Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 567/2023-T
Data da decisão: 2024-02-15  IRS  
Valor do pedido: € 106.802,12
Tema: IRS; Retenção na fonte; Prova de residência no estrangeiro para efeitos da dispensa da obrigação de retenção na fonte prevista nos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 101.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRS, a contrario.
Versão em PDF

Sumário:

I – Para efeitos da dispensa da obrigação de retenção na fonte que resulta dos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 101.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRS, a contrario, ao substituto tributário não é exigido apresentar certificados de residência como prova de que os seus clientes, a favor dos quais coloca à disposição rendimentos de capitais de fonte estrangeira, são residentes no estrangeiro;

II – Às entidades intermediárias pagadoras de rendimentos de capitais de fonte estrangeira apenas poderá ser exigida a apresentação de qualquer prova idónea, credível e suficiente da residência fiscal no estrangeiro dos titulares daqueles rendimentos que seja apta a justificar a não retenção na fonte sobre os rendimentos de capitais em referência.

DECISÃO ARBITRAL

  1. Relatório

A..., S.A., sociedade anónima, com sede na ..., ..., ...-... Porto, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o número único de matrícula e pessoa coletiva..., (“Requerente”), veio, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em conjugação com a alínea a), do n.º 1, do artigo 102.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), aplicável ex vi alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º do RJAT, apresentar pedido de pronúncia arbitral, por referência ao ato de liquidação de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2023 ... e das liquidações de juros compensatórios n.º 2023 ... a 2023 ..., referentes ao exercício de 2019, através da demonstração de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2023 ... para efetuar o pagamento do montante total de € 149.966,24.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

  1. Constituição do Tribunal Arbitral

O pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).

Pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi comunicada a constituição do presente tribunal arbitral coletivo em 11-10-2023, nos termos da alínea c) do número 1, do artigo 11.º do RJAT.

  1. História Processual

A Requerente pretende, em síntese, a anulação dos atos tributários de liquidação de retenções na fonte de IRS e de juros compensatórios, na parte da correção contestada, referentes ao ano de 2019, com as demais consequências legais.

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alegou que os atos de liquidação contestados não se mostram fundamentados no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), nos termos legalmente adequados e exigidos, impondo-se, a respetiva anulação por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e 77.º da Lei Geral Tributária (“LGT”). Por outro lado, alegou a Requerente que, nos casos em que está em causa a obtenção de rendimentos localizados fora do território nacional por parte de sujeitos passivos não residentes, a Requerente, na qualidade de instituição financeira intermediária, não se encontrava adstrita a qualquer dever legal de recolha de documentos comprovativos específicos com vista a comprovar situações de não sujeição tributária, por falta de incidência territorial. Neste sentido, entende a Requerente que a correção levada a cabo pela Requerida encontra-se em manifesto erro sobre os pressupostos de facto e de direito, uma vez que a Requerida invoca normas cuja aplicação aos factos em apreço não é possível, uma vez que, no entendimento da Requerente, o que está em causa são pagamentos de rendimentos por entidades não residentes a sujeitos passivos não residentes em território nacional. Por último, a Requerente alega que a liquidação de juros compensatórios emitida pela Requerida é ilegal, por preterição de formalidade legal essencial, pelo que, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), deverá ser anulada.

A Requerente juntou procuração forense, substabelecimento, comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem inicial e 9 (nove) documentos.

Em 11-10-2023, foi proferido despacho arbitral tendo em vista a notificação da Sra. Diretora Geral da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional.

