Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 436/2023-T
Data da decisão: 2024-01-16  IRS  
Valor do pedido: € 23.051,05
Tema: Regime Transparência Fiscal; Princípio da Capacidade Contributiva.
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SUMÁRIO:

 

1- No regime de transparência fiscal, o lucro do período económico é determinado pelas  regras legais previstas no CIRC. Caso existam situações de mais valias, estas são apuradas nos termos previstos nos artigo 46º a 48º do CIRC, e não com base em qualquer disposição do CIRS.

2-O regime de transparência fiscal assegura a tributação do rendimento real percebido no contexto do exercício de uma atividade profissional, garantindo a tributação pela capacidade contributiva tributária efetiva do sujeito passivo.

 

***

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. No dia 15 de junho  de 2023,  A..., contribuinte fiscal nº...,  apresentou pedido de constituição de tribunal e pronúncia arbitral nos termos  do artigo 10º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, pretendendo a anulação da declaração de IRS nº 2022...  no valor de €23.051,05 (que consta do doc. nº1 junto com PPA) por entender que esta  é ilegal por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, nomeadamente, por o ato tributário ser nulo por inobservância de formalidades legais essenciais), por caducidade do tributo, por erro sobre o imposto liquidado, por violação dos princípio da capacidade contributiva e dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade, e por inconstitucionalidade do ato de liquidação em crise.

 

É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e ADUANEIRA (doravante AT).

2. No dia 19 de junho de 2023, foi aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

3. No dia 28 de agosto de 2023, foi constituído o Tribunal Arbitral.

4. Em 29 de agosto de 2023, foi a Requerida notificada nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, para no prazo de 30 dias, apresentar Resposta.

5. Em 02 de outubro  de 2023, a Requerida juntou aos autos a sua Resposta e processo administrativo.

6. Em  09 de outubro de 2023, foi proferido despacho em que foi dispensada a reunião do Tribunal Arbitral a que se refere o artigo 18º do RJAT, dado que as questões que subsistem eram essencialmente de direito e, consequentemente, sem necessidade de produção de prova testemunhal e por verificar-se que  tratava-se de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos habitualmente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais, e por não existirem  exceções a apreciar e decidir antes de conhecer do pedido, nem necessidade aparente de correção de peças processuais,  tendo-se facultado às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas.

7. Em 24  de outubro de 2023 a Requerida juntou aos autos alegações.

8. Em  30 de outubro de 2023 o Requerente juntou aos autos alegações.

 

II. Saneamento

O Pedido de Pronúncia Arbitral é tempestivo. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regulamente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1 alínea a), 5º n.º 1 e 2 do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

III. Matéria de Facto

 

III. A. Factos Provados

 

1. O Requerente submeteu relativamente ao ano de 2018, declaração modelo 3 de IRS n.º ... - 2018 - ... – ..., como casado, com opção pela tributação separada.

 

2. Declaração de IRS que integrava:

  • Anexo B - rendimentos obtidos pelo exercício da atividade de advogado – 6010 - €3.699,69;
  • Anexo D - rendimentos líquidos imputados da sociedade de profissionais NIPC: ... –B..., RL - €44.368,67 (quota 59,66%) – rendimentos profissionais, comerciais e industriais exceto alojamento local.

 

3. O Requerente é  sócio da sociedade B... SP, RL NIPC..., com uma quota de 59,66% do capital social.

 

4. Relativo ao  período de 2018, ao abrigo da credencial nº OI2020... foi efetuado procedimento inspetivo à sociedade B... SP, RL NIPC... .

 

5. A sociedade B... SP, RL NIPC ... é uma sociedade profissional tributada pelo regime da transparência fiscal a que se refere o artigo 6º do Código do IRC.

 

6. No âmbito do referido procedimento à sociedade B... SP, RL NIPC ..., foram efetuadas correções positivas ao lucro tributável no montante de €29.665,61, pelo que o montante da matéria coletável foi corrigido de €75.531,16  para €105.196,77.

 

7.Em 15.04.2022 iniciou-se o procedimento inspetivo interno OI2022...ao Requerente, relativo ao ano fiscal de 2018, notificado ao Requerente através do ViaCTT em 20.04.2022 (folha 6 do PA)

 

8. Em 03.09.2022 foi o Requerente notificado através do ViaCTT (folha 16 do PA) do projeto de relatório de inspeção para efeitos do exercício do direito de audição, por um período de 15 dias, nos termos previstos no art.º 60.º da LGT e art.º 60.º do RCPITA

 

9. O Requerente não exerceu o  direito de audição, para o qual foi notificado.

 

10. Em 09.10.2022 foi o Requerente notificado através do ViaCTT (folha 26 do PA) do relatório final do procedimento de inspeção tributária, do qual resultava correções aritméticas aos rendimentos do Requerente no ano de 2018, provenientes da imputação da sua quota (59,66%) da matéria coletável da sociedade B... SP, RL NIPC...- correção linha 401 do anexo D de €44.368,67 para €62.760,39.

