Isto porque o ASSB não é passível de ser enquadrado em nenhum dos tipos de contribuições previstas na Diretiva e viola claramente o regime harmonizado europeu de tributação do setor bancário, medidas de resolução e o seu financiamento através da tributação do passivo desse setor.

Este regime da Diretiva traz consequências para a legislação portuguesa, em especial, quando falamos de Sucursais UE, pois visa estabelecer um verdadeiro regime geral harmonizado sobre a recuperação e a resolução de instituições de crédito.

O ASSB tributa, grosso modo, o passivo, tal como a CSB, e as contribuições da referida diretiva.

O passivo já tributado em Portugal pelo ASSB é reproduzido no passivo da casa mãe… onde será novamente onerado pela contribuição da Diretiva (transposta para o direito do Estado Membro da casa-mãe).

As contribuições da Diretiva (transposta para o direito do Estado Membro da casa mãe) de 2021 incidem sobre o passivo da casa-mãe referente a 2020, em França, onde está incluído o passivo da sucursal portuguesa, bem como de outras sucursais, face à duplicação dos movimentos contabilísticos entre sede e sucursais.

Facilmente se poderá perceber que uma dupla tributação deste tipo é manifestamente contrária à liberdade de estabelecimento tal como esta se encontra vertida no TFUE, nomeadamente no seu artigo 49.º.

 

1.3- Por seu turno, a AT, argumenta…

O ASSB está indissociavelmente associado ao contexto histórico da pandemia COVID-19, como resposta aos custos da resposta à crise pandémica, conforme referido na Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020 (aprova o Programa de Estabilização Económica e Social),

A concretização do teor programático incluído na Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020 resultou na alteração da Lei n.º 2/2020 (Orçamento de Estado 2020), de 31 de março, pela Lei n.º 27-A/2020 (Orçamento Suplementar 2020), de 24 de julho.

Neste contexto, o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, aprovou o regime do ASSB (Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho), estabelecendo que a sua receita se destina a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (doravante FEFSS)

A consignação das receitas do ASSB está em consonância com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º da Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro (Lei de Enquadramento Orçamental) que integra nas exceções à regra de não consignação “As receitas afetas ao financiamento da segurança social e dos seus diferentes sistemas e subsistemas nos termos legais”.

Conceptualmente, o ASSB foi configurado como um imposto sobre operações inerentes às atividades financeiras realizadas pelas instituições de crédito, tendo subjacente o desiderato de tributar indiretamente este setor.

 

Da violação da lei de enquadramento orçamental

O ASSB foi concebido justamente com o objetivo de reforçar o financiamento do sistema público de segurança social, exigido pela situação de crise económico-financeira atual, resultante da atual crise sanitária, como contrapartida da isenção de IVA de que beneficiam os sujeitos passivos deste imposto.

Relativamente ao respaldo legal desta opção legislativa, a mesma decorre da alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º da LEO, que configura uma exceção ao princípio da não consignação.

O ASSB é, pois, consignado, por lei, ao FEFSS, enquadrando-se na exceção ao princípio da não consignação de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas, contemplada na alínea c) do do artigo 16.º da LEO.

Também não colhe a argumentação expendida na petição inicial relativamente ao carácter excecional e temporário da medida, nos termos da alínea f) do n.º2 e n.º 3 do artigo 16.º da LEO.

 

Da violação da especificação orçamental

Ora, o artigo 105.º da CRP, sob a epigrafe “Orçamento” dispõe que:

“1. O Orçamento do Estado contém:

a) A discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos;

b) O orçamento da segurança social.

2. O Orçamento é elaborado de harmonia com as grandes opções em matéria de planeamento e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato.

3. O Orçamento é unitário e especifica as despesas segundo a respectiva classificação orgânica e funcional, de modo a impedir a existência de dotações e

fundos secretos, podendo ainda ser estruturado por programas.

4. O Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas, definindo a lei as regras da sua execução, as condições a que deverá obedecer o recurso ao crédito público e os critérios que deverão presidir às alterações que, durante a execução, poderão ser introduzidas pelo Governo nas rubricas de classificação orgânica no âmbito de cada programa orçamental aprovado pela Assembleia da República, tendo em vista a sua plena realização.”

 

O artigo 106.º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio orçamental da anualidade, ao estabelecer no n.º 1 que “a lei do Orçamento é elaborada, organizada, votada e executada, anualmente...”, e a LEO consagra esse princípio de anualidade no artigo 14.º, ao afirmar que o “Orçamento do Estado e os orçamentos dos serviços e das entidades que integram o sector das administrações públicas são anuais”.

 

A regra da anualidade desdobra-se em dois aspetos: a votação anual do Orçamento pela Assembleia da República e a execução anual do Orçamento pelo Governo e Administração Pública.

Como supra referido, o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho (Orçamento de Estado Suplementar 2020), aprovou o regime do ASSB (Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho), cuja receita é adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao FEFSS.