A Requerida apresentou resposta, tendo alegado que, no caso sub judice, os atos se encontram devidamente fundamentados e permitem ao destinatário dos atos perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor dos atos para proferir a decisão. Por outro lado, a Requerida defende que os argumentos da Requerente não podem proceder, porquanto para se provar que tem residência no estrangeiro (não residente), a Requerente devia ter solicitado aos seus clientes, para o ano em causa, certificado de residência fiscal emitido pela autoridade fiscal desse país, devendo esse documento mencionar, caso exista, a convenção para evitar a dupla tributação internacional. A Requerida concluiu, ainda, que se encontram verificados os requisitos exigíveis para que o ato de liquidação de juros compensatórios se mostre devidamente fundamentado, uma vez que da demonstração de liquidação dos juros compensatórios resultam expressamente os períodos de tributação, o valor base, o período de cálculo, a taxa aplicável e os montantes apurados, estando assim cumpridos os requisitos previstos nos n.º 3, 8, 9 e 10 do artigo 35.º da LGT. Nestes termos, a Requerida entende que o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente deve ser julgado improcedente, devendo manter-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados e devendo absolver-se, em conformidade, a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

Em 15-12-2023, foi proferido despacho arbitral (i) dispensando a reunião do Tribunal com as partes, nos termos do artigo 18.º do RJAT; (ii) concedendo às partes 20 (vinte) dias para apresentação de alegações finais escritas de facto e de direito, formulando expressamente as respetivas conclusões; (iii) fixando o dia 31-03-2024 como data previsível para a prolação e notificação da decisão arbitral final; (iv) requerendo o pagamento do remanescente da taxa arbitral no prazo de 20 (vinte) dias; e (v) convidando as partes a remeter ao CAAD cópias dos respetivos articulados, em formato editável.

A Requerente e a Requerida apresentaram alegações finais escritas, reiterando os pedidos peticionados anteriormente no pedido de pronúncia arbitral e na resposta, respetivamente.

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Matéria de Facto
  1.  Matéria de Facto Provada

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma instituição de crédito que exerce, entre outras, a atividade de comércio bancário, sujeita à supervisão do Banco de Portugal de acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, previsto no Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro;
  2. No âmbito da Ordem de Serviço n.º OI20220..., de 01-04-2022, foi determinada a realização do procedimento externo de inspeção, de âmbito geral e por referência ao exercício de 2019, à Requerente, nos termos do n.º 2, do artigo 51.º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”);
  3. Em 16-02-2023, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (“PRIT”), elaborado pela Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições Financeiras da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) da AT, para no prazo de 15 dias exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente, atento o disposto nos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA;
  4. Em 15-03-2023, após a concessão de prorrogação do prazo acima indicado, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia;
  5. Em 20-03-2023, a Requerente foi notificada do RIT do qual resultaram correções à matéria coletável em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e, bem assim, foi apurado imposto alegadamente em falta em sede de Imposto do Selo (“IS”) e em sede de retenções na fonte de IRS;
  6. Na sequência das referidas correções, a Requerente foi notificada do ato de liquidação de IRS acima mais bem identificado, do qual resulta um montante total de imposto em falta de € 130.729,07, e, bem assim, do ato de liquidação de juros compensatórios no montante total de € 19.237,17, tendo sido apurado um valor total a pagar de € 149.966,24;
  7. Do montante total apurado pela Requerida referente a imposto alegadamente em falta (i.e., € 130.729,07), € 93.143,73 respeitam a correções de retenção na fonte de IRS e que a Requerente contesta na presenta ação;
  8. Do montante total apurado pela Requerida referente a juros compensatórios (i.e., € 19.237,17), € 13.658,39 respeitam à parte calculada sobre a correção referida no ponto anterior e que a Requerente contesta na presenta ação;
  9. Em 13-07-2023, a Requerente requereu junto da UGC, a suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2023..., nos termos do n.º 2, do artigo 169.º, do CPPT, tendo para o efeito apresentado garantia bancária n.º GAR/..., no montante de € 190.385,11;
  1. Matéria de Facto Não Provada

Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

Conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes.

Desta forma, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos anteriormente elencados.

  1. Questão a decidir

A questão que cabe apreciar no âmbito do presente processo, prende-se com a legalidade da liquidação de retenção na fonte de IRS e de juros compensatórios e, consequentemente, determinar o seguinte:

  1. Se à Requerente era exigível apresentar certificados de residência dos seus clientes, a favor dos quais colocou à disposição rendimentos de capitais de fonte estrangeira, como prova de que eram residentes no estrangeiro;
  2. Se a Requerida cumpriu o seu dever de fundamentação relativamente ao ato tributário de liquidação de retenções na fonte de IRS contestado;
  3. Se a liquidação de juros compensatórios observa as formalidades legais essenciais, designadamente se aquela liquidação enferma de vício de forma por falta de fundamentação e de violação de lei, atento o disposto no artigo 35.º, n.º 1, da LGT.

