SUMÁRIO
I - A incidência seletiva e restritiva das mais-valias tributáveis em sede de IRS, na Categoria G, limita-se às situações elencadas no n.º 1 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
II – Os ganhos eventualmente obtidos por expropriação por utilidade pública de bens imóveis, inclusive os por meio de transação judicial homologada, não são passíveis de tributação em sede de IRS, em virtude de a respetiva relação jurídica não ser subsumível ao conceito de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Os Árbitros Prof. Doutor Victor Calvete (Árbitro Presidente), Dra. Rita Guerra Alves e Dra. Mariana Vargas (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 19-09-2023, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:
Decisão Arbitral
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Relatório
É Requerente A..., titular do NIF ..., com residência na ..., n.º ... - ...- ...-..., sita na União das Freguesia de ... e ..., do concelho de Ponte de Lima, doravante designada de Requerente ou Sujeito Passivo.
É Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.
A Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 18-07-2023.
A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou o Prof. Doutor Victor Calvete (Árbitro Presidente), Dra. Rita Guerra Alves e Dra. Mariana Vargas (Árbitros Vogais).
Em 31-08-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo, foi regularmente constituído em 19-09-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, tendo a AT sido notificada para apresentar Resposta em 21-09-2023.
A AT veio fazê-lo em 25-10-2023, tendo na altura juntado o Processo Administrativo.
Por despacho de 15-01-2024, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada, e concedido prazo de 15 dias à Requerente e Requerida para, se assim o entendessem, apresentar alegações, em simultâneo.
A Requerente e a Requerida apresentaram alegações escritas em 30-01-2024.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
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Argumentos Das Partes
A ora Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, n.º 2023..., relativo ao ano de 2021, e da decisão de indeferimento da Reclamação graciosa n.º ...2023..., que fixou um imposto a pagar de € 255.087,83 (duzentos e cinquenta e cinco mil e oitenta e sete euros e oitenta e três cêntimos.
A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:
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Em 4 de Janeiro de 2023, a Requerente apresentou a declaração de substituição da sua declaração de IRS referente ao ano de 2021, a que foi dado o n.º de identificação 2021-...-... -..., e que deu lugar à liquidação em apreço, pelo que é parte legítima na reclamação graciosa apresentada em 13 de março de 2023, cuja decisão de indeferimento total lhe foi notificada por carta registada, datada de 13 de Abril de 2023.
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Em 30 de Abril de 2020, por despacho do Secretário de Estado da Mobilidade, publicado in Diário da República, 2.ª série, n.º 105, de 29 de maio, foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência de uma parcela de terreno integrante de um prédio rústico.
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Prédio rústico esse inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., do concelho de Vila Nova de Gaia sob o artigo ... e descrito na ... Conservatória do registo predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º .../... .
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Metade do prédio expropriado é integrante da herança aberta por óbito do pai da Requerente, B..., falecido em 14 de fevereiro de 2009, e de que a Requerente é interessada, conforme habilitação de herdeiros outorgada em 7 de abril de 2009.
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Em consequência da declaração de utilidade pública, foi instaurado pela aí entidade expropriante, a C..., S.A., processo de expropriação litigiosa que, após arbitragem necessária, veio a ser autuado sob o n.º .../21...T8VNG, do Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz .., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
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Processo esse que correu contra a aqui Requerente e seus irmãos e contra o proprietário da outra metade do mesmo imóvel.
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Tendo a propriedade da parcela expropriada, com área de 45.855 m2, sido adjudicada à entidade expropriante, por sentença datada de 20 de janeiro de 2021.
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Atribuindo-se a essa adjudicação o valor resultante da decisão arbitral, isto é, 3 913 973,20 (três milhões novecentos e treze mil novecentos e setenta e três euros e vinte cêntimos), que ficaram depositados à ordem do processo judicial.
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Após esta decisão e a citação dos expropriados, na pendência do prazo de recurso da decisão arbitral proferida naquele processo de expropriação litigiosa, foi celebrada transação, através da qual as partes acordaram na expropriação da parte sobrante daquele prédio situada a Ocidente da projetada via VL10, num total de 84.702,00 m2, contra o pagamento de uma indemnização global de 6.200.000,00 euros (seis milhões e duzentos mil euros).
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Esta transação veio a ser homologada por sentença datada de 28 de fevereiro de 2021, que atribuiu à expropriante a propriedade da parcela e aos expropriados o montante indemnizatório acordado.