O ASSB está devidamente autorizado pelo Orçamento de Estado Suplementar de 2020, e suficientemente discriminada uma vez que se trata de uma receita, o que significa que o valor inscrito é uma previsão do valor a arrecadar para o FEFSS.

iii. Da violação da Constituição, em especial do princípio da igualdade a incidência do ASSB sobre o setor financeiro, com o intuito de compensar a isenção de IVA que este atualmente aproveita, permite enquadrá-lo no contexto das atuais dinâmicas políticas e legislativas no sentido de reforçar a tributação indireta do setor bancário, tais como a revisão das regras do IVA no setor financeiro, ou como os impostos sobre as atividades financeiras e os impostos sobre as transações financeiras.

A tributação indireta que em Portugal incide sobre o setor financeiro, através do Imposto do Selo, deixa de fora elementos relevantes da atividade das instituições de crédito, como as transações financeiras, sendo que as operações de financiamento das instituições de crédito no mercado interbancário estão também isentas do Imposto do Selo, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

a. Conformidade com o princípio da igualdade na vertente da capacidade contributiva

A manifestação de capacidade contributiva sobre que incide o ASSB, revela-se nos efeitos incrementais na atividade desenvolvida, induzidos pelos fundos obtidos de variadas fontes, expressos no passivo das instituições qualificadas como sujeitos passivos.

Com efeito, o âmbito da incidência objetiva do ASSB, definido no artigo 3.º do Regime, ao assumir o mesmo recorte da CSB, i.e., grosso modo, abarca operações registadas no passivo das instituições de crédito e instrumentos financeiros derivados fora do balanço que não são tributadas em IVA (e, muitas vezes também, como vimos, nem sequer no Imposto do Selo).

No fundo, o legislador, dentro da liberdade de conformação das normas reguladoras dos tributos, encontrou como fundamento para delinear o âmbito de incidência do novo ASSB, a ausência ou a menor de tributação num imposto indireto – IVA e Imposto do Selo – de determinadas operações.

 

Nesta escolha da base de incidência do ASSB, no quadro da liberdade de conformação legislativa, pesaram certamente também fatores de operacionalidade do tributo, dada a existência de uma contribuição que incide sobre as instituições de crédito (a CSB), e cujos mecanismos de liquidação e controlo, quer ao nível dos sujeitos passivos, quer ao nível da Autoridade Tributária e Aduaneira, estão já consolidados e em funcionamento desde 2011.

Ao que acresce, ...que os elementos subjetivos e objetivos de incidência daquela contribuição financeira se ajustam perfeitamente aos objetivos prosseguidos com um imposto sobre as atividades financeiras.

Ao contrário do que afirma a Requerente, não só não houve qualquer arbitrariedade na criação do ASSB, como a sua configuração permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva que se propõe enquanto imposto que compensa a isenção do IVA nas operações financeiras, sendo também possível enquadrá-lo em experiências internacionais, algumas das quais, como a cooperação reforçada do FTT-10, em que o Estado português se encontra politicamente empenhado, pelo menos desde 2013, e que, de resto, propôs relançar durante a sua presidência do Conselho da UE, em 2021.

 

Da violação do direito da união europeia

Da violação da liberdade de estabelecimento

O regime do ASSB não comporta um tratamento discriminatório baseado na nacionalidade das instituições de crédito que viola a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 18.º, 26.º e 49.º do Tratado

A Requerente é uma sucursal de uma instituição de crédito com sede e administração efetiva num estado-membro, que atua em Portugal ao abrigo da liberdade de estabelecimento, nos termos do disposto no artigo 49.º do Tratado Sobre o Funcionamento da UE.

De acordo com o disposto no artigo 2.º do regime do ASSB, são sujeitos passivos do ASSB as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português, e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português, todas elas beneficiárias de uma isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, nos termos do artigo 9.º do CIVA.

Ao contrário do alegado pela Impugnante, não se encontra vedado às sucursais a dedução de capitais próprios, estando na disponibilidade da sucursal qualificar os fundos que lhe são afectos pela Sede como como passivo ou como capital próprio, em função, entre outros critérios, de serem, ou não, passíveis de remuneração e do caracter de permanência.

Ou seja, a incidência objetiva é exatamente igual a todos os sujeitos passivos abrangidos pelo ASSB, aliás, a diferenciação no sentido de excluir as sucursais geraria distorções de concorrência.

 

O tratamento dado às sucursais e aos restantes sujeitos passivos do ASSB é igual, no sentido em que são sujeitas ao ASSB independentemente da nacionalidade. No entanto, a não dedução de capitais próprios, caso a sucursal os não tenha, não significa que existe um tratamento diferenciado.

 

Daqui resulta que não pode a Requerente invocar um tratamento discriminatório quando está sujeita às mesmas regras das demais instituições financeiras em matéria contabilística e em matéria de incidência do ASSB, nomeadamente na determinação da base de incidência, cujo apuramento é feito exatamente com base nas mesmas regras, quer estejamos perante uma instituição de crédito residente, ou perante uma sucursal.

Para efeitos do apuramento da base de incidência do ASSB qualificam-se, por regra, como passivo, todos os elementos reconhecidos em Balanço que representem dívida para com terceiros, independentemente da sua forma ou modalidade.