 

  1. Matéria de direito
  1. Da prova de não residência em território nacional por parte de sujeitos passivos que aufiram rendimentos de capitais de fonte estrangeira

Conforme resulta dos factos provados e elencados supra, a AT apurou um montante de imposto em falta no montante de € 93.143,73, por não ter sido efetuada retenção na fonte de IRS sobre os pagamentos de rendimentos de capitais de fonte estrangeira, por parte da Requerente aos seus clientes melhor identificados no RIT.

De acordo com a base de dados da Requerida os referidos clientes eram considerados residentes, para efeitos fiscais, em Portugal. Em contrapartida, na base de dados da Requerente os referidos clientes constavam como não residente, para efeitos fiscais, em Portugal.

Neste contexto, a Requerida invoca que os rendimentos pagos pela Requerente aos seus clientes deveriam ter sido objeto de tributação, em sede de retenção na fonte de IRS, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 71.º e n.º 1, do artigo 98.º e do n.º 2 do artigo 101.º, todos, do Código do IRS.

Por seu turno, a Requerente defende que os referidos pagamentos não se encontravam sujeitos a retenção na fonte, considerando que os beneficiários dos mesmos tinham o estatuto de não residente fiscal em Portugal, tendo apresentado prova dessa mesma condição relativamente aos quatro sujeitos passivos identificados no RIT, mediante declaração de residência em Angola, fatura de telecomunicação de operadora da África do Sul, documento de inscrição nas finanças do Brasil, certificado de residência e documento de identificação de Angola.

A Requerente alega não existir na legislação fiscal qualquer definição de quais os elementos necessários que as entidades intermediárias e pagadoras de rendimentos de fonte estrangeira devem obter para comprovação da residência fiscal dos seus clientes estrangeiros, não lhe cabendo aferir se os seus clientes preenchiam (ou não) os critérios para serem considerados não residentes fiscais nos termos do Código do IRS.

Vejamos, então:

Ora, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea g), do Código do IRS, consideram-se obtidos em território português «Outros rendimentos de aplicação de capitais devidos por entidades que nele tenham residência, sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento.»

Os referidos rendimentos de capitais estão sujeitos a retenção na fonte de IRS à taxa de 28%, sempre que os mesmos sejam pagos ou colocados à disposição de residentes em território português, nos termos dos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), 101.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRS.

Nos termos do artigo 21.º do Código do IRS «Quando, através de substituição tributária, este Código exigir o pagamento total ou parcial do IRS a pessoa diversa daquela em relação à qual se verificam os respetivos pressupostos, considera-se a substituta, para todos os efeitos legais, como devedor principal do imposto, ressalvado o disposto no artigo 103.º»

Ou seja, a Requerente, enquanto substituto tributário e intermediária do pagamento de rendimentos de capitais de fonte estrangeira aos seus clientes, encontra-se obrigada a proceder à retenção na fonte de IRS à taxa de 28% sobre os respetivos montantes, sempre que os mesmos sejam pagos a residentes, para efeitos fiscais, em território nacional, em conformidade com o princípio da territorialidade vertido no artigo 18.º do Código do IRS.

Com efeito, e a contrario, os rendimentos de capitais de fonte estrangeira pagos pela Requerente aos seus clientes não residentes em território nacional, não se encontravam sujeitos a retenção de IRS.

Contudo, no que se refere à comprovação do estatuto de não residente dos sujeitos passivos beneficiários daqueles rendimentos e conforme a própria Requerida reconhece, inexiste norma legal que defina os documentos que a Requerente está obrigada a recolher para comprovação do estatuto de não residente fiscal em Portugal dos seus clientes, e que permitam justificar a não aplicação da retenção na fonte sobre os aludidos rendimentos, prevista nos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), 101.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRS.

