Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 568/2023-T
Data da decisão: 2024-02-12  IVA  
Valor do pedido: € 2.528.981,72
Tema: IVA – Direito à dedução – Pro rata na atividade de concessão de crédito com reserva de propriedade e atividade de gestão de carteira própria de títulos – Ofício-circulado n.º 30108.
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Sumário:

I - Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a Administração Tributária não pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afetação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação;

II – O normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) não representa uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, de tal Diretiva.

III – Termos em que, a interpretação do artigo 23.º, n.º2, do CIVA, levada a cabo pela AT, entendida por esta como norma como habilitante a aplicar ou a impor à Requerente um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, através da imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, é material e formalmente inconstitucional, por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (165.º, n.º 1, alínea I) da CRP, não tendo o legislador feito uso  da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fração.

 

 

Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, Paulo Ferreira Alves e Fernando Marques Simões, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

  1. O Requerente A..., S.A., doravante abreviadamente designado por “Requerente”, com o número de identificação fiscal  ... e sede na ..., n.º ..., Porto, vem, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAMT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a PRONÚNCIA ARBITRAL sobre a (i)legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) apresentada pelo Requerente (cf. Documento 1, que aqui se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos), bem como sobre a anulação parcial da autoliquidação de IVA referente ao ano 2021, materializada na declaração periódica de imposto referente ao mês de Dezembro daquele ano, nos termos da qual o Requerente procedeu à determinação, em excesso, do montante de € 2.528.981,72 de prestação tributária entregue ao Estado, com os seguintes fundamentos:
  1. O Requerente vem, pelo presente, suscitar a intervenção do Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAMT, norma que prevê expressamente a competência deste Tribunal para apreciar pretensões atinentes à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação de tributos.
  2. A este respeito, perante a perceção de que, na declaração periódica de IVA referente ao mês de Dezembro do ano 2021, havia sido determinada a entrega, em excesso, de prestação tributária no montante de € 2.528.981,72, o Requerente apresentou, em 9 de Março de 2023, competente Reclamação Graciosa da autoliquidação de imposto relativo àquele período de imposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do n.º 1 do artigo 97.º do Código do IVA.
  3. Em face daquela Reclamação Graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) concluiu, quanto à componente de gestão da carteira própria de títulos, que ”(…) não assiste razão à Reclamante quanto a este ponto, devendo decidir-se pela improcedência da sua pretensão” e, quanto à concessão de crédito com reserva de propriedade, concluiu que “(…) fica inequivocamente demonstrado que o método adotado pela Reclamante e que agora pretende alterar é o único que se mostra adequado para efeitos de exercício do direito à dedução, permitindo, com as especificidades constantes do Ofício – Circulado n.º 30.108 afastar as distorções na tributação, que de outra forma seriam manifestas” (cf. Documento 1).
  4. Ora, não se conformando, nem se podendo conformar, com o supra referido ato tributário de autoliquidação de IVA, em virtude de o mesmo se encontrar viciado de ilegalidade, por erro relativamente aos pressupostos de facto e de direito que regem a situação tributária do Requerente, nem com a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa submetida, vem o Requerente suscitar, junto deste Tribunal, a apreciação da legalidade do ato tributário de autoliquidação de IVA de 2021, referente ao mês de dezembro de 2021, requerendo, consequentemente, a respetiva declaração de ilegalidade e anulação.
  5. Em suma, a título imediato constitui objeto da presente petição a decisão de indeferimento que versou sobre a Reclamação Graciosa da autoliquidação apresentada pelo Requerente, e a título mediato constitui objeto da mesma o ato tributário de autoliquidação de IVA referente ao mês de dezembro do ano 2021, nos termos do qual, por motivo de erro relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto nos recursos de utilização mista, o Requerente procedeu à entrega, em excesso, do montante de imposto de € 2.528.981,72.
  6. Nos presentes autos, vem o ora Requerente suscitar a pronúncia, a título imediato, da (i)legalidade da decisão de indeferimento que versou sobre a Reclamação Graciosa da autoliquidação apresentada, e a título mediato, da (i)legalidade do ato tributário de (auto)liquidação de IVA referente ao ano 2021, materializada na declaração de dezembro do ano 2021, no âmbito da qual o Requerente procedeu à regularização do imposto por si incorrido em recursos de utilização mista, segundo critérios definitivos(cf. o n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA).
  7. Em concreto, peticiona o Requerente a correção daquela autoliquidação de imposto do ano 2021 – materializada na entrega da declaração periódica referente ao mês de dezembro desse mesmo ano –, no que tange à dedução de IVA incorrido em recursos de utilização mista efetuada no âmbito das seguintes áreas de atividade:
    1. atividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (“CRP”);
    2. atividade de gestão de carteira própria de títulos.
  8. De facto, verificou o Requerente existir um erro na autoliquidação de imposto efetuada no ano 2021, em virtude de, com referência aos recursos de utilização mista adquiridos no âmbito daquelas áreas de atividade, não ter procedido à dedução do IVA por si incorrido em conformidade com a legislação nacional e comunitária aplicáveis.
  9. Em particular, verificou o Requerente que, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2021, foram (incorretamente) desconsiderados i) os valores relativos à transmissão das viaturas adquiridas no âmbito da atividade de CRP, bem como ii) considerados os valores relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos.
  10. Tal originou uma dedução de IVA inferior àquela a que tinha direito, nos termos da legislação aplicável, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária em excesso.
  11. Assim, nas autoliquidações aqui reclamadas, o Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva, para o ano 2021, de 7%, a qual, quando aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 36.467.950,86), se materializou no valor de € 2.552.756,56 de IVA dedutível.
  12. Contudo, caso, no cálculo daquela percentagem de dedução, tivessem sido (corretamente) considerados, nos termos da lei, os valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com o CRP, bem como se se tivesse desconsiderado os valores relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos, por aplicação do método de afetação real para esta atividade (cf. n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA), tal percentagem ascenderia a 14% (ao invés de 7%).
  13. E, aplicando a percentagem de dedução de 14% ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista (no montante de € 36.298.130,607), o Requerente teria o direito a deduzir IVA no valor de € 5.081.738,28 (ao invés de € 2.552.756,56).
  14. Nestes termos, e atenta a legislação aplicável, deve a autoliquidação efetuada com referência ao ano 2021 ser anulada na parte referente ao IVA que, por motivo de erro, não foi deduzido pelo Requerente, correspondente a € 2.528.981,72 (i.e., € 5.081.738,28 - € 2.552.756,56).
  15. Tal montante consubstancia a prestação tributária entregue em excesso pelo Requerente, devendo o mesmo ser-lhe restituído na íntegra.
  16. Nos termos que infra melhor se detalham, ao valor da prestação tributária deverão acrescer juros indemnizatórios desde a data de apresentação da declaração periódica relativa a dezembro de 2021 até à efetiva restituição ao Requerente da prestação tributária por este entregue em excesso, dado que o erro aqui em análise é total e exclusivamente imputável à AT, conquanto, conforme resulta demonstrado de seguida, o mesmo decorreu da aplicação de instruções (normas regulamentares) e entendimentos por esta divulgados.

 

 

  1. A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese, o seguinte:
  1. Conforme é sabido e resulta da lei, nos termos do artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA, a AT pode impor condições especiais ou fazer cessar este procedimento no caso de se verificar que provocam, ou são suscetíveis de provocar, distorções significativas na tributação.
  2. Por sua vez, da utilização do método pro rata (conforme pretendido pela Requerente), residual face aos demais, apenas aplicável quando mais nenhum outro se coadune à situação em concreto, previsto no n.º 4 do art.º 23.º do Código do IVA, deve resultar imposto dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante das operações que permitem a dedução.
  3. Acontece que o método da percentagem de dedução previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA - pro rata -, tendo na sua base de cálculo grandezas que, refletindo realidades bem diversas, lhe retiram rigor para atingir o objetivo que lhe subjaz, não pode ser utilizado.
  4. Para determinar a parcela dedutível do imposto contido nos bens e serviços de utilização mista, as variáveis contidas na fração (pro rata) têm desde logo de ser coerentes entre si, na medida em que, a falta de coerência das variáveis nele (pro rata) utilizadas é suscetível de provocar vantagens ou desvantagens injustificadas, logo suscetível de provocar distorções significativas de tributação.
  5. O que, salvo o devido respeito, não acontece.
  6. É que, ao coexistirem na mesma fração parcelas não coerentes entre si - decorrência da especificidade das diferentes atividades desenvolvidas, a percentagem de dedução apurada tem na sua base de cálculo valores tributáveis que, correspondendo à contraprestação obtida ou a obter do adquirente ou destinatário, refletem os juros e outros proveitos obtidos, como acontece nas operações de crédito, e valores tributáveis que correspondem ao somatório de duas parcelas, juros obtidos e capital reembolsado, como se verifica nas operações de locação financeira -, o resultado que daí resulta não é o mais neutral possível, não espelhando, assim, com objetividade o grau de utilização dos bens e serviços adquiridos a montante nas operações a jusante sujeitas com e sem direito a dedução.
  7. Motivo por que na situação em apreço é aplicável o teor do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009.
  8. O critério adotado pela Requerente não foi o mais adequado para servir os propósitos do IVA.
  9. Para efeitos de dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços objeto de utilização conjunta nos vários tipos de atividades em apreço, deveria ter sido utilizado o método da afetação real, com recurso a um coeficiente de imputação constituído por um rácio em que as respetivas variáveis (no numerador e no denominador), sendo não só homogéneas e coerentes entre si como especialmente direcionadas às atividades em apreço, permitiria espelhar com objetividade o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades (isto é, permitir determinar o grau de utilização dos bens e serviços adquiridos a montante nas operações a jusante sujeitas com e sem direito a dedução), em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA.
  10. A reserva de propriedade é constituída apenas como uma garantia de que o preço será efetivamente pago, pelo que a inclusão desta cláusula num contrato significa que o comprador não adquire a propriedade plena da coisa, mas tão-somente uma expectativa jurídica.
  11. Enquanto durar a reserva de propriedade, o comprador, apesar de poder usufruir do bem, não pode transmiti-lo.
  12. A reserva de propriedade a favor do banco impede que eventuais credores do comprador possam registar definitivamente o ónus sobre o bem financiado durante a execução do contrato.
  13. Só com o integral pagamento do preço cessa a reserva de propriedade e se dá a transferência da propriedade para o comprador.
  14. Com esta reserva de propriedade a Requerente fica assim numa posição privilegiada.
  15. De facto, se não houvesse reserva, no caso de não pagamento do crédito que lhe foi concedido, poderia ter de executar (outro) património do comprador, correndo o risco de ter de suportar na execução a concorrência de outros credores.
  16. Ainda que no âmbito do CRP a Requerente adquira viaturas e transmita essas viaturas aos seus clientes (a quem concede crédito para a sua aquisição), ficando a reserva de propriedade em seu nome, o seu “negócio” não é a aquisição e transmissão de viaturas, mas sim a concessão do crédito.
  17. É, diga-se, mais uma modalidade de crédito ao dispor dos clientes.
  18. O facto de o Requerente adquirir a viatura para a alienar ao seu cliente (de crédito) mais não é do que a forma jurídica encontrada pela Requerente (banco) para ficar com uma garantia do crédito concedido: a reserva de propriedade da viatura.
  19. Em suma, incluir no coeficiente de imputação específica o valor de transação das viaturas adquiridas e transmitidas no âmbito do CRP, traduz-se num substancial incremento do coeficiente de imputação específico.
  20. Este benefício para a Requerente, que resulta de um significativo aumento da percentagem de dedução permitida pelo coeficiente de imputação específico, conduz a uma desproporcional maior dedução de IVA nos alegados inputs de utilização mista.
  21. Assim sendo, e pelos motivos expostos nomeadamente a necessidade de coerência/homogeneidade na fração (do coeficiente de imputação específico), decorrente das especificidades das diferentes atividades desenvolvidas, não pode ser aceite a pretendida metodologia de imputação das operações de CRP operada pela Requerente.
  22. Tudo visto e ponderado, devem os atos tributários ser mantidos na ordem jurídica, com todas as consequências legais daí advenientes.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 2 de agosto de 2023.

 

Os Requerentes não procederam à nomeação de arbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 21 de setembro de 2023, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O TAC encontra-se, desde 11 de outubro de 2023, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 15 de novembro de 2023.

 

Em 11 de dezembro de 2023, o TAC proferiu o seguinte despacho:

“1. Designa-se o dia 18 de janeiro de 2024, pelas 14h30 horas, nas instalações do CAAD como data para realização da audiência para produção de prova testemunhal.

2. Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

No entanto, no dia 5 de janeiro de 2024 e na sequência de pedido da Requerente, foi proferido novo despacho pelo TAC:

“1. Considera-se sem efeito a audiência marcada para dia 18-01-2024, pelas 14h30, conforme pretensão da Requerente.

2. Notifica-se a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente ou do termo do prazo a esta concedido.

3. Solicita-se às partes o envio das peças processuais em formato Word.”

Apenas a Requerente apresentou alegações.

 

POSTO ISTO:

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

II. DECISÃO

  1. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

  1. O Requerente é uma instituição de crédito, cujo objeto social consiste na realização das operações descritas no n.º 1 do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
  2. No âmbito da sua atividade, o Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na isenção constante da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto. É o caso das operações de financiamento/concessão de crédito, das operações relativas a pagamentos e, em geral, das transações relativas à negociação e venda de títulos.
  3. E, simultaneamente, o Requerente realiza operações financeiras que conferem o direito à dedução deste imposto [cf. a alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA]. Em concreto, operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres, custódia de títulos, entre outras.
  4. Nomeadamente, verificou que no cálculo da percentagem de dedução de IVA relativa ao aludido ano, foram (incorretamente) desconsiderados:

-os valores relativos à transmissão das viaturas adquiridas no âmbito da atividade de CRP, bem como,

-considerados os valores relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos.

  1. O que originou uma dedução de IVA inferior àquela a que, em seu entender, tinha direito, nos termos da legislação aplicável, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária em excesso.
  2. Concretamente, em sede de autoliquidações, a Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva, para o ano 2021, de 7%, a qual, quando aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 36.467.950,86), se materializou no valor de € 2.552.756,56 de IVA dedutível.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

 

B. DO DIREITO

 

B.1.1. APRECIAÇÃO DA QUESTÃO

 

A Requerente desenvolve atividade económica, tal como definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que é tributada (nomeadamente, de locação financeira ou equiparada, enquadrável no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA), bem como atividade económica isenta (designadamente, concessão de crédito, nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA).

Em regra, o IVA que for suportado pelo sujeito passivo na aquisição dos meios utilizados exclusivamente na sua atividade económica tributada é totalmente dedutível e o IVA suportado na aquisição de meios utilizados apenas na atividade isenta ou não prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, não pode ser deduzido [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA e artigo 168.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006].

No caso em apreço, está em causa a dedução de IVA relativamente a meios utilizados indiferentemente tanto na atividade tributada (como é a locação financeira), como na atividade económica isenta da Requerente (como sucede com a concessão de crédito).

Entende a Requerente que, caso tivessem sido considerados, nos termos da lei, os valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com o CRP, bem como se se tivesse desconsiderado os valores relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos, por aplicação do método de afetação real para esta atividade (cf. n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA), tal percentagem ascenderia a 14%, traduzindo-se isso no direito de deduzir IVA no valor de € 5.081.738,28.

Em concreto, peticiona o Requerente a correção daquela autoliquidação de imposto do ano 2021 – materializada na entrega da declaração periódica referente ao mês de dezembro desse mesmo ano –, no que tange à dedução de IVA incorrido em recursos de utilização mista efetuada no âmbito das seguintes áreas de atividade:

  1. atividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (“CRP”);
  2. atividade de gestão de carteira própria de títulos.

Em particular, verificou o Requerente que, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2021, foram (incorretamente) desconsiderados i) os valores relativos à transmissão das viaturas adquiridas no âmbito da atividade de CRP, bem como ii) considerados os valores relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos.

Tal originou uma dedução de IVA inferior àquela a que tinha direito, nos termos da legislação aplicável, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária em excesso.

Assim, nas autoliquidações aqui reclamadas, o Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva, para o ano 2021, de 7%, a qual, quando aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 36.467.950,86), se materializou no valor de € 2.552.756,56 de IVA dedutível.

Contudo, caso, no cálculo daquela percentagem de dedução, tivessem sido (corretamente) considerados, nos termos da lei, os valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com o CRP, bem como se se tivesse desconsiderado os valores relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos, por aplicação do método de afetação real para esta atividade (cf. n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA), tal percentagem ascenderia a 14% (ao invés de 7%).

E, aplicando a percentagem de dedução de 14% ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista (no montante de € 36.298.130,607), o Requerente teria o direito a deduzir IVA no valor de € 5.081.738,28 (ao invés de € 2.552.756,56).

Nestes termos, e atenta a legislação aplicável, deve a autoliquidação efetuada com referência ao ano 2021 ser anulada na parte referente ao IVA que, por motivo de erro, não foi deduzido pelo Requerente, correspondente a € 2.528.981,72 (i.e., € 5.081.738,28 - € 2.552.756,56).

Relativamente aos meios de utilização mista, utilizados indiferentemente «para efetuar tanto operações com direito à dedução (...) como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações» (artigo 173.º n.º 1, da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006).

Tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º «o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução», nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.

Esta percentagem de imposto dedutível, ou «pro rata de dedução», resulta, em regra, de uma fração que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigos 174.º da Diretiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n.º 4, do CIVA).

pro rata de dedução é determinado anualmente, sendo fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior, e é aplicável provisoriamente, a determinado ano, calculado com base nas operações do ano anterior ou estimado provisoriamente, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões, sob controlo da administração (artigo 175.º, n.ºs 1 e 2, da Diretiva n.º 2006/112/CE e n.ºs 6, 7 e 8, do artigo 23.º do CIVA).

Mas, o sujeito passivo pode optar por «efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação» (n.º 2 do artigo 23.º do CIVA).[2]

A utilização deste método de afetação real, em princípio opcional, passará a ser obrigatória se a Administração Fiscal o determinar, o que poderá fazer, nomeadamente, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação» [alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º]. A Administração Fiscal poderá também impor «condições especiais».

Através do referido Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, a Administração Fiscal, entendeu que relativamente às «instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as atividades de Leasing ou de ALD», «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”», pelo que fez utilização da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, determinando que estes sujeitos passivos utilizem a «afetação real» (ponto 8).

Segundo os pontos 8 e 9, a «afetação real» deverá fazer-se de suas formas:

– se for possível, faz-se «a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades» (ponto 8 daquele Ofício Circulado);

– se não for «possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALDs» (ponto 9 daquele Ofício Circulado); neste caso, fica afastada a aplicação da percentagem que resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º.

 

No caso em apreço há controvérsia sobre dois pontos essenciais:

 

- Saber se o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, ao permitir que a Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Diretiva do IVA – art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da Sexta Diretiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.»

 

- Saber se os custos os em que incorre a Requerente com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes no que tange à dedução de IVA incorrido em recursos de utilização mista efetuada no âmbito das seguintes áreas de atividade:

  1. atividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (“CRP”);
  2. atividade de gestão de carteira própria de títulos.

 

  

B.1.2. A jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo

 

O TJUE pronunciou-se sobre uma situação deste tipo, atinente a instituição bancária que, tal como no caso concreto, desenvolve atividades de locação financeira que conferem direito à dedução e outras atividades financeiras que não conferem tal direito.

As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º)[3].

Na referida alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece-se que «os Estados-membros podem» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

No acórdão proferido em 10-07-2014, no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), no âmbito de reenvio prejudicial, o TJUE entendeu que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 «não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Na linha do decidido pelo TJUE, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu já, no acórdão de 29-10-2014, proferido no processo n.º 01075/13, que «os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros».

Posteriormente, no acórdão de 18-10-2018, proferido no processo C-153/17 (Volkswagen Financial Services (UK) Ltd), o TJUE, corrigindo a interpretação que entendeu que se podia fazer do decidido no acórdão Banco Mais, esclareceu que «não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C-183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.°, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega».

Como se refere neste acórdão, pode impor-se

– «um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios» (n.º 51);

– «qualquer Estado-Membro que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução» (n.º 52);

– «os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios».

 

O método de cálculo do pro rata indicado pela Administração Tributária no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 não tem em conta o valor do veículo, pelo que contraria manifestamente o decidido pelo TJUE, neste acórdão do processo C-153/17, sendo consequentemente ilegal, por violação do Direito da União.

Por outro lado, como se refere no mesmo acórdão, este entendimento é aplicável «mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis (...) não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação» (n.º 59), como sucede no caso em apreço.

Assim, neste acórdão do processo C-153/17, apesar de ficar demonstrado que os custos gerais eram imputados à parte das rendas referentes aos juros e a parte das rendas correspondente ao capital não era tributada (por ser isenta à face da lei inglesa), entendeu-se que esta última não podia ser completamente excluída do cálculo do pro rata, pelo que esta jurisprudência não pode deixar  de ser aplicável à face da lei portuguesa, em que toda a atividade de leasing é tributada e, por isso, trata-se na totalidade de operações que dão direito à dedução, à face do artigo 20.º, n.º 1, e para efeitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIVA.

Na verdade, se o TJUE entendeu que, mesmo nos casos de a parte das rendas correspondente às amortizações não ser tributada (como sucede na lei inglesa) esse montante não podia ser excluído completamente do numerador da fração, por maioria de razão valerá este entendimento quanto este montante também é tributado em IVA (como sucede na lei portuguesa) e, por isso, se está perante operação que confere operações que conferem direito a dedução, relativamente à qual resulta explicitamente da lei a sua inclusão no numerador da fração (artigo 23.º, n.º 4, do CIVA).

De qualquer forma, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), não se admitiu generalizadamente que um Estado-Membro possa obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, mas apenas admitiu tal possibilidade «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Como resulta desta parte final, na perspetiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, pelo que a imposição dessa percentagem especial pelo Ofício-Circulado n.º 30108 e na decisão da Reclamação Graciosa, sem qualquer indagação da utilização real dos recursos de utilização mista, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.

No entanto, o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que só se pode concluir pela ilegalidade com um apuramento casuístico da utilização real dos bens e serviços de uso misto, isto é, quando «sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos»[4].

É, essencialmente, esta jurisprudência que o Supremo Tribunal Administrativo terá tendencialmente estabilizado com o acórdão uniformizador n.º 3/21, de 24-03-2021, proferido no processo n.º 87/20.0BALSB, publicado Diário da República, I Série, de 18-11-2021.

Formulando um juízo de facto, no caso em apreço, resulta claramente da prova produzida que há uma afetação real e significativa dos custos gerais à disponibilização dos veículos, considerando como afetas à disponibilização dos veículos a generalidade das tarefas que apenas ocorrem na prestação de serviços de locação financeira, designadamente:

– como controle da legalização dos veículos e sanação de eventuais irregularidades;

– pagamento ao fornecedor e disponibilização do veículo ao cliente;

– proceder a registos e suas alterações; controle periódico da existência de seguros de veículos;

– proceder a contactos com concessionárias das autoestradas, relativos a clientes que não pagam as portagens;

– proceder a contactos com as entidades policiais; obter  assessoria jurídica e fazer contactos com escritórios de advogados por causa de infrações estradais praticadas pelos clientes;

– assegurar o pagamento do Imposto Único de Circulação, que é feito pela Requerente e debitado ao cliente;

– contactos com seguradoras, quando ocorrem acidentes; obter serviços de tradução, quando necessários, relativos a acidentes no estrangeiro;

– nos casos de incumprimento, procurar  recuperar o veículo, por vezes requerendo providências cautelares;

– proceder à venda do veiculo quando o cliente não opta pela compra;

 

 Todas estas atividades ocorrem apenas nos contratos de locação financeira de veículos, porque o veículo é propriedade da Requerente e é disponibilizado ao cliente durante o período de duração do contrato, pelo que são atividades geradas pela disponibilização dos veículos e não pelo financiamento ou gestão dos contratos.

Trata-se de atividades que não ocorrem quando não há disponibilização dos veículos, mas apenas financiamento, como sucede nos contratos de mera concessão de crédito para a aquisição de veículos, em que os clientes adquirem os veículos para si  próprios. 

Assim, atividades relacionadas com a gestão dos contratos de locação financeira serão (como sucede com os contratos de concessão de crédito) apenas as que se reportam aos próprios contratos, como são a maior parte daquelas para que estão previstas comissões comuns para os contratos de leasing e crédito automóvel, designadamente o reembolso antecipado parcial ou total, o processamento mensal das rendas ou prestações, a recuperação de valores em dívida e alterações contratuais, além de algumas exclusivas dos contratos de locação financeira, como são a transmissão da posição jurídica do locatário e alteração de registos.

Como resultou da prova produzida, as comissões apenas incluem os custos diretamente quantificáveis, mas não as despesas gerais conexionadas com as atividades para que estas estão previstas (como são as despesas de eletricidade, água, limpeza, despesas com informática, gastos de conservação dos edifícios, mobiliário e maquinaria neles existentes, etc.). 

Não se apurou a dimensão exata de recursos de utilização mista não considerados no valor das comissões que são utilizados em cada uma das atividades referidas, nem há qualquer fundamento para concluir que sejam proporcionais ao número de pessoas que intervêm em cada uma das fases, designadamente porque, além dos colaboradores afetos em permanência à atividade de leasing, há intervenções nessa atividade dos seus colaboradores em cada um dos seus 306 balcões em que é feito o atendimento direto dos clientes.

De qualquer modo, apurou-se que, além da atividade anterior à entrega dos veículos, destinada à sua disponibilização aos clientes, é significativa a atividade posterior à entrega dos veículos que é provocada pela sua disponibilização, atividade que não ocorre nos contratos de mero financiamento (crédito automóvel) em não é feita disponibilização dos veículos pela Requerente aos seus clientes.

Assim, na linha do ponto 57 do acórdão do TJUE proferido no processo  C-153/17, é de concluir que o método imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que não tem em conta uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos, não se pode considerar que reflita objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações.

 Por conseguinte, este método não é suscetível, neste caso concreto em apreço, de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

Para além disso, é convicção do Tribunal Arbitral, embora sem a certeza absoluta que só poderia resultar de uma quantificação exata, que as atividades anteriores à entrega dos veículos e as consideráveis atividades posteriores derivadas da manutenção dos veículos na posse dos clientes, que só existem nos contratos de locação financeira, foram de maior dimensão e consumiram mais recursos de utilização mista do que as derivadas do financiamento e gestão dos contratos.

Isto é, utilizando a terminologia do ponto 33 do acórdão do TJUE C-183/13 Banco Mais, é convicção  do Tribunal Arbitral que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente, quanto a contratos de locação financeira, foi sobretudo determinada pela atividade de disponibilização dos veículos e «não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes».

De qualquer forma, pelo que se disse, fica-se, pelo menos perante uma situação de «fundada dúvida», que deve ser processualmente valorada a favor da Requerente e não contra ela, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que é uma regra especial para situações em que esse tipo de dúvida subsiste, em processos jurisdicionais.

Por isso, a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa, que têm como pressuposto de facto que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente, quanto a contratos de locação financeira, ser sobretudo determinada pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes e não pelas atividades conexas com a disponibilização dos veículos, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto.

Essas autoliquidação e decisão da Reclamação Graciosa enfermam ainda por erro sobre os pressupostos de direito, ao terem subjacente o entendimento de que a imposição do método que consta do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, pode ser efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, como foi, de forma genérica, sem apreciação casuística da questão de saber se a concreta utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente relacionados com os contratos de locação financeira foi ou não sobretudo determinada pela atividade de disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.

            

B.1.3. Inconstitucionalidade da previsão de um método de dedução não previsto em diploma de natureza legislativa

 

Embora o artigo 173.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

Na verdade, entre os métodos para efetuar a dedução prevista no CIVA, não se inclui o método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, mas sim, quanto a métodos que utilizam uma percentagem de dedução, apenas o indicado no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA e que o que foi permitido ao Estado Português pela Diretiva, por via legislativa, não era permitido à Direcção-Geral dos Impostos, através de Ofício-Circular.

Esta questão de saber se, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP (atinentes ao princípio da legalidade tributária), é permitida a criação normas inovatórias sobre métodos de efetuar a dedução (que se reconduzem a normas de determinação da matéria tributável), por via de Ofício-Circulado emitido pela Direcção-Geral de Impostos, como se prevê no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, é uma questão distinta da de saber se o Estado Portuguêspor via legislativa, podia criar tais métodos, à face do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva n.º 2006/112/CE.

Esta questão da compatibilidade com a CRP do referido artigo 23.º, n.º 2, do CIVA e do Ofício-Circular referido, não é apenas uma questão de interpretação do Direito da União, mas sim, desde logo, uma questão de Direito Nacional, uma questão de inconstitucionalidade de normas e não da correção ou incorreção da sua aplicação.

As regras sobre o direito à dedução de IVA, de que resulta o montante do imposto suportado pelo sujeito passivo, são regras de incidência objetiva. Na verdade, são normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação».

Neste sentido, tanto são normas de incidência as que determinam o sujeito ativo e passivos da obrigação tributária, como as que indicam qual a matéria coletável, a taxa e os benefícios fiscais.

Assim, por violação dos artigos 112.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 266.º, n.º 1, da CRP, recusa-se a aplicação do  artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009,  segundo a qual, a Administração Tributária  poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.

Consequentemente, o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.

Assim, é nosso entendimento que uma interpretação segundo a qual os n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA permitem à AT através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstrato, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fração a parte da renda correspondente à amortização), é material e formalmente inconstitucional por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (artigo 103.º, n.º 2, da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP).

Não tendo tal solução sido prevista legislativamente, não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicá-la, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da atuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP).

Termos em que se conclui que o IVA a liquidar deve incidir sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; sendo igualmente claro que o numerador da fração que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respetivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras.

 

 

B.1.4.  Ilegalidade da imposição através de norma administrativa de um método de execução do direito à dedução não previsto legislativamente

 

Como é sabido, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da AT de natureza geral e abstrata, publicitadas circunscreve-se à esfera administrativa, resultando apenas e da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, as orientações genéricas da AT, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, não vinculando os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os tribunais.

Neste contexto importa relembrar que, como nos ensina Saldanha Sanches: “Estas orientações administrativas, sob a forma de circulares ou sob outras formas, são uma interpretação da lei fiscal e um instrumento unificador das decisões (…) da administração.

(…).

Com a estrutura formal duma norma jurídica – uma vez que não são a aplicação do Direito a um caso concreto, mas têm antes um carácter geral e abstrato -, as circulares valem o que valer a interpretação que fazem da lei. Como se afirmou sem ambiguidades num acórdão do STA que analisa uma determinada orientação administrativa, “o valor da doutrina dessa circular será apenas o da sua valia intrínseca. Contém uma doutrina que será boa ou má, válida ou inválida, como qualquer outra doutrina”. Estar contida numa decisão administrativa não amplia nem reduz a sua força convincente, nem cria uma presunção de legalidade ou ilegalidade.” [5]

Assim, como bem notam os Professores Doutores Guilherme Xavier de Basto e António Martins analisando o designado Caso Banco Mais julgado pelo TJUE[6], “O Acórdão parece fundamentar a sua decisão final – no sentido de que o direito comunitário não se opõe a que um Estado membro obrigue um banco que exerce, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, que corresponde aos juros (com exclusão, portanto, daquela outra parte que corresponde a “amortização financeira”) – no que é hoje o artigo 173º, nº 2 alínea c) da diretiva (citando o artigo 17º, nº 5, terceiro parágrafo, alínea c) da 6ª diretiva, aplicável aos factos tributários controvertidos no processo).

Ora, nessa disposição, atrás transcrita, do que se trata é de autorizar os Estados a, afastando-se da regra mais geral da percentagem de dedução, efetuar a dedução “com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”. O método dito da afetação real é uma alternativa ao método da percentagem de dedução ou do pro rata, mas não consiste em alteração do algoritmo de cálculo dessa percentagem, o qual está estabelecido no artigo 174º da diretiva e envolve a construção de uma fração em que no numerador se inclui “o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução” (alínea a) do nº 1) e no denominador “o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução” (alínea b) do mesmo nº).

 

Deve porém analisar-se se essa faculdade, que o TJUE admite que os Estados membros exerçam, foi efetivamente tomada pelo legislador português. A resposta, a nosso ver, é negativa e a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no nº 4 do artigo 23º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é obviamente um ofício-circulado, que não é mais que um regulamento interno que apenas obriga os serviços, mas não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.”

Neste contexto, salientam que, “As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, na nossa lei, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afetação real (nº 3, alínea b) do artigo 23º, ou, quando elas resultam de o sujeito passivo ter optado por esse método, da imposição de o abandonar (parte final do nº 2 do mesmo artigo). Também é certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afetação real, a administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas que não consistem em alteração do pro rata de dedução.”

Igualmente neste sentido, José Maria Montenegro[7] conclui, adequadamente em nosso entendimento, que o legislador nacional não usou da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da fração do pro rata de dedução, pelo que o que é permitido pelo artigo 23.º, n.º 3, do CIVA, não estando em causa uma alteração ao modo como o sujeito passivo apurou o seu pro rata, tratando-se sim, nos termos legais, de uma alteração do método de dedução. Assim, como nota o autor, no Caso Banco Mais o direito nacional não terá sido analisado com o rigor e a profundidade desejável, sendo que a pertinência da resposta do Tribunal dependia de ser verdadeiro o pressuposto de que a lei portuguesa concede poderes à AT, através de uma decisão administrativa, de alterar a composição do pro rata de dedução. Ora, não dando a nossa lei esses poderes, as respostas do Tribunal não contribuem para legitimar a interpretação que a AT tem vindo a querer impor.

Note-se que, tal como alega a Requerente, no Caso VW Financial Services[8], veio o TJUE acrescentar, que “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C‑183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros, de maneira geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega” (cfr. n. 56).

Aditando que ainda que, “sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. Por conseguinte, tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.” (cfr. n. 57).

Neste contexto conclui o TJUE que, “(…) os artigos 168.º e 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.” (cfr. n. 59).

No mesmo sentido, como já antes referimos, vão a maioria das decisões do Tribunal Arbitral.

Assim, na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 309/2017, de 20 de Novembro de 2017, conclui-se que, “(…) embora a Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua atuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. (…).

Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.

(,,,)

Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade (…).”

Também na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 339/2018, de 25 de Março de 2019, se conclui que, “A Requerente sustenta, todavia, que o artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA não transpõe para o direito interno a disposição do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Diretiva baseando-se essencialmente no seguinte argumento: enquanto a Diretiva permitia que os Estados-membros autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens ou serviços, o legislador nacional não conferiu à Administração essa prerrogativa, limitando-se a permitir o controlo dos critérios objetivos que o sujeito passivo tenha utilizado quando opte pelo mecanismo da afetação real.”

Veja-se igualmente a Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 498/2018, de 28 de Maio de 2019, nos termos da qual se decide que, “Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a faculdade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista diretamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo. Embora à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Diretiva IVA permitia ao legislador interno «obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal”.

Na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 581/2018, de 17 de Junho de 2019, conclui-se no mesmo sentido que, “Pelo que a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é um Ofício-Circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga aos serviços, mas que não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.”

Acresce que importa atender que, como se faz notar na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 769/2019, de 2 de Abril de 2020, “Mas, mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativo nacional, em matéria em que não é diretamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a atos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal…”

Atente-se no voto de vencida no âmbito do Processo n.º 887/2019, de 12 de outubro de 2020, que, no tocante ao Caso Banco Mais, conclui que, “neste caso o TJUE considerou que a Sexta Diretiva do IVA não se opõe a que os Estados membros apliquem, numa determinada operação, um método ou critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daquele outro método. Ora, analisado o Acórdão (…), conclui-se que parte de uma premissa que não está correta, dado assumir uma interpretação, sem na realidade verificar se a lei portuguesa (o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.”

Por seu turno, como se conclui na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 335/2018, de 14 de Dezembro de 2020, “(…) tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem dedução. (…) Por isso, embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua atuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».” “Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.” “Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.”

Veja-se ainda a Decisão proferida no Processo n.º 58/2020-T, de 21 de Janeiro de 2021, em conformidade com a qual se deve recusar a aplicação do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA “na interpretação subjacente ao Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.”

Igualmente no Processo n.º 58/2020-T, se salienta que, “em face da jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo, a possibilidade de impor o método de cálculo do pro rata de dedução quanto a recursos de utilização mista previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, no que concerne aos contratos de locação financeira efetuados por bancos, não é admitida generalizadamente, antes «tal situação será excecional», dependendo de se verificar, casuisticamente, que a utilização dos «bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (processo C-183/13, Banco Mais, e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, e de 04-03-2015, processos n.ºs 081/13 e 01017/12, e de 04-03-2020, processos n.ºs 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB, entre muitos outros).”

Note-se que, no contexto deste Processo, o Tribunal Arbitral, a propósito do Acórdão do TJUE no âmbito do Caso VW Financial Services, vem concluir que, “na linha desta jurisprudência, tendo em conta que a obrigatoriedade da jurisprudência do TJUE implicará o acatamento da mais recente quando ela se modifica, tem de entender-se que o método previsto no ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, tem de considerar-se não suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspetiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE” (cfr. página 75 da referida decisão do Tribunal Arbitral).

De entre esta extensa panóplia de Decisões cumpre ainda salientar a proferida no Processo n.º 576/2021-T, de 14 de Fevereiro de 2022.

Nesta Decisão, inicia o Tribunal Arbitral por analisar a decisão proferida no referido Caso VW Financial Services, nos seguintes termos: “Assim, neste acórdão do processo C-153/17, apesar de ficar demonstrado que os custos gerais eram imputados à parte das rendas referentes aos juros e a parte das rendas correspondente ao capital não era tributada (por ser isenta à face da lei inglesa), entendeu-se que esta última não podia ser completamente excluída do cálculo do pro rata, pelo que esta jurisprudência não pode deixar  de ser aplicável à face da lei portuguesa, em que toda a atividade de leasing é tributada e, por isso, trata-se na totalidade de operações que dão direito à dedução, à face do artigo 20.º, n.º 1, e para efeitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIVA.

Na verdade, se o TJUE entendeu que, mesmo nos casos de a parte das rendas correspondente às amortizações não ser tributada (como sucede na lei inglesa) esse montante não podia ser excluído completamente do numerador da fração, por maioria de razão valerá este entendimento quanto este montante também é tributado em IVA (como sucede na lei portuguesa) e, por isso, se está perante operação que confere operações que conferem direito a dedução, relativamente à qual resulta explicitamente da lei a sua inclusão no numerador da fração (artigo 23.º, n.º 4, do CIVA).

De qualquer forma, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), não se admitiu generalizadamente que um Estado-Membro possa obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, mas apenas admitiu tal possibilidade «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar»”.

Termos em que se conclui que, “Como resulta desta parte final, na perspetiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, pelo que a imposição dessa percentagem especial pelo Ofício-Circulado n.º 30108 e na decisão da reclamação graciosa, sem qualquer indagação da utilização real dos recursos de utilização mista, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.”

De salientar em particular que veio ainda nessa Decisão reiterar-se o entendimento de que é necessário fazer um “apuramento casuístico” da utilização real dos bens e serviços de uso misto, em concreto, se é ou não sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.

Termos de acordo com os quais o Tribunal Arbitral considerou expressamente que a autoliquidação então sindicada enfermava de erro sobre os pressupostos de direito, ao ter subjacente o entendimento de que a imposição do método que consta do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, pode ser efetuada pela AT, de forma genérica, “sem apreciação casuística da questão de saber se a concreta utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente relacionados com os contratos de locação financeira foi ou não sobretudo determinada pela atividade de disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.”

O Tribunal chega mesmo a considerar que o método previsto no referido n.º 9 do Ofício-Circulado, por não ter “em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, em situação que se comprova uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos”, não tem potencialidade para “garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspetiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE, como entendeu o TJUE no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd.”

Mas importa salientar que o Tribunal entende que, entre nós, a imposição daquele método apenas poderia ser feita por via de diploma legislativo e não de circular administrativa, pelo que a sua imposição “viola os princípios constitucionais da legalidade e da hierarquia das normas e o princípio administrativo da legalidade [artigos 103.º, n.º2, e 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP e 55.º da LGT]”. Acrescendo que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à AT “impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.”

Assim como, conclui, por violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da CRP, “se interpretadas como a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108”.

No tocante à invocada decisão do STA, importa salientar que, distintamente do invocado pela AT, admite claramente antever a possibilidade de realização da prova sobre a utilização dos recursos mistos, designadamente por parte do sujeito passivo, de forma a apurar a adequação do critério e da taxa do pro rata por si utilizada – ou, neste caso, da taxa de dedução que pretende ver aplicada, por oposição ao previsto no Ofício-Circulado n.º 30108.

 

Idêntica orientação foi seguida no Processo n.º 259/2022, de 6.1.2023.

 

Acresce que o Acórdão uniformizador do STA de 20 de Janeiro de 2021 conclui que a validade do método da afetação rela imposto pela AT no referido Ofício da AT dependeria, apenas, do facto de ser o “mais ajustado”, tal se verificando neste tipo de atividade se a utilização de bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, for, sobretudo, determinada pelo financiamento e gestão dos contratos.

Ora, a posição do Magistrado do Ministério Público no citado Acórdão uniformizador foi no sentido que entendemos mais correto, concluindo nos seguintes termos pela impossibilidade legal de a AT ter acolhido no aludido Ofício o método aí imposto: “De facto não se extrai dos nº s 2 e 3 do artigo 23º do CIVA qualquer elemento, com correspondência mínima na letra da lei, que confira à Administração Tributária o poder de impor ao sujeito passivo um método de pro-rata específico e parcial tal como o mesmo é configurado no ofício circulado nº 30108 de 30/01/2009.

Sendo certo que nos termos do nº 2 do artigo 23º do CIVA a Administração Tributária pode impor ao sujeito passivo “condições especiais” na determinação e cálculo do IVA dedutível, o que abarca a definição de critérios objetivos em função das particularidades da atividade desenvolvida, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que esses poderes não abarcam a imposição de forma genérica de um método de pro-rata parcial.

Entendemos, assim, que ainda que admissível em função do disposto na artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, o método de cálculo de dedução do IVA relativo a bens e serviços de utilização “mista” preconizado pela Administração Tributária no ponto 9 do ofício circulado nº 30108 de 30/01/2009, no sentido de não se incluírem os valores relativos à componente de capital das rendas recebidas como contrapartida nos contratos de locação financeira e ALD, não é conforme o disposto no artigo 23º do CIVA, e nessa medida insuscetível de aplicação pela Administração Tributária, por o legislador nacional não ter usado da prerrogativa conferida pela Diretiva IVA nesse âmbito.

 

Termos em que, consideramos, na esteira dos Professores Guilherme Xavier de Basto e António Martins, que a interpretação do artigo 23.º, n.º2, do CIVA, levada a cabo pela AT, entendida por esta como norma como habilitante a aplicar ou a impor aos sujeitos passivos um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, através da imposição de utilização do “coeficiente de imputação específico” indicado no ponto 9. do aludido Ofício Circulado n.º 30108, é material e formalmente inconstitucional, por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (165.º, n.º 1, alínea I) da CRP, não tendo o legislador feito uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fracção[9].

 

De entre esta extensa panóplia de Decisões cumpre ainda salientar a proferida no Processo n.º 576/2021-T, de 14 de Fevereiro de 2022.

Nesta Decisão, inicia o Tribunal Arbitral por analisar a decisão proferida no referido Caso VW Financial Services, nos seguintes termos: “Assim, neste acórdão do processo C-153/17, apesar de ficar demonstrado que os custos gerais eram imputados à parte das rendas referentes aos juros e a parte das rendas correspondente ao capital não era tributada (por ser isenta à face da lei inglesa), entendeu-se que esta última não podia ser completamente excluída do cálculo do pro rata, pelo que esta jurisprudência não pode deixar de ser aplicável à face da lei portuguesa, em que toda a atividade de leasing é tributada e, por isso, trata-se na totalidade de operações que dão direito à dedução, à face do artigo 20.º, n.º 1, e para efeitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIVA.

Na verdade, se o TJUE entendeu que, mesmo nos casos de a parte das rendas correspondente às amortizações não ser tributada (como sucede na lei inglesa) esse montante não podia ser excluído completamente do numerador da fração, por maioria de razão valerá este entendimento quanto este montante também é tributado em IVA (como sucede na lei portuguesa) e, por isso, se está perante operação que confere operações que conferem direito a dedução, relativamente à qual resulta explicitamente da lei a sua inclusão no numerador da fração (artigo 23.º, n.º 4, do CIVA).

De qualquer forma, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), não se admitiu generalizadamente que um Estado-Membro possa obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, mas apenas admitiu tal possibilidade «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar»”.

 

Termos em que se conclui que, “Como resulta desta parte final, na perspectiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, pelo que a imposição dessa percentagem especial pelo Ofício-Circulado n.º 30108 e na decisão da reclamação graciosa, sem qualquer indagação da utilização real dos recursos de utilização mista, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.”

De salientar em particular que veio ainda nessa Decisão reiterar-se o entendimento de que é necessário fazer um “apuramento casuístico” da utilização real dos bens e serviços de uso misto, em concreto, se é ou não sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.

Termos de acordo com os quais o Tribunal Arbitral considerou expressamente que a autoliquidação então sindicada enfermava de erro sobre os pressupostos de direito, ao ter subjacente o entendimento de que a imposição do método que consta do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, pode ser efectuada pela AT, de forma genérica, “sem apreciação casuística da questão de saber se a concreta utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente relacionados com os contratos de locação financeira foi ou não sobretudo determinada pela atividade de disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.”

O Tribunal chega mesmo a considerar que o método previsto no referido n.º 9 do Ofício-Circulado, por não ter “em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, em situação que se comprova uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos”, não tem potencialidade para “garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspectiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE, como entendeu o TJUE no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd.”

Mas importa salientar que o Tribunal entende que, entre nós, a imposição daquele método apenas poderia ser feita por via de diploma legislativo e não de circular administrativa, pelo que a sua imposição “viola os princípios constitucionais da legalidade e da hierarquia das normas e o princípio administrativo da legalidade [artigos 103.º, n.º2, e 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP e 55.º da LGT]”. Acrescendo que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à AT “impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.”

Assim como, conclui, por violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da CRP, “se interpretadas como a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108”.

No tocante à invocada decisão do STA, importa salientar que, distintamente do invocado pela AT, admite claramente antever a possibilidade de realização da prova sobre a utilização dos recursos mistos, designadamente por parte do sujeito passivo, de forma a apurar a adequação do critério e da taxa do pro rata por si utilizada – ou, neste caso, da taxa de dedução que pretende ver aplicada, por oposição ao previsto no Ofício-Circulado n.º 30108.

Face ao exposto, concluímos que a Requerente tem razão ao invocar que, atenta a jurisprudência comunitária e nacional neste âmbito, há que retirar as seguintes conclusões:

 

- A utilização de um critério de dedução de IVA dos recursos comuns como o defendido pela AT através do Ofício-Circulado não tem fundamento legal no Código do IVA, pelo que qualquer tentativa de aplicação do mesmo é ilegal;

  • Ainda que tal critério possa ser admissível para o TJUE, à luz da interpretação das normas relevantes da Diretiva do IVA, o mesmo apenas é de aplicar caso se verifique que os recursos comuns são maioritariamente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos; e,
  • Para determinação do IVA dedutível, não se pode aplicar um método de repartição que não tenha em conta a situação concreta de cada contribuinte e as especificidades da sua atividade;
  • Além disso, aquele método terá que ter igualmente em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

Idêntico entendimento foi, nomeadamente, veiculado no contexto do Proc. n.º 76/2022- T, de 22 de Fevereiro de 2023.

 

Face ao exposto, concluímos que a Requerente tem razão ao invocar que, atenta a jurisprudência comunitária e nacional neste âmbito, há que retirar as seguintes conclusões:

  • A utilização de um critério de dedução de IVA dos recursos comuns como o defendido pela AT através do Ofício-Circulado não tem fundamento legal no Código do IVA, pelo que qualquer tentativa de aplicação do mesmo é ilegal;
  • Ainda que tal critério possa ser admissível para o TJUE, à luz da interpretação das normas relevantes da Diretiva do IVA, o mesmo apenas é de aplicar caso se verifique que os recursos comuns são maioritariamente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos; e,
  • Para determinação do IVA dedutível, não se pode aplicar um método de repartição que não tenha em conta a situação concreta de cada contribuinte e as especificidades da sua atividade;
  • Além disso, aquele método terá que ter igualmente em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

 

B.1.5. Falta de prova de «distorções significativas da tributação»

 

De qualquer forma, mesmo que por mero exercício académico se aceitasse a possibilidade de a Administração Tributária impor o método previsto no ponto 9. do Ofício-Circulado 30108, este só seria aplicável, como se refere na alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação».

A Administração Tributária defende que a aplicação do coeficiente de imputação específico é o único que se mostra adequado ao apuramento da percentagem de dedução, afastando as distorções na tributação, estando de acordo com o direito comunitário e as normas de direito interno (nomeadamente, artigo 173.º e 174.º da Diretiva IVA, e o artigo 23.º do CIVA), salvaguardando o princípio da neutralidade.

A Requerente defende que não se vislumbram distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem de dedução, nem a AT as apontou no supra referido Ofício-Circulado n.º 30108, limitando-se a alegar genericamente a falta de coerência das variáveis utilizadas no pro rata, sem fundamentar, concretizar e demonstrar, como lhe cabia, a existência de qualquer distorção.

Na verdade, não se referem no Ofício-Circulado n.º 30108 em que consistem as «distorções significativas na tributação» que resultam da aplicação do método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, formulando-se nesse sentido um juízo conclusivo, cujos fundamentos não se demonstram. A afirmação feita no ponto 8. do Ofício-Circulado de que «aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas» é também conclusiva e obscura, pois não se esclarece quais as aludidas vantagens ou prejuízos, nem para quem, nem em que consiste a falta de coerência que se invoca.

De qualquer forma, o procedimento que a Administração Tributária impôs no referido Ofício-Circulado tem a potencialidade de provocar distorções significativas na tributação, como bem demonstram JOSÉ XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS[10] relativamente à locação financeira com rendas mensais constantes:

«Ora não se consegue demonstrar que o expurgo da amortização financeira contribui para uma sintonia mais fina na determinação da parcela de imposto dedutível. Bem ao invés, demonstra-se que o procedimento que a AT quer obrigar o sujeito passivo a adotar provoca distorções significativas de tributação e não consegue de modo algum o objetivo que a lei, no artigo 23.º, n.º 3, atribui ao método da afetação real – o objetivo de efetuar a dedução de “com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços [de uso “promíscuo”] em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito.

Em financiamentos cujo reembolso é efetuado em prestações periódicas, sabe-se que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, esta dada pela diferença entre renda total e juro pago. Nas sucessivas prestações, quer em termos de rendas constantes quer de rendas variáveis, como a seguir melhor se verá numericamente, a parte imputável a juros vai flutuando ao longo do tempo de duração do contrato».

Sendo assim, que consequência tem o apuramento do IVA dedutível segundo o método imposto pela AT de expurgar a amortização do cálculo da parcela dedutível? Tem a consequência de fazer flutuar a percentagem de IVA dedutível ao longo do tempo de duração do contrato.

Esta flutuação, porém, só teria razão de ser se houvesse fundamentos para crer que ao longo desse tempo a intensidade do uso dos inputs promíscuos flutuava também na mesma onda. Ora, é bem claro que não há qualquer razão para crer que seja assim. A intensidade do uso desses bens e serviços será eventualmente a mesma, ou se não for, não é através de uma percentagem de dedução calculada com quer a AT que poderá ser apurada essa eventual diferença de intensidade.

A solução imposta pela AT provoca, ela sim, distorções na tributação. Pode entender-se que o método do pro rata a que chamaríamos normal não apura com suficiente rigor a parcela de imposto dedutível, mas ele é, sem dúvida, melhor do que trabalhar com uma percentagem de dedução que faz flutuar a parcela de imposto dedutível ao longo do tempo sem qualquer relação com diferenças na intensidade do uso dos inputs promíscuos pelo sector de atividade cujas operações conferem direito à dedução.

A pretensão da AT em aperfeiçoar o apuramento do imposto dedutível só poderia eventualmente ser conseguida impondo um verdadeiro método de afetação real, não um pro rata manipulado, sem significado e adequação ao objetivo pretendido de evitar distorções significativas na tributação».

 

Assim, não se poderia sequer considerar demonstrado que, na situação em apreço, a  determinação do pro rata baseado no volume de negócios provoque ou possa provocar «distorções significativas da tributação», havendo, antes, a certeza de que essas distorções resultam do método imposto pela Administração Tributária.

Pelo exposto, ao pressuporem que a aplicação do método previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA gera distorções significativas de tributação e que elas são evitadas pelo método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de facto.

 

B.1.6. Princípio da igualdade

 

As distorções da tributação que resultam da aplicação do método previsto no Ofício-Circulado n.º 30108 são amplificadas em termos incompatíveis com o princípio  constitucional da igualdade,  pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, adotada pelo Pleno no acórdão de  30-09-2020, processo n.º 26/20.8BALSB, em que entendeu que a jurisprudência do Acórdão Banco Mais, apenas é aplicável quando o sujeito passivo é um banco, e já não quando é uma sociedade financeira de crédito que utilize para as suas operações tributadas recursos de utilização mista não quantificáveis.

Na verdade, nas situações em que não seja possível a afetação real, não se aplicando o «coeficiente de imputação específico» quando o sujeito passivo é uma sociedade financeira, será aplicável ao cálculo do pro rata o regime do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, incluindo-se no numerador da fração o valor total das rendas [que é na totalidade tributado, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA], enquanto se o sujeito passivo for um banco apenas será incluída no numerador a parte das rendas que corresponde aos juros.

Além das distorções de tributação que resultam da não inclusão do valor total das rendas na fração quando o sujeito passivo é um banco, a aplicação do método referido apenas aos bancos é incompaginável com o princípio da igualdade, pois duas situações idênticas de sujeitos passivos mistos que realizem concomitantemente operações de locação financeira e operações isentas teriam uma tributação em IVA (derivada da restrição do direito à dedução) consideravelmente distinta.

A distorção da tributação provocada pelo método previsto no Ofício-Circulado n.º 30108 deteta-se também quando se compara a limitação do direito à dedução quanto a recursos afetos à locação financeira quando é efetuada por um banco com a de um sujeito passivo que apenas se dedique à atividade de locação financeira.

 Na verdade, o sujeito passivo que apenas se dedique à locação financeira poderá, sem qualquer limitação, deduzir a totalidade do IVA suportado nos bens e serviços que adquira para exercer essa atividade, pois ela é totalmente tributada, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea h) do CIVA, e o artigo 20.º, n.º 1, deste Código assegura o direito à dedução do imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos para realização das operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas. Em última análise, à luz da referida jurisprudência, bastará apenas a realização de uma única operação de concessão de crédito, a par de milhares de operações de locação financeira, para o direito de dedução do IVA suportado com os custos gerais passar de total a insignificante.  

Assim, o princípio da igualdade (proporcionalidade) exigirá que ao locador financeiro que, além dessa atividade tributada, desenvolve também atividade isenta, possa deduzir o IVA na parte proporcional ao volume de  negócios daquela atividade.

Por isso, são materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), as normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b) do CIVA, se interpretadas como  a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108.

 

B.1.7. Conclusões

 

A Administração Tributária questiona a quantificação das percentagens de pro rata indicadas pela Requerente.

Na verdade, considera a Requerente que a correção daquela autoliquidação de imposto do ano 2021 – materializada na entrega da declaração periódica referente ao mês de dezembro desse mesmo ano –, no que tange à dedução de IVA incorrido em recursos de utilização mista efetuada no âmbito das seguintes áreas de atividade:

  1. atividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (“CRP”);
  2. atividade de gestão de carteira própria de títulos.

Em particular, verificou o Requerente que, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2021, foram (incorretamente) desconsiderados i) os valores relativos à transmissão das viaturas adquiridas no âmbito da atividade de CRP, bem como ii) considerados os valores relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos.

Tal originou uma dedução de IVA inferior àquela a que tinha direito, nos termos da legislação aplicável, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária em excesso.

Assim, nas autoliquidações aqui reclamadas, o Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva, para o ano 2021, de 7%, a qual, quando aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 36.467.950,86), se materializou no valor de € 2.552.756,56 de IVA dedutível.

Contudo, caso, no cálculo daquela percentagem de dedução, tivessem sido (corretamente) considerados, nos termos da lei, os valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com o CRP, bem como se se tivesse desconsiderado os valores relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos, por aplicação do método de afetação real para esta atividade (cf. n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA), tal percentagem ascenderia a 14% (ao invés de 7%).

E, aplicando a percentagem de dedução de 14% ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista (no montante de € 36.298.130,607), o Requerente teria o direito a deduzir IVA no valor de € 5.081.738,28 (ao invés de € 2.552.756,56).

A utilização pela Requerente do método do pro rata, previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, decorre da sua própria estrutura empresarial, pois as operações de locação financeira em causa implicam a utilização de recursos comuns, quer para a gestão dos contratos de financiamento, quer para a disponibilização e gestão dos bens locados, os quais são determinados pelo facto de ser a proprietária dos referidos bens.

 

Assim, podemos concluir o seguinte:

  • Sendo a atividade de leasing integralmente tributada e não isenta de IVA [artigo 16.º, n.º 2, alínea h], do CIVA], a Requerente pode, em princípio, deduzir todo o IVA suportado com aquisição de bens e serviços utilizados nessa atividade;
  • Em face da jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo, a possibilidade de impor o método de cálculo do pro rata de dedução quanto a recursos de utilização mista previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, no que concerne aos contratos de locação financeira efetuados por bancos, não é admitida generalizadamente, antes «tal situação será excecional», dependendo de se verificar, casuisticamente,  que a utilização dos «bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (processo C-183/13, Banco Mais, e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, e de 04-03-2015, processos n.ºs 081/13 e 01017/12, e de 04-03-2020, processos n.ºs 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB, entre muitos outros);
  • É convicção do Tribunal que verificou o Requerente que, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2021, foram (incorretamente) desconsiderados i) os valores relativos à transmissão das viaturas adquiridas no âmbito da atividade de CRP, bem como ii) considerados os valores relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos - tal originou uma dedução de IVA inferior àquela a que tinha direito, nos termos da legislação aplicável, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária em excesso.
  • Assim, nas autoliquidações aqui reclamadas, o Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva, para o ano 2021, de 7%, a qual, quando aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 36.467.950,86), se materializou no valor de € 2.552.756,56 de IVA dedutível.
  • O artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP;
  • A utilização de um critério de dedução de IVA dos recursos comuns como o defendido pela AT através do Ofício-Circulado não tem fundamento legal no Código do IVA, pelo que qualquer tentativa de aplicação do mesmo é ilegal;
  • Ainda que tal critério possa ser admissível para o TJUE, à luz da interpretação das normas relevantes da Diretiva do IVA, o mesmo apenas é de aplicar caso se verifique que os recursos comuns são maioritariamente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos; e,
  • Para determinação do IVA dedutível, não se pode aplicar um método de repartição que não tenha em conta a situação concreta de cada contribuinte e as especificidades da sua atividade;
  • Além disso, aquele método terá que ter igualmente em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios;
  • Não se demonstrou que o método do pro rata previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA provoque «distorções significativas da tributação», pelo que não se verifica o pressuposto em que o Ofício-Circulado n.º 30108 assenta a imposição da aplicação do coeficiente de imputação específico previsto no seu n.º 9, e, consequentemente, a imposição na situação dos atos enferma de erro sobre os pressupostos de facto;
  • São materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), as normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b) do CIVA, se interpretadas como  a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108;
  • Não tendo sido a hipotética não correspondência à realidade das percentagens indicadas pela Requerente um fundamento do indeferimento da reclamação graciosa que manteve a autoliquidação, não pode ser invocado como fundamento de improcedência da pretensão da Requerente.

 

Pelo exposto, a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado por ofensa do princípio da legalidade e errada interpretação dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 23.º do CIVA, e da alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.

Consequentemente, e atenta a legislação aplicável, deve a autoliquidação efetuada com referência ao ano 2021 ser anulada na parte referente ao IVA que, por motivo de erro, não foi deduzido pelo Requerente, correspondente a € 2.528.981,72 (i.e., € 5.081.738,28 - € 2.552.756,56).

 

  

B.2. Restituição de quantia paga em excesso e juros indemnizatórios

 

Como se refere na decisão da matéria de facto, considerou-se provado que a Requerente pagou a quantia autoliquidada (o que não é controvertido), embora não se tenha apurado quando fez o pagamento.

Assim, nas autoliquidações aqui reclamadas, o Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva, para o ano 2021, de 7%, a qual, quando aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 36.467.950,86), se materializou no valor de € 2.552.756,56 de IVA dedutível.

Contudo, caso, no cálculo daquela percentagem de dedução, tivessem sido (corretamente) considerados, nos termos da lei, os valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com o CRP, bem como se se tivesse desconsiderado os valores relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos, por aplicação do método de afetação real para esta atividade (cf. n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA), tal percentagem ascenderia a 14% (ao invés de 7%).

E, aplicando a percentagem de dedução de 14% ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista (no montante de € 36.298.130,607), o Requerente teria o direito a deduzir IVA no valor de € 5.081.738,28 (ao invés de € 2.552.756,56).

Neste sentido e segundo os seus cálculos, o IVA que a Requerente deveria ter deduzido adicionalmente, caso não tivesse seguido o entendimento plasmado no identificado Ofício-Circulado, ascende a um total de € 2.528.981,72.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

“Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”

 

Conforme já referido, o Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva, para o ano 2021, de 7%, a qual, quando aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 36.467.950,86), se materializou no valor de € 2.552.756,56 de IVA dedutível.

 

Neste sentido o IVA, este Tribunal entende que a Requerente deveria ter deduzido adicionalmente um montante que ascende a um total de € 2.528.981,72.

 

No caso em apreço, conclui-se que há erro na autoliquidação que se considera imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira por força do disposto no n.º 2 deste artigo 43.º da LGT, na medida em que a Requerente atuou em sintonia com a orientação genérica que do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108.

Os juros indemnizatórios devem ser contados desde a data em que a Requerente efetuou o pagamento da quantia autoliquidada, que deverá ser apurada em execução do presente acórdão, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de anulação dos atos peticionados de Autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao período de 2021;

E em consequência:

  1. Ordenar a devolução à requerente dos referidos montantes, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até integral reembolso.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 2.528.981,72, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 32.742,00, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido principal foi totalmente procedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

 

Lisboa, 12 de fevereiro de 2024

 

O Árbitro Presidente,

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Paulo Ferreira Alves)

 

O Árbitro Vogal

 

(Fernando Marques Simões)

(Vencido conforma declaração anexa)

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

  1. Não podendo acompanhar o sentido da decisão do colectivo, votei vencido.
  2. Tendo em vista sustentar essa posição, adequado se mostra trazer aqui o quadro normativo nacional e comunitário que está em causa.
  3. Começarei pelo quadro normativo comunitário e depois enunciarei o nacional, não deixando de reproduzir o Ofício-Circulado n.º 30.108. Vejamos.
  4. A Sexta Directiva foi objecto de reformulação que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007 e que visou, essencialmente, uma diferente sistematização de matérias e uma renumeração do seu articulado. Tal objectivo foi concretizado pela Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do IVA e que é vulgarmente denominada Directiva IVA.
  5. A Directiva IVA (doravante “DIVA”) no seu art.º 173.º estatui: “1.   No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo. 2.   Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes: a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores; b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores; c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços; d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.o 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas; e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante.”
  6. Por outro lado, o art.º 174º da DIVA dispõe como segue: “1.   O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes: a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º; b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.”
  7. Ainda assim e porquanto a questão submetida a julgamento apela a elementos interpretativos que não raro ainda aludem à  Sexta Directiva, entendemos adequado trazer aqui, igualmente, o n.º 5 do art.º 17º daquele normativo comunitário que estatui: “5. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo , não só para operações com direito à dedução , previstas nos n º 2 e 3 , como para operações sem direito à dedução , a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19.º , para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeitos passivo. Todavia , os Estados-membros podem: a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade , se possuir contabilidades distintas para cada um desses sectores; b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores; c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços; d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo deste número, relativamente aos bens e serviços utilizados nas operações aí referidas; e) Estabelecer que não se tome em consideração o imposto sobre o valor acrescentado que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respectivo for insignificante.”
  8. O regime da dedução do IVA suportado em inputs promíscuos, ou seja, de uso indistinto em operações que conferem o direito à dedução e que não conferem esse direito, consta do art.º 23º do CIVA que tem a seguinte redacção: “1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo: a) (...); b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução. 2- Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação. 3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior: a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas; b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação. 4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.(...).”
  9. O enquadramento da questão submetida a julgamento apelava ainda à adequada ponderação do teor do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30.1.2009, da Área de Gestão Tributária do IVA – Gabinete do Subdirector-Geral, que refere: Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte: 1. O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista. 2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou prorata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do prorata conduza a distorções significativas na tributação (n.º 3 art.º 23º). 3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante. 4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação. 5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução. 6. Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas. No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um prorata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real. 7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista. 8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades. 9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.”
  10. O Requerente é uma instituição de crédito, cujo objecto social consiste na realização das operações descritas no n.º 1 do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro e que realiza operações financeiras enquadráveis na isenção prevista no n.º 27) do artigo 9.º do Código do IVA que não conferem o direito à dedução deste imposto (caso das operações de financiamento/concessão de crédito, das operações relativas a pagamentos e, em geral, das transações relativas à negociação e venda de títulos) e, simultaneamente, realiza operações financeiras que conferem o direito à dedução deste imposto (em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA), concretamente, “(...) operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres, custódia de títulos, entre outras que por esforço de síntese não se enumeram (...)”.
  11. Para efeitos de exercício de direito à dedução, o Requerente é sujeito passivo misto sujeito à disciplina do acima em parte transcrito art.º 23º do CIVA.
  12. Em concreto, o Requerente peticiona a anulação parcial da autoliquidação de IVA do ano 2021, em virtude de ter incorrido em erro relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto incorrido. 
  13. Aduzindo o Requerente no sentido de que “(...) se no cálculo da percentagem de dedução, tivesse, simultaneamente: 1) incluído os valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com a atividade de concessão de crédito com reserva de propriedade; e, 2) desconsiderado os rendimentos relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos (mediante a adoção do método da afetação real integral nesta atividade), a percentagem de dedução definitiva apurada para o ano em causa seria de 14%. (...) Consequentemente, o IVA adicional passível de dedução – derivado da alteração da percentagem de dedução de 7% para 14% - seria € 2.528.981,72. (...) Logo, conclui-se que, com referência ao ano 2021, o Requerente deduziu imposto a menos do que o permitido pela legislação do IVA, e exigido pelo princípio da neutralidade que rege o sistema comum deste imposto, no valor de € 2.528.981,72.”
  14. Relativamente às situações em que o Requerente identificou uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA. 
  15. Dizendo a dado passo do PPA: “É o que sucede no âmbito da aquisição de bens objeto dos contratos de locação financeira - v.g. a aquisição de uma viatura para subsequente locação financeira -, relativamente aos quais foi deduzido, na íntegra, o IVA incorrido, em virtude de tais bens estarem diretamente ligados a operações tributadas, realizadas a jusante pelo Requerente – a locação financeira –, as quais conferem o direito à dedução. (...) Em idêntico sentido, nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, o Requerente não deduziu qualquer montante de IVA. (...) Por outro lado, nas situações em que o Requerente identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações cativas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objetivos do nível/grau de utilização efetiva, aplicou o método da afetação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA. (...) Por fim, para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), o Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA. (...) Com efeito, relativamente a estes encargos comuns (ou recursos de utilização mista) não foi possível ao Requerente proceder à aplicação do outro método de dedução parcial, como a afetação real, na medida em que este método de dedução implicaria sempre a clara distinção dos bens e serviços adquiridos para cada tipo(logia) de operações – o que sempre se revelaria impraticável em determinadas situações, designadamente nas aquisições de recursos utilizados no desenvolvimento da globalidade das operações do Requerente, nomeadamente, os consumos de eletricidade, de água, de papel, de material informático (hardware e software), de telecomunicações, entre muitos outros. (...) De facto, não sendo viável determinar um ou vários critérios objetivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afetação real (critérios objetivos a que alude o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA), nas aquisições daqueles recursos de utilização mista, restou ao Requerente a aplicação do referido método da percentagem de dedução.”
  16. A determinação da (segundo o Requerente) enfermada percentagem de dedução foi concretizada em conformidade com o disposto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-geral da Área de Gestão Tributária do IVA.
  17. Sustentando agora o Requerente que o cálculo da referida percentagem de dedução, determinado em conformidade com o aludido Ofício-Circulado, se encontrava viciado por erro no regime jurídico aplicável ao seu direito à dedução, i.e. um “erro de direito”
  18. Defendendo o Requerente que as restrições impostas pela AT no referido Ofício-Circulado não podiam ser aceites, porque manifestamente ilegais, e que, como tal, deveriam ter incluído na sua percentagem de dedução: i) os valores relativos à transmissão das viaturas no âmbito da atividade de CRP; e ainda ii) desconsiderado os rendimentos relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos (mediante a adoção do método da afetação real integral nesta atividade).
  19. Caracterizando a actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (CRP), aduz o Requerente como segue: “(...) celebra contratos de CRP, nos termos dos quais os seus clientes adquirem veículos automóveis, novos ou usados, ficando estes a constar do seu registo de propriedade enquanto proprietários, mas sendo constituída reserva de propriedade a favor do Requerente. (...) Neste contexto contratual, o Requerente celebra, assim, num primeiro momento, um contrato de compra e venda com uma entidade terceira, adquirindo o veículo pretendido pelo seu cliente, e, num segundo momento, revende esse veículo ao seu cliente e, em simultâneo, celebra um contrato de mútuo com este último, em que é acordada a concessão de crédito que irá possibilitar ao mesmo adquirir o veículo em apreço. (...) Com a celebração do contrato de mútuo, o cliente (mutuário) do Requerente aceita que a reserva de propriedade seja convencionada a favor desta entidade, devendo tal reserva de propriedade manter-se até que o mutuante receba integralmente o crédito entretanto constituído. (...) A constituição da reserva de propriedade a favor do Requerente visa assegurar o integral pagamento, por parte do seu cliente, dos montantes devidos com referência ao contrato de mútuo celebrado, por forma a prevenir eventuais situações de incumprimento, permitindo obter a expedita restituição do bem no caso de falta de pagamento das prestações do crédito acordadas. (...) a propriedade jurídica do automóvel é transferida, desde logo, para o cliente, mesmo antes do pagamento integral das prestações resultantes do mútuo celebrado.”
  20. Nos artigos 63.º e seguinte do PPA, aduz ainda o Requerente como segue: “Para o desenvolvimento da atividade de CRP, o Requerente recorre naturalmente à sua rede de balcões, bem como a diversas direções (Direção de Financiamento Automóvel, Direção de Marketing Empresas, Direção de Planeamento, Direção de Operações, entre outras), utilizando, por conseguinte, um conjunto muito significativo de recursos (exclusivos e mistos). (...) Neste âmbito, a comercialização do produto de CRP é efetuada, desde logo, pelos diversos balcões do Requerente (à semelhança de um conjunto vasto de outros produtos bancários e financeiros), o que envolve, por si só, o consumo de um significativo leque de recursos humanos e técnicos que compõem a estrutura do Requerente. (...) Entre os diversos recursos consumidos pelos balcões do Requerente que têm intervenção na atividade de CRP destacam-se, inter alia, os recursos humanos, comunicações, material de escritório, deslocações e estadias, eletricidade e combustíveis. (...) Adicionalmente à intervenção, numa primeira fase, da rede de balcões, são utilizados, na comercialização do negócio de CRP, uma multiplicidade de departamentos do Requerente. (...) Realce-se que a atividade de CRP é coordenada pela Direção de Financiamento Automóvel, a qual assegura a gestão de todas as operações de financiamento automóvel. (...) Para o efeito, também a Direção de Financiamento Automóvel incorre num conjunto significativo de recursos necessários à prossecução da atividade de CRP, nomeadamente na parte respeitante à disponibilização ou transmissão das viaturas aos clientes, como sejam recursos humanos, comunicações, material de escritório, deslocações e estadias, contencioso e notariado. (...) Existem ainda outras direções do Requerente que contribuem para a atividade de CRP, como a Direção de Marketing de Empresas, responsável pelo desenvolvimento de ações de publicidade, as direções envolvidas na gestão de riscos (v.g., Direção de Planeamento e Direção de Operações), entre outras. (...) Assim, os bens e serviços adquiridos acima exemplificados são utilizados, simultaneamente, na prossecução da atividade de CRP, bem como a outras atividades do Requerente, consubstanciando, portanto, recursos de utilização mista. (...) O IVA correspondente a estes recursos de utilização mista não é objeto de dedução, na medida em que o Requerente, por imposição da AT, não tem vindo a considerar no cálculo do coeficiente de imputação específico os proveitos decorrentes da venda das viaturas. (...) De facto, na ação inspetiva realizada na esfera do Requerente com referencia ao ano 2012, a AT decidiu que “deve considerar-se apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação directa o IVA da parte relativa ao capital foi integralmente deduzido” porquanto, no seu entender, “a actividade do A... não consiste na compra e venda de bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade. E, dessa actividade obtém, fundamentalmente, juros”. Esta posição da AT foi reiterada nas inspeções tributárias realizadas nos anos subsequentes. (...) Não obstante, entende o Requerente que, dado o efetivo consumo de recursos de utilização mista pela atividade de CRP – recursos esses concretamente relacionados com a transmissão de viaturas objeto dos contratos –, a sua não consideração no coeficiente de imputação específico conduz sempre a que a parcela do IVA incorrido nos recursos de utilização mista não tenha em consideração a plenitude da atividade de CRP, (...) O que origina uma efetiva, e injustificada, desvantagem na capacidade de dedução do Requerente. (...) Como referido supra, a atividade de CRP é necessariamente composta por duas operações distintas: a par da aquisição e revenda do bem, há sempre lugar à celebração de um contrato de mútuo entre o Requerente (mutuante) e o seu cliente (mutuário), através do qual é acordada a concessão, pelo primeiro, de um crédito que irá possibilitar ao último adquirir o bem em causa. (...) Logo, tais atividades são distintas e têm diferentes enquadramentos em IVA: tributação, nos termos gerais, da operação de transmissão da viatura ao cliente e isenção na concessão do crédito sob a forma de mútuo [cf. a subalínea a) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA]. (...) Pelo exposto, a consideração da componente de transmissão de viaturas da atividade de CRP no coeficiente de imputação específico, atendendo ao consumo de recursos necessários para a realizar, revela-se fulcral para aferir a exata medida do direito à dedução.  (...) Por conseguinte, peticiona o Requerente a correção da autoliquidação de IVA do ano 2021: em concreto, a correção das declarações periódicas de imposto submetidas naquele ano, em virtude de as mesmas terem incorrido em erro relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto por si incorrido. (...) Consequentemente, no que respeita ao IVA incorrido no âmbito da sua atividade de CRP, tem o Requerente o direito a deduzir o montante adicional de € 1.823.397,54 (relativo à variação percentual, de 7% para 12%, do coeficiente de imputação específico).”
  21. Dado o efetivo consumo de recursos de utilização mista pela atividade de CRP, recursos esses concretamente relacionados com a transmissão de viaturas objecto dos contratos, a sua não consideração no coeficiente de imputação específico conduziria a que a parcela do IVA incorrido nestes recursos não tivesse em consideração a plenitude da atividade de CRP, gerando sempre uma efetiva desvantagem injustificada na capacidade de dedução do Requerente.
  22. No caso concreto da atividade de CRP existem sempre duas operações distintas, autonomizadas e com diferente enquadramento em IVA: i) tributação, nos termos gerais, da operação de transmissão de viaturas; ii) e isenção de IVA na concessão do crédito em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 27) do artigo 9.º do Código do IVA. 
  23. A consideração da componente de transmissão de viaturas da atividade de CRP no coeficiente de imputação específico, atendendo ao consumo de recursos necessários para a realizar, revela-se fulcral, segundo o Requerente, para aferir a exata medida do direito à dedução, em conformidade com a legislação nacional e comunitária. 
  24. Em jeito de conclusão dir-se-á que pretende o Requerente a correção das declarações periódicas de imposto submetidas no ano de 2021 em virtude de haver incorrido em alegado erro de direito relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto por si suportado, o que se efectivou com base nas orientações (ilegais) da AT, constantes do já referido Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, nisso se consubstanciando o alegado erro de direito, relativamente ao regime jurídico que rege o exercício do direito à dedução do imposto vertido nos recursos de utilização mista por si adquiridos, assistindo-lhe o direito a corrigir a sua dedução de imposto, regularizando, a seu favor, o montante de imposto que, por motivo daquele erro de direito, não deduziu. 
  25. No que tange à actividade de CRP a questão decidenda é a de saber se, para efeitos de desoneração do imposto suportado na incorrência de custos de utilização mista ou promíscuos e no pressuposto da utilização pelo Requerente do método da afectação real previsto no n.º 2 do art.º 23.º do CIVA (o que não veio sequer controvertido), devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo que pretende imputar os custos promíscuos, os valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com a actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (por aplicação do pro rata de dedução a que se refere o n.º 4 do art.º 23º do CIVA) ou, ao invés e como diz a AT, devem ser considerados no cálculo daquela percentagem de dedução “(...) apenas o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação direta o IVA da parte relativa ao capital foi integralmente deduzido” porquanto, no seu entender, “a atividade do A... não consiste na compra e venda de bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade. E, dessa atividade obtém, fundamentalmente, juros” (por aplicação de um coeficiente de imputação específico em conformidade com o disposto no Ofício-Circulado n.º 30108, acima transcrito e melhor identificado). 
  26. A questão que se coloca é a de saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou, sem arrimo legal para o efeito, a componente dos valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com a actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (CRP), da mesma maneira que vem considerando relativamente à actividade de locação financeira e ALD a componente de capital integrante das rendas decorrentes de contratos de locação financeira mobiliária, da determinação da percentagem de dedução; ou, dito de outro modo, saber se aquela  poderia aplicar um pro rata diferente – através da imposição de um coeficiente de imputação específico – daquele que se encontra definido no n.º 4 do art.º 23.º do CIVA.
  27. Adequado se mostrando trazer aqui à colação o sumariado na decisão arbitral tirada no Processo n.º 517/2021-T e onde a dado passo se diz: “Não há diferenças substanciais, para efeitos de dedução do IVA incorrido nos custos de disponibilização das viaturas, entre a locação financeira e as situações de crédito com reserva de propriedade (CRP), porquanto em qualquer dos casos o que está em causa, para o efeito apontado, é a aquisição de uma viatura escolhida pelo cliente do Banco, encontrando-se a diferença essencial entre essas operações no negócio ou contrato que é celebrado a seguir à aquisição do veículo e que, no caso de contrato de crédito com reserva de propriedade, está sujeito a regime diferente ou específico em termos de IVA, independentemente de serem os mesmos os custos associados a ambas as operações (leasing e CRP).
  28. E partindo da similitude entre a actividade de CRP e de locação financeira e até de ALD, ou seja, da incontornável aplicabilidade do Ofício-Circulado n.º 30108, acima transcrito e melhor identificado, adequado se mostra começar por avaliar se o n.º 2 do art.º 173º da DIVA (acima transcrito) que teve como antecedente histórico a alínea c), terceiro parágrafo, do n.º 5 do art.º 17.º da Sexta Directiva (que conferiam aos Estados Membros a possibilidade, no caso da aplicação do método do pro rata, de impor aos sujeitos passivos que determinadas verbas fossem ou não consideradas no numerador/denominador da fórmula de cálculo) terão sido transpostos para o direito interno encontrando-se plasmados na letra do art.º 23º do CIVA. 
  29. É que, caso assim não houvesse sido, perante a inércia do legislador, a Autoridade Tributária não poderia invocar (como o fez no Ofício-Circulado n.º 30.108), como suporte legal para emanar tal entendimento administrativo, o n.º 2 do art.º 23.º do CIVA, de forma a justificar a consideração de um coeficiente de imputação específico que, efectivamente, excluía a componente de amortização financeira ínsita na renda dos contratos de leasing e de aluguer de longa duração e também, atenta a referida similitude, a componente dos valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com a actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (CRP), do cálculo da percentagem de dedução tendente à imputação do IVA suportado na incorrência dos custos promíscuos do Requerente.
  30. O CIVA, relativamente à dedução aplicável a bens de utilização mista, tem em vigor dois métodos: i) o da percentagem de dedução ou pro rata previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 23º do Código, estabelecendo o n.º 4 daquele normativo o cálculo da respectiva fracção; ii) o da afectação real total ou meramente parcial, previsto no n.º 2 do art.º 23º do CIVA. 
  31. Nos termos do n.º 2 do art.º 23º do CIVA, o sujeito passivo pode efetuar a dedução do IVA suportado nos custos em que incorre segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados no exercício da sua actividade, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo ao pro rata de dedução identificado em i) baseado na afectação real em função da efectiva utilização dos bens e serviços utilizados no exercício da sua actividade. 
  32. Não devendo olvidar-se que na 2ª parte do aludido n.º 2 do art.º 23º do CIVA se refere o seguinte: “(...) sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou podem provocar distorções significativas na tributação.”
  33. Acresce que o n.º 3 daquele mesmo normativo dispõe:  “A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior: a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas; b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação. 
  34. Inferindo-se daqui que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode impor o método da afectação real aos sujeitos passivos uma vez verificada qualquer uma das situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do art.º 23º do CIVA e no que aqui mais nos interessa enfocar, quando a aplicação do método da percentagem de dedução se venha revelar-se geradora de efeitos distorcivos significativos na tributação. 
  35. Em substituição do método da percentagem de dedução – pro rata geral baseado no volume de negócios relativo a cada categoria de operações e previsto no n.º 1 do art.º 174º da DIVA e antes previsto no art.º 19.º da Sexta Directiva, sendo que, no direito interno, previsto no n.º 4 do art.º 23.º do CIVA – a Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo do n.º 3 do art.º 23º do CIVA (que está ancorado na faculdade conferida pelo legislador comunitário e prevista no n.º 2 do art.º 173º da DIVA [acima transcrito] e que teve como antecedente histórico a alínea c), terceiro parágrafo, do n.º 5 do art.º 17.º da Sexta Directiva) impôs a adopção de outros critérios, no seu entendimento mais adequados do que os que resultavam da aplicação do pro rata de dedução geral, fundando a adopção daqueles outros critérios na circunstância de eles permitirem aferir, com maior rigor, o grau de afectação dos bens e serviços de utilização mista. Remetendo-se aqui, a tal propósito do maior rigor no grau de afectação, para o n.º 23 do acórdão do TJUE de 8 de Novembro de 2012 (C-511/10, caso BLC Baumarket, in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62010CJ0511&from=PT ), referindo o n.º 23 da fundamentação daquela decisão o seguinte: “No caso, não se pode deixar de observar que, tendo em conta, primeiro, a finalidade do artigo 17.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da Sexta Diretiva, que, como foi acima referido no n.o 18 do presente acórdão, se destina a permitir que os Estados-Membros cheguem a resultados mais precisos do cálculo do pro rata de dedução, segundo, a sistemática do artigo 17.o, n.o 5, dessa diretiva e, terceiro, o princípio da neutralidade fiscal, em que assenta o sistema comum do IVA e do qual o artigo 17.o, n.o 5, terceiro parágrafo, pode ser considerado uma execução, os Estados-Membros devem garantir, no exercício das prerrogativas reconhecidas por essa disposição, que o cálculo do pro rata de dedução do IVA pago a montante seja o mais preciso possível (v., por analogia, no que respeita à determinação do pro rata entre atividades económicas e atividades não económicas, acórdão Securenta, já referido, n.o 37).”
  36. E estas asserções são válidas para o pro rata dedução geral, como válidas são para um qualquer pro rata de dedução específico que possa vir a aplicar-se em resultado da aplicabilidade conjunta do método de afectação real (parcial) que pressuponha a imputação do IVA suportado em função de critérios de objectivos que permitam determinar o grau de utilização dos bens e serviços na realização das operações activas do sujeito passivo e de um pro rata específico que permita imputar os custos de utilização mista que não puderam ser imputados em função da aludida afectação real.
  37. Ora, assim sendo, o fundamento legal que estribou a emanação do Oficio-Circulado n.º 30.108, foi, exactamente, o n.º 2 em conjugação com o n.º 3 do art.º 23º do CIVA: i) o n.º 3, na sua alínea b), na medida em que ao abrigo desse normativo a Autoridade Tributária e Aduaneira impôs aos bancos que também realizassem operações de locação financeira ou ALD (e por via da aludida similitude também realizassem operações de CRP) a adopção do método da afectação real quando a aplicação do método pro rata pudesse conduzir a distorções significativas na tributação; ii) o n.º 2, porquanto, ao abrigo de tal normativo, a AT podia impor (e impôs)  “condições especiais” ao método de afectação real – quando o sujeito passivo tenha optado por esse método de dedução ou até mesmo quando esse método lhe é imposto por força da alínea b) do n.º 3 do art.º 23º do CIVA – quando se verificassem aquelas mesmas distorções significativas na tributação. 
  38. Fazendo notar-se que o n.º 3 do art.º 23º do CIVA sempre conferiu à Autoridade Tributária e Aduaneira (desde a sua redacção inicial) a faculdade de esta impor a um sujeito passivo (qualquer que ele seja e, por isso, igualmente às instituições bancárias) a determinação da dedução do IVA, no todo ou em parte, segundo critérios diferentes do pro rata geral determinado em função do volume de negócios se o sujeito passivo exercesse actividades económicas distintas ou se a aplicação do referido pro rata geral conduzisse a distorções significativas na tributação.
  39. Assim sendo, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos e em conformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 do art.º 23º do CIVA, podia, efectivamente, obrigar os bancos que igualmente realizassem operações de CRP, locação financeira ou ALD, a efectuarem a dedução do IVA suportado na aquisição de custos promíscuos segundo o método da afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados para o exercício das suas actividades, com base em critérios de repartição objectivos que permitissem determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferissem a dedução e operações que não conferissem esse direito, impondo, se necessário, “condições especiais” que, obviamente, também poderiam passar pela imposição de um pro rata específico caso a afectação real concretizada fosse meramente parcial, ou seja, caso sobrassem inputs promíscuos que não pudessem ser imputados em função dos aludidos critérios de repartição objectivos. 
  40. Tais citérios de repartição objectivos, a que alude o n.º 2 do art.º 23º do CIVA, estão referidos a título meramente exemplificativo no Ofício-Circulado n.º 30.103, de 23 de Abril de 2008, do gabinete do Subdirector-Geral para a área do IVA, nos seus nºs 2 e 3 do Capítulo V que a dado passo diz: “2. Em consequência, deve determinar-se o grau, proporção ou intensidade da utilização de cada bem ou serviço em operações que decorrem de actividade económica sujeita a IVA e de operações que dela não decorrem, através de critérios objectivos, podendo ser referidos a título meramente indicativo, os seguintes: a) A área ocupada; b) O número de elementos do pessoal afecto; c) A massa salarial; d) As horas-máquina; e) As horas-homem. 3. Em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos deve ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
  41. E foi exectamente isso que a Autoridade Tributária e Aduaneira fez quando pelo Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, impôs àqueles sujeitos o aludido método de imputação dos custos de utilização mista ou promíscuos (de afectação real previsto no n.º 2 do art.º 23º do CIVA) e no pressuposto de que os bancos não lograriam aplicar os tais critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deveria ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de CRP, de Leasing ou de ALD. 
  42. Devendo enfocar-se que, neste caso e tal como é expressamente referido naquele Ofício-Circulado n.º 30.108, o pro rata especifico atrás referido, determinado de acordo como ponto 9. daquela instrução administrativa, não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA, mas antes da possibilidade conferida pelo n.º 2, in fine, daquele art.º 23.º do CIVA que, repise-se, admite que a AT pode impor “condições especiais” na utilização daquele método de afectação
  43. O coeficiente específico de dedução que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros e encargos foi, por isso, introduzido pelo Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, devidamente ancorado no n.º 2 do art.º 23º do CIVA (e não ancorado no n.º 4 desse mesmo normativo do Código do IVA) e pelo qual, a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo concluído, relativamente aos bancos que desenvolvessem simultaneamente actividades de CRP, de Leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA podia conduzir a “distorções significativas na tributação”, tendo ali determinado também, no uso da faculdade prevista no n.º 3 do art.º 23.º do CIVA, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afectação real. 
  44. Face aos pontos 8 e 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108, a afectação real poderia concretizar-se como segue: i) sendo viável e administrativamente não muito oneroso, com base em critérios objectivos que permitissem determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar-se o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades; ii) não sendo possível ou sendo administrativamente muito onerosa, a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, devia ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD e também, por via da similitude acima referida, da actividade de CRP.
  45. De acordo com o n.º 2 do art.º 173º da DIVA (acima transcrito) e que teve como antecedente histórico a alínea c), terceiro parágrafo, do n.º 5 do art.º 17.º da Sexta Directiva, transposto para o direito interno pelo n.º 2 do art.º 23.º do CIVA, como visto, a Autoridade Tributária e Aduaneira podia efectivamente estabelecer “condições especiais” para o cálculo do pro rata sempre que se verificassem distorções significativas na tributação, o que determinava, in casu, que para o cálculo do pro rata apenas fossem considerados os juros e encargos, ou seja, apenas fosse considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda, ou, para a actividade de CRP, apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas.
  46. A propósito da questão da verificação das distorções significativas na tributação a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.º 23º do CIVA, emergiu a questão do ónus probatório relativamente à existência de distorções significativas na tributação provocadas pela aplicação do método previsto nos nºs 8 e 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 e nomeadamente a questão de saber por conta de quem corria tal ónus probatório. Ou seja, com a emanação do Ofício-Circulado n.º 30.108 será que a Autoridade Tributária e Aduaneira fez a prova da existência de distorções significativas na tributação, conforme o que se encontra previsto no n.º 2 e alínea b) do n.º 3 do art.º 23º do CIVA? E será que era sobre ela que recaía tal ónus probatório? Será que a Autoridade tributária e Aduaneira tinha de demonstrar cabalmente a existência efectiva dessa distorção significativa na tributação por forma a poder impor desde logo o método da afectação real e, por outro lado, por forma a poder impor condições especiais nos termos e em conformidade com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 23º do CIVA?
  47. O n.º 1 do art.º 74º da LGT diz: “[O] ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
  48. Inferindo-se dali que no âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Autoridade Tributária e Aduaneira e dos contribuintes recai sobre quem os invoque, impendendo sobre a Fazenda o ónus de provar a factualidade que a leve a proceder a correcções à matéria colectável declarada pelos sujeitos passivos. 
  49. Dizendo, a tal propósito, o Acórdão do STA de 15.11.2017, tirado no arresto n.º 0485/17, disponível inhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/306d68b8ec0b1c8b802581df004ee563?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 o seguinte: “(...) cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade», cabendo, por sua vez, «ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos». Similarmente com o que sucede no âmbito de outras isenções de IVA, também no caso presente se pode considerar que «quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação (...) e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto (...)». Com efeito, no concreto caso dos autos, a aplicação deste regime legal determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, que beneficiará da existência desse facto, favorável à sua pretensão: aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma do pro rata, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que dêem lugar a dedução (no caso concreto a celebração dos contratos de locação mobiliária que permitam a disponibilização dos veículos aos clientes) - art. 23° n.ºs 1 al. b) e 4 do CIVA.”
  50. Sendo certo que, in casu, o Requerente tinha conhecimento do entendimento advogado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (tanto assim que a autoliquidação foi empreendida em conformidade com o disposto no Ofício-Circulado n.º 30.108), no que concerne à aplicação do método da afectação real através da imposição de um coeficiente de imputação específico. 
  51. Ademais, revela o Requerente conhecimento da citada instrução administrativa em momento anterior à regularização efectuada na declaração periódica de IVA que está na base das correcções impugnadas.
  52. Do Ofício-Circulado n.º 30.108 resulta que a imposição da afectação real generalizada e destina-se a todos os bancos que igualmente desenvolvam actividades de locação financeira e ALD (e atenta a aludida similitude desenvolvam também actividades de CRP como as que estão em causa nos presentes autos), tal como, generalizada é, a imposição do pro rata especifico de dedução, no pressuposto da ausência de critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização dos bens e serviços que suportaram IVA para a realização de operações que conferem o direito à dedução e para a realização de operações que não conferem esse direito, a aplicar aos bens de utilização mista.
  53. Por outro lado, do texto daquela mesma instrução administrativa, concretamente do seu n.º 8, resulta também claro que para a Autoridade Tributária e Aduaneira a aplicação do n.º 4 do art.º 23º do CIVA às operações objecto daquele entendimento é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas.  
  54. Dito isto expressamente naquela instrução administrativa, era quanto bastava, do meu ponto de vista, para se ter por cumprido o ónus probatório que recaía sobre a Fazenda, daqui resultando que impenderia sobre o Requerente, em face do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o ónus da prova dos factos impeditivos do exercício do direito nos exactos termos em que a Autoridade Tributária se arrogava naquela instrução administrativa; ou noutra perspectiva, recaía sobre o Requerente o ónus da prova dos factos constitutivos do acrescido direito à dedução do imposto a que aquele julgava ter direito, consubstanciado no aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma de cálculo do pro rata, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que dêem lugar a dedução, o que do meu ponto de vista não foi cumprido. Importando não olvidar, a este respeito, tudo quanto é dito nos pontos 33 a 35 da fundamentação do acórdão do TJUE de 10 de Julho de 2014, Processo n.º C-183/13, Caso Banco Mais, que pode ser consultado inhttp://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=154819&doclang=PT e donde resultava que embora a realização de operações de locação financeira por parte de um banco, pudesse implicar a utilização de bens ou serviços de utilização mista, como sejam, v.g., custos relacionados com a utilização de edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais ao exercício daquelas duas actividades e de entre os quais se enumeram, a título meramente exemplificativo, os relacionados com a relevação contabilísticas das respectivas actividades ou até os relacionados com a revisão oficial de contas, na maioria dos casos essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os clientes e não pela disponibilização ao cliente dos próprios bens objecto de locação financeira.
  55. Concluindo-se assim que a circunstância do Ofício-Circulado n.º 30.108 impor a utilização de um coeficiente de imputação específico, devendo ser considerado no cálculo desse pro rata específico apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD e não o valor da amortização do capital subjacente às rendas e quanto à actividade de CRP, atenta a aludida similitude, devendo considerar-se apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, não se mostrando tal hermenêutica contrária à legalidade vigente no ordenamento jurídico-comunitário, o que não pode deixar de ter consequências em sede de perfeição dos actos de autoliquidação sindicados não enfermando os mesmos de qualquer ilegalidade.
  56. Além de que idêntica questão de direito à colocada pelo Requerente foi resolvida pelo acórdão de uniformização de jurisprudência do Pleno do STA (infra melhor identificada) ao consignar que pelo n.º 2 do art.º 23.º do CIVA foi efectuada a transposição para o direito interno do n.º 2 do art.º 173º da DIVA (e que teve como antecedente histórico a alínea c), terceiro parágrafo, do n.º 5 do art.º 17.º da Sexta Directiva), e, por conseguinte, a Administração não está impedida de considerar que, no cálculo do pro rata das operações de locação financeira e ALD, apenas sejam tidos em conta os juros e encargos, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda. Tal como, sustento, partindo da similitude acima defendida, a AT não estava impedida de considerar que, no cálculo do pro rata das operações de CRP, apenas fossem tidos em conta os montantes que excedem o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, ou seja, apenas a parte da remuneração do Banco incluída nas prestações que retribuem o mútuo concedido.
  57. O Requerente parece sustentar a ilegalidade do acto de autoliquidação de IVA, respeitante a Dezembro de 2021, e bem assim, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra aquele acto tributário de autoliquidação, advogando, além do mais, que o cálculo do direito à dedução relativo aos bens e serviços de uso misto deve fazer-se recorrendo ao pro rata geral previsto no n.º 4 do art.º 23º do CIVA, ou seja, baseado no volume de negócios de cada categoria de operações, olvidando a instrução administrativa consubstanciada no Ofício-Circulado n.º 30.108, i.e., sem que, ele próprio, tivesse colocado em prática um critério de afectação real suficientemente idóneo para determinar o grau de utilização daqueles bens e serviços; mas defendendo também a inaplicabilidade do pro rata especifico imposto pelo Ofício-Circulado n.º 30.108 e que sustenta que deve ser considerado no cálculo do aludido pro rata especifico apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD e por via da acima referida similitude, quanto à actividade de CRP, também e tão-só o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas. 
  58. É bem certo que sobre esta temática vêm sendo prolatadas decisões arbitrais no sentido da procedência das pretensões dos respectivos Requerentes, apontando no sentido da ilegalidade dos actos tributários que aplicam o critério específico de dedução adoptado pelo Ofício-Circulado n.º 30108, por violação do disposto no art.º 23.º do Código do IVA. Nesse sentido e por todos, vejam-se, v.g., as decisões tiradas nos processos nºs 11/2019-T, 72/2019-T e 921/2019-T
  59. Não podendo eu olvidar que há igualmente decisões arbitrais em sentido contrário, como sejam, v.g., as tiradas nos Processos n.ºs 611/2022-T e 517/2021-T. 
  60. Tal procedência poderia assentar na ideia de que embora o n.º 2 do art.º 173º da DIVA (acima transcrito) e que teve como antecedente histórico a alínea c), terceiro parágrafo, do n.º 5 do art.º 17.º da Sexta Directiva, admita que, na aplicação do método de afectação real, seja apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, na transposição efectuada para o direito interno, o legislador nacional apenas prevê, concretamente no n.º 2 do art.º 23.º do CIVA, a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.
  61. Inferindo-se daí  que a imposição de um pro rata especifico, como o que está previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108, não pode consubstanciar a utilização do método da afectação real; tal como o poder conferido à Autoridade Tributária e Aduaneira pelo n.º 3 do art.º 23º do CIVA, não inclui a possibilidade daquela impor ao sujeito passivo a aplicação de um pro rata de dedução especifico, ou seja, ainda que se admita que no CIVA se efectuou a transposição para o direito interno do n.º 2 do art.º 173º da DIVA (acima transcrito) e que teve como antecedente histórico a alínea c), terceiro parágrafo, do n.º 5 do art.º 17.º da Sexta Directiva, isso não permitiria sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tivesse por base a consideração no numerador e denominador da fracção do montante anual correspondente aos juros e encargos associados à actividade de locação financeira e do ALD e, por via da referida similitude, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas.
  62. Claro está que olvidando tais aventadas decisões (de procedência) que o entendimento administrativo firmado pelo Ofício-Circulado n.º 30.108 adveio ancorado na existência de distorções significativas na tributação e, em termos de suporte legal, estribado no n.º 2 (quanto à aplicação de critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem o direito à dedução e em operações que não conferem esse direito e ainda, no pressuposto da impossibilidade dos tais critérios objectivos, quanto à aplicação de “condições especiais” que podem bem ser a aplicabilidade do tal pro rata especifico de dedução) e no n.º 3 (quanto à imposição da afectação real) do art.º 23.º do CIVA. 
  63. Olvidando também que o TJUE no seu Acórdão de 10 de Julho de 2014, Processo n.º C-183/13, Caso Banco Mais, que pode ser consultado in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=154819&doclang=PT , reconheceu nos n.ºs 16 a 19 do texto decisório que a conjugação dos nºs 2 e 3 do art.º 23º do CIVA “(...) reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.°, n.° 5, primeiro parágrafo, e 19.°, n.° 1, dessa diretiva. Dizendo-se ainda ali que: “Consequentemente, importa considerar, como confirmou o Governo português na audiência, que o artigo 23.°, n.° 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado‑Membro em causa, do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva.”
  64. Aquele acórdão do TJUE, de 10 de Julho de 2014, acima melhor identificado, diz na parte relativa ao dispositivo: “O artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.”
  65. Sendo ainda relevante trazer aqui à colação o entendimento que tem sido seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão sub judicio. No acórdão de 4 de Março de 2015, no âmbito do Processo n.º 01017/12, consultável in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5e3113f2b07ffb9280257e0a003bd76d?OpenDocument&ExpandSection=1&Highlight=0,01017%2F12#_Section1 , em que foi formulado o pedido de reenvio prejudicial que originou a pronúncia pelo TJUE no Caso Banco Mais (acima melhor identificado), os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordaram  conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e determinar a ampliação da matéria de facto nos moldes ali mencionados e cujo sumário diz: “I - O Tribunal de Justiça EU, no proc. C-183/13 – esclareceu que, se houver elementos que permitam concluir que as operações que conferem direito à dedução de imposto representam uma parte mais que proporcional dos custos comuns originados pelos bens e serviços de utilização mista – como aconteceria se a utilização desses bens e serviços de utilização mista fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira (actividade que não confere direito à dedução do Imposto sobre o valor acrescentado) a significar que «esses custos comuns» se reportavam essencialmente às operações bancárias isentas, - é possível calcular o pro rata da forma excluindo do numerador e do denominador a parte das rendas que corresponde à amortização financeira. II - Por força da interpretação dada pelo TJUE em processo de reenvio prejudicial, que as partes não podiam ter em conta dadas nos articulados que apresentaram, muito antes da sua prolação, importa, pois, que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. III - Como de forma unânime tem afirmado o Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo, os juízos de facto ou juízos sobre factos, incluindo os juízos de valor sobre matéria de facto, e a própria interpretação dos factos e das ilações que as instâncias deles retiram, formulados a partir de critérios da experiência, são, ainda, a matéria de facto, o que impede que possam ser formulados ou reapreciadas pelo tribunal de revista, por neste caso, não existir qualquer erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa que violem uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, em conformidade com o disposto nos arts. 662.º, n.º 4, 674.º, n.º 3, e 682.º, do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no art.º 2.º, e) e 281.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.” 
  66. Essa orientação foi depois seguida noutros Acórdãos do STA e confirmada nos seguintes Acórdãos para uniformização de jurisprudência do Pleno do STA: i) o de 4 de Novembro de 2020, Processo n.º 027/20.6BALSB, consultável in http://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e03e8550af0015a08025861d0051e497?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 ; ii) o de 4 de Novembro de 2020, Processo n.º 038/20.1BALSBhttp://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bbc6752e97b64b5d8025861c00438e82?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 ; o de 30 de Setembro de 2020, Processo n.º 095/19.3BALSB , disponível in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/54e7ae1a009d29f5802585fa005495c0?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 . 
  67. Não podendo eu deixar de aderir e acompanhar o sentido de tais decisões, advogando também que a Autoridade Tributária e Aduaneira não estava impedida de considerar, mesmo por via de instrução administrativa, mediante a divulgação do Ofício-Circulado n.º 30.108, que (no pressuposto da não utilização de critérios objectivos que permitissem determinar o grau de utilização dos bens e serviços de utilização mista em operações que conferem o direito à dedução e em operações que não conferem esse direito), no cálculo do pro rata especifico de dedução tendente à imputação do IVA suportado em inputs de utilização mista ou promiscua ligado a operações de CRP, apenas fossem tidos em conta os  montantes que excedem o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, donde, tão-só, os juros e encargos associados aos respectivos contratos de mútuo entretanto celebrados subsequentemente à entrega dos veículos vendidos com reserva de propriedade. 
  68. Não devendo olvidar-se que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da união europeia. E também que a jurisprudência do TJUE (aqui chamada à colação) não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo” na medida em que vincula todos os tribunal nacionais do Estados-membros tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, Pº Costa/Enel – 6/64, disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=NL  . 
  69. E ainda da vigência do princípio da interpretação conforme com o direito da União, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3 do TUE e 288.º, n.º 3 do TFUE. Tal princípio impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União. E quanto ao sentido e alcance deste princípio, no acórdão Von Colson (Cfr. acórdão do TJUE, de 10 de abril de 1984, proc. 14/83) o TJUE entendeu que a obrigação de interpretação da norma nacional que transpõe uma diretiva, em conformidade com o texto e objetivo daquela, obriga o juiz nacional a dar prioridade ao método – de entre os métodos de interpretação permitidos pela ordem jurídica interna – que lhe permita atribuir à disposição nacional em causa uma interpretação compatível com a Directiva. 
  70. Tudo ponderado e atendendo a que, sustento, não ficou provada a preponderância ou predominância dos inputs em que a Requerente incorre com a disponibilização dos bens dados bens transmitidos ao abrigo da actividade de CRP (veículos) relativamente aos incorridos com o financiamento e gestão dos contratos de mútuo, é quanto basta para me impelir a sustentar a improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo Requerente e pela manutenção dos actos de autoliquidação sindicados, não ocorrendo, do meu ponto de vista, qualquer violação do disposto no art.º 23º do CIVA, nem mesmo qualquer violação do art.º 74º da LGT, nem qualquer ilegalidade decorrente de violação dos princípios da neutralidade fiscal do IVA, da igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, da segurança jurídica, da protecção da confiança legítima dos sujeitos passivos. 
  71. Quanto à desconsideração dos rendimentos relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos, mediante a adopção do método da afetação real integral nesta atividade, decidiria também pela improcedência do PPA, com respaldo na decisão arbitral tirada no Processo n.º 72/2019-T, já que o Requerente não especifica com suficiência o critério objectivo de imputação dos recursos exclusivos e de utilização de bens de utilização mista de que deva resultar a não inclusão, na percentagem de dedução, dos valores relativos às operações de gestão da carteira própria de títulos.
  72. E, por outro lado, não faz prova bastante, documental ou testemunhal (da qual até prescindiu), da tipologia de recursos que foram exclusivamente afectos à gestão de carteira própria de títulos e do condicionalismo que possa justificar que as despesas gerais inerentes à sua actividade económica não se refletem naquela específica área de actuação.
  73. A tal propósito, a questão que importava trazer à colação era a de saber qual era, em concreto, o critério de dedução utilizado dos custos de utilização mista (na actividade de gestão da carteira própria de títulos)?
  74. O Requerente diz que identificou (no art.º 84.º do PPA) um critério objectivo para determinação do direito à dedução do IVA incorrido nos recurso de utilização mista da actividade de gestão da carteira própria de títulos, mas não diz qual é esse critério, o que me impele a aceitar como boa (também quanto a esta parte) uma decisão de improcedência das suas pretensões.
  75. Tudo ponderado, teria decidido pela improcedência, in totum, do pedido apresentado pelo Requerente, divergindo assim da posição que fez vencimento.

O Árbitro,

 

Fernando Marques Simões

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] A utilização deste método é obrigatória de se tratar de bens não utilizados na atividade económica definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.

[3] Neste sentido, entre muitos, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA: de 25-10-2000, processo n.º 25128, Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.

[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, em que se entendeu que, na sequência decisão do TUJE proferida no processo C-183/13, tinha sido necessário ampliar a matéria de facto «no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afetos a atividades que conferem direito a dedução de IVA e a atividades isentas) foi, ou não, principalmente determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira que a recorrente celebrou com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos».

[5] Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª Ed., 2007, pp.125-126.

[6] “A determinação da parcela de IVA dedutível contida nos inputs “promíscuos” dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13)”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Coimbra, a.10n.1(Primavera2017), pp. 27-56.

 

[7] Veja-se José Maria Montenegro, “Comentário ao acórdão «Fazenda Pública contra Banco Mais, SA» de 10 de Julho de 2014, Proc. C- 183/13”, em Anuário de Direito Internacional, 2014/2015, pp. 313-323.

[8] Decisão proferida no âmbito do Proc. C-153/17, de 18 de Outubro de 2018.

[9]        In “A determinação da parcela de IVA dedutível contida nos inputs “promíscuos” dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13)”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Coimbra, n.º 1

(Primavera 2017). Veja-se igualmente no mesmo sentido José Maria Montenegro, “Comentário ao acórdão «Fazenda Pública contra Banco Mais, SA» de 10 de Julho de 2014, Proc. C- 183/13”, in Anuário de Direito Internacional, 2014/2015.

[10] Em “A determinação da parcela de IVA dedutível contida nos inputs “promíscuos” dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13)”, publicado em Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 10, n.º 1, página 27 e seguintes, 46-47.