No entanto, para determinação da base de incidência do ASSB excecionam-se os elementos que não se traduzem na assunção efetiva de dívidas da instituição de crédito perante terceiros, ou que, pese embora assim sejam consideradas, integrem o capital próprio da respetiva entidade.

 

Isto é verdade para todas as instituições de crédito que operam em Portugal, quer as mesmas representem sucursais de instituições de crédito residentes fora do território nacional, ou instituições de crédito residentes no território nacional, não havendo, portanto, qualquer tratamento discriminatório de umas em relação a outras, procurando-se, bem pelo contrário, o contributo de ambas as entidades em paridade.

A circunstância de as entidades sob a forma de sucursais não disporem de uma rúbrica própria denominada capital social não impede a aplicação do regime legal do ASSB.

Desde logo, os elementos excluídos da base de incidência ASSB encontram-se perfeitamente identificados na lei, não ficando, pois, prejudicada, a dedução de quaisquer itens que comprovadamente respeitem essa natureza.

Sempre se diga que a escolha da forma jurídica da sucursal decorre de uma ponderação entre as diversas formas possíveis para o desenvolvimento do negócio num Estado diverso. A essa forma jurídica corresponde, em muitos casos, o tratamento equiparado a uma entidade autónoma. Por exemplo, em Portugal, para efeitos fiscais, ao serem tributadas autonomamente pelo rendimento aqui obtido (cfr. artigo 2.° do Código do IRC). Assim, essa escolha é global, e não deve ser parcelada em função do concreto regime jurídico que se aprecia só devendo ser avaliada na globalidade dos regimes aplicáveis.

A eventual não dedução de capitais próprios, caso a sucursal os não tenha, não significa que exista um tratamento diferenciado: as sucursais estão sujeitas às mesmas regras das demais instituições financeiras em matéria contabilística. Nomeadamente, para efeitos do apuramento da base de incidência do ASSB qualificam-se, por regra, como passivo, todos os elementos reconhecidos em balanço que representem dívida para com terceiros, independentemente da sua forma ou modalidade.

Assim, não parece que do regime do ASSB, analisado em conjunto com todo o regime tributário e regulatório aplicável às instituições de crédito, resultem efeitos dissuasores do estabelecimento em Portugal de sucursais não residentes ou seja, não se afigura que, na economia de todo o contexto que rodeia a atividade em Portugal das sucursais bancárias não residentes, o regime em causa comporte uma verdadeira restrição à liberdade de estabelecimento, i.e. uma restrição discriminatória.

 

Da violação da diretiva 2014/59/EU

A Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.º 1093/2010 e (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 173 de 12.6.2014, p. 190).

O ASSB não é uma forma de financiamento das medidas de resolução nem do Fundo Único de Resolução, posto que não se encontra abrangido pela referida Diretiva e isto explica que o legislador tenha ignorado - e bem - todo o enquadramento europeu resultante da Diretiva 2014/59/EU e da sua transposição para o direito nacional.

Afigura-se que a finalidade deste imposto é totalmente diferente do objetivo de financiamento da aplicação efetiva dos instrumentos e poderes de resolução perseguidos pelos mecanismos de financiamento da resolução previstos na DRRB e dos objetivos específicos estabelecidos no artigo 101.º desta diretiva.

Nesta base, pode concluir-se que o imposto adicional de solidariedade em questão não é abrangido pelo âmbito de aplicação da DRRB e não está em conflito com as suas disposições.

Contrariamente ao alegado, o ASSB não está relacionado com os mecanismos nacionais de financiamento das medidas de resolução.

Pelo mesmo motivo, ao contrário do alegado, não se verifica uma situação de dupla tributação.

Verifica-se uma situação de dupla tributação quando sobre a mesma realidade incidem dois impostos, o que, in casu, é totalmente impossível de ocorrer, visto que, dos tributos elencados pelo Requerente, apenas o ASSB é um imposto.

Os argumentos da Requerente não têm qualquer cabimento, afigurando-se que o ato tributário impugnado se deve manter, por inexistir o invocado vício de violação do Direito Comunitário.

 

II- SANEAMENTO

1- Verificou-se que - no Proc. nº 502/2021-T - havia sido suscitado e estava pendente de decisão, o incidente de reenvio prejudicial perante o TJUE (Proc nº C-340/22), tendo como objeto duas questões consideradas relevantes para apreciação e decisão dos fundamentos do pedido arbitral formulado naquele processo.

1.1 Assim, atenta a identidade do pedido e respetivos fundamentos em ambos os processos arbitrais, ponderando o disposto nos artigos 269º-1/c) e 272º-1, do CPC (ex vi artigo 29º, do RJAT), decidiu-se - em 22-03-2023- suspender a instância até à pronúncia do TJUE sobre as questões prejudiciais colocadas no referido processo arbitral nº 502/2021-T.

2- Considerando, que, em 21-12-2023, foi proferido o Acordão referente ao Proc. do TJUE, entendeu o Tribunal, estar na posse de elementos que permitiam a Decisão, concedendo às partes a faculdade de apresentarem, querendo, alegações escritas, complementares. O que ambas fizeram.