 

11. Em consequência do procedimento de inspeção tributária, foi emitido a liquidação de IRS nº 2022... no valor de €23.051,05 (que consta do doc. nº1 junto com PPA), notificada ao Requerente em novembro de 2022.

 

12. O requerente apresentou em 29 de dezembro de 2022, Reclamação Graciosa sob o nº ...2023... .

 

III.B- Factos que não se consideram provados

 

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

III. C. – Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 

1. Os factos elencados supra, foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo (PA).

2. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123.º, 2, do CPPT e arts. 596.º, 1 e 607.º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e arts. 5.º, 2 e 411.º do CPC).

3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16.º, e) do RJAT, e art. 607.º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT).

4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607.º, 5, do CPC, ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT).

5. Além disso, não se deram como provadas nem não foram provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

IV. Sobre o Mérito da Causa

 

IV. A - Posição do Requerente

 

O Requerente entende que a demostração de liquidação de IRS  nº 2022...  relativa  ano fiscal de 2018, encontra-se ferida de várias ilegalidade.

Em primeiro lugar, o Requerente pugna pela nulidade do ato administrativo, alegando para o efeito, que o mesmo decorre de procedimento de  inspeção com omissão de notificação, em que não foi dada a possibilidade ao Requerente  de exercer o direito de audição prévia, e por esta via, participar na formação de decisão, que  afeta diretamente a sua esfera jurídica, bem como compreender os rendimentos e valores que o originaram a referida liquidação.  Ocorrendo, segundo a argumentação do Requerente, preterição de formalidade legal essencial, em violação do constante dos artigo 60º da LGT e  do artigo 60º do RCPIT.  Ausência da oportunidade do exercício do direito de audição prévia, que determinou na argumentação do Requerente, a desconsideração  na fundamentação final, de elementos  a serem disponibilizados pelo sujeito passivo em sede de audiência prévia, bem como a impossibilidade da compreensão do caminho lógico adotado pela Autoridade Tributária, em violação dos artigos 60º e 77º da  LGT,  artigos 121º, 152º e  153º do CPA, artigo 60º do RJIT artigos 267 268 da CRP, de que resulta a nulidade da decisão e de todos os atos consequentes, conforme plasmado no artigo 161º,  nº1 alínea d)  do CPA e do artigo 165 do CPPT. Razão pela qual o ato tributário de liquidação seria nulo.

 

Em segundo lugar, entende o Requerente, que a liquidação de IRS aqui impugnada, notificada ao Requerente em novembro de 2022, com origem em rendimentos derivados da alienação de direitos reais sobre imoveis em 12 de Junho de 2018, pela  sociedade B... SP, RL NIPC..., teria sido efetuada  fora do prazo legal para a liquidação, ocorrendo como efeito, a caducidade do direito,  com a consequente  ilegalidade do ato de liquidação impugnado.

 

Em terceiro lugar, o Requerente apesar de reconhecer ser aplicável o Regime da Transparência Fiscal, entende, que a tributação da mais valia que justificou a liquidação impugnada, deveria ser tributada em sede de IRC pelo sujeito passivo beneficiário (sociedade B... SP, RL) ou caso, se entendesse, ser tributada em sede de IRS, ficaria sobre a alçada das regras especificas de IRS para as mais valias, nomeadamente a exclusão legal de tributação de 50% da mais valia nos termos do nº2 do artigo 43º do CIRS. Ocorrendo assim, uma errónea qualificação jurídica  do facto tributável, que justifica a anulação do ato de liquidação em crise.

 

Em quarto lugar, o Requerente alega a violação dos princípios da capacidade contributiva e dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade, por entender que o ato de liquidação em crise, determina que o Requerente seja tributado por rendimentos que não auferiu. Defende que não obstante a sociedade profissional in casu, possa estar sujeita ao regime da Transparência Fiscal, tal não implica que o Requerente tenha efetivamente auferido a quantia da suposta mais-valia. Ainda mais, por o Requerente entender que não subsiste qualquer  mais-valia. A mesma, apenas era resultado da interpretação que a  Requerida faz do artigo 44º nº2 do CIRS. Mais justificando que não ocorreu qualquer mais-valia por a venda do imovel efetuada pela sociedade B... SP, ter sido efetuada pelo mesmo valor da sua aquisição.

 

Em quinto lugar, vem o Requerente  alegar a ilegalidade dos juros compensatórios por vício de forma, por falta de fundamentação, e por preterição da formalidade legal essencial prevista no artigo 60º nº1 aliena a) da LGT e do artigo 60º do RCPITA.

 

Por último, o Requerente pugna igualmente pela declaração de inconstitucionalidade da liquidação impugnada, por violação do princípio da capacidade contributiva. Alega  para o efeito, a inconstitucionalidade e ilegalidade da tributação, por desconforme aos princípios basilares do sistema fiscal, por estar a ser tributado, um lucro ou uma mais-valia da sociedade B... SP, RL  que não existiu, atendendo que o imovel em causa foi alienado pelo mesmo valor que foi adjudicado à sociedade em processo de insolvência.

