Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 495/2023-T
Data da decisão: 2024-02-19  IRC  
Valor do pedido: € 99.891,97
Tema: RFAI - atividade de transformação de produtos agrícolas em (novos) produtos agrícolas; criação de postos de trabalho.
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Sumário:

 

- O âmbito de aplicação do RFAI, tal como configurado pelo art. 22º do Código Fiscal do Investimento, não exclui a aplicabilidade de tal benefício às indústrias cuja atividade consista na transformação de “produtos agrícolas” em “produtos agrícolas”.

-Seria inconstitucional sustentar tal exclusão com o disposto no artº 1 da Portaria n.º 282/2014dada a natureza regulamentar de tal diploma. Para mais, está em causa a configuração de um benefício fiscal, a qual só pode ser feita por Lei ou Decreto-lei autorizado.

- Das normas da União aplicáveis não resulta a proibição da concessão de auxílios de estado, como é o caso do RFAI, às indústrias cuja atividade consista na transformação de “produtos agrícolas” em “produtos agrícolas”, salvo ocorrendo uma das situações expressamente por elas excecionadas, o que não foi alegado no presente caso.

- A exigência de criação de postos de trabalho, constante da al f) do nº 4 do art. 22º do CFI encontra-se preenchida pelo aumento do número de trabalhadores ao serviço da empresa, independentemente das suas funções.

 

 

  • Relatório

 

A... S.A., com sede na ..., ..., ..., NIPC..., veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

  1. O pedido

 

A Requerente peticiona a anulação da liquidação adicional de IRC com o número n.º 2023 ..., relativa a 2019, bem como a da correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2023 ... e a da demonstração de acerto de contas n.º 2023... .

Pede, ainda, a condenação da Requerida em indemnização por prestação indevida de garantia.

 

  1. O litígio

Está em causa, em primeiro lugar, saber se a atividade da Requerente se enquadra no âmbito de aplicação do RFAI, ou seja, se esta pode beneficiar da respetiva dedução à coleta de IRC.

 

Está em causa, em segundo lugar, saber se a Requerente procedeu à “criação de emprego” de acordo com o exigido pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.

 

A Requerida entende que tais questões devem ter resposta negativa, do que decorreu a emissão das liquidações impugnadas.

 

A Requerente aponta aos atos contestados os seguintes vícios: i) violação de lei por erro de facto e de direito, incluindo a inexistência de facto tributário, ii) inconstitucionalidade das normas aplicáveis, ou, pelo menos, da interpretação que delas foi feito, iii) vício da fundamentação legalmente exigida, por erro, omissão, obscuridade e contradição.

 

  1. Tramitação processual

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 07/07/2023.

Os árbitros que constituem este Tribunal foram designados pelo CAAD e aceitaram tempestivamente as nomeações, as quais não foram objeto de impugnação.

O tribunal arbitral ficou constituído em 12/09/2023

A Requerida apresentou Resposta e juntou PA.

A inquirição das testemunhas não pode ter lugar na data prevista, 15-01-2024, tendo então o tribunal decidido prescindir da sua audição pelas razões constantes da respetiva ata.

As partes apresentaram alegações nas quais reiteraram as suas posições

 

II - SANEAMENTO

O processo não enferma de nulidades ou de irregularidades.

Não foram alegadas exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

III – Prova

 

  1. Factos Provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a) A Requerente exerce atividades agroindustriais, tendo como objeto social “todas as atividades pecuárias, agrícolas e cinegéticas, bem como todas as atividades conexas”.

b) A sua atividade principal é a de abate de aves (código 10120 da CAE-Rev3), exercendo também outras atividades como a produção de pré-preparados à base de carne de pato (como sejam pato desfiado cozido, pato confitado e espetadas de pato) e a transformação de penas de pato, vendidas à indústria têxtil/lar.

c) A Requerente foi alvo de procedimento interno de inspeção, relativo ao período de 2019, sendo efetuadas pela Requerida correções técnicas, em sede de IRC, relativas à utilização do benefício fiscal RFAI, as quais deram origem às liquidações ora impugnadas.

d) Em 2019, a Requerente realizou investimentos no quadro das suas atividades, nomeadamente instalação de uma terceira nave no centro de abate, renovação das linhas de abate, embalagem e de frio, incluindo a paletização e o tratamento de cera, bem como requalificação da cozinha industrial existente e instalação de uma nova cozinha industrial, cujo montante não foi posto em causa.

e) O número de postos de trabalho assegurados pela Requerente era de 170 em dezembro de 2019; em 2018 fora de 165.

 

Os factos dados por provados resultam da documentação junta aos autos, não tendo sido objeto de qualquer divergência entre as partes.