 

3- O Tribunal é competente. O processo não enferma de nulidades. Não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa, nos termos sobreditos, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.  

 

III- Factos

III.1- Factos Provados

III.1.1- A Requerente é a sucursal em Portugal da B..., S.A., instituição de crédito de direito francês, que tem sede e efetiva administração em França. Desde 1996 que a B..., S.A assegura a sua presença em Portugal através da Requerente.

III.1.2- Com referência à incidência objetiva estabeleceu-se que o ASSB incide sobre o passivo ajustado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço, ambos apurados contabilisticamente no final do exercício.

Nesse mesmo regime fixaram-se as regras para a quantificação da base de incidência objetiva do ASSB, as taxas aplicáveis, a forma da liquidação, e o modo do seu pagamento, através do preenchimento da declaração de Modelo Oficial (Declaração modelo 57) aprovada pela Portaria n.º 191/2020, de 10 de agosto. Finalmente, e naquela mesma sede, foi estabelecido que o ASSB é anual e que deve ser autoliquidado pelos sujeitos passivos até ao último mês de junho, com exceção dos anos de 2020 e 2021, em que o prazo de autoliquidação finda a 15 de dezembro.

III.1.2.1-Em relação ao ASSB dos exercícios de 2020 e 2021 fixou-se, também, uma base de incidência objetiva distinta, incidindo o ASSB sobre a média dos saldos finais de passivo de cada mês, relativo às contas do ano de 2020:

a. Apenas do 1.º semestre de 2020, em 2020; e,

b. Apenas do 2.º semestre de 2020, em 2021 (em discussão).

III.1.3- Em 13 -12 de 2021, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB relativo ao 2.º semestre de 2020, mediante a submissão da declaração relevante Modelo 57.

A autoliquidação efetuada pela Requerente incidiu sobre a média anual dos saldos finais do passivo de cada mês relativo às contas do segundo semestre de 2020, tendo sido concretizada com base nos dados contabilísticos cristalizados em 31 de dezembro de 2020.

III.1.3.1- Naquela declaração foi apurado, como montante a pagar de ASSB referente ao ano de 2020, o valor de € 352.544,70, o qual foi pago pela Requerente.

III.1.4- Inconformada com a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, (apresentada em 24-05-2022), com data de 27.06.2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo

 

III.2- Motivação e decisão da Matéria de Facto

 Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

III.2.1- No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, tendo em conta a posição consensual assumida pelas Partes em relação à matéria de facto, por ambas apresentada.

III.3- Com relevo para a decisão, não existem factos alegados que devam considerar-se não provados. 

 

 

 

IV- DO DIREITO

IV.1- As questões controvertidas no presente processo, que impõem apreciação, para decisão, são as seguintes:

 

a- Como infra se verá, o TJUE declarou que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito com sede situada no território desse Estado‑Membro, das filiais e das sucursais das instituições de crédito cuja sede se situa no território de outro Estado‑Membro, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.

a.1- Cumpre, pois - uma vez que o mesmo Tribunal, assim referiu - aferir, decidindo, se, no caso dos autos é ou não legalmente admissível a dedução pelas sucursais dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparados aos capitais próprios.

b- Apreciar, no caso de improcedência, os varios vicios inconstitucionais apontados.

 

Vejamos.

 

IV.2- Como se referiu, foi proferido no TJUE o Acórdão C-340/22 no qual foi estatuido, entre o mais, o seguinte:

IV.2.1- A recorrente no processo principal é uma sucursal portuguesa de uma instituição de crédito com sede em França. Na qualidade de sucursal, está sujeita ao ASSB, a saber, um imposto sobre o setor bancário criado pela República Portuguesa para apoiar financeiramente o sistema nacional de segurança social e restabelecer o equilíbrio entre a carga fiscal suportada por este setor, que beneficia de uma isenção de IVA em relação à generalidade dos serviços financeiros, e a carga que onera os demais setores da economia portuguesa.

 

Em 11 de dezembro de 2020, a recorrente procedeu à autoliquidação do ASSB referente ao primeiro semestre de 2020 e, a este título, pagou um montante de 364 229,67 euros. Em 5 de janeiro de 2021, apresentou reclamação graciosa à Autoridade Tributária, pedindo o reembolso desse montante. Em 21 de maio de 2021, foi proferido despacho de indeferimento por esta Autoridade.

 

Em 23 de agosto de 2021, a recorrente no processo principal apresentou um recurso no Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, Portugal), o órgão jurisdicional de reenvio, para que se pronunciasse relativamente à anulação da decisão. Neste âmbito, alegou, nomeadamente, que o ASSB é contrário ao direito da União.

 

Em particular, no entender da recorrente, a criação do ASSB é contrária à Diretiva 2014/59 e à pretensa harmonização fiscal concretizada nesta diretiva, no que respeita às contribuições das instituições de crédito em matéria de resolução. Com efeito, a recorrente no processo principal já é tributada no Estado‑Membro onde tem a sua sede social, isto é, a República Francesa, ao abrigo da referida diretiva, pelo que a República Portuguesa não lhe pode aplicar um imposto análogo.