 

Concluindo o Requerente pela procedência do PPA, com a declaração de nulidade de todo o procedimento de liquidação, por ausência de notificação prévia, omissão de fundamentação e caducidade do facto tributário, ou caso assim não se entenda que seja revogado o ato de liquidação por inconstitucionalidade por violação do princípio da capacidade contributiva.

 

IV. B. Posição da Requerida

 

A Requerida na sua resposta contesta a posição e argumentação do Requerente.

Primeiramente, e colocando em cheque a argumentação do Requerente, alega que este foi devidamente notificado  em 2022-09-03 através do ViaCTT (fls 16 do PA) para exercer o direito de audição prévia, não o tendo o Requerente exercido o mesmo. Em consequência foi novamente notificado em 2022-10-09, através do ViaCTT do relatório final do procedimento inspetivo, onde é expressamente  mencionado que o Requerente não exerceu o direito de audição, e ainda que os serviços da AT procederiam à correspondente emissão da liquidação.

 

Em segundo lugar, a Requerida contesta a alegação da caducidade do direito à liquidação. Segundo a Requerida, tanto o IRS, como o IRC são impostos periódicos, em que o prazo de caducidade nos termos do nº4 do artigo 45º da LGT conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. Pelo que o prazo de caducidade  apenas terminaria em 2022-12-31.Tendo sido notificado o Requerente  da liquidação em novembro de 2022, entende a Requerida, que não foi ultrapassado  o prazo do artigo 45º da LGT.

 

Alega em seguida, a Requerida, que o Requerente ao longo do seu PPA, confunde o funcionamento do regime de Transparência Fiscal. Defende, deve-se efetuar o cálculo da matéria coletável de sociedade ainda que sujeita ao regime da Transparência Fiscal, incluindo as mais valias calculadas nos termos da subseção VI – Regime das mais-valias e menos-valias realizadas – artigos 46.º e seguintes, utilizando as regras previstas no CIRC para pessoas coletivas que exerçam, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola. Assim, calculada a matéria tributável, esta é considerada como rendimento dos sócios da referida sociedade consoante a sua participação. Portanto, não se podem aplicar as regras previstas no CIRS para calcular o rendimento obtido com a alienação de bens imóveis por pessoas singulares.

 

Mais refere que a alienação em causa foi efetuada pela entidade jurídica B... SP, RL NIPC ...  e não pelo Requerente, entendendo que falece o argumento de que a mais-valia não foi recebida pelo Requerente, uma vez que o ganho tem de ser imputado ao período de tributação em que seja obtido, independentemente do seu recebimento, ou seja, entra para o cálculo da matéria tributável no ano de 2018 quando o ganho foi obtido, nos termos do artigo 18º do CIRC, concluindo, que não releva para o cálculo do rendimento imputável ao sócio da sociedade transparente, o seu recebimento, ou não.

 

Mais argumentado a Requerida que não pode ser acolhido a alegação da  violação de princípios constitucionais, porquanto a atuação da AT decorre cristalinamente da lei, para todos os sujeitos passivos.

 

Defendendo ainda que relativamente aos juros compensatórios, este são devidos, uma vez que é imputado ao contribuinte o facto de não ter declarado rendimentos nos termos descritos, o que implica que o contribuinte motivou o atraso da liquidação, uma vez que não declarou, no momento próprio todos os rendimentos sujeitos a tributação.

 

Concluído a Requerida pelo improcedência  do PPA.

 

IV.C. Do Direito

 

Tendo em atenção as pretensões e posições do Requerente, e da Requerida, constantes das suas peças processuais, são as seguintes as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar (sem prejuízo de a solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões - cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT):

  1. Nulidade do ato de liquidação por violação da obrigação legal de direito de audição  prévia e fundamentação devida;
  2. Caducidade do direito de liquidação do tributo constante da liquidação impugnada;
  3. Errónea qualificação jurídica  do facto tributável, com erro sob o imposto liquidado;
  4. Violação dos princípios da capacidade contributiva e dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade;
  5. Inconstitucionalidade, por violação do princípio da capacidade contributiva;
  6. Ilegalidade dos juros compensatórios.

 

IV.C.1- Da nulidade do ato de liquidação

 

O Requerente defende a nulidade do ato de liquidação em crise,  alegando para o efeito, que o mesmo decorre de procedimento de  inspeção em que por via de omissão de notificação legalmente devida,  não lhe foi dada a possibilidade de exercer o direito de audição prévia, e por esta via participar na formação da decisão, que  afeta diretamente a sua esfera jurídica, bem como compreender os rendimentos e a fundamentação dos valores que o originaram a referida liquidação.