 

  1. Factos não provados

 

Não existem factos considerados não provados relevantes para a decisão da causa.

 

 

IV- O Direito

 

Analisando os diferentes vícios do ato tributário alegados pela Requerente, temos:

 

  1. Falta de Fundamentação

 

A Requerente dedica várias páginas do seu requerimento inicial a justificar o alegado vício de omissão, obscuridade e contradição da fundamentação da liquidação de imposto impugnada.

Afirma, em síntese: Caberia então ao Autor do ato tributário especificar qual o concreto investimento realizado, qual a concreta atividade a que está afeto, qual o concreto destino dos bens e qual a concreta norma que, no concreto processo decisório, levaram à exclusão do benefício do RFAI; o ato tributário cai numa fundamentação circular e de largo espectro.

 

Salvo o devido respeito, a fundamentação do ato tributário impugnado afigura-se-nos suficiente, clara e congruente, afirmando:

- que os investimentos que a Requerente pretende enquadrar no âmbito do RFAI (cuja realização e montante não foram postos em causa) foram feitos no âmbito da atividade de abate de aves;

- que o resultado do abate de aves continua a ser um produto agrícola, enumerado no anexo I do Tratado, no capítulo 2, «Carnes e miudezas, comestíveis» e no capítulo 16 - «Preparados de carne, de peixe, de crustáceos e de moluscos»

- que a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola se encontram excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no art.º 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável por remissão do n.º 1 do art.º 22.º do CFI, e do próprio n.º 1 do art.º 22.º do CFI, que na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as catividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das Orientações Relativas aos Auxílios com Finalidade Regional para o período 2014-2020 e do Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho 2014 que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107º e 108º do Tratado (RGIC).

 

Ou seja, na fundamentação do ato tributário impugnado aparecem explicitadas as premissas factuais de que parte o raciocínio que levou a AT a decidir como decidiu; aparecem explicitadas as normas legais tidas por aplicáveis; a qualificação dos factos, tal como foi feita pela AT, conduz logicamente à conclusão por ela sustentada.

 

Relativamente à questão dos postos de trabalho, a fundamentação da liquidação impugnada é clara: a AT entendeu que a Requerente não apresentou elementos que pudessem demonstrar que os postos de trabalho constituídos em 2019 estavam relacionados com o investimento que pretende ver abrangido pelo RFAI.

 

Pelo que se considera ser manifestamente improcedente a alegação do vício da fundamentação legalmente exigida, por erro, omissão, obscuridade e contradição.

 

 

  1. Transformação de produtos agrícolas em novos produtos agrícolas

Nenhuma dúvida se suscita quanto à qualificação como produtos agrícolas, à luz do anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quer dos animais (patos) que a Requerente abate, quer das carnes daí resultantes.

Como assinalam as partes, a questão da aplicabilidade do RFAI à atividade de transformação de produtos agrícolas em novos produtos agrícolas já foi objeto de um significativo número de decisões arbitrais.

Embora com algumas divergências, a maioria dessas decisões inclina-se no sentido que vem sendo propugnado pelo ora relator.

Assim, limitamo-nos a transcrever a fundamentação de direito constante da decisão arbitral que pôs termo ao processo 187/2022-T, por nós também relatado, por considerarmos manter-se, na íntegra, a atualidade do que então escrevemos:

 

Normativos aplicáveis.

 

  • A lei nacional

A fundamentação invocada pela Requerida assenta, essencialmente, no disposto na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, a qual, no seu artigo 2.º, enumera os códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE- Rev. 3) identificativos das atividades elegíveis para efeitos de RFAI.

Começamos por salientar que em tais códigos se incluem os relativos às indústrias transformadoras, entre os quais os correspondentes à atividade principal da Requerente, aqui em causa.

O que aqui releva é a parte final do nº 1 do art. 1º de tal portaria: (…) não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto (…) a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (…).

 

Estando em causa a transformação de carnes (um produto enumerado no anexo I do Tratado[1]), temos resumida a fundamentação, factual e de direito, em que assentam as liquidações impugnadas.

Só que, tal como dispõe a parte inicial de tal norma, a mesma (melhor, o disposto no regime nacional do RFAI) tem que ser entendida em conformidade com as Orientações Relativas aos Auxílios Estatais com Finalidade Regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013, e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria).

 

Mais esclarecedora é a redação no n.º 1 do artigo 22.º do CFI: o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR [Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020] e do RGIC [Regulamento Geral de Isenção por Categoria].

 

Em resumo, o RFAI apenas não é aplicável a empresas dos sectores de atividade enumerados no seu art. 2º, entre os quais se conta o de atividade da Requerente, se existir uma exclusão resultante das OAR ou do RGIC.