O artigo 101.º-C, n.º 1 e 2, do Código do IRS, estabelece o seguinte «1 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRS, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no artigo 71.º quando, por força de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada por Portugal, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por um residente do outro Estado contratante não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.

2 - Nas situações referidas no número anterior, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte da verificação dos pressupostos que resultem de convenção para evitar a dupla tributação, de um outro acordo de direito internacional, ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças:

a) Certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência; ou

b) Acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado.»

Contudo, in casu o que está em causa é o pagamento de rendimentos localizados no estrangeiro, por intermédio da Requerente, aos seus clientes não residentes em Portugal, situação que não pode ser subsumível à previsão legal do artigo 101.º-C do Código do IRS.

Por seu turno, o artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, respeita à comprovação da situação dos beneficiários efetivos no âmbito do regime especial de tributação dos rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida.

Ou seja, a situação em apreço não tem enquadramento, quer na previsão legal do artigo 101.º-C do Código do IRS (aplicável às situações de rendimentos localizados em Portugal pagos a não residentes), quer no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, (aplicável no âmbito do regime especial de tributação dos rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida).

Por outro lado, entende este Tribunal Arbitral não ser aceitável a exigência por parte da Requerida à Requerente para que esta última possua o enquadramento fiscal dos seus clientes coincidente com a informação que se encontra na sua base de dados da AT.

Neste mesmo sentido, veja-se a decisão arbitral do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 359/2022-T, na qual se decidiu que «Para efeitos da dispensa da obrigação de retenção na fonte que resulta dos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 101.º, n.º 2, alínea b), do CIRS (relativa a rendimentos de capitais de fonte estrangeira colocados à disposição de residentes em território português por intermediários), ao Requerente não é exigido apresentar certificados de residência como prova de que os clientes a favor dos quais coloca à disposição rendimentos de capitais de fonte estrangeira são residentes no estrangeiro

Ademais, refere-se na aludida decisão arbitral que «Ora, tal como reconhecido pela AT, no âmbito destes preceitos, não existe um “normativo especialmente previsto quanto ao tipo de documento e qual a informação que deve conter, exclusivamente com a finalidade de confirmar a residência”. Não existindo tal normativo, não pode a AT, por analogia, exigir os documentos previstos em normativos aplicáveis a casos diversos (como são o artigo 101.º-C do CIRS ou o artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro). Na verdade, não existindo tal normativo, entramos no domínio da prova livre, sendo apenas exigível ao substituto tributário justificar a não retenção na fonte sobre rendimentos de capitais de fonte estrangeira através da apresentação de prova idónea, credível e suficiente da residência fiscal no estrangeiro dos titulares dos rendimentos.

Da leitura do Relatório de Inspeção Tributária resulta claro que a AT errou nos pressupostos de direito quando exigiu ao Requerente certificados de residência relativamente aos Clientes A, B e C. Ao invés, deveria a AT ter exigido apenas prova idónea, credível e suficiente de que os Clientes A, B e C eram residentes no estrangeiro em 2018. Tal como referido supra, a legalidade dos atos tributários contestados é aferida em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato (in casu, em face da fundamentação contida no Relatório de Inspeção Tributária que deu causa à emissão dos atos tributários contestados).

Em consequência, o Tribunal Arbitral declara ilegais e anula os atos tributários contestados, na parte relativa aos rendimentos de capitais de fonte estrangeira colocados à disposição dos Clientes A, B e C, no montante de € 37.363,29.»

Deste modo, entende-se que a Requerida não pode exigir, ao abrigo do artigo 101.º-C do Código do IRS ou do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, que as entidades intermediárias pagadoras de rendimentos de capitais de fonte estrangeira, e muito concretamente à Requerente, possuam certificados de residência fiscal dos seus clientes residentes no estrangeiro, para efeitos de comprovação da não retenção na fonte sobre aqueles pagamentos, por falta de norma legal que o permita.