 

Além disso, a recorrente no processo principal considera que o ASSB viola o artigo 49.° TFUE, devido ao tratamento discriminatório de que são objeto as sucursais portuguesas das instituições de crédito estrangeiras. Com efeito, na falta de personalidade jurídica, estas sucursais ficam impossibilitadas de deduzir capitais próprios da sua base de incidência a título do ASSB.

 

IV.2.2- Nestas condições, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1) A Diretiva [2014/59] opõe‑se à tributação, num Estado‑Membro, das sucursais de instituições financeiras residentes noutro Estado‑Membro da União Europeia, através de uma legislação como o regime doméstico português do [ASSB] caso o tributo incida sobre o passivo ajustado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço e cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento das medidas de resolução e para efeitos de financiamento do Fundo Único de Resolução?

2) A liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.° do TFUE opõe‑se a uma legislação nacional, como a que está em causa no regime doméstico português do [ASSB], que permite deduzir ao passivo apurado e aprovado certos elementos do passivo que contam para o cálculo dos [capitais] próprios de nível 1 e os [capitais] próprios de nível 2, de acordo com o disposto na parte II do [Regulamento n.° 575/2013], tendo em consideração as disposições transitórias previstas na parte IX do mesmo Regulamento, que apenas podem ser emitidos por entidades com personalidade jurídica, isto é, que não podem ser emitidos por sucursais de instituições de créditos não residentes?

 

 IV.2.3- Quanto à primeira questão

 Para responder à questão submetida, importa recordar, a título preliminar, que a interpretação de uma disposição do direito da União exige que se tenha em conta não só os seus termos, mas também o contexto em que se insere e os objetivos e a finalidade prosseguidos pelo ato de que faz parte [Acórdão de 21 de setembro de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Carta diplomática), C‑568/21, EU:C:2023:683, n.° 32].

 

Primeiro, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2014/59, esta estabelece regras e procedimentos relativos à recuperação e resolução das entidades enumeradas nessa disposição.

 

Segundo, como resulta dos considerandos 1 e 5 desta diretiva, esta foi adotada na sequência da crise financeira, que demonstrou a necessidade de prever instrumentos adequados para tratar a insolvência, nomeadamente, das instituições de crédito, fazendo suportar os riscos correspondentes aos seus acionistas e credores, e não aos contribuintes. Em conformidade com o considerando 103 da referida diretiva, incumbe com efeito ao setor financeiro, no seu conjunto, financiar a estabilização do sistema financeiro.

 

Terceiro, neste contexto, as contribuições pagas por estas instituições ao abrigo da mesma diretiva não constituem impostos, mas procedem, pelo contrário, de uma lógica baseada na garantia (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.° 113).

 

A Diretiva 2014/59 não tem, portanto, de forma alguma por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União.

 

Por conseguinte, a Diretiva 2014/59 não pode obstar à aplicação de um imposto nacional, como o ASSB, que incide sobre o passivo das referidas instituições e cujas receitas visam financiar o sistema nacional de segurança social, sem apresentar nenhuma relação com a resolução e a recuperação dessas mesmas instituições. A circunstância de a forma de cálculo desse imposto apresentar semelhanças com a das contribuições pagas por força da Diretiva 2014/59 é irrelevante a este respeito.

 

Assim, importa responder à primeira questão que a Diretiva 2014/59 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução.

 

 

 

IV.2.4- Quanto à segunda questão

segundo jurisprudência constante, a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE abrange, no que se refere às sociedades constituídas segundo a legislação de um Estado‑Membro e que tenham a sua sede social, administração central ou estabelecimento principal na União, o direito de exercerem a sua atividade noutros Estados‑Membros por intermédio de uma filial, sucursal ou agência [Acórdãos de 22 de setembro de 2022, W (Dedutibilidade dos prejuízos finais de um estabelecimento estável não residente), C‑538/20, EU:C:2022:717, n.° 14, e de 16 de fevereiro de 2023, Gallaher, C‑707/20, EU:C:2023:101, n.° 70].

 

O artigo 49.°, primeiro parágrafo, segundo período, TFUE deixa expressamente aos operadores económicos a possibilidade de escolherem livremente a forma jurídica apropriada para o exercício das suas atividades noutro Estado‑Membro, não devendo esta livre escolha ser limitada por disposições fiscais discriminatórias (Acórdãos de 23 de fevereiro de 2006, CLT‑UFA, C‑253/03, EU:C:2006:129, n.° 14, de 6 de setembro de 2012, Philips Electronics UK, C‑18/11, EU:C:2012:532, n.° 13, e de 17 de maio de 2017, X, C‑68/15, EU:C:2017:379, n.° 40).

 

A liberdade de escolher a forma jurídica apropriada para o exercício de atividades noutro Estado‑Membro tem assim, nomeadamente, por objetivo permitir às sociedades com sede num Estado‑Membro abrir uma sucursal noutro Estado‑Membro para aí exercerem as suas atividades, em condições idênticas às que são aplicáveis às filiais (Acórdãos de 23 de fevereiro de 2006, CLT‑UFA, C‑253/03, EU:C:2006:129, n.° 15, e de 6 de setembro de 2012, Philips Electronics UK, C‑18/11, EU:C:2012:532, n.° 14 e jurisprudência referida).