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A parcela referida na alínea g. foi objeto de declaração de utilidade pública por despacho do Secretário de Estado da Mobilidade, com o n.º 3127-B/2021, de 22 de março de 2021, publicado in Diário da República, 2.ª série, n.º 57, de 23 de março de 2021.
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A indemnização acima descrita foi paga aos expropriados da forma seguinte: a) Em 15 de Março de 2021, € 1 000 000,00 (um milhão de euros), por transferência bancária, realizada pela C..., S.A., para a conta destinada aos fundos clientes (art.º 102º E.O.A.) da sociedade de advogados integrada pelo mandatário dos expropriados (IBAN PT50...); b) Em 30 de Abril de 2021, € 1 286 026,80 (um milhão duzentos e oitenta e seis mil e vinte e seis euros e oitenta cêntimos) por transferência bancária, realizada pela C..., S.A., para a mesma conta; c) Em 30 de Julho de 2021, 3 913 973,20, por transferência bancária, realizada pelo IGFEJ (Instituto de Gestão Financeira e dos Equipamentos da Justiça, I.P.), para a mesma conta.
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Deste montante, tocou à Requerente a quantia correspondente à quota parte do prédio de que é proprietária, isto é, 1/6 (um sexto), num total de € 1 033 333,33 (um milhão e trinta e três mil trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos).
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A propósito, consigne-se que a Requerente adquiriu a sua quota parte do prédio de que foi destacada a parcela expropriada pelo seu valor patrimonial à data do falecimento do seu antecessor, ocorrida em 14 de fevereiro de 2009, e não em abril de 2017, como erradamente mencionou na declaração de substituição que deu origem à liquidação impugnada através do procedimento de reclamação graciosa.
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Teve a Requerente que despender com o processo expropriativo, designadamente, com honorários de perito, por um lado, e honorários de mandatário e outros encargos com documentos, por outro lado, as quantias de € 615,00 (seiscentos e quinze euros) e € 13 049,84 (treze mil e quarenta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos), respetivamente.
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A Requerente, em 30 de junho de 2022, apresentou uma primeira declaração de IRS referente ao exercício de 2021, que deu origem à liquidação n.º 2022..., através da qual se apurou ser devida a quantia de € 5330,68 a título de IRS, pelos rendimentos auferidos no ano de 2021, quantia paga pela Requerente em 5 de dezembro de 2022.
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Contudo, a Requerente veio a substituir essa declaração de IRS por outra, em 4 de janeiro de 2023, a que a administração tributária atribuiu o número de identificação 2021-...-...-... .
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Esta declaração veio a dar origem à liquidação n.º 2023..., que determinou à Requerente o pagamento da quantia de € 255 618,47 (duzentos e cinquenta e cinco mil seiscentos e dezoito euros e quarenta e sete cêntimos) a título de IRS referente ao ano de 2021.
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Defende a Requerente, que não alienou qualquer imóvel durante o ano de 2021, designadamente, a sua quota parte de 1/6 no prédio aqui em causa.
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Que do ato de expropriação em causa resultou a extinção do direito de propriedade na esfera da Requerente e a propriedade da parcela adjudicada à entidade expropriante por sentença judicial.
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O que comporta uma aquisição originária da propriedade por aquela entidade, e não uma aquisição derivada translativa, como a compra e venda, que tivesse transferido a propriedade da parcela da Requerente para a entidade expropriante, dando origem a um ganho sujeito a tributação de mais valias.
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Antes pelo contrário, por decisão estatal situada fora da esfera de vontade da Requerente, foi declarada a utilidade pública da parcela de terreno expropriada e o direito da Requerente que sobre ela incidia extinto, criado um novo, e atribuída uma indemnização compensatória, nos termos definidos no artigo 1º do Código das Expropriações.
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Contudo, por tudo quanto que vem de se expor e repisando quanto foi dito em sede de reclamação graciosa, não assiste qualquer razão à administração tributária.
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Uma vez que a liquidação aqui impugnada, na sequência de reclamação graciosa, é ilegal e deve ser parcialmente anulada, na parte em que tem em conta o montante recebido pela Requerente a título de indemnização pela expropriação da parcela acima identificada, tributando-a em sede de mais valias, pelo que deve ser anulada por errada qualificação e quantificação dos rendimentos, o que constitui fundamento de impugnação, nos termos do disposto no artigo 99º, alínea a) do CPPT.
