SUMÁRIO: Tendo a liquidação sido efetuada com base no declarado pelo sujeito passivo, cabe ao tribunal apreciar da existência de alegado erro na declaração.
DECISÃO ARBITRAL
A..., NIF..., e sua mulher B..., NIF..., residentes na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, vieram, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
I - RELATÓRIO
A) O Pedido
Os Requerentes pedem:
- a anulação (parcial) da liquidação de IRS nº 2022..., relativa ao ano de 2018, bem como da Demonstração de Acerto de Contas/ Compensação nº 2022..., num total de € 70 825,08;
- a anulação do indeferimento tácito da reclamação apresentada contra tal liquidação;
- a condenação da AT no pagamento de uma indemnização desde 16/04/2023 até à data em que restituir ao valores pagos aos Requerentes.
B) O Litígio
Os Requerentes alegam que, na sua declaração de IRS relativa a 2018, se enganaram, tendo declarado ter feito nesse ano um reinvestimento, para efeitos do disposto no artº 10º, nº 5 do CIRS, de 700.000 euros, quando o montante correto era de 1.300.00 euros.
A liquidação impugnada foi feita tendo por base tal declaração, pelo que resultou em montante superior ao por eles considerado devido.
Constatado o erro, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa da liquidação que ora impugnam, a qual não foi decidida no prazo legal.
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Tramitação Processual
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 18/07/2023.
Os árbitros que constituem este Tribunal foram designados pelo CAAD e aceitaram tempestivamente as nomeações, as quais não foram objeto de impugnação.
O tribunal arbitral ficou constituído em 25/09/2023.
Em 07/11/2023, a Requerida apresentou Resposta e juntou o processo administrativo.
Em 23/01/2024 foram ouvidas as testemunhas, como consta da respetiva ata.
Em 02/02/2024, a Requerida apresentou alegações escritas, reiterando o alegado na sua resposta.
Em 08/02/2024, o Requerente apresentou as suas alegações escritas, mantendo o já por si alegado no pedido de pronúncia arbitral.
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Saneamento
O processo não enferma de nulidades ou de irregularidades. Não existem questões que obstem ao conhecimento do mérito.
II - PROVA
II.1 – Factos provados
Consideram- se provados os seguintes factos:
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Em 2001, o Requerente marido adquiriu um imóvel sito na Rua ..., na atual freguesia da .../Lisboa, identificado pelo art.º ... -fração D.
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Tal imóvel passou a ser o local de habitação própria e permanente do Requerente marido e, após o casamento, em 2003, dos Requerentes.
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Tal fração, como as demais que integram o imóvel em questão, constam da matriz como destinadas a comércio e serviços.
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O mencionado prédio foi construído e inscrito na matriz em data anterior a 1951.
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Este imóvel foi alienado pelos Requerentes em 2018, por 1.435.000€.
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Em 2017, os Requerentes adquiriram outro imóvel, sito na Rua ..., na mesma freguesia, identificado na matriz sob o art.º..., atual art.º..., pelo montante de 2.000.000€, declarando pretender nele situar a sua habitação própria e permanente.
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O preço de aquisição deste imóvel foi de 2.000.000€,
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Esta aquisição foi parcialmente financiada por um empréstimo de 700.000€, contraído junto do Deutsch Bank.
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Da escritura consta também terem os vendedores recebido a totalidade do preço.
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Na declaração modelo 3 de IRS, anexo G, relativa a 2018, os Requerentes declararam a intenção de reinvestimento da totalidade do valor de realização,
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Declarando ter reinvestido 700.000 € em 2017, aquando da aquisição do “novo” imóvel para sua habitação (única parcela do reinvestimento em causa neste processo)
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Esta declaração deu lugar à emissão da liquidação ora impugnada.
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Os Requerentes reclamaram graciosamente de tal liquidação, visando a correção do valor, pretendendo que fosse aceite no Q.5 – campo 5007, o valor de 1.300.000€, ao invés dos 700.000€ inscritos, segundo alegado por mero lapso.
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O silêncio administrativo prolongou-se para além do prazo legal de decisão.
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Os Requerentes procederam ao pagamento do valor ora impugnado em prestações, com início em fevereiro de 2023.
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O prazo legal para decisão da reclamação graciosa terminou em 15/04/2023.
Os factos dados por provados resultam da documentação junto aos autos, não tendo originado qualquer divergência entre as partes.
II.2 – Factos não provados
Não foram tidos por não provados factos relevantes para a decisão da causa
III - O DIREITO
1 – Questão decidenda
Há que começar por frisar que a AT nunca se pronunciou relativamente a esta situação – alegado lapso quanto ao valor de reinvestimento declarado – no decurso dos procedimentos que antecederam o presente processo arbitral, pois que, por um lado, a liquidação resultou integralmente do declarado pelos Requerentes e, por outro lado, a reclamação graciosa não foi decidida.
Assim, deve ser feita especial menção à resposta apresentada pela AT. Aceitando a factualidade dada por provada, a Requerida sustenta, por impugnação, que os Requerentes não podem beneficiar do disposto no art. 10º, nº 5, do CIRS por o prédio alienado não estar inscrito na matriz como sendo destinado a habitação, mas sim a serviços.
Argumenta ainda no sentido de que apenas o Requerente marido poderia beneficiar da referida isenção por o anterior imóvel ter sido por ele adquirido no estado de solteiro.
É bom de ver que esta argumentação, pese embora a sua eventual consistência substantiva, não pode ser considerada neste processo.
Isto porque o que aqui está em causa é apenas decidir, perante o silêncio da administração, se o peticionado pelos Requerentes neste processo (e, antes, na reclamação graciosa) – ou seja, reconhecimento do valor de 1.300.000€, a título de reinvestimento do valor de realização – deve ou não proceder.
O silêncio administrativo para além do prazo legal de decisão faculta aos interessados a possibilidade de sujeitar à apreciação do tribunal as questões que a administração podia e devia ter decidido e não fez, ou seja, permite ao tribunal “substituir-se” à administração.
A argumentação da AT, na sua resposta, poderia ter sido fundamento de uma liquidação adicional, com alteração do quantitativo da matéria coletável relativamente ao declarado pelos Requerentes, considerando-se como integrando o rendimento coletável a totalidade da mais-valia obtida pelos Requerentes (ou pelo Requerente marido) com a alienação do imóvel onde antes o casal residia.
Mas tal questão nada tem a ver com o presente processo, onde apenas cabe apreciar as causas de pedir (os vícios) invocados.
A resposta da AT nem sequer pode ser havida como uma fundamentação a posteriori da liquidação impugnada; antes é a fundamentação possível de um outro ato tributário (liquidação adicional de iniciativa oficiosa) que nunca foi praticado. Razão pela qual não pode ser, sequer, considerada.
A questão a decidir é, assim, só uma: se os Requerentes, no ato de aquisição da sua nova habitação, realizaram um investimento de 1.3000.000 ao invés dos 700.000 que, alegadamente por erro, declararam inicialmente.
Os termos da escritura de aquisição de tal imóvel, junta aos autos, obrigam a concluir nesse sentido: o valor de 700.000 euros foi o montante então obtido por empréstimo bancário: pelo que há que concluir que a diferença para o preço de venda, 1.300.000 euros (2.000.000e – 700.000€) terá sido financiada com “capitais próprios” e, como tal, constitui reinvestimento parcelar para efeitos do nº do art. 10º, n.º 5, do CIRS.
2 - Juros indemnizatórios
Os Requerentes peticionam uma indemnização pelos prejuízos decorrentes do pagamento indevido de imposto a que foram obrigados.
Como é sabido, uma tal indemnização corresponde ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do art. 43º da LGT.
Tal obrigação de indemnizar depende da existência de erro imputável aos serviços.
Ora, relativamente à liquidação impugnada, nenhum erro pode ser imputado aos serviços porquanto estes se limitaram a processar o declarado pelos Requerentes.
O erro dos serviços só acontece no momento em que a AT incumpre com a sua obrigação de reparar a situação em sede de procedimento administrativo, ou seja, no termo do prazo legal da decisão da reclamação, que foi incumprido, ou seja, desde 16/04/2023, como bem peticionam os Requerentes.
V- Decisão
Termos em que se julga totalmente procedentes os pedidos formulados pelos Requerentes, pelo que, em execução de sentença, deverá a AT:
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Reformular a liquidação impugnada e respetivo “acerto de contas”, considerando, para efeitos do disposto no 10º, n.º 5 do CIRS, que os Requerentes haviam efetuado, em 2017, por pagamento de parte do preço do imóvel adquirido, sem recurso a crédito, um reinvestimento parcelar de 1.300.000 euros e não de 700.000 euros (valor erroneamente declarado).
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Restituir o imposto que se venha a apurar ter sido pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios contados, atentas as prestações em que se desdobrou o pagamento, desde 16/04/2023.
VI- Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 70.825,08€, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII- Custas do processo
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas arbitrais são no valor de € 2.448,00, a cargo da Requerida por ter sido total o seu decaimento.
22 de fevereiro de 2024
Os árbitros
Rui Duarte Morais (relator)
Francisco Melo
Adelaide Moura