 

A este respeito, segundo jurisprudência constante, devem ser consideradas restrições à liberdade de estabelecimento todas as medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício da liberdade garantida pelo artigo 49.° TFUE (Acórdão de 11 de maio de 2023, Manitou BF e Bricolage Investissement France, C‑407/22 e C‑408/22, EU:C:2023:392, n.° 20 e jurisprudência referida).

 

São assim proibidas não apenas as discriminações ostensivas baseadas no lugar da sede das sociedades, mas também quaisquer formas dissimuladas de discriminação que, em aplicação de outros critérios de distinção, conduzam, de facto, ao mesmo resultado (Acórdão de 6 de outubro de 2022, Contship Italia, C‑433/21 e C‑434/21, EU:C:2022:760, n.° 35 e jurisprudência referida).

 

Em particular, uma cobrança obrigatória que prevê um critério de diferenciação aparentemente objetivo, mas que, na maioria dos casos desfavorece, tendo em conta as suas características, as sociedades que têm a sua sede noutro Estado‑Membro e que estão numa situação comparável à das sociedades com sede no Estado‑Membro de tributação constitui uma discriminação indireta em razão do lugar da sede das sociedades, proibida pelos artigos 49.° e 54.° TFUE (Acórdão de 3 de março de 2020, Vodafone Magyarország, C‑75/18, EU:C:2020:139, n.° 43, e de 3 de março de 2020, Tesco‑Global Áruházak, C‑323/18, EU:C:2020:140, n.° 63 e jurisprudência referida).

 

No caso em apreço, a regulamentação nacional em causa no processo principal aplica‑se indistintamente às instituições de crédito residentes, às filiais e às sucursais portuguesas de instituições de crédito não residentes. A base de incidência do ASSB é formada pelo passivo dessas entidades, ou seja, nos termos do artigo 4.° do anexo VI da Lei do Orçamento Suplementar de 2020, pelo conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção, nomeadamente, dos elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios.

 

Ora, segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, contrariamente às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições de crédito não residentes, as sucursais das instituições de crédito não residentes estão impossibilitadas, por não terem personalidade jurídica, de deduzir capitais próprios da sua base de incidência a título do ASSB, não dispondo também estas entidades, por lei, de capitais próprios. Além disso, estas sucursais não podem emitir instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios como, nomeadamente, obrigações convertíveis, obrigações participantes, ações preferenciais remíveis e obrigações contingentes convertíveis, pelo que também não podem deduzir tais instrumentos da sua base de incidência.

 

Assim, afigura‑se que a regulamentação nacional em causa no processo principal não permite às sucursais das instituições de crédito não residentes exercer as suas atividades nas mesmas condições que se aplicam às filiais de instituições de crédito não residentes, na aceção da jurisprudência recordada no n.° 39 do presente acórdão. Com efeito, ao onerar indistintamente o passivo das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, esta regulamentação permite que as filiais reduzam a base de incidência através da dedução dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios, embora essa dedução pareça ser legalmente inadmissível para as referidas sucursais, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Nestas condições, tal regulamentação nacional pode tornar menos atrativo, para as sociedades sedeadas noutro Estado‑Membro, o exercício das suas atividades em Portugal através de uma sucursal.

 

Ora, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.° 45 das suas conclusões, uma diferença de tratamento suscetível de limitar a livre escolha da forma jurídica adequada para o exercício de uma atividade noutro Estado‑Membro, na aceção da jurisprudência recordada no n.° 38 do presente acórdão, pode constituir uma restrição à liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE.

 

Para ser compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à liberdade de estabelecimento, tal diferença de tratamento tem de dizer respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou tem de ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral (Acórdão de 11 de maio de 2023, Manitou BF e Bricolage Investissement France, C‑407/22 e C‑408/22, EU:C:2023:392, n.° 36 e jurisprudência referida).

 

Primeiro, é facto assente que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas, bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., neste sentido, Acórdão de 17 de março de 2022, AllianzGI‑Fonds AEVN, C‑545/19, EU:C:2022:193, n.° 59 e jurisprudência referida).

 

Como resulta das indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o ASSB que onera indistintamente todo o setor bancário em Portugal, incluindo as instituições de crédito residentes, as filiais e as sucursais portuguesas das instituições de crédito não residentes, tem por objetivos apoiar financeiramente o sistema nacional de segurança social e restaurar o equilíbrio entre a carga fiscal suportada por esse setor, que beneficia de uma isenção do IVA sobre a maior parte dos serviços financeiros, e a suportada por todos os outros setores da economia portuguesa.

 

À luz destes objetivos, as disposições nacionais apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não procedem a nenhuma distinção entre as instituições de crédito residentes e as filiais e as sucursais de instituições de crédito não residentes.

 

De resto, não resulta da decisão de reenvio que o objeto e o conteúdo das disposições nacionais em causa procedem a essa distinção.