 

O direito ao exercício de audição prévia reconduz-se numa importante garantia dos contribuintes, com matriz constitucional expressa no nº5 do artigo 267º da CRP e que perpassa de forma transversal, a ideia nuclear de participação dos destinatários no procedimento. Por via deste, o cidadão contribuinte tem o direito de participar ativamente na formação das decisões tributárias que lhe digam respeito.  Sendo que  conforme nos indica o nº7 do artigo 60º da LGT “os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”. O princípio da participação, na dimensão de direito de audição prévia, é um momento crucial do procedimento e das garantias do contribuinte, tendo a administração tributária vestida sob as vestes obrigatórias da legalidade, verdade material, e justiça, que encarar esta fase como um momento sério, em que a motivação do contribuinte deverá ser analisada com ponderação, ausente de preconceitos, verticalidade, e exigência máxima, face à sua obrigação de defesa do interesse público e justiça nos termos do artigo 55º da LGT. Face à importância do exercício do Princípio da Participação a sua violação, deverá ter consequências. No regime do CPA, a violação do direito de audição prévia é sancionada nos termos do artigo 163º do CPA com a anulabilidade. No procedimento tributário, filho do procedimento administrativo, a infração do direito de audição prévia, será fundamento para impugnação judicial,  nos termos da aliena c) do artigo 99º do CPPT, com vista à anulação do ato tributário de liquidação. Pelo que a violação do direito de audição prévia do artigo 60º da LGT, reconduz-se como vício de anulabilidade.

Resta analisar in casu, se este vício ocorreu

 

Voltado aos autos, dos factos dados como provados, com base nos elementos constantes do PA, apurou-se que a Requerida em  15.04.2022 iniciou o procedimento inspetivo interno OI2022... ao Requerente, relativo ao ano fiscal de 2018, tendo este lhe sido notificado, através do ViaCTT em 20.04.2022 (folha 6 do PA).

 

Por sua vez, em 03.09.2022 foi o Requerente notificado através do ViaCTT (folha 16 do PA) do projeto de relatório de inspeção, e para efeitos do exercício do direito de audição, por um período de 15 dias, nos termos previstos no art.º 60.º da LGT e art.º 60.º do RCPITA, e para, caso assim o entendesse, proceder à regularização da situação tributária nos termos do artigo 58º nº2 do RCPITA.

 

Sucede, que não obstante a notificação, o Requerente não exerceu o  direito de audição, nem solicitou a regularização da situação tributária nos termos do artigo 58º nº2 do RCPITA.

 

Em 09.10.2022 foi o Requerente notificado através do ViaCTT (folha 26 do PA) do relatório final do procedimento de inspeção tributária, do qual resultava correções aritméticas aos rendimentos do Requerente do ano de 2018, provenientes da imputação da sua quota (59,66%) da matéria coletável da sociedade transparente B... SP, RL NIPC ... - correção linha 401 do anexo D de €44.368,67 para €62.760,39.

 

Ao seja, ao contrário do alegado pelo Requerente, é claro que este foi devidamente notificado para o exercício do direito de audição prévia, e para a possibilidade de regularização da situação tributária. Não obstante esta notificação, por razões que se desconhecem, não foi exercido o direito de audição prévia. Em consequência a Requerida em sede de relatório final do procedimento de inspeção tributária, não tinha de fundamentar a sua discordância com o conteúdo do direito de audição prévia, por este não ter sido realizado.

 

Da mesma forma, a alegação do Requerente da não notificação para a substituição da declaração de rendimentos, quanto ao período em causa, não pode ter acolhimento, na justa medida em que este foi notificado (ViaCTT - folha 16 do PA) aquando do projeto de relatório de inspeção, para poder proceder à regularização da situação tributária, nos termos do artigo 58º nº2 do RCPITA.

 

Mais se verifica que no teor da  liquidação impugnada constava:

“Fundamentação

Apuramento proveniente de liquidação de IRS, decorrente do procedimento de inspeção, credenciado pela ordem de serviço nº OI2022... no âmbito da qual foi remetida a respetiva fundamentação, constante do Relatório Final de Inspeção Tributária.”

 

Nos termos do nº1 do artigo 77º da LGT “ a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”

 

No caso em apreço, do corpo liquidação constava expressamente a remissão para a fundamentação do relatório de inspeção tributária, devidamente notificado ao Requerente, cumprindo-se assim na integra as exigências de fundamentação do nº1 do artigo 77º da LGT.

 

Face ao exposto, improcede o pedido de nulidade, ou mesmo de anulabilidade por vício de preterição de formalidades essenciais (notificação para o exercício do direito de audição prévia, fundamentação)

 

 IV.C.2- Da caducidade do ato de liquidação

 

A segunda questão levantada, prende-se com a possível caducidade do direito de liquidação do tributo

Para a resposta à questão devemos convocar o artigo 45º da LGT.

 

Artigo 45.º - Caducidade do direito à liquidação

1- O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro. (….)

 4- O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

(o sublinhado é nosso)

 

A norma em referência, indica o prazo geral de quatro anos para a caducidade do direito à liquidação. Prazo que se conta para os impostos periódicos a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. O IRS é um imposto periódico, sujeito assim, à regra da contagem do prazo da parte inicial do nº4 do artigo 45º do LGT. Os rendimentos em causa, nos presente autos, dizem respeito ao ano de 2018.  Pelo que consequentemente a Autoridade Tributária no cumprimento do nº4 do artigo 45º LGT poderia efetuar a liquidação de IRS até 31.12.2022. Prazo que foi respeitado, atenda a emissão e notificação do Requerente da liquidação de IRS em crise, em novembro de 2022.