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Termina a Requerente, peticionando, que se digne julgar procedente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência: declarar ilegal e anular a decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023... por estar ferida de vício de violação da lei; declarar ilegal e anular a liquidação n.º 2023... – IRS por estar ferida de vício de violação da lei, ordenando que esta incida apenas sobre os rendimentos das categorias A e F declarados pela Requerente; seja ordenada a devolução à Requerente da quantia de imposto que pagou a mais, ou seja € 250 287,79 (duzentos e cinquenta mil duzentos e oitenta e sete euros e setenta e nove cêntimos); seja a Autoridade Tributária condenada no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, calculados à taxa legal, e seja a administração tributária condenada no pagamento das custas, reembolsando os Autores da taxa de arbitragem paga.
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
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O que está em causa, no presente processo, é a tributação, a título de mais-valias, da importância recebida pela contribuinte, ora Requerente, como indemnização pela expropriação da quota-parte que detinha no prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia sob o artigo ... .
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A Requerida entende que tal situação tem enquadramento legal no disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRS e, por conseguinte, os ganhos terão de ser tributados em conformidade.
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A tributação de mais-valias decorrentes de expropriações de bens imóveis foi expressamente prevista pelo legislador, ao total arrepio do ideário argumentativo da Requerente.
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Sendo questionável a técnica legislativa utilizada, não deixa de ser clara a conclusão de deverem ser tributadas as mais-valias geradas pelo pagamento de indemnizações determinadas por expropriações cujo montante seja superior ao valor de aquisição dos imóveis (naturalmente corrigido de acordo com o disposto no art.º 50.º do mesmo código).
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Caso esta seja estabelecida por acordo – in casu, o valor da indemnização foi fixado por acordo, homologado por sentença de 28.02.2021, no âmbito do processo n.º .../21...T8VNG -, será o correspondente ao valor da indemnização ou o correspondente ao valor patrimonial tributário (VPT) do bem, consoante o que for maior.
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Sendo que, já a parte final do § 1º do art.º 19.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD), vigente à data da entrada em vigor do CIRS, cominava que o valor dos bens expropriados por utilidade pública para efeitos de SISA seria o montante da indemnização, salvo se esta tivesse sido estabelecida por acordo ou transação.
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Defende a Requerida, na tributação em geral, e especificamente na tributação dos rendimentos, o legislador, a lei e a Constituição da República Portuguesa, elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social por forma de garantir a uma justa repartição do esforço fiscal, uma ótica de progressividade e de distribuição dos ónus e encargos fiscais.
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Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os contribuintes e incida sobre todos os tipos de rendimento, e, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua real capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e de evasão fiscais.
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Com efeito, sendo inegável que as situações de mais-valia resultante de venda e mais-valia resultante de expropriação, apresentam como elemento distintivo a circunstância de, nesta última, o acréscimo patrimonial não ter tido origem na vontade do contribuinte, também é verdade que, do ponto de vista do rendimento obtido e da capacidade que através deste o contribuinte obtém de suportar o encargo fiscal não difere da situação da mais-valia obtida com uma venda.
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Sustenta a Requerida, não poderá vingar a tese propugnada pelos Requerentes, porquanto consubstancia uma violação do princípio da igualdade, nas suas vertentes da capacidade contributiva e da justiça material. (cf. art.º 13.º, n.º 1 do art.º 103.º e n.º 1 do art.º 104.º todos da CRP).
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Termina a Requerida que deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado e na medida em que a sua fundamentação e interpretação é manifestamente contrária à CRP, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
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Do Mérito
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Questões Decidendas
Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constituem questões centrais:
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A ilegalidade da liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º..., relativo ao ano de 2021, que fixou um imposto a pagar de € 255 087,83 (duzentos e cinquenta e cinco mil e oitenta e sete euros e oitenta e três cêntimos);
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A “violação do princípio da igualdade, nas suas vertentes da capacidade contributiva e da justiça material”, que foi invocada pela AT;
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O direito da Requerente ao reembolso desse montante e a juros indemnizatórios.
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Factos Provados
Consideram-se provados os seguintes factos, assente nos factos e na prova documental constante do processo que não mereceram impugnação:
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Em 4 de Janeiro de 2023, a Requerente apresentou a declaração de substituição da sua declaração de IRS referente ao ano de 2021, a que foi dado o n.º de identificação 2021-...-...-..., e que deu lugar à liquidação, pelo que é parte legítima na reclamação graciosa apresentada em 13 de março de 2023. Cfr. PPA e RIT
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A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento total datada de 13 de abril de 2023. Cfr. PPA e RIT
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Em 30 de Abril de 2020, por despacho do Secretário de Estado da Mobilidade, publicado in Diário da República, 2.ª série, n.º 105, de 29 de maio foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência de uma parcela de terreno integrante de um prédio rústico. cfr. doc. n.º 1 do PPA.