 

Por conseguinte, nada parece indicar que a situação de uma instituição de crédito não residente que exerce a sua atividade através de uma sucursal não seja objetivamente comparável à situação de uma instituição de crédito residente ou de uma filial de uma instituição de crédito não residente.

 

Segundo, no que se refere à justificação da diferença de tratamento por uma razão imperiosa de interesse geral, o Governo Português afirma, nas suas observações escritas, que a vantagem fiscal conferida pela regulamentação nacional em causa no processo principal às instituições de crédito residentes, e às filiais de instituições de crédito não residentes, se justifica pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal nacional.

 

Ora, segundo jurisprudência constante, para que tal justificação possa ser admitida é necessário que se demonstre a existência de um nexo direto entre a vantagem fiscal em causa e a compensação da mesma através de uma determinada cobrança fiscal (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de junho de 2018, Bevola e Jens W. Trock, C‑650/16, EU:C:2018:424, n.° 45, e de 27 de abril de 2023, L Fund, C‑537/20, EU:C:2023:339, n.° 68 e jurisprudência referida).

 

No caso em apreço, nenhum elemento dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça indica que a dedutibilidade dos capitais próprios da base de incidência a título do ASSB é compensada por uma determinada cobrança fiscal, suportada pelas instituições de crédito residentes e pelas filiais de instituições de crédito não residentes.

 

Daqui resulta que a restrição à liberdade de estabelecimento operada pela regulamentação nacional em causa no processo principal não pode ser justificada pela necessidade de preservar a coerência do regime fiscal português.

 

No caso em apreço, a República Portuguesa escolheu não tributar as instituições de crédito residentes e as filiais de instituições de crédito não residentes no que respeita aos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios.

 

Assim sendo, este Estado‑Membro não pode invocar a necessidade de assegurar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros para justificar a tributação das sucursais de instituições de crédito não residentes no que respeita a esses instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios.

 

Daqui resulta que a restrição à liberdade de estabelecimento operada pela regulamentação nacional em causa no processo principal não se afigura justificada pela necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros.

 

Por conseguinte, há que responder à segunda questão que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito residentes, bem como das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.

 

IV.2.5- Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1) A Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.° 1093/2010 e (UE) n.° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução.

2) A liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito com sede situada no território desse Estado‑Membro, das filiais e das sucursais das instituições de crédito cuja sede se situa no território de outro Estado‑Membro, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.

 

ASSIM

IV.3- Partindo do princípio da lealdade europeia [artigo 4.º do TUE ], pertinente é não olvidar [diremos com Carla Machado], que tem o TJUE vindo a reafirmar uma série de  princípios com vista a assegurar os objectivos da União de direito, sendo de destacar de entre eles o princípio do primado [o qual impõe a prevalência do direito da União sobre o direito nacional , e estando o mesmo internamente plasmado na conjugação dos artigos 7.º, n.º 6 e 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa], o princípio da interpretação conforme e o princípio da responsabilidade do Estado-juiz por violação das obrigações europeias, e dirigindo-se o primeiro também ao juiz nacional e a quem de resto incumbe fiscalizar e zelar pela aplicação do direito da União e a sua efectiva tutela jurisdicional.

Alinhando por semelhante entendimento, e no que aos efeitos materiais  da decisão prejudicial - sobre a decisão a proferir no processo nacional em que foi colocada - diz respeito, chama a atenção Carla Câmara  que o tribunal que suscitou a questão e os restantes tribunais nacionais e do espaço da União estão vinculados às conclusões – bem como à fundamentação - do acórdão prejudicial, sendo razões de uniformidade as subjacentes a tal obrigatoriedade.

No mesmo sentido se pronuncia Jónatas Machado, in “Direito da União Europeia”, pág. 591/592, acrescentando: “…a sentença do TJUE vincula igualmente os demais tribunais nacionais do Estado-membro em causa e dos vários Estados-membros que se vejam confrontados com a mesma questão jurídica. A decisão adquire, por isso, uma eficácia a tender para efeitos erga omnes. Embora juridicamente se esteja perante efeitos circunscritos ao caso, e não se possa falar de preclusão de novos reenvios, os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da igualdade, da proibição do arbítrio e da discriminação e da unidade do sistema jurídico europeu acabam por determinar a vinculação dos tribunais nacionais por estas decisões”.

 

IV.3.1- Ou seja, menos relevam, nesta sede, a doutrina existente, as várias decisões do CAAD, eventual jurisprudência dos Tribunais nacionais ou, sequer, o entendimento ou convicção jurídica que o Tribunal tem sobre a questão debatida.

Pode, ou não, o Tribunal concordar com as asserções ou conclusões do Acórdão proferido, mas delas não se pode afastar para produzir a decisão que lhe é acometida, sendo certo, por maioria de razão, estarem os autos envolvidos no processo de reenvio por força da sua suspensão em razão do mesmo.

 

IV.3.2- Sendo certo, outrossim, que, no exigente rigor procedimental, não é   permitida qualquer interpretação que não encontre fundamento claro e inequivoco, na decisão que foi produzida no Tribunal europeu.

