Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 422/2023-T
Data da decisão: 2024-02-21  IRS  
Valor do pedido: € 5.090,85
Tema: IRS; “residente não habitual”; e registo.
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SUMÁRIO:

 

I –   A inscrição no registo de “residentes não habituais” tem natureza meramente declarativa, e não constitutiva, do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime.

 

II –   A inscrição da qualidade de “residente não habitual” no registo de contribuintes não exige, hoje, uma conexão com o direito a ser tributado como tal, contrariamente ao que se previa no  artigo 23.º, n.º 2, do Código Fiscal do Investimento, na redação do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I - RELATÓRIO

 

  1. A...,  contribuinte n.º  ..., residente na Rua ..., n.º..., ..., Lisboa, doravante designado por  “Requerente”,  requereu  a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a); 5.º, n.º  2, alínea a); 6.º, n.º 1; e 10.º, n.º 1, alínea a),  e n.º 2,  todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, na sequência da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2023... e, mediatamente, da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022... e das liquidações de juros compensatórios n.º 2022 ... e n.º 2022..., todas respeitantes ao ano de 2021.

 

  1. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor  Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) em 7  de junho de 2023 e, de seguida, notificado à AT.

 

  1. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2; no artigo 6.º, n.º 1; e no artigo 11.º, n.º 1, alínea b), todos do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro, que, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.

 

  1. Em 28 de julho de 2023, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º,  n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. O Tribunal Arbitral  foi constituído em 16 de agosto de 2023, tendo a Requerida sido notificada para apresentar Resposta no dia 16 de agosto de 2023.

 

  1. A Requerida apresentou, em 2 de outubro de 2023, Resposta,  na qual  defendeu  que:  o Requerente não pode ser considerado, em 2021, um “residente não habitual”, pois, já em 2016 era considerando “residente” e, assim, não cumpre com o previsto no artigo 16.º, n.º 10, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”).

 

  1. O Tribunal Arbitral dispensou, por despacho de 25 de janeiro de 2024, a realização da reunião a que o artigo 18.º do RJAT alude, ao abrigo do princípio da autonomia (do Tribunal Arbitral) na condução do processo,  previsto no artigo 16.º, alínea c), do RJAT; bem como de alegações finais escritas, uma vez que as questões estão suficientemente debatidas nas peças processuais apresentadas pelas partes – artigo 113.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

 

Posição do Requerente

 

  1. O Requerente alega que a suprarreferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, mediatamente, a  liquidação de IRS são ilegais, pois padecem do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

  1.  Vejamos, em concreto, os fundamentos:

 

  1. Tendo adquirido o estatuto de residente para efeitos fiscais no ano de 2017; (ii)  procedido à inscrição, enquanto tal, nesse ano; e (iii) não o tendo sido em qualquer um dos cinco anos anteriores, adquiriu o direito a ser tributado como “residente não habitual” em todo e qualquer um dos dez anos posteriores à aquisição do referido estatuto;

 

  1. A  inscrição no cadastro de contribuintes – previsto no artigo 16.º, n.º 10, do CIRS -  não constitui  um requisito do qual dependa  a qualificação como “residente não habitual” e, consequentemente, o direito a ser tributado como tal;

 

  1. O incumprimento do prazo para requerer a inscrição como “residente não habitual”, previsto no artigo 16.º, n.º 10, do CIRS, não tem por efeito vedar o acesso ao regime  em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo, pois a obrigação é meramente declarativa.

 

  1. Peticiona, por último, o  reembolso do imposto que estima ter sido indevidamente pago (5090,85 euros), acrescido do pagamento de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, por “erro imputável aos serviços”.

 

Posição da Requerida

 

  1. A Requerida defende que não se verificam as ilegalidades invocadas pelo Requerente.

 

  1. Observa quanto à (im)possibilidade de aplicação do estatuto de “residente não habitual”:

 

  1.  O Requerente foi arrendatário de um prédio urbano para habitação, no período compreendido entre 1 de outubro de 2016 a 31 de agosto de 2018;

 

  1. Assim, desde outubro de 2016, dispõe em Portugal de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência própria e permanente;

 

  1. É considerado,  de tal modo, residente fiscal em Portugal no ano de 2016, não cumprindo o requisito previsto no artigo 16.º, n.º 8 (n.º 10 à data do facto tributário), do CIRS. Ou, dito de outro modo, improcede a pretensão anulatória no segmento do ato de liquidação em dissídio.

 

  1. Quanto aos juros indemnizatórios observa: não padecendo a liquidação de IRS, no segmento impugnado, de qualquer ilegalidade, não há direito a juros indemnizatórios.

                             

15. Questões a Apreciar

 

  1. Se a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, mediatamente, a  liquidação de IRS (e as liquidações de juros compensatórios) são  ilegais, por padecerem do vício de violação de lei, pois não consideram o estatuto de “residente não habitual”;
  2. Se o Requerente tem direito ao reembolso do  imposto que sustenta ter sido indevidamente pago;
  3. Se a Requerida deve ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, perante a existência de “erro imputável aos serviços”.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

 

16. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados

 

16.1 O Requerente tem nacionalidade russa e residiu fiscalmente na Federação Russa até ao ano de 2016.

(Documentos juntos pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob os números 4 e 5)

 

16.2. É  titular do grau de mestre em Economia.

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 7)

 

16.3 O Requerente arrendou um prédio em Lisboa, no dia 1 de outubro de 2016.

(Facto aceite pelo Requerente e pela Requerida)

 

16.4 No dia 1 de novembro de 2016, o Requerente foi contratado pela sociedade comercial portuguesa “B...Lda.”, pessoa coletiva n.º ..., como diretor financeiro.

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 8)

 

16.5 O Requerente passou a residir em Portugal, tendo alterado a sua residência para o território nacional, no dia 20 de janeiro de 2017.

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 9)

 

16.6 O Requerente apresentou, em 28 de março de 2018, através do Portal das Finanças, pedido de inscrição como  “residente não habitual”, com início em 2017.

(Documentos juntos pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob os números 10 e 11)

 

16.7 O pedido foi indeferido com o seguinte fundamento: “[c]onsta, como residente fiscal, em declaração de rendimentos de IRS, relativamente ao(s) ano(s) 2016”.

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 11)

 

16.8 O Requerente exerceu o direito de audição prévia relativamente à proposta de indeferimento  da inscrição como “residente não habitual”.

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 12)

 

16.9 A AT indeferiu, a 14 de maio de 2018, o pedido de inscrição como residente não habitual, com o fundamento descrito em 16.7 da presente.

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 13)

 

16.10 O Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da sua inscrição como “residente não habitual”.

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 14)

 

16.11 A AT indeferiu,  por despacho datado de 1 de fevereiro de 2019, o recurso hierárquico, pois, nomeadamente concluiu que: “[o] Requerente é considerado residente fiscal em Portugal, no ano de 2016, não reunindo, assim, o pressuposto estabelecido no n.º 8 do artigo 16.º do CIRS…”.

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 17)

 

16.12 O Requerente apresentou, por referência ao ano de 2021, a declaração periódica de rendimentos (“Modelo 3 de IRS”).

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 18)

 

16.13 Foi, em consequência, notificado da liquidação de IRS n.º 2022..., da qual resultou um reembolso de 1998,47 euros.

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 19)

 

16.14 O Requerente tentou submeter uma declaração de substituição na qual constassem: (i) todos os rendimentos por si obtidos no estrangeiro; e (ii) o anexo L, de forma a requerer a tributação autónoma dos rendimentos de elevado valor acrescentado.

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 20)

 

16.15 O sistema informático da Requerida assinalou dois erros: “L55” e “L56”.

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 20)

 

16.16 O Requerente entregou, a 28 de outubro de 2022, declaração de substituição “Modelo 3 de IRS”, na qual inscreveu a totalidade dos rendimentos obtidos em 2021, incluindo os de fonte estrangeira, mas sem o preenchimento do anexo L.

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 21)

 

16.17 A apresentação da declaração de substituição deu origem à liquidação de IRS n.º 2022..., bem como às liquidações de juros compensatórios números 2022... e 2022..., no montante global de 80 242,59 euros.

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 1)

 

16.18 O Requerente apresentou reclamação graciosa do  ato de liquidação de IRS n.º 2022...,  e das liquidações de juros compensatórios suprarreferidas, no dia 2 de janeiro de 2023, na qual peticionou o reembolso de 5090,85 euros, valor do imposto que considera ter sido pago em excesso.

(Documento junto pelo Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sob o  número 23)

 

16.19 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 6 de junho de 2023.

(Sistema informático do CAAD)

 

16.20 Não existiu até à referida data (6 de junho de 2023) decisão expressa sobre a reclamação graciosa.

(Facto aceite pela Requerente e Requerida)

 

17.Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados com relevo para a decisão.

 

18. Fundamentação dos factos provados

 

O Tribunal Arbitral, quanto à matéria de facto, não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada ( artigo 123.º, n.º 2,  do  CPPT); e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, nos quais se descreve a fonte utilizada para que se os dê como assentes.

Não se deram como provadas, nem não provadas, alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

19. MATÉRIA DE DIREITO

 

19.1 Questão do erro sobre os pressupostos de facto e de direito

 

O Requerente advoga que cumpria, à data do facto tributário, os requisitos necessários à tributação dos rendimentos obtidos como “residente não habitual”; pelo contrário, a Requerida defende que, se o Requerente é considerado residente fiscal em 2016, não cumpre o requisito previsto no artigo 16.º, n.º 10, do CIRS para ser tributado como “residente não habitual”.

O artigo 16.º do CIRS tinha, em 2021, a seguinte redação:

 

1- São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

                     a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

                     b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

                     c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

                     d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.

3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.

4 - A perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, salvo nos casos previstos nos n.os 14 e 16.

5 - A residência fiscal é aferida em relação a cada sujeito passivo do agregado.

6 - São ainda havidos como residentes em território português as pessoas de nacionalidade portuguesa que deslocalizem a sua residência fiscal para país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, no ano em que se verifique aquela mudança e nos quatro anos subsequentes, salvo se o interessado provar que a mudança se deve a razões atendíveis, designadamente exercício naquele território de atividade temporária por conta de entidade patronal domiciliada em território português.

7 - Sem prejuízo do período definido no número anterior, a condição de residente aí prevista subsiste apenas enquanto se mantiver a deslocação da residência fiscal do sujeito passivo para país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, deixando de se aplicar no ano em que este se torne residente fiscal em país, território ou região distinto daqueles.

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.

13 - Enquadra-se no disposto na alínea d) do n.º 1 o exercício de funções de deputado ao Parlamento Europeu.

14 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, um sujeito passivo considera-se residente em território português durante a totalidade do ano no qual perca a qualidade de residente quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:

a) Permaneça em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, nesse ano; e

b) Obtenha, no decorrer desse ano e após o último dia de permanência em território português, quaisquer rendimentos que fossem sujeitos e não isentos de IRS, caso o sujeito passivo mantivesse a sua qualidade de residente em território português.

15 - O disposto no número anterior não é aplicável caso o sujeito passivo demonstre que os rendimentos a que se refere a alínea b) do mesmo número sejam tributados por um imposto sobre o rendimento idêntico ou substancialmente similar ao IRS aplicado devido ao domicílio ou residência:

a) Noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal e que se preveja a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade; ou

b) Noutro Estado, não abrangido na alínea anterior, em que a taxa de tributação aplicável àqueles rendimentos não seja inferior a 60 % daquela que lhes seria aplicável caso o sujeito passivo mantivesse a sua residência em território português.

16 - Um sujeito passivo considera-se, ainda, residente em território português durante a totalidade do ano sempre que volte a adquirir a qualidade de residente durante o ano subsequente àquele em que, nos termos do n.º 4, perdeu aquela mesma qualidade.

 

Já o artigo 72.º, n.º 10, do CIRS tinha, em 2021, a seguinte redação:

 

10 - Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %. (Anterior n.º 6, redação da Lei n.º 3/2019, de 9 de janeiro)

 

A aplicação do regime em dissídio tem sido fonte de litigância, pense-se, por exemplo, na discussão sobre a natureza (constitutiva ou declarativa) da obrigação de inscrição como “residente não habitual”.

A este respeito a jurisprudência[1] tem concluído que a inscrição no registo de “residentes não habituais” tem natureza meramente declarativa, pois o acesso ao regime depende do preenchimento dos requisitos do artigo 16.º, n.º 10, do CIRS e da inscrição, como residente, em território português. Ou seja, o direito não fica condicionado à inscrição como “residente não habitual”.

A questão aqui em dissídio é distinta, podendo reconduzir-se ao seguinte: o facto de o Requerente não ter respeitado o prazo previsto no artigo 16.º, n.º 10, do CIRS impede que seja tributado como  “residente não habitual” em qualquer um dos dez anos a que teria direito caso tivesse cumprido o prazo?

Adianta-se, desde já, que a resposta à questão é negativa.

Em primeiro lugar, como observa a jurisprudência[2], revestindo a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como “residente não habitual” uma natureza  meramente declarativa, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária, prevista e punida nos termos do artigo 116.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (“RGIT”) e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do “residentes não habituais”.

Em segundo lugar, o artigo 23.º, n.º 2, do  Código Fiscal do Investimento, na redação do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, dispunha que o “[s]ujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI” (nosso sublinhado); já o artigo 16.º, n.º 7, do CIRS previa que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos”. (nosso sublinhado)

Ou seja, o legislador fazia essa conexão entre a inscrição da qualidade de “residente não habitual” no registo de contribuintes e a aquisição do direito a ser tributado como tal. Sucede que, na redação em vigor à data do facto tributário, essa ligação não existe e, como  determina o artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil (“CC”), não pode ser considerado o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

O quadro normativo aplicável somente exige, pelo contrário, a circunstância de  os sujeitos passivos, para adquirirem o direito a serem tributados como “residentes não habituais”: (i) de se tornarem fiscalmente residentes, nos  termos do previsto no artigo 16.º, números 1 e  2, do CIRS; e  (ii) não terem sido considerados residentes em território português nos últimos cinco anos anteriores.

Revertendo a referida interpretação para o caso sub iudice conclui-se que o Requerente  é: i) considerado residente  em território português, desde 2017; ii) não foi considerado residente fiscal nos últimos cinco anos anteriores (a 2017); e iii) desenvolve uma atividade de valor acrescentado (circunstância que não é, nos autos, objeto de dissídio) reúne, assim,  as condições para ser tributado como “residente não habitual”.

Acrescenta-se que, se o quadro normativo em vigor não determina a ligação entre o direito a ser tributado como “residente não habitual” e a inscrição no registo de contribuintes para a aquisição do direito a ser tributado como tal, em 2021, o Requerente  tem direito a ser tributado de acordo com o referido estatuto.

Anula-se, assim, a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa, a liquidação de IRS n.º 2022...e as liquidações de juros compensatórios,  nos  exatos termos do pedido.

 

19.2 Restituição do imposto indevidamente pago e pagamento de juros indemnizatórios

 

O Requerente peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade do ato de liquidação de IRS (e das liquidações de juros compensatórios), a restituição da importância indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 61.º do CPPT, uma vez que procedeu ao pagamento de quantia que estima indevidamente liquidada (5090,85 euros). Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante. O que significa que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado. Uma vez anulada a liquidação de IRS impugnada (nos termos peticionados pelo Requerente) e, bem assim, dos juros compensatórios inerentes, cabe à Requerida, em observância do disposto no artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, restituir as importâncias de imposto e de juros compensatórios necessárias ao restabelecimento da situação que existiria se os atos tributários não tivessem sido praticados (deveriam ter considerado a “residência não habitual” do Requerente).

Sobre os juros indemnizatórios rege o disposto no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Na situação vertente, está em causa a errada interpretação do artigo 16.º do CIRS, tendo ficado demonstrado que a liquidação de IRS em discussão padece, em parte, de erro substantivo imputável à AT, para o qual o Requerente não contribuiu, verificando-se o pressuposto de erro imputável aos serviços. A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias emergentes do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), e n.º 5 do RJAT; 43.º; e 100.º, da LGT.

Deste modo, a anulação da liquidação de IRS (nos termos peticionados) é passível de constituir, na esfera do Requerente, o direito ao recebimento de juros indemnizatórios que o visam ressarcir da ilegal privação da quantia indevidamente paga pelo período de tempo que perdurar. Ou seja, condena-se a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados a partir do imposto indevidamente pago.

 

III – DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2023... e de anulação da liquidação de IRS n.º 2022..., nos exatos termos do pedido, com as legais consequências no domínio dos juros compensatórios;

 

  1. Julgar procedente o pedido de restituição de imposto indevidamente pago, com as legais consequências;

 

  1. Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios;

 

  1. Condenar a Requerida no pagamento integral de custas arbitrais.

 

VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 5090,85 euros, nos termos do artigo 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

CUSTAS

 

Custas no montante de 612 euros, em conformidade com o RCPAT e a Tabela I a este anexa e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 21 de fevereiro  de 2024

 

O árbitro,

Francisco Nicolau Domingos

 



[1] Veja-se, neste sentido, por exemplo, as seguintes decisões arbitrais: 188/2020-T, de 24 de setembro de 2021;319/2022-T, de 2 de dezembro de 2022; e 664/2022-T, de 17 de março de 2023.

[2] Veja-se, neste sentido, as seguintes decisões arbitrais: 705/2022-T, de 30 de julho de 2023; e 57/2023, de 25 de setembro de 2023.