 

Face ao exposto, improcede  a alegação da caducidade do direito à liquidação.

 

IV.C.3- Errónea qualificação jurídica  do facto tributável, com erro sob o imposto liquidado

 

Defende o Requerente que a liquidação impugnada, enferma de erro, por aplicar o regime de transparência fiscal, a uma situação de facto com origem numa mais-valia imobiliária obtida pela sociedade B... SP, RL. 

Sendo o Requerente tributado em IRS,  a mais valia deveria “ter o tratamento prescrito no artigo 10º nº 1 alínea a) e 4 e, artigo 43 nº1 e  nº2 b) do CIRS, com o que no limite seria tributado ao SP apenas 50% do valor de “mais-valia” nos termos do artigo 41º nº2 do CIRS”  (conforme artigo 61º do PPA).

 

Mais afirmando que “Assim das duas uma, ou a mais valia é tributada apenas em sede de IRC pelo sujeito passivo beneficiário, ou sendo tributada em sede de IRS têm de ser-lhe aplicadas as regras especificas para tal, nomeadamente a tributação de apenas 50% do acréscimo da realização” (conforme artigo 63º do PPA).

 

O que esta em causa é o regime da transparência fiscal, constante dos artigos 6º e 12º do CIRC e 20º do CIRS, que apresentam o seguinte teor:

 

Artigo 6.º do CIRC - Transparência fiscal

1-  É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:  

a) Sociedades civis não constituídas sob forma comercial;

b) Sociedades de profissionais;

(….)

3 — A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do ato constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.

 

Artigo 12º do CIRC - Sociedades e outras entidades abrangidas pelo regime de transparência fiscal

As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas.

 

Artigo 20º do CIRS – Imputação Especial

1 - Constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 6.º do Código do IRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efetuada nos termos e condições dele constante ou, quando superior, as importâncias que, a título de adiantamento por conta de lucros, tenham sido pagas ou colocadas à disposição durante o ano em causa.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respetivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B.

 

Conforme refere o preâmbulo do CIRC “com objetivos de neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da denominada dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios, se adotam em relação a certas sociedades um regime de transparência fiscal. O mesmo carateriza-se pela imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da sua distribuição.”

 

Pelo que decorre, quer do conteúdo do preâmbulo do CIRC, supra citado, quer  dos artigos 6º do CIRC e 20º CIRS, que no regime de transparência fiscal (aplicável as sociedade de advogados enquanto sociedades profissionais nos termos da lei nº 53/2015),  os rendimentos das sociedades sujeitas a este regime,  são considerados como rendimentos próprios dos seus sócios, imputando-se a cada, a quota parte do lucro que lhes corresponda, sendo este tributado como rendimento da categoria B de IRS.

 

Melhor dizendo, pelo regime da transparência fiscal a matéria tributável é calculada com  base nas regras do IRC, para em seguida ser  imputada aos sócios, no seu rendimento tributável  de IRS.

 

Como refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo processo nº 0441/11 de 29-02-2012:

“Considerando embora a matéria coletável gerada no âmbito da atividade da sociedade, a lei abstrai da personalidade coletiva desta e procede à imputação dessa matéria coletável à esfera patrimonial dos respetivos sócios ou membros (integrando-a, portanto, na respetiva matéria coletável destes em sede de IRS, no que aos autos interessa, por se tratar de pessoas singulares).

 

Assim, nos casos de aplicabilidade do regime de transparência fiscal, a sociedade comercial determina o seu lucro do exercício com base nas regras legais previstas no CIRC. No caso das pessoas coletivas e outras entidades que exerçam a titulo comercial, industrial ou agrícola, o lucro tributável é determinado pelas regras previstas nos artigos 17º e seguintes do CIRC. Ou seja,  nestes casos apura-se o lucro tributável, constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigido pelas regras do CIRC. Caso existem situações de mais valias estas são apuradas nos termos previstos nos artigo 46º a 48º do CIRC e nunca com base em qualquer disposição do CIRS. Após a determinação do lucro tributável pelas regras do IRC,  esse lucro não é tributado em sede de IRC, por razões de neutralidade fiscal, e eliminação de dupla tributação económica (artigo 12º do CIRC), abstraindo-se a personalidade jurídica coletiva da sociedade, efetuando-se a imputação do lucro à esfera patrimonial dos respetivos sócios.

 

Nos caso dos autos o Requerente é sócio de uma sociedade profissional, no caso a B... SP, RL,  sujeita ao regime da transparência fiscal, e como tal à imputação especial do artigo 20º do CIRS.

 

Ao contrário do defendido pelo Requerente, eventuais mais valias da sociedade profissional não poderiam ser tributadas segundo as regras do CIRS. Estas, na conformidade da lei, têm de ser determinadas com bases nas regras do CIRC, nomeadamente nos termos  previstos nos artigo 46º a 48º do CIRC.

Pelo que a liquidação  impugnada não apresenta erro sobre o imposto liquidado, tendo a Requerida cumprido a legislação em vigor.

 

Termos em, que improcede o vício alegado pelo  Requerente.

 

IV.C.4- Da violação do princípio  da capacidade contributiva e dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade

 

Entende o Requerente que o ato de liquidação impugnado viola os  princípios da capacidade contributiva e dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade, por corresponder a uma situação de facto em que ocorreria a tributação por rendimentos que não auferiu. Alegando para o efeito que a sociedade B... SP, RL não obteve qualquer mais-valia com a venda do imovel. E mais referindo que “mesmo que tivesse existindo tal acréscimo patrimonial ou mais-valia, não implicava que a mesma tivesse sido recebida pelo Requerente” (conforme artigo 76º do PPA),  sendo “ a entrega da quantia ao Requerente é um facto autónomo e independente daquele e carece de prova por parte da Autoridade Tributária” (conforme artigo 76º do PPA). Concluindo no artigo 91º do PPA “ no caso não há prova que o Requerente auferiu quer um acréscimo patrimonial quer mais valias, razão pela qual não pode ser sujeito passivo de IRS, posto que, este imposto recaí sobre a capacidade contributiva, revelada através dos rendimentos auferidos”, o que constituiria uma violação do princípio da capacidade contributiva e dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade.

 

Também aqui o Requerente não tem razão.

 

Desde logo, a existência, ou inexistência de mais-valia, integra um procedimento tributário e contabilístico fora do âmbito do presente PPA, que eventualmente a ser colocado em crise, teria do ser pelo sujeito passivo com legitimidade para tal, no caso a  B... SP, RL. Matéria de facto e de direito, que não compete a este Tribunal Arbitral discutir.

 

Quanto à alegada violação do principio da capacidade contributiva, veja o sentido do Acórdão  do Tribunal Central Administrativo Sul, processo nº 2087/13.7BELRS de 03-02-2020 que refere:

“i) O regime de transparência fiscal aplicável ao rendimento gerado pelas sociedade de advogados tem em vista garantir a tributação do rendimento real de cada sócio da mesma, percebido no contexto do exercício da sua atividade profissional.

ii) A transparência fiscal assegura a tributação da capacidade tributária efetiva, dado que o imposto incide apenas sobre o rendimento obtido por cada sócio, nos termos que resultam do pacto societário, sem prejuízo do direito do interessado à ilisão da presunção.”

 

No caso dos autos, estava em causa o regime da transparência fiscal. Regime que foi construído para evitar em especial a dupla tributação económica. A suposta mais-valia, conforme se explicou no ponto anterior, estava sujeita as regras dos artigo 46º a 48º do CIRC, a qual seria imputável ao período de tributação em que foi obtida nos termos do artigo 18º do CIRC.  Não revela para o efeito do artigo 20º do CIRS, o recebimento ao não de qualquer mais-valia, na justa medida que  a matéria coletável é determinada com base nas regras do IRC que se balizam no principio do rendimento real.

 

Conforme refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo processo nº 0441/11 de 29-02-2012

“Por outras palavras, o regime de transparência fiscal em causa nos autos tem em vista garantir a tributação do rendimento real de cada sócio da sociedade de advogados, percebido no contexto do exercício da sua atividade profissional, cujo travejamento supõe o recurso à forma jurídica societária. Por esta via assegura-se a tributação da capacidade tributária efetiva, dado que o imposto incide apenas sobre o rendimento obtido por cada sócio, nos termos que resultam do pacto societário, afastando-se qualquer tratamento discriminatório em relação aos advogados que exercem a profissão sem recorrer à forma societária e assegura-se o direito à ilisão da presunção, caso o interessado assim pretende demonstrar perante a AT que o rendimento que integra a sua esfera jurídica é diverso do que lhe foi imputado (artigo 64.º do CPPT)”

 

Entendimento que perfilamos.

 

Ou seja, no caso dos autos, a matéria coletável imputável ao Requerente  foi determinada por forma a garantir a tributação do rendimento real, sob os padrões do regime da  transparência fiscal, que garante a tributação da capacidade contributiva tributária efetiva, incidindo sob os rendimentos do período tributável nos termos do artigo 18º do CIRC.

 

Termos em que não ocorre qualquer  violação do princípio da capacidade contributiva e dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade.

 

Termos em, que improcede o vício alegado pelo  Requerente.

 

 

IV.C.5-   Da Inconstitucionalidade, por violação do princípio da capacidade contributiva

 

Defende o requerente, que a liquidação “vai ferida de inconstitucionalidade posto que o tributo em causa tem como efetivo objeto o lucro ou mais-valia que podia ter sido obtido pela sociedade B... SP, RL., com o NIPC ... com a transmissão de direitos reais, o que inexistiu” (artigo 119º do PPA)  entendendo que  “ (….) que o sujeito passivo deve considerar como mais valias o montante de €29.665,51 que entende  dever sujeito a tributação – por via de um ficção legal – o que considera valor de referência a considerar pelo valor tributável do imóvel “(artigo 123º do PPA).

 

Como se referiu no ponto anterior, o apuramento da existência, ou inexistência de mais-valia, é um facto tributário, que ocorreu na sociedade B... SP, RL.  Era esta que detinha a legitimidade processual para colocar em causa o procedimento de calculo da referida mais-valia, e a sua integração no lucro tributável.  O Requerente não é titular da relação material controvertida in casu, não tendo o Tribunal Arbitral nestes autos a faculdade de análise deste ponto. O que esta em causa neste processo é apenas a  liquidação de IRS nº 2022... no valor de €23.051,05, emitida ao Requerente e não factos verificados na esfera jurídica de outro contribuinte.

 

Também como atrás se evidenciou, o regime de transparência fiscal  ínsito dos artigo 6º do CIRC e 20º do CIRS, respeita o principio da capacidade contributiva. Nesse sentido o  acórdão do Supremo Tribunal Administrativo processo nº 0441/11 de 29-02-2012, supra citado no ponto anterior.

 

A determinação da matéria coletável via regime da transparência fiscal, garante a tributação do rendimento real, garantindo a tributação da capacidade tributária efetiva.

 

Pelo que que não se entende a existência de qualquer inconstitucionalidade.

 

Termos em, que improcede, o vício alegado pelo  Requerente.

 

IV.C.6-   Ilegalidade dos juros compensatórios

 

Os juros compensatórios têm subjacente uma ideia de ressarcimento do credor tributário pelo atraso na liquidação e pela indisponibilidade de determinada prestação, devidamente balizada no tempo.

 

O regime dos juros compensatórios encontram-se previsto no artigo 35º da LGT, e 91º do CIRS nos seguintes termos:

Artigo 35.º da LGT - Juros compensatórios

1- São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

(…)

3- Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correção ou deteção da falta que motivou o retardamento da liquidação.

8 -Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.

9-A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respetivo cálculo e distinguindo os de outras prestações devidas.

10-A taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil.

 

Artigo 91.º do CIRS - Juros compensatórios

1-Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35.º da lei geral tributária.

2- São igualmente devidos juros compensatórios nos termos referidos no n.º 1 quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido.

 

Assim, nos termos do artigo 35º da LGT e 91º do CIRS, são devidos juros compensatórios, quando por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte, ou da totalidade do imposto, podendo estes ser fixados conjuntamente com o imposto devido, integrando-se na própria dívida (nº9 do artigo 35º da LGT), devendo a liquidação indicar a montante principal da prestação, e os juros compensatórios, explicando com clareza o respetivo cálculo, e distinguindo-os  de outras prestações devidas.

No que diz respeito às obrigações para a validação dos juros compensatório veja-se a  decisão arbitral Processo nº 179/2021-T, que refere:

“4.Nos termos do art.º 35, n.º 9, da L.G.T., na liquidação de juros compensatórios devem ser discriminados os montantes da dívida de imposto e dos juros, explicando-se com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas. Esta exigência de demonstração do cálculo dos juros compensatórios integra-se no dever geral de fundamentação expressa e acessível dos atos lesivos, constitucionalmente imposto (cfr. art.º 268.º, n.º 3, da C.R.P.).

5. O conhecimento integral do itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela entidade que liquidar os juros compensatórios não dispensará:

a-A indicação do montante dos juros, separado do montante do tributo, se for liquidado concomitantemente;

b-Os termos inicial e final da contagem dos juros;

c-A taxa ou taxas e os períodos a que se reporta cada uma delas, se não for a mesma a taxa aplicada para cálculo da totalidade dos juros;

d-A indicação dos diplomas legais que consagram a responsabilidade por juros compensatórios e os que prevêem as taxas aplicadas;

e-A situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a A. Fiscal a concluir que o atraso na liquidação se deveu a atuação culposa do contribuinte.”

 

No caso dos autos, o facto do Requerente não ter declarado os rendimentos devidos, justifica a existência de juros compensatórios. Juros que foram integrados na  liquidação do imposto, mas de forma distinta, da prestação principal de IRS em dívida. 

Existindo  demostração de liquidação de juros em documento autónomo, notificado ao Requerente, com a indicação do montante dos juros, período de calculo dos juros, base legal, taxa, número de liquidação base, e  situação fáctica violadora da lei, que justifica a liquidação dos juros (retardamento da liquidação, com indicação do número de liquidação 2022 ... – conforme consta expressamente da liquidação).

 

Foi assim, de forma integral, foi  construído um itinerário que permite conhecer plenamente o percurso legal e fatual do cálculo dos juros compensatórios devidos pelo Requerente.  Cumprindo-se assim, in casu  o dever de fundamentação da liquidação de juros exigível por lei.

 

Quanto à alegação de vício de  preterição da obrigação de audição prévia, vejamos o conteúdo dos artigos 60º da LGT e 60º do RCPIT.

 

Artigo 60º da LGT

1- A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, quando não haja lugar a relatório de inspeção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária.

2 - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

(…..)

7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.

(o sublinhado é nosso)

 

Artigo 60.º do RCPIT- Audição prévia

1 - Concluída a prática de atos de inspeção e caso os mesmos possam originar atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspecionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projeto de conclusões do relatório, com a identificação desses atos e a sua fundamentação.

 2 - A notificação deve fixar um prazo entre 10 e 15 dias para a entidade inspecionada se pronunciar sobre o referido projeto de conclusões.

 3-A entidade inspecionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo.

  4 - No prazo de 10 dias após a prestação das declarações referidas no número anterior será elaborado o relatório definitivo.

 

Das normas em referência, retira-se que não obstante a obrigatoriedade do direito de audição prévia, como corolário do direito à participação e do contraditório, existem situações, em que este é dispensado.  É este o caso do nº3 do artigo 60º da LGT que dispensa nova audição prévia, quando o contribuinte tenha sido ouvido em fase anterior à liquidação, e não existirem novos factos sob o qual o contribuinte não se tenha pronunciado.

 

Veja-se nesse sentido o  entendimento da jurisprudência:

 

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 0562/11 de 28-09-2011:

I - Ouvido o contribuinte em qualquer fase do procedimento, é dispensada de novo a sua audição, salvo no caso de serem invocados novos factos sobre os quais o contribuinte não se tenha ainda pronunciado (artº 60º, nº 3 da LGT, na redação dada pela lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio).

II - A liquidação de juros compensatórios é mera operação aritmética decorrente da lei, pelo que não constitui “facto novo” determinante de audição do contribuinte para esse fim expresso, no caso de anteriormente ter sido notificada da liquidação não contemplado esses juros.

 

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul processo nº 86/08.6BELRS de 30-03-2023:

“In casu, face ao supra expendido, dimana inequívoco que a liquidação de juros compensatórios em contenda, não enferma da arguida falta de audição prévia, desde logo, porque o juízo de censura encontra-se nos factos que originam a liquidação do imposto, donde, no respetivo Relatório de Inspeção Tributária.

Com efeito, dependendo, como visto, a responsabilidade por juros compensatórios do nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação, quer seja a título de dolo ou negligência, in casu, atentando na factualidade atinente às correções nas quais decaiu, e cuja fundamentação integra o Relatório Inspetivo, é por demais evidente que nos encontramos perante uma dívida de IRC, cujo atraso na efetivação da liquidação desse imposto -na parte em que, naturalmente, decaiu- é imputada a atuação culposa do contribuinte.

Aduza-se, em abono da verdade que, no caso vertente, e como decorre do probatório, a Recorrida foi objeto de ação inspetiva, tendo sido elaborado o respetivo Relatório de Inspeção Tributária que subjaz ao ato em contenda, precedido de audição prévia a qual, foi, efetivamente, concedida e exercida.

Donde, contrariamente ao ajuizado na decisão recorrida, relativamente aos pressupostos subjetivos, atinentes aos juros compensatórios, foi, efetivamente, salvaguardado o direito de participação, porquanto, como visto, é no Relatório de Inspeção Tributária que os mesmos estão evidenciados, na descrição da atuação da Impugnante, ora Recorrida.”

 

Entendimento jurisprudencial que acolhemos.

 

No caso dos autos, o Requerente foi alvo de procedimento inspetivo interno  nº OI2022...relativo ao ano fiscal de 2018, notificado ao Requerente através do ViaCTT em 20.04.2022 (folha 6 do PA). Tendo na conformidade do artigo 60º da LGT e do artigo 60º do RCPIT, o Requerente sido notificado através do ViaCTT (folha 16 do PA) do projeto de relatório de inspeção para efeitos do exercício do direito de audição (o qual não foi exercido).  Em consequência do procedimento de inspeção foi produzido relatório final do qual resultava correções aritméticas aos rendimentos do Requerente no ano de 2018, que desaguaram na emissão da liquidação aqui impugnada.

 

Liquidação impugnada, fundamentada nas conclusões do relatório de inspeção tributária, em que o Requerente teve a oportunidade de exercer o direito de audição prévia. Da notificação do relatório final da inspeção tributária, à emissão e notificação da liquidação, não sobressaem quaisquer novos dados, quer jurídicos, quer factuais.  Pelo que no cumprimento do nº3 do artigo 60º da LGT, era dispensada nova audição prévia. Pelo que o direito à participação do Requerente já tinha sido devidamente salvaguardado, resultando os juros compensatórios como uma decorrência da fundamentação  de facto e de direito, descrita no Relatório de Inspeção Tributária, onde o Requerente teve a oportunidade para exercer o contraditório. Afinal, a liquidação de juros compensatórios é  uma mera operação aritmética decorrente da lei, que não tem valor de  “facto novo” que exige-se audição do contribuinte para esse fim expresso.

 

Termos em, que improcede, o vício alegado pelo  Requerente.

 

V - Decisão

 

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:

Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

VI - Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 23.051,05, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

 

VII - Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Requerente, uma vez que o pedido foi julgado improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 16 de janeiro de 2024

 

O Árbitro

 

 

 

António Cipriano da Silva