 

IV.3.3- No caso em análise, e com todo o respeito pelas doutas decisões do STA, (a proposito da CSB, mas, perfeitamente, aplicavel), nomeadas pela Requerida, (Processos n.º 0850/17.9BELRS, de 12-10-2022, Processo n.º 09/21.0BELRS, de 13-07-2022, Processo 090/21.2BELRS de 31-05-2023, (produzidas é certo em data anterior ao AC. do TJUE), entendemos - pelo menos, nos rigorosos termos que exigem a aplicação do estatuido no mesmo acordão do TJUE - não estar fundamentada e inequivocamente demonstrado, ser legalmente possivel que as referidas filiais/sucursais procedam á redução da base de incidência da ASSB, através da dedução dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios.

 

IV.3.4- Lá se refere, é certo, que, entre o mais, as filiais e sucursais tem elementos que podem ser reconhecidos como capitais próprios, uma vez que são criadas e movimentadas contas de capital próprio, pelo menos o “capital afecto” (se existir) e os resultados transitados, nada impedindo que a sociedade-mãe aloque à sua sucursal em Portugal uma dotação de capital de base (“elementos do capital próprio”) registado em contas de capital próprio, caso em que tudo se assemelha às entradas feitas pelos sócios às empresas e que não são remuneradas, o que significa que, tal como o capital próprio dos bancos residentes é excluído da base de incidência .... o mesmo sucede ao “capital afecto” às sucursais, quando contabilizado como tal. …”.

 

Certo é, também, contudo, que - como se mencionava na fundamentação de Reenvio - contrariamente às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições de crédito não residentes, as sucursais das instituições de crédito não residentes estão impossibilitadas, por não terem personalidade jurídica, de deduzir capitais próprios da sua base de incidência a título do ASSB, não dispondo também estas entidades, por lei, de capitais próprios.

Além disso, estas sucursais não podem emitir instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios como, nomeadamente, obrigações convertíveis, obrigações participantes, ações preferenciais remíveis e obrigações contingentes convertíveis, pelo que também não podem deduzir tais instrumentos da sua base de incidência.

 

Ora, o que é, doutamente, argumentado nos acórdãos do STA, com todo o respeito, não parece contrariar, na essência, tais considerações, que são, claramente, a razão de ser e fundamento, da alegada discriminação.

 

IV.3.5- Nessa conformidade e razão, não concordamos, pois, que, como se foi dizendo, para os rigorosos termos que exigem a aplicação do estatuido no mesmo acórdão do TJUE , foi demonstrado que o denominado “capital afecto”, ou qualquer forma de financiamento das sucursais, (se existente), quando contabilizado como tal, permita, (ou, melhor, garanta), de forma relevante e efectiva, a anulação  o alegado tratamento discriminatório, para efeitos de violação da liberdade de estabelecimento, consagrada no Artigo 49.° e 54.° TFUE e analisada no referido Acórdão.

 

Assim sendo, não pode ser outra a aplicação do declarado no TJUE:

A liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito residentes, bem como das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.

O que acontece, no caso que nos ocupa.

 

IV.3.6- Tal constatação determina a procedência do pedido no âmbito do presente pedido arbitral, ficando, por essa via, prejudicada, nesta sede, a apreciação das outras questões e vícios aventados, nomeadamente de índole constitucional.

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

 

IV.4- À face do exposto, conclui-se que:

Atenta a pronúncia do Tribunal de Justiça, declarativa da incompatibilidade com o disposto 49.° e 54.° TFUE, e, atento o princípio do primado do direito da União Europeia e o disposto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição, é inválida a autoliquidação impugnada nos autos, porque contrária ao direito da União Europeia (violação de lei), pelo que a mesma vai anulada, por ilegalidade substantiva, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

IV.5- Juros indemnizatórios

Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

E, como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um acto ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade deriva apenas do direito da União Europeia.

Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado.

O TJUE também já decidiu que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência na só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11.

Também, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários, que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Assim, o Requerente terá direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia liquidada indevidamente, nos termos do disposto nos arts. 24.º, n.º 1 al. b) do RJAT, 100.º e 43.º da LGT.

 

IV.6- Procede, assim, o fundamento da Requerente, reconhecendo-se a ilegalidade da liquidação efetuada, do que resultará a sua anulação, devendo ser-lhe restituída a quantia de €352.544,70, acrescida de juros indemnizatórios, calculados desde a data do pagamento indevido, até à data de processamento da respetiva nota de crédito.

 

V- DECISÃO

Termos em que:

- Se julga procedente o pedido arbitral de anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e anulação do ato tributário impugnado, devendo ser restituído à Requerente a quantia de €352.544,70. 

- Se condena a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

- Se condena a Requerida nas custas do processo.

 

VALOR DO PROCESSO 

Em ordem ao disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da causa em €352.544,70.

 

 

 

 

CUSTAS 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT e Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em €6.120,00, a cargo da Requerida.

  • Notifique-se.

Lisboa, 7-03-2024

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José P. Falcão

(Presidente)

 

Fernando Miranda

(Árbitro Adjunto e relator)

 

 

Amândio Silva

(Árbitro Adjunto)