Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 496/2023-T
Data da decisão: 2024-02-27  IRS  
Valor do pedido: € 88.567,09
Tema: IRS – Mais valias – Valor de aquisição – Autoconstrução – Valor de realização.
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            SUMÁRIO:

 

     A tributação de mais-valias tem como pressuposto um acréscimo patrimonial na esfera do sujeito passivo, como emerge dos artigos 9.º e 10.º do CIRS. Pelo que, no caso do valor realizado na venda de imóvel, deduzido dos custos de mediação mobiliária, ser inferior ao valor de aquisição, neste se integrando os custos de construção devidamente comprovados, não há lugar à cobrança de imposto.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Prof. Doutor Guilherme W. d`Oliveira Martins (árbitro presidente), Dr. António Cipriano da Silva e Dr. A. Sérgio de Matos (vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12 de Setembro de 2023, acordam no seguinte:

 

 

            I.         Relatório

A..., titular do número de identificação fiscal ..., residente em ..., ..., ..., ...-... Lisboa, doravante “Requerente”, notificado, em 06.04.2023, através do Ofício n.º..., de 03.04.2023, do despacho proferido pela Exma. Senhora Diretora de Serviço Central da Direção de Serviços de IRS, que indeferiu o Recurso Hierárquico n.º ...2021..., que teve por objeto a liquidação de IRS n.º 2019... e respetiva demonstração de acerto de contas com data de compensação de 08.11.2019 e que apurou um montante de IRS a pagar de € 88.567,09, respeitante ao período de tributação de 2015, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos artigos 10.º, 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), contra aquele ato de indeferimento e aquela liquidação de IRS, pretendendo a sua anulação, com a devolução do imposto indevido e o pagamento de juros indemnizatórios.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Em 07 de Julho de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, automaticamente, notificado à AT.

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar (artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 12 de Setembro de 2023.

 

            Em 16 de Outubro de 2023, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, concluindo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, com as legais consequências. Em 19-10-2023, veio juntar o processo administrativo.

            Em 16-01-2024, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

             Requerente e Requerida apresentaram alegações, nas quais reiteram as argumentações já expendidas nos articulados.

  

II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das liquidações de IRS, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A acção é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

            III.      Fundamentação de Facto

 

            1.         Matéria de Facto Provada

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

  1. Em 23.07.2001, foi celebrado um contrato de mandato com representação (“Contrato de Mandato”) nos termos do qual foram atribuídos poderes, pelos vários futuros proprietários do terreno, à sociedade D..., Lda. (“D...”) para a construção de um condomínio fechado - empreendimento imobiliário designado Quinta ..., ao ..., em Lisboa, englobando um terreno para construção de um edifício com frações para habitação e um Palacete para reconstrução, com frações para escritórios (documento n.º 1 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  2. De acordo com este Contrato de Mandato, que foi celebrado no interesse de ambas as partes, com poderes representativos constituídos por procuração irrevogável, a D... atuava em nome próprio ou em nome e representação das pessoas que viriam a ser proprietárias do terreno e que, assim, passaram a integrar um consórcio para a autoconstrução da Quinta ... (“Consórcio”) (documento n.º 1 junto ao PPA e depoimento da testemunha B...).
  3. Ainda em 23.07.2001, foi celebrado um contrato intitulado “Contrato de Auto-Construção” com a finalidade de “construção de um edifício com fracções para habitação, e reconstrução de outro (o Palacete a poente) com fracções para escritórios (de acordo com o estabelecido no anexo «Programa habitacional» - a designar por PH), nos termos da propriedade horizontal, optimizando a relação preço/qualidade, levada a cabo pelos próprios futuros condóminos, tendo na sua base a contitularidade de um fundo comum inicial, assim como dos bens com ele adquiridos e construídos (extinguindo-se a compropriedade e os efeitos do presente contrato no momento da constituição da propriedade horizontal, de acordo com a cláusula 12ª). Ou seja, cada futuro condómino ocupa, grosso modo, a posição de promotor da sua fracção, assumindo as correspondentes expectativas e os correspondentes riscos. Cabe à Sociedade D..., Lda. (…) a qualidade de mandatária dos futuros condóminos, obrigando-se a todos os actos necessários à prossecução do empreendimento, nos termos do mandato colectivo, com poderes representativos, que com o presente contrato é simultânea e complementarmente celebrado por instrumento notarial.” (cláusula 1.ª do documento n.º 2 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  4. Os membros do Consórcio (consortes) tornaram-se proprietários do terreno para desenvolvimento da Quinta ..., donos de obra e mutuários ao banco, sendo cada consorte o promotor da sua futura fração autónoma (documento n.º 1 e documento n.º 2 juntos ao PPA e depoimento da testemunha B...).
  5. Foram abertas, em representação dos membros do Consórcio, a conta bancária n.º..., junto do banco Caixa Geral de Depósitos (“CGD”), e a conta bancária n.º ..., junto do banco Deutsche Bank (“DB”), destinadas à realização de movimentos financeiros associados ao desenvolvimento da Quinta ... (factos alegados nos artigos 6.º e 8.º do PPA, aceites por acordo, e depoimento da testemunha B...).
  6. Os movimentos financeiros do Consórcio eram registados na contabilidade da sociedade mandatária, em contas de terceiros (“outras contas a receber e a pagar/outros devedores e credores” – 27), não afectando o resultado da D...- (factos alegados no artigo 7.º do PPA, aceites por acordo, docs. n.ºs 46 e 47.º juntos ao PPA, aqui dados por integrados, e depoimentos das testemunhas C...).
  7. A contabilidade da D... estava organizada de modo a contemplar, separadamente, os diversos empreendimentos urbanísticos que desenvolvia, cada empreendimento tinha uma conta bancária, sendo registados nas contas de terceiros da D... relativas à Quinta ... os movimentos financeiros respeitantes aos recebimentos dos consortes e aos pagamentos efetuados aos fornecedores, destinados à autoconstrução (documento n.º 46.º junto ao PPA e depoimento da testemunha C...).
  8. No registo contabilístico da D... eram identificados, separadamente, os custos com a autoconstrução respeitantes ao que vieram a ser frações autónomas destinadas a habitação, lugares de estacionamento, lojas e espaços de escritório (doc. n.º 46.º junto ao PPA e depoimento da testemunha B...).
  9. Os gastos eram suportados pelos Consortes, apesar de as faturas relativas à autoconstrução da Quinta ... serem emitidas à D..., dado ser esta quem assumia toda a responsabilidade pela gestão e desenvolvimento do empreendimento, nos termos definidos no Contrato de Mandato, tendo aberto contas bancárias e efetuado transações sempre por conta e em representação dos membros do Consórcio (doc. n.º 46.º junto ao PPA e depoimentos das testemunhas C... e B...).
  10. Em 30.07.2001, foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda das duas parcelas que integram a Quinta  ...(o terreno para construção e o Palacete para reconstrução), pelo valor global de 1.317.500.000$00 / € 6.571.662,29 (documento n.º 3 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  11. No CPCV da Quinta ... figuram como promitentes-compradores, entre outros, E... (“E...”) e F... (“F...”), devidamente representados pela D... (documento n.º 3 junto ao PPA).
  12. Em 30.10.2001, em representação dos membros do Consórcio, a D... contratou um financiamento bancário junto da CGD, com o valor inicial de € 3.990.383,18, para a aquisição dos imóveis onde veio a ser desenvolvida a Quinta ..., o qual foi objeto de posteriores revisões e aditamentos (documento n.º 4 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  13. Em 31.10.2001, foi assinada a escritura pública de compra e venda da Quinta ..., na qual intervieram, na qualidade de compradores, entre outros membros do Consórcio, E... e F..., os quais adquiriram, cada um, uma quota-parte de 1,2741553% do terreno para construção e do Palacete para reconstrução (documento n.º 5 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  14. Nos termos deste contrato de compra e venda da Quinta  ...“o remanescente de cada prédio é objeto de compropriedade da sociedade D... e todos os seus representados, cabendo a cada um a proporção que tem no total do prédio” (documento n.º 5 junto ao PPA).
  15. Em 30.04.2002, foi celebrada entre E.. (e respetivo cônjuge), na qualidade de vendedores, e o Requerente (e respetivo cônjuge), na qualidade de compradores, a escritura pública de compra e venda de 1,4169242% da Quinta ... (“Contrato de Compra e Venda com Cessão”) pelo preço de € 93.115,48 (documento n.º 6 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).  
  16. Por força deste contrato de compra e venda com cessão da posição contratual, passaram a ser aplicáveis ao Requerente e ao seu cônjuge todas as cláusulas do Contrato de Mandato acima citado, tendo igualmente passado a ser proprietários de todos os bens e titulares de todos os direitos subjacentes (documento n.º 6 junto ao PPA, em particular as cláusulas 1.ª e 2.ª).
  17. Em 03.10.2005, em representação dos membros do Consórcio (entre os quais o ora Requerente e o então cônjuge), a D... contratou o empreiteiro geral de construção G..., S.A. (“G...”) para a realização da empreitada de construção do empreendimento, pelo valor global de € 8.299.240,00, acrescido de IVA (“Contrato de Empreitada”), montante ao qual vieram a acrescer € 13.590.181,35, incluindo IVA (documentos n.ºs 7 e n.º 8 juntos ao PPA, que aqui se dão por integrados, e aceite por acordo).
  18. Foi ainda despendida uma importância relativa a custos do mobiliário e equipamento de cozinhas, bem como relativa à contratação de todos os restantes serviços e fornecimentos necessários ao desenvolvimento e licenciamento do edifício, nomeadamente projetos, administração, fiscalização de obra, encargos com concessionárias e taxas, bem como consultores jurídicos (documento n.º 9 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado, e aceite por acordo).
  19. Em representação dos membros do Consórcio, a D... procedeu ao licenciamento dos projetos para construção da Quinta  ...junto da CML e demais entidades envolvidas, tendo sido emitido, em 13.10.2005, o Alvará de Obras de Construção n.º .../UPAL/2005, pelo montante de € 124.386,29 (documento n.º 10 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  20. Em 28.11.2005, foi celebrada entre F..., na qualidade de vendedora, e o Requerente (e respetivo cônjuge), na qualidade de compradores, a escritura pública de compra e venda de 1,362% da Quinta ..., pelo preço de € 110.000,00, tendo sido liquidado e pago IMT e IS (documento n.º 11 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  21. Por efeito das aquisições a E... e a F..., a quota-parte do ora Requerente e do seu cônjuge passou a totalizar 2,7789% da Quinta ... (documentos n.ºs 6 e n.º 11 juntos ao PPA).
  22. Através da escritura pública de divisão de coisa comum e Constituição de PH, celebrada em 07-05-2010 e rectificada em 06-04-2011, o Requerente e respetivo cônjuge deixaram de ser comproprietários da totalidade da Quinta ..., tendo-lhes sido atribuído:

•    2,67292%, correspondentes à fração “AM” (apartamento T6, 4.º Dto);

•    2,7235720% das frações sobrantes.

(documento n.º 12 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).

  1. Em 2010, o Requerente afetou a fração AM da Quinta ... (“Prédio 1”) à sua habitação própria e permanente e do respetivo agregado familiar (informação disponível no sistema informático da AT, aceite por acordo).
  2. Em 16.01.2012, o Requerente e o seu então cônjuge divorciaram-se, tendo sido atribuído ao Prédio 1 o valor, para efeitos de partilha, de € 383.503,00,  e tendo sido acordado dar início ao processo de alienação do Prédio 1, com proposta de valor de venda entre os € 700.000,00 e os € 820.000,00 (cláusula 6ª e verba n.º 8 do acordo de partilha de divórcio – “Acordo de Divórcio” (documento n.º 14 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  3. Em 22.03.2013, o Requerente adquiriu a propriedade total do Prédio 1, do qual passou a ser o único proprietário, e afetou-o a habitação própria e permanente (documento n.º 15 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  4. Na mesma data, o Requerente celebrou com a CGD um contrato de empréstimo com hipoteca (“Empréstimo com Hipoteca”), nos termos do qual contraiu um empréstimo no valor de € 735.000,00, tendo dado em garantia a hipoteca, a favor da CGD, da fração designada pelas letras “AM”, dele constando espressamente que “o imóvel hipotecado foi adquirido hoje, com base na escritura de aquisição aqui celebrada pela Notária H...”  (documento n.º 15 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  5. Do custo global da Quinta ... (€ 28.773.069,46), o custo total suportado pelo Requerente com o Prédio 1 corresponde à sua quota-parte (2,67292%), ascendendo a € 769.081,13 (citados documentos n.ºs 5, 7, 8, e 12 e documentos n.ºs 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 27 juntos ao PPA, aqui dados por integrados).
  6. Em 25.06.2015, o Requerente alienou, pelo preço de € 775.000,00, o Prédio 1, com o VPT de € 392.159,43 (documento n.º 28 e caderneta predial anexa, obtida via internet em 2015-04-23 (juntos ao PPA, aqui dados por integrados).
  7. Para a alienação do Prédio 1, o Requerente suportou custos de mediação imobiliária no valor de € 47.662,50 (documento n.º 29 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  8. Na mesma data, o Requerente utilizou uma parcela do produto da alienação, no valor de € 738.702,27, para a amortização do empréstimo contraído em 22.03.2013 para a aquisição do Prédio 1, sendo esse o valor que ainda se encontrava em dívida desse empréstimo (documentos n.ºs 30, 31 e 32, aqui dados por integrados).
  9. Em 22.06.2016, o Requerente apresentou a sua declaração Modelo 3 de IRS, em cujo Anexo G declarou, no campo 4001:

•    € 775.000,00 como valor de realização (correspondente ao preço pelo qual foi alienado o Prédio 1);

•    € 392.159,43 como valor de aquisição; e

•    € 47.662,50 como despesas e encargos (correspondente aos encargos com a mediação imobiliária).

(documento n.º 33 junto  ao PPA, que aqui se dá por integrado).

  1. Adicionalmente, o Requerente declarou, no quadro 5A do Anexo G da declaração Modelo 3, o valor de € 738.702,27 no campo 5005, como “Valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem”, e no campo 5006, como “Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito)”:

(documento n.º 33 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).

  1. Por lapso, o Requerente não declarou no quadro B do quadro 5 a amortização do empréstimo (documento n.º 33 junto ao PPA e aceite por acordo).
  2. Esta declaração Modelo 3 deu origem à liquidação de IRS n.º 2016..., que apurou um valor de IRS a pagar de € 263,07 (documento n.º 34 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  3. A mesma declaração Modelo 3 foi selecionada para análise pela AT, sendo que, em resposta à respectiva notificação, o Requerente apresentou, através do Portal das Finanças, documentação comprovativa da amortização do empréstimo e dos custos suportados para a alienação do Prédio 1 (documento n.º 35 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado, e aceite por acordo).
  4. Em 2019, o Requerente foi notificado, para efeitos de audição prévia, da existência de incorreções: “não foi comprovado documentalmente, art. 128.º CIRS: o valor de aquisição inerente à alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, art. 46.º CIRS; o valor do capital em dívida do empréstimo contraído para a aquisição, art. 10.º CIRS. Fica notificado da intenção de se efetuar a eliminação do Q 5A” (documento n.º 36 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  5. Em resposta a esta notificação, o Requerente comunicou ao Serviço de Finanças de Lisboa 11, em 01.04.2019, nova remessa da documentação que tinha enviado, em 15.08.2016, através do Portal das Finanças, nomeadamente: (i) declaração da CGD com indicação do valor de liquidação do empréstimo contraído; (ii) fatura da imobiliária com indicação dos encargos com mediação imobiliária; (iii) documento da Conservatória do Registo Predial indicando o distrate da hipoteca a favor da CGD e o respetivo custo; e (iv) nota de liquidação de IMI de 2014, da qual consta o VPT do Prédio 1. (documento n.º 37 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  6. O Requerente apresentou ainda o contrato de empréstimo bancário em causa e a escritura de partilha pela qual adquiriu a propriedade total do Prédio 1 (fracção “AM”), ambos celebrados em 22.03.2013, nos quais ficou exarado que tal imóvel se destina a habitação própria e permanente do ora Requerente (cfr. documento n.º 38 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  7. Pelo Ofício n.º..., de 23.04.2019, do Serviço de Finanças de Lisboa ..., o Requerente foi notificado da decisão final que recaiu sobre as divergências identificadas anteriormente pela AT, consubstanciada na realização das seguintes correções:

(documento n.º 39 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).

  1. Após as referidas correções, o Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2019..., de 10.05.2019, relativa ao ano de 2015, e da respetiva demonstração de acerto de contas, com o valor a pagar de € 2.439,09 (documento n.º 40 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  2. O Requerente não declarou, nem na declaração de rendimentos do ano 2015 nem nos anos seguintes, a concretização do valor que declarou pretender reinvestir (738.702,27), pelo que foi efetuada a (re)liquidação n.º 2019..., por não reinvestimento do valor de realização, que apurou um valor (a pagar) de 91.006,18 (item 7 Resposta, aceite por acordo).
  3. Em novembro de 2019, o Requerente foi notificado da liquidação adicional de IRS n.º 2019..., relativa ao ano de 2015, e da respetiva demonstração de acerto de contas, que apurou um montante de IRS a pagar de € 88.567,09 (documento n.º 41 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  4. O valor liquidado foi integralmente pago pelo Requerente em 17.12.2019 (cfr. documento n.º 42 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  5. Em 03.07.2020, o Requerente deduziu reclamação graciosa contra o ato de liquidação liquidação adicional de IRS n.º 2019..., a qual veio a ser indeferida através da Decisão n.º ...2020..., notificada por Ofício de 23-09-2021 (documentos n.ºs 43 e 44 junto ao PPA, aqui dados por integrados).
  6. Em 27.10.2021, o Requerente apresentou recurso hierárquico, que recebeu o n.º ...2021..., contra aquela Decisão, o qual foi também indeferido, por Despacho da Senhora Diretora de Serviço Central da Direção de Serviços de IRS,   comunicado pelo Ofício n.º ..., datado de 03.04.2023 (documento n.º 45 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado).
  7. Consta dessa Decisão do recurso Hierárquico, sob a epígrafe “Autoconstrução”, entre o mais, o seguinte:

 

 

 

  1. Abordando a alegada violação de princípios constitucionais, nomeadamente o princípio da igualdade, colhe-se da fundamentação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, o seguinte:

“53 - …ainda que algum dos outros sujeitos passivos titulares de frações no empreendimento “Quinta ...” tenham tido os seus processos deferidos (o que não se concede), isso não quer dizer que esse desfecho fosse o correto.

54 – Isto é, tal como exposto supra, o desfecho correto é o indeferimento da pretensão e, se por algum acaso, tiver sido diferente a decisão noutro procedimento, não poderá o recorrente aproveitar-se de uma decisão incorreta da Autoridade Tributária para invocar a sua aplicação ao seu caso.

55 – Acresce que, os processos de que se tem conhecimento e que envolveram a empresa D... submetidos à apreciação desta Direção de Serviços do IRS tiveram como decisão o indeferimento do pedido.

56 – Também o parecer da DSCJC relativo ao enquadramento fiscal da D..., mencionado no ponto 106 da petição não releva para o caso aqui em apreciação.

57 – Em primeiro lugar, porque diz respeito ao enquadramento fiscal da referida empresa e não dos sujeitos passivos singulares.

58 – Além disso, porque diz respeito a outro empreendimento – “...”.

59 – E ainda, por maioria de razão, porque não foi apreciado se individualmente (isto é, na esfera dos sujeitos passivos singulares) estava cumprido o disposto na parte final do n.º 3 do artigo 46º do Código do IRS.

60 – Ora, tal como exposto supra (e já informado em sede de reclamação graciosa), os custos de construção não se consideram devidamente comprovados, pelo que o valor a inscrever com de aquisição não poderá deixar de ser o que foi inscrito na declaração oficiosa, ou seja, 383.530,00 €, correspondente ao valor patrimonial tributário.”

  1. Ainda dessa mesma Decisão, sob o título “Amortização do Empréstimo”, alcança-se, além do mais, o seguinte:

“«74 – Esta expressão passou a estar contemplada na lei com a redação dada pelo artigo 30.º, da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2002).

75 – Não obstante as sucessivas alterações legislativas introduzidas ao n.º 5 do artigo 10.º, do Código do IRS, sempre se manteve a expressão “amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel”, sem que ali tenha sido feita alusão à construção (exceto no que respeita ao reinvestimento do valor de realização, que pode efetivar-se pela aquisição da propriedade de outro imóvel ou de terreno para a construção de imóvel, construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel, em qualquer dos casos, exclusivamente destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar).

76 – É consabido que na interpretação das normas fiscais se seguem os mesmos cânones hermenêuticos aplicáveis na interpretação da generalidade das normas jurídicas (artigo 11.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária – LGT), dispondo o artigo 9.º, do Código Civil, que, “Artigo 9.º - (Interpretação da lei)

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.

77 – Assim, a letra da lei é “não só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação”, o que quer dizer que “o texto funciona também como limite da busca do espírito”, dada a presunção de que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

78 – No entanto, como acontece neste caso, o termo adquirir pode ter mais do que um significado, o que leva à busca da “ratio legis” não apenas a partir do texto, mas de outros elementos interpretativos, nomeadamente os elementos sistemático e histórico.

79 – O elemento histórico, ou seja, “as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, indicia não ter sido intenção do legislador excluir da incidência do IRS a parte do valor de realização de um imóvel destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar, aplicada na amortização de empréstimo contraído para a sua construção, pois que nunca tal situação foi contemplada na letra da lei, pois a expressão utlizada pelo legislador na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º, do Código do IRS, foi sempre a de amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel”.

80 – Por outro lado, sendo a norma contida na alínea a) do n.º 5, do Código do IRS, uma norma de delimitação negativa da incidência e, como tal, abrangida pela reserva de lei da Assembleia da República (artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP), as eventuais lacunas nela contidas não são suscetíveis de integração por analogia, isto é, “segundo a norma aplicável aos casos análogos” (artigos 11.º, n.º 4, da LGT e 10.º, do Código Civil), de forma a englobar no conceito de aquisição ali mencionado, o de construção.

81 – Também a interpretação extensiva apenas é legítima “quando há razões para concluir que uma hipótese mais vasta não pode ter deixado de ter sido ponderada pelo legislador”.

  1. Em 05.07.2023, o Requerente deduziu o presente pedido de pronúncia arbitral.
  2. O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 12 de Setembro de 2023.

           

            2.         Factos não Provados

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
 

            3.         Motivação da Decisão de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

A convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental e testemunhal produzida nos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente. As testemunhas aparentaram depôr com isenção e distanciamento relativamente aos interesses em disputa, pelo que mereceram o crédito do Tribunal.

Com efeito, C..., contabilista certificada, afirmou, convincentemente, que a D... actuou como mandatária do consórcio da “Quinta...”, empreendimento que, como todos os restantes geridos pela empresa, tinha a sua própria conta bancária, na qual eram creditadas as entradas de capital de cada consorte e debitados os pagamentos aos fornecedores. Mais assegurou que todos os custos foram contabilizados de acordo com a respectiva finalidade e que o Requerente pagou tudo o que lhe coube, de acordo com a permilagem por si adquirida. E também a testemunha B... foi assertiva na declaração de que a D..., da qual foi sócio gerente, actuou como mera prestadora de serviços do “Consórcio”, em todos os passos do empreendimento, desde a aquisição do terreno, à contratação de serviços, abertura de contas de financiamento bancário, contratação de projectistas, obtenção da Licença de Construção, adjudicação da empreitada, submissão do edifício à propriedade horizontal e divisão de coisa comum, atribuição de fracções e entrega das mesmas. Confirmou que todos os custos foram suportados pelos consortes na percentagem adquirida por cada um e também com o nível de acabamentos pretendidos e interesse manifestado pelos espaços vagos sobrantes, sem excepção. Explicou ainda que as facturas eram emitidas em nome da D... por uma questão de ordem prática, dado que não faria sentido dividir cada uma delas pelos mais de 100 consortes que integraram aquele empreendimento. Nessa medida, cada consorte suportou uma parte de cada factura representativa do custo da “obra” ou serviço prestado, tendo o Requerente pago tudo quanto coube à sua quota-parte. Por último, esclareceu que o empreendimento ficou pronto em 2010, mas que, devido a um conflito judicial, o empreiteiro só apresentou as contas finais em 2013.           

        

            IV.       Fundamentação Jurídica

 

            1. Questões a Decidir

 

            A Requerente questiona a (i)legalidade da Decisão que indeferiu o Recurso Hierárquico e da liquidação oficiosa de IRS n.º ...2021..., respeitante ao período de tributação de 2015, que apurou um montante a pagar de € 88.567,09, com fundamento em erro nos pressupostos de facto e violação de lei por erro sobre os pressupostos de Direito.

            Para tanto, invoca os seguintes vícios:

            a)         desconsideração, pela AT, dos documentos apresentados para comprovar o valor de aquisição de € 769.081,13, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 46.º do CIRS;

            b)         ilegalidade por falta de aplicação do regime de exclusão de tributação à amortização de crédito contraído para a aquisição de terreno e construção de imóvel destinado à habitação própria e permanente;

            c)         falta de fundamentação.

 

            2 - APRECIAÇÃO

 

            2.1 -  Do Valor de Aquisição e da Mais-valia

 

            Sobre esta questão alega o Requerente, em síntese:

              - É inquestionável que estamos perante um caso de autoconstrução, apurando-se o valor de aquisição, para efeitos de mais-valias, nos termos do artigo 46.º, n.º 3 do Código do IRS, ou seja, atendendo:

  • ao VPT inscrito na matriz após a conclusão da construção; ou
  • ao valor do terreno e custos de construção devidamente comprovados (se superiores ao VPT inscrito na matriz após a conclusão da construção).

                        - O VPT inscrito na matriz ascende a € 383.530,00 (doc. n.º 28 junto à p.i.).

                        - O custo do terreno (€ 177.408,76) e os custos de construção suportados pelo Requerente (€ 591.672,36) totalizam € 769.081,13, montante superior àquele VPT.

                        - nos termos do artigo 46.º, n.º 3 do Código do IRS, é a soma daqueles custos (valor do terreno mais os custos de construção devidamente comprovados) o valor a considerar como valor de aquisição do Prédio.

 

            A Requerida mantem a sua posição, alegando resumidamente:

            -  Dos custos invocados pelo Requerente, evidencia-se desde logo que alguns não correspondem, claramente, a “custos de construção”, como por exemplo encargos de financiamento, gestão do empreendimento, custos jurídicos e custos diversos.

            - Como fica patente no articulado apresentado pelo Requerente, o consórcio e a empresa D... que o representava atuavam com vista ao desenvolvimento da Quinta ... que, além do edifício para frações para habitação, incluía igualmente edifícios e/ou frações para comércio e serviços.

            -  Mesmo o edifício destinado a frações habitacionais, incluía infraestruturas de apoio que levantam dúvidas quanto à sua inclusão no conceito de “imóvel destinado a habitação própria e permanente”, nomeadamente piscina, balneários, jardim, estacionamentos, etc… (conforme resulta da licença de utilização).

            - Mesmo a verba que o Requerente denomina de “empreitada de construção civil”, é apenas referido o valor sem que o Requerente apresente quaisquer comprovativos dos custos incorridos, pelo que não são comprovados os custos de construção da fração autónoma que veio a ser transmitida onerosamente em 2015.

            - Não foram juntos pelo Requerente (nem no presente pedido arbitral, nem nos procedimentos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico) quaisquer documentos comprovativos de despesas de construção emitido em nome do Requerente, nem comprovativos dos supostos pagamentos efetuados à empresa D... .

            - Pelo que, não tendo sido alegados e comprovados os custos de construção, efetivamente suportados pelo contribuinte, foi corretamente considerado como valor de aquisição o valor patrimonial inicial de inscrição na matriz, em 2010: €383.530,00.

***

            Convoca-se para dirimir esta álea do conflito o artigo 46.º do CIRS que, sob a epígrafe “Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis”, estabelece, para o que aqui releva, o seguinte: “3 - O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.

            Há que atentar também ao disposto na al. f) do n.º 1 do artigo 44.º do mesmo Código (“Valor de realização”), nos termos do qual “Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização (...) o valor da respetiva contraprestação”.

            Por seu turno e dedicado às “Mais-valias”, preceitua o n.º 4 do artigo 10.º do diploma em citação que “O ganho sujeito a IRS é constituído: al. a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição...

 

            Na mesma senda, ou seja, saber qual o valor de aquisição a atribuir ao imóvel em causa para efeitos do cálculo