Sem prejuízo do acima exposto, refira-se, contudo, que à Requerente poderá sempre ser exigida a apresentação de qualquer prova idónea, credível e suficiente da residência fiscal no estrangeiro dos titulares dos rendimentos que seja apta a justificar a não retenção na fonte sobre os rendimentos de capitais em referência, nos termos gerais.

Face a tudo quanto ficou anteriormente exposto, julga-se procedente a ilegalidade imputada pela Requerente aos atos tributários contestados nos presentes autos, impondo-se a sua anulação na parte da correção contestada.

  1. Da violação do dever de fundamentação

Nos termos do pedido de pronúncia arbitral em referência, a Requerente contesta, ainda, que a correção que consta do RIT e que resultou no apuramento de um montante de imposto em falta no montante de € 93.143,73, por não ter sido efetuada retenção na fonte a pagamentos de rendimentos de fonte estrangeira a clientes da Requerente não residentes em território nacional, não se encontra devidamente fundamentada, porquanto os argumentos invocados pela Requerida não são congruentes nem claros, limitando-se esta última a referir disposições legais que requerem um certo tipo de prova, mas que, na tese da Requerente, não têm aplicação aos factos em apreço.

Conclui a Requerente que os atos de liquidação contestados não se mostram fundamentados no RIT, nos termos legalmente adequados e exigidos, impondo-se, a respetiva anulação por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º da LGT.

Considerando que o vício de falta de fundamentação foi invocado pela Requerente relativamente aos dos atos tributários contestados na parte que foi declarada ilegal e anulada pelo Tribunal Arbitral no ponto anterior, fica prejudicado o conhecimento e apreciação deste vício, por inútil.

  1. Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios

Por último, a Requerente pede, ainda, a anulação do ato de liquidação de juros compensatórios, por preterição das formalidades legais essenciais para a respetiva liquidação, sendo, em consequência, ilegal, devendo ser anulada nos termos e para efeitos do disposto no artigo 135.º, n.º 1, do CPA.

Ora, nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da LGT, «São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.».

O STA, relativamente à falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios, bem como sobre o requisito da culpabilidade do sujeito passivo no retardamento da liquidação ínsito no artigo 35.º, n.º 1, da LGT, pronunciou-se no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0671/18.1BELLE, de 02-02-2022, e no qual se pode ler o seguinte:

«De acordo com o disposto no artigo 91.º do Código do IRS “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35º da lei geral tributária”.

Dispõe, por sua vez, o artigo 35.º, n.º 1, da LGT, que “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

Nesta sequência, os Recorrentes defendem que em nenhum momento no âmbito do procedimento de liquidação em causa, a AT demonstrou os pressupostos legais de que depende a liquidação de Juros Compensatórios, previstos no artigo 35.º da LGT, que prevê adicionalmente o período pelo qual os mesmos são devidos e a respectiva taxa, limitando-se a exigir, de forma automática o indicado valor a título de juros compensatórios, ultrapassando as formalidades legais estabelecidas para a respectiva liquidação, inquinando, assim, os actos tributários de liquidação de juros compensatórios impugnados, de violação de lei por ofensa ao disposto nos artigos 91.º do Código do IRS e 35.º, n.º 1, da LGT e, bem assim, de vício de forma por falta de fundamentação.

Será assim?

(...)

É que a exigência de juros compensatórios pressupõe a culpa do sujeito passivo, a qual resulta comprovada nos autos pelo que, estando verificados os pressupostos de que a lei (artº 35º da LGT) faz depender o direito do Estado a liquidar juros compensatórios, não devem os mesmos ser anulados.

Na verdade, estando demonstrada a legalidade das correcções, o atraso das liquidações é claramente imputável ao impugnante ao não imputar os proveitos ao exercício em causa pelo que tais juros são devidos por forma a completar a indemnização devida, compensando o Estado do ganho perdido até ter alcançado a reintegração do seu crédito.

Sempre que a liquidação do imposto só possa ser efectuada com a colaboração do contribuinte, deve este apresentar, no prazo previsto na lei, a declaração ou documento necessários para que a referida liquidação possa ser operada.