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Prédio rústico esse inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., do concelho de Vila Nova de Gaia sob o artigo ... e descrito na ... Conservatória do registo predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º .../.... cfr. docs. 2 e 3 do PPA.
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Metade do prédio expropriado é integrante da herança aberta por óbito do pai da Requerente, B..., falecido em 14 de fevereiro de 2009, e de que a Requerente é interessada, conforme habilitação de herdeiros outorgada em 7 de Abril de 2009. cfr. doc. n.º 4 do PPA.
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Em consequência da declaração de utilidade pública, foi instaurado pela aí entidade expropriante, a C..., S.A., processo de expropriação litigiosa que, após arbitragem necessária, veio a ser autuado sob o n.º .../21...T8VNG, do Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. Cfr. PPA e RIT
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Tendo a propriedade da parcela expropriada, com área de 45.855 m2, sido adjudicada à entidade expropriante, por sentença datada de 20 de Janeiro de 2021. Cfr. PPA e RIT
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Atribuindo-se a essa adjudicação o valor resultante da decisão arbitral, isto é, 3 913 973,20 (três milhões novecentos e treze mil novecentos e setenta e três euros e vinte cêntimos), que ficaram depositados à ordem do processo judicial. cfr. doc. n.º 6 do PPA.
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Após esta decisão e a citação dos expropriados, na pendência do prazo de recurso da decisão arbitral proferida naquele processo de expropriação litigiosa, foi celebrada transação, através da qual as partes acordaram na expropriação da parte sobrante daquele prédio situada a Ocidente da projetada via VL10, num total de 84.702,00 m2, contra o pagamento de uma indemnização global de 6.200.000,00 euros (seis milhões e duzentos mil euros). Cfr. PPA e RIT
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Esta transação veio a ser homologada por sentença datada de 28 de fevereiro de 2021, que atribuiu à expropriante a propriedade da parcela e aos expropriados o montante indemnizatório acordado. – cfr. doc. n.º 7 do PPA.
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A parcela referida em I. foi objeto de declaração de utilidade pública por despacho do Secretário de Estado da Mobilidade, com o n.º 3127-B/2021, de 22 de março de 2021, publicado in Diário da República, 2.ª série, n.º 57, de 23 de março de 2021. cfr. doc. n.º 8 do PPA.
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A indemnização foi paga aos expropriados da forma seguinte: a) Em 15 de Março de 2021, € 1 000 000,00 (um milhão de euros), por transferência bancária, realizada pela C..., S.A., para a conta destinada aos fundos clientes (art.º 102º E.O.A.) da sociedade de advogados integrada pelo mandatário dos expropriados (IBAN PT50...); b) Em 30 de Abril de 2021, € 1 286 026,80 (um milhão duzentos e oitenta e seis mil e vinte e seis euros e oitenta cêntimos) por transferência bancária, realizada pela C..., S.A., para a mesma conta; c) Em 30 de Julho de 2021, 3 913 973,20, por transferência bancária, realizada pelo IGFEJ (Instituto de Gestão Financeira e dos Equipamentos da Justiça, I.P.), para a mesma conta. cfr. doc. n.º 9,10,11 do PPA.
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Do montante da indemnização, tocou à Requerente a quantia correspondente à quota parte de que era proprietária, isto é, 1/6 (um sexto), num total de € 1 033 333,33 (um milhão e trinta e três mil trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos). Cfr. PPA e RIT.
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A Requerente, em 30 de Junho de 2022, apresentou uma primeira declaração de IRS referente ao exercício de 2021, que deu origem à liquidação n.º 2022..., através da qual se apurou ser devida a quantia de € 5330,68 a título de IRS, pelos rendimentos auferidos no ano de 2021, quantia paga pela Requerente em 5 de Dezembro de 2022. – cfr. doc. n.º 14 do PPA.
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A Requerente veio a substituir essa declaração de IRS por outra, em 4 de janeiro de 2023, a que a administração tributária atribuiu o número de identificação 2021-...-...-.... – cfr. doc. n.º 15 do PPA.
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Esta declaração veio a dar origem à liquidação n.º 2023..., que determinou à Requerente o pagamento da quantia de € 255 618,47 (duzentos e cinquenta e cinco mil seiscentos e dezoito euros e quarenta e sete cêntimos) a título de IRS referente ao exercício de 2021 (01-01-2021 a 3112-2021). cfr. doc. n.º 16 do PPA.