O facto de a portaria n.º 282/2014 expressamente excluir do âmbito de aplicação do RFAI os projetos de investimento que tenham por objeto a transformação de produtos agrícolas não pode relevar.

Uma portaria, com a natureza de regulamento de execução, não pode inovar (no caso, ser mais restritiva) relativamente à lei que regulamenta. Mais, estando em causa matéria que integra a reserva relativa de competência da AR (a definição do âmbito de aplicação de um benefício fiscal), fica liminarmente excluído, sob pena de inconstitucionalidade, qualquer poder regulamentar que se traduza numa alteração do conteúdo de um elemento essencial de um imposto.

 

Resta, pois, saber se a atividade da requerente é abrangida por alguma exclusão resultante das OAR ou do RGIG.

 

  • Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR)[2]

 

 

Temos, em primeiro lugar, o disposto no seu ponto 10: A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica, com exceção da pesca e da aquicultura, da agricultura e dos transportes, que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações (…).

 

Importa, ainda, ter em atenção o disposto na nota de rodapé 11: Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado [é o caso] e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola.

 

Há, pois, que concluir, à luz das OAR, que a admissibilidade da concessão de auxílios estatais (no caso, a aplicabilidade do RFAI) à atividade da Requerente tem que ser apreciada à luz das Orientações para os Auxílios Estatais no Setor Agrícola[3].

 

O ponto 33 de tais Orientações dispõe o seguinte: em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020. Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.

 

 No ponto (168) da secção 1.1.1.4 destas Orientações consta o seguinte: Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio: a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado; (b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020; (c) As condições estabelecidas na presente secção.

Não consta da fundamentação das liquidações impugnadas o entendimento de que o regime legal do RFAI, quando aplicado à atividade de transformação de produtos agrícolas, resulte incompatível com todos os normativos que acabámos de referir.

Pelo contrário, o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, que aprovou o novo Código Fiscal do Investimento (CFI) e procedeu à revisão global dos regimes de benefícios ao investimento e à capitalização, teve em vista, como ressalta da nota preambular, adaptar o regime legal ao novo quadro legislativo europeu aplicável aos auxílios estatais para o período 2014-2020 e, por outro lado, reforçar os diversos regimes de benefícios fiscais ao investimento, em particular no que se refere a investimentos que proporcionem a criação ou manutenção de postos de trabalho e se localizem em regiões menos favorecidas.

Portanto, há que concluir que das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola não resulta a proibição da aplicação de um sistema de Auxílios de Estado como o RFAI à atividade de transformação industrial de “produtos agrícolas” em novos “produtos agrícolas”.

 

  • Regulamento Geral de Isenção por Categoria[4]

 

Entende a Requerida que a atividade da Requerente se integra no conceito de «transformação de produtos agrícolas» e, como o produto final desta atividade é um produto agrícola (porque enumerado no Anexo l do Tratado), esta atividade encontra-se excluída do RGIC, de acordo com o disposto nos seus pontos 10 e 11.

Tal não é exato.

 

Por força do disposto no artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, só não é permitida a concessão de auxílios estatais à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii), isto é, «sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa» ou «sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários».

 

Não se verificando qualquer destas situações no presente caso (tal alegação não consta da fundamentação das liquidações impugnadas), há que concluir que a aplicação do benefício fiscal RFAI aos investimentos realizados pela Requerente também não é afastada pelo RGIC.

Mais, o artigo 13.º, alínea b), do RGIC, que define o «âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional», confirma a sua aplicação à atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, quando exclui do seu âmbito de aplicação os «auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica», mas clarificando que não é como tal considerada «a transformação de produtos agrícolas».

 

     Em resumo:

 

- O âmbito de aplicação do RFAI, tal como configurado pelo art. 22º do Código Fiscal do Investimento, não exclui a aplicabilidade de tal benefício fiscal (RFAI) às indústrias cuja atividade consista na transformação de produtos agrícolas em “produtos agrícolas”.

- Seria inconstitucional sustentar tal exclusão com o disposto no nº 1 do art. da Portaria n.º 282/2014, dada a natureza regulamentar de tal diploma. Para mais está em causa a configuração de um benefício fiscal, a qual só pode ser feita por lei ou decreto-lei autorizado.

- Das normas da União aplicáveis não resulta a proibição da concessão de auxílios de estado, como é o caso do RFAI, às indústrias cuja atividade consista na transformação de produtos agrícolas em “produtos agrícolas”, salvo ocorrendo exceções que não foram suscitadas no presente caso.

 

Do exposto resulta a desnecessidade de apreciar a questão de saber em que medida é que os investimentos em causa foram em ativos utilizados na atividade principal da Requerente (abate de aves, ou seja, transformação de “produtos agrícolas em “novos produtos agrícolas”) ou em atividades secundárias, relativamente às quais a questão da abrangência pelo RFAI não se coloca.

 

  1. Criação de postos de trabalho

O regime jurídico do RFAI consta essencialmente do capítulo III do Código Fiscal do Investimento (CFI), epigrafado de Regime Fiscal de Apoio ao Investimento.

Está em causa um benefício fiscal com o objetivo de desenvolvimento geográfico, o que estabelece uma distinção relativamente a outras formas de auxílio, como, entre outros, os auxílios ao emprego (ver nº 4 das OAR 2014/2020).

 

O nosso legislador decidiu incluir, entre as condições de acesso a este benefício, o constante da al. f) do art. 22º do CFI:  f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).

 

A divergência entre as partes situa-se no seguinte: a Requerente entende que esta condição está preenchida pelo facto de em 2019 ter ao seu serviço um número de trabalhadores superior ao que tinha no ano anterior; a Requerida pretende que tal condição só estaria preenchida caso a Requerente fizesse prova de que tais novos postos de trabalho decorreram diretamente do investimento efetuado (e não de outras necessidades da empresa).

 

Vejamos então como interpretar o disposto na al. f) do artº 22º do CIF:

 

O elemento literal da norma é pouco esclarecedor, muito embora pareça dar apoio à tese subscrita pela Requerente: a lei usa a expressão “investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho” e não, p. ex., “investimento relevante que crie postos de trabalho”.

 

O elemento sistemático conduz-nos, de novo, às OAR 2014/2020, cujo ponto 4.1.2 (Definições) dispõe:

k) «Criação de emprego», um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados;

Temos pois que as OAR, diretamente aplicáveis, referem a criação de emprego ao “estabelecimento do sujeito passivo” (como pretende a Requerente) e não a cada investimento realizado nesse estabelecimento (como pretende a Requerida).

 

Finalmente, temos o elemento racional: na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.

 

Haverá que começar por ter em consideração o facto de, as mais das vezes, a modernização dos equipamentos das empresas industriais resultar numa maior automatização, com a consequente redução da necessidade do recurso ao fator mão de obra.

Exigir, como condição para se usufruir de um benefício fiscal diretamente dirigido ao apoio ao investimento (à modernização das empresas), as mais das vezes em ativos tangíveis como maquinarias e outros equipamentos – é o caso em apreço – que de tal investimento resulte a necessidade de mais mão de obra diretamente afeta ao processo produtivo em causa seria um manifesto contrassenso.

Entender que mais investimento (o que se pretende apoiar fiscalmente) deverá conduzir ao crescimento da empresa, e consequentemente à necessidade de mais trabalhadores, ainda que em outros setores, poderá ser considerado razoável.

A nosso ver, no quadro do RFAI, a criação de postos de trabalho deve ser considerado como um objetivo secundário (ainda que relevante até por estarem em causa empresas instaladas em zonas geográficas menos desenvolvidas) que deve ser entendido da forma que menos afete a realização do objetivo principal deste incentivo fiscal, o estímulo ao investimento produtivo, à modernização das empresas. O que certamente não aconteceria se fosse perfilhada a tese da Requerida.

 

Não tendo sido colocada em causa a evolução do número dos postos de trabalho em 2018 e 2019 afirmada pela Requerente nem o facto desses trabalhadores prestarem serviço num mesmo estabelecimento (onde se situa a sede da Requerente), há que concluir, também, pela improcedência do segundo fundamento da liquidação de imposto impugnada.

 

 

IV - Prestação indevida de garantia bancária

 

A Requerida peticionou a condenação da Requerente em indemnização por prestação indevida de garantia.

Só que não fez qualquer prova da prestação de tal garantia, pelo que este tribunal não pode decidir sobre este pedido.

O que não impede que a Requerente, por o seu pedido principal ter tido procedência, possa fazer valer tal direito em momento posterior, se necessário em execução de sentença.

 

V- Decisão arbitral

 

Termos em que se conclui pela procedência do pedido, anulando-se, na totalidade, as liquidações impugnadas.

 

 

Valor: € 99.891,97.

 

Custas arbitrais, no valor de € 2.754,00, a cargo da Requerida por ter sido total o seu decaimento.

 

19 de fevereiro de 2024

 

 

 

 Rui Duarte Morais (relator)

 

 

Ricardo Sequeira
 

 

 

 

Manuel Faustino 

 

 



[1] Nos seus capítulos 2 (Carnes e miudezas), que abrange as carnes frescas e congeladas e 16 (Preparados de carne).

 

[2] Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013.

[3] Jornal Oficial da União Europeia C 204, de 1 de Julho de 2014.

[4] Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014