Não fazendo o contribuinte a entrega ou apresentação, designadamente porque entende que não tem essa obrigação declarativa, ou fazendo-a mas contendo deficiências, fica sujeito, aquando liquidar o imposto, a juros compensatórios, que são devidos quando o atraso da liquidação for imputável ao contribuinte.

Já o Conselheiro Rodrigues Pardal, in «Questões de Processo Fiscal» - Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, págs. 19 e ss, luminosamente ensinava que «Os juros compensatórios aparecem como um agravamento "ex-lege" proveniente de omissão de declarações ou de apresentação de documentos ou de falta de auto-liquidação ou insuficiente liquidação ou da falta de participação de qualquer ocorrência as quais tiveram como consequência o atraso da liquidação.

Fundamentam-se no princípio geral de que a utilização de um capital ou de uma coisa frutífera alheia obriga o utente ao pagamento de uma quantia correspondente ao tempo do respectivo gozo. Trata-se de uma «indemnização» pelo dano resultante do atraso da liquidação (cfr. artº 562º do Cód. Civil).» (...)

Os juros compensatórios integram mais um caso de cláusula penal legal- «sopratassa», dos italianos (artº 5º da Lei de 7 de Janeiro de 1929, nº 4) - tendo a mesma natureza que a obrigação de imposto, liquidando-se conjuntamente com a obrigação principal.»

E segundo a jurisprudência Uniforme do S.T.A. (vide, por todos, o Acórdão supra transcrito), são três os requisitos da existência de juros compensatórios, a saber:- (i) retardamento da respectiva liquidação base; (ii) do imposto devido; e (iii) por facto imputável ao contribuinte.

Trata-se, pois, de uma obrigação com carácter indemnizatório, com equivalente no direito privado na responsabilidade pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação (artº 798º CCivil).

(...)

Diga-se ainda que, para que o sujeito passivo deva juros compensatórios exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual da prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto, sendo que a desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, do critério adoptado, em divergência com o Fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa, como se refere no Acórdão do S.T.A. de 18-02-1998, Proc. nº 22325.

Ainda de acordo com a jurisprudência pacífica do S.T.A., consagrada, entre outros, no acórdão de 11-10-2011, Proc. nº 04163/10, www.dgsi.pt, a culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, considerando, dessa forma, que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte, acrescendo ainda que não basta uma mera divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária para que seja excluída a culpa do contribuinte, é, ainda, necessário que tal divergência seja “compreensível”.

(...)

Nesta sequência, e quanto à matéria da falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, tal como se aponta na decisão recorrida, a jurisprudência deste Supremo Tribunal refere que “[e]stá cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros” - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Março de 2016, Proc. nº 0805/15, www.dgsi.pt

Assim, são três os requisitos cumulativos da existência de juros compensatórios: (i) retardamento da liquidação base; (ii) de imposto devido; e (iii) por facto imputável ao contribuinte.

Nesta senda, tendo sido declarada ilegal e anulada a liquidação de retenção na fonte de IRS na parte contestada, nos termos supra, são também, em consequência, anulados os juros compensatórios calculados sobre a respetiva parte do montante daquela liquidação, por não estar preenchido o requisito da existência de imposto devido nos termos explicitados anteriormente.

Nesta medida, sendo cumulativos os requisitos para a liquidação de juros compensatórios e concluindo-se pela anulação da liquidação em referência na parte contestada e subjacente ao aludidos juros, considera-se prejudicado o conhecimento das restantes condições.

  1. Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral, julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, anular parcialmente os atos de liquidação objeto de impugnação, nos termos acima expostos.

  1. Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de  106.802,12, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante de custas arbitrais em € 3.060,00 de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, ficando o referido montante, na íntegra, a cargo da Requerida.

Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de fevereiro de 2024

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão – Árbitro Presidente

Susana das Mercês de Carvalho – Árbitra Adjunta

Sérgio Santos Pereira – Árbitro Adjunto (Relator)