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A Requerente apresentou no CAAD, em 06 de março de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da referida autoliquidação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
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Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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Fundamentação Da Fixação Da Matéria De Facto
Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
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Matéria De Direito
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Delimitação das questões a decidir:
Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, a questão jurídica que importa solucionar, no que respeita à legalidade do ato tributário em apreciação, é a de saber, se os ganhos obtidos pela Requerente, decorrentes do pagamento a titulo de indemnização pela expropriação da sua quota parte no prédio rústico no âmbito da transação judicial homologada por sentença datada de 28 de fevereiro de 2021, no processo º .../21...T8VNG, está enquadrada no disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRS e, por conseguinte, ser tributado como rendimento em sede de mais-valias.
A matéria de facto está fixada, importa agora proceder à sua subsunção jurídica, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão decidenda já enunciada.
Iniciamos, pela análise do regime fiscal, à data dos factos, designadamente o disposto nos art. ºs 9.º e 10.º do CIRS, que parcialmente transcrevemos.
Deste modo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) (Rendimentos da categoria G):
“1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:
a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte.”
Nos termos do artigo 10.º do CIRS (Mais-valias), na redação da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, vigente em 2021:
“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que , não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis
[...]; [...].
3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes: [...].
4 - O ganho sujeito a IRS é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1; [...].”
Igualmente com interesse para a decisão da causa, o Preâmbulo do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, no n.º 12, afirma o seguinte:
“Houve que optar entre um enunciado taxativo das mais-valias tributáveis e uma definição genérica de ganhos de capital. A primeira solução, permitindo evitar dificuldades de aplicação e rupturas com o sistema actual, em que o imposto de mais-valias incide em situações tipificadas, foi considerada preferível, sem embargo de se inovar quanto ao âmbito de incidência.”
Bem como a análise da incidência das mais-valias por XAVIER DE BASTO[1] “(…) a tributação é seletiva: não são tributáveis mais-valias que não sejam as previstas no elenco deste n.º 1 do artigo 10.º, que é, pois, um elenco exaustivo. (…) Só as mais-valias da lista exaustiva desse n.º 1 – repete-se – são tributáveis. Em matéria de incidência fiscal, as mais-valias são um numerus clausus”.
Na mesma linha, PAULA ROSADO PEREIRA[2] salienta que o artigo 10.º, n.º 1, cria uma incidência seletiva muito restritiva, porquanto resulta “(…) da opção legislativa pela consagração de um elenco restritivo de ganhos tributáveis como mais-valias na categoria G, face a um universo bastante mais amplo de ganhos potencialmente relevantes. Com efeito, o conjunto de bens ou direitos cuja transmissão onerosa gera mais-valias tributáveis, enquadráveis na categoria G de rendimentos é bastante limitado. Este poderia, em termos abstratos, ser definido de forma bastante mais ampla do que aquela que se encontra prevista no n.º 1 do artigo 10.º do CIRS. Contudo, razões de funcionamento e fiscalização do imposto tornam desadequada a atribuição de relevância fiscal a um conjunto muito alargado de situações suscetíveis de gerarem mais-valias tributáveis. A seleção dos tipos de bens e direitos previstos no artigo 10.º, n.º 1, do CIRS teve subjacentes critérios como a frequência da situação, a respetiva expressão económica, a facilidade de controlo do facto gerador e a determinabilidade dos valores em causa. Houve, portanto, a preocupação de delinear a norma de incidência das mais-valias de forma a incluir apenas as situações de ganhos mais frequentes, em que os valores económicos envolvidos sejam relevantes e nas quais, simultaneamente, a verificação do facto gerador e a determinação do valor tributável sejam controláveis sem dificuldade pela AT. Em função destes critérios, o CIRS atribui relevância, para efeitos da incidência da categoria G, principalmente às transmissões onerosas de bens imóveis, transmissões de participações sociais e outros valores mobiliários, e também de propriedade intelectual ou industrial cujo transmitente não seja o seu titular originário”.
Ora do anteriormente exposto, a incidência seletiva e restritiva constitui uma característica das mais-valias tributáveis na categoria G. Só as mais-valias da lista exaustiva do artigo 10.º, n.º 1, do Código do IRS são tributáveis.
Desde logo, cumpre referir que o caso aqui analisado, se enquadra numa indemnização por expropriação, situação que não consta, de forma expressa, do elenco do nº 1 do art.º 10 do CIRS, como ganho obtido sujeito a tributação como mais-valias para efeitos do Código do IRS.
Há, sobre esta questão, abundante jurisprudência que se seguirá de perto. Temos presente, em particular, as decisões do STJ[3] e do CAAD proferidas nos processos números 198/2023-T, 116/2023-T, 60/2023-T, 273/2022-T, 803/2019-T e 291/2019-T.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa tanto na vigência do Código do Imposto de Mais Valias como na vigência do CIRS, na qual sustenta que o valor da indemnização recebida por expropriação por utilidade pública de um imóvel não é relevante para efeito de mais-valias, mesmo quando o seu valor é determinado por acordo.
Neste sentido, na vigência do Código do Imposto de Mais Valias, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, entenderam que sendo a expropriação uma forma de aquisição originária não se estava perante o preenchimento do conceito de «transmissão onerosa» para efeitos do artigo 1.º daquele Código, e «a justa indemnização paga na expropriação por utilidade pública não é um preço de aquisição mas uma justa ponderação do interesse público e do interesse do expropriado, por isso, não está abrangido pelos ganhos a que se refere o art. 1º do Código do Imposto de Mais Valias»[4].
Na vigência do CIRS, o Supremo Tribunal Administrativo acolheu esse entendimento de não sujeição a IRS, a título de mais-valias, os ganhos obtidos com indemnizações por expropriações por utilidade pública, apesar da alteração do termo «transmissão» (utilizado no artigo 1.º do Código do Imposto de Mais Valias) para «alienação» (usado no artigo 10.º, n.º 1, do CIRS).
Conforme resulta identicamente do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Janeiro de 2012, processo 5253/04.2TBVNG.P1.S1, a indemnização não pode ser considerada como preço ou compensação que represente um acréscimo patrimonial, porquanto: “A justa indemnização não se configura como uma verdadeira indemnização, pois não deriva do instituto da responsabilidade civil. Englobando a obrigação de indemnizar, por expropriação, apenas a compensação pela perda patrimonial suportada, tendo como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de igual valor”.
(...)
A obrigação de indemnização por expropriação, segundo a actual Ciência do Direito, deriva do princípio da igualdade; sendo que “A indemnização, para ser justa, não deve criar a favor do expropriado uma situação mais vantajosa do que a dos proprietários não expropriados, em idênticas circunstâncias (...) a nossa lei acolhe” pois “a teoria da substituição no domínio da fixação da indemnização por expropriação, só sendo, assim, justa a indemnização que compense integralmente o dano suportado pelo expropriado”.
Mais recentemente, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no processo 0813/16.1BEAVR, de 07-04-2021, decidiu de igual forma, conforme parcialmente se transcreve:
“I- O conceito de “alienação onerosa” a que se refere no art. 10.º n.º1, a), do Código do I.R.S. - diploma alargado à generalidade dos imóveis que não apenas aos terrenos para construção a que se referia o Código do Imposto de Mais-Valias, entretanto revogado - não é substancialmente diverso do de “transmissão onerosa” a que se referia o n.º 1 do art. 1.º do Cód. de Imp. de Mais-Valias, sobre o qual a doutrina e a jurisprudência se pronunciou em termos de estar excluída a expropriação por utilidade pública.
II - Do disposto no art. 4.º n.º2, g), da Lei n.º 106/88, de 17 de setembro, que autorizou o Governo a aprovar o Código do IRS, previu-se quanto a “mais-valias - os ganhos resultantes de transmissão onerosa de bens imóveis ou de partes sociais e outros valores mobiliários, da cessão do arrendamento e de outros direitos e bens afectos, de modo duradouro, ao exercício de actividades profissionais independentes, da transmissão onerosa da propriedade intelectual ou industrial ou de experiência adquirida no sector comercial, industrial ou científico, quando o transmitente não for o seu titular originário”.
III- A expropriação por utilidade pública não se encontra abrangida pela norma de incidência da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do I.R.S., nem na alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do mesmo código, pois tal redundaria em inconstitucionalidade orgânica, para além de que violaria o princípio da tipicidade.”
A mesma linha tem sido seguida nas decisões proferidas no CAAD e suprarreferidas.
Retomando os autos, e do que se vem dizendo, a incidência seletiva e restritiva constitui uma característica das mais-valias tributáveis na categoria G. Com efeito, constituem mais-valias tributáveis apenas os ganhos obtidos que resultem da lista exaustiva e restritiva comtemplada no artigo 10.º, n.º 1, do Código do IRS.
Neste contexto, na situação em apreço, o normativo não contempla expressamente a indemnização por expropriação, e, por conseguinte, é entendimento do Tribunal que o valor da indemnização por expropriação de utilidade publica não é passível de enquadramento no disposto na alínea a) do nº 1 do art. 10.º, do CIRS, como ganho proveniente de uma alienação onerosa de direitos reais, bem como não se integra em nenhuma das situações previstas nas restantes alíneas do artigo 10.º, CIRS.
Considerando que, face ao disposto no artigo 11.º, nº 1, da LGT, e artigo 9.º, 2, do Código Civil, a interpretação tem de ter o mínimo de correspondência com a letra da lei, e considerando ainda que a incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exatos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação, como de resto constitui jurisprudência corrente, mais reforçada resulta a conclusão de que o disposto no artigo 10.º, nº 1, alínea a), do CIRS, não abrange indemnização por expropriação de utilidade pública.
Esta não tributação em sede de IRS é, aliás, comum à generalidade das indemnizações que visam compensar danos patrimoniais comprovados, como decorre do artigo 9.º, n.º 1, do CIRS, pelo que o que seria incompatível com o princípio da igualdade seria o tratamento fiscal mais desfavorável das indemnizações decorrentes de expropriações por utilidade pública.
A incidência seletiva e restritiva das mais-valias tributáveis em sede de IRS, na Categoria G, limita-se às situações elencadas no n.º 1 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Os ganhos eventualmente obtidos por expropriação por utilidade pública de bens imóveis não são passíveis de tributação em sede de IRS, em virtude de a respetiva relação jurídica não ser subsumível ao conceito de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
No caso vertente, a AT considera, em defesa da sua posição interpretativa, os art. ºs 43.º e 44.º do CIRS, os ns. 1 e 3, al. b), do artigo 46.º do CIRC, e o artigo 12.º, n.º 4, regra 17.ª, do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT):
Esta última dispõe assim:
“O valor dos bens expropriados por utilidade pública é o montante da indemnização, salvo se esta for estabelecida por acordo ou transação, caso em que se aplica o disposto no n.º 1.” (ou seja, em que “O IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.”).
Nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 43.º do CIRS (Mais-Valias):
“1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.”
Nos termos do artigo 44.º do CIRS (Valor de realização):
1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
[...], b) No caso de expropriação, o valor da indemnização;
[...].”
Nos termos do artigo 46.º do CIRC (Conceito de mais-valias e de menos-valias):
[...]
3 — Considera-se valor de realização:
[...], b) No caso de expropriações ou de bens sinistrados, o valor da correspondente indemnização;
[...].”
É verdade que – tirando a norma do CIMT, que tem diferente propósito – é difícil compatibilizar estas normas do CIRS e do CIRC com as que fixam a incidência da tributação de mais valias (no caso do IRS, a da já referida alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS; no caso do IRC, a do n.º 1 do artigo 46.º do respetivo código: “Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros [...]”). Mas a aparente antinomia normativa dentro de cada código é facilmente desfeita se se tiver em conta a autorização legislativa que permitiu ao legislador governamental criar a tributação das mais valias: quer a alínea g) do n.º 2 do artigo 4.º, quer o n.º 6 do artigo 19.º da Lei n.º 106/1998, de 17 de setembro, desautorizam claramente o entendimento de que as indemnizações por expropriação possam estar compreendidas na “transmissão onerosa de bens imóveis” que as normas dos artigos 44.º, n.º 1, al. b) do CIRS, e 46.º, n.º 3, al. b) do CIRC, parecem querer consagrar (respetivamente em sede de IRS e em sede de IRC). Na medida em que o intérprete lhes desse preferência sobre as normas específicas de incidência incorreria em ilegalidade por violação da lei de autorização legislativa.
Face ao exposto, é de considerar ilegal, por violação de lei, o ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares com o n.º ... de 2021, bem como, pela mesma razão, a decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023..., ficando prejudicadas as questões teóricas que foram suscitadas perante o presente Tribunal, incluindo a de desconformidade constitucional que é imputada à “não tributação” do “acréscimo patrimonial que se traduz num incremento da capacidade contributiva da Requerente” (que, sempre se dirá, nem é forma adequada de suscitar uma questão de constitucionalidade, nem, na opinião do coletivo, tem um mínimo de plausibilidade: mau seria que à prática discricionariedade do poder expropriativo do Estado se somasse o poder de taxar em mais valias a contrapartida desse poder expropriativo. O que está em causa nas expropriações, e anula qualquer pretenso argumento de “igualdade”, é uma violação, posto que legal, do direito de propriedade privada, não a sua livre disposição. Só esta deve – face ao entendimento da Constituição adoptada pelo presente coletivo – servir de índice de capacidade contributiva).
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Pedido de reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios
Veio ainda a Requerente peticionar a condenação da Requerida no reembolso da quantia paga indevidamente, no montante de € 255 087,83, acrescido de juros indemnizatórios.
A procedência do pedido de anulação do ato de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral tem por consequência vincular a AT nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui, para além da restituição do indevido, “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.
Igual consequência decorre do disposto no n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que estabelece “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, que fixa o momento a partir do qual os mesmos são devidos, por erro imputável aos serviços (n.ºs 1 e 2) ou por “outras circunstâncias” (n.º 3), bem como a respetiva taxa (n.º 4) e a consequência do atraso na execução da sentença transitada em julgado (n.º 5).
Sobre o pagamento dos juros indemnizatórios num caso de cobrança de mais-valias referentes a indemnização por expropriação escreveu-se na decisão n.º 198/2023-T:
“na situação em apreço, o erro que afecta a liquidação na parte respeitante ao valor da indemnização na matéria tributável, é imputável aos Requerentes, pois foram eles que apresentaram uma declaração de substituição, com a inclusão desse valor no seu rendimento tributável.
Por isso, quanto à liquidação impugnada, o erro não pode ser directamente imputado aos serviços, não devendo haver, em consequência, direito ao recebimento de juros indemnizatórios decorrentes da sua prática.
No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão dos Requerentes, sendo que este erro, sim, é completa e integralmente imputável à Requerida.
O facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, poderá ser enquadrada no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois verifica-se um nexo de causalidade entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia devendo esta omissão ser equiparada a uma acção.
Neste sentido, aliás, tem-se pronunciado o STA, como se pode conformar pelos Acórdãos seguintes:
• Processo 601/89 de 28.10.2009
• Processo n.º 2342/12.3BELRS de 18.11.2020
• Processo n.º 16/10.9BELRS 0884/17 de 28-04-202
No caso em apreço, a reclamação graciosa foi apresentada em 23.12.2022 e foi indeferida em 28-12-2022, dentro do prazo legal previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, pelo que a partir desta última data, devem começar a contar-se juros indemnizatórios, relativamente à quantia a reembolsar.”
Também no caso dos presentes autos, a declaração de substituição apresentada pela Requerente (al. O. dos Factos Provados e documento 15 junto com o PPA) incluía a menção, no Anexo G do Modelo 3 de IRS, de uma “Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (art. 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS” ocorrida em 2021, no valor de € 1.033.333,33. Em face dessa declaração, era inevitável que os serviços da AT tivessem promovido a liquidação de que a Requerente veio a reclamar graciosamente. Já não assim quando a AT decidiu indeferir esta reclamação, não obstante a indicação que resulta do art. 46.º, 1, b), do CIRS, uma vez que, como se viu, a norma de incidência (a da al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS) – bem como a norma que a autorizou (a da al. g) do n.º 2 do art. 4.º da Lei n.º 106/88, de 17 de setembro) o não consentem.
Assim, na sequência da anulação dessa decisão e do ato de liquidação de IRS, tem a Requerente direito a ser reembolsada da quantia paga, no valor total de € 255 087,83, e a juros indemnizatórios contados desde a data do indeferimento de tal reclamação graciosa até ao pagamento.
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Decisão
Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
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declarar a ilegalidade e anular a decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023...;
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declarar a ilegalidade e anular o ato de liquidação de IRS n.º ... de 2021;
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Condenar a Requerida a restituir à Requerente a quantia paga, no montante de € 255 087,83, acrescida de juros indemnizatórios calculados à taxa legal, contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até efetivo e integral reembolso;
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Condenar a Requerida nas custas do processo, nos termos infra.
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Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 255 087,83 (duzentos e cinquenta e cinco mil e oitenta e sete euros e oitenta e três cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada.
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Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4 896.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, integralmente a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2024
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Prof. Doutor Victor Calvete - Árbitro Presidente
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Rita Guerra Alves – Árbitro Vogal, Relator
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Dra. Mariana Vargas - Árbitro Vogal
[1] Vd., IRS. Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 396.
[2] Vd., Manual de IRS, 2ª ed., Almedina, 2019, pp. 207
[3] Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 21-10-1987, processo n.º 4713, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-12-88, página 1089;
– de 06-12-1989, processo n.º 10397, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-4-92, página 1263;
– de 15-11-1990, processo n.º 5769, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-4-93, página 1216;
– de 17-01-1996, processo n.º 19846, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-3-1998, página 81.
[4] Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19-06-1996, processo n.º 15056, publicado em Apêndice ao Diário da República de 04-12-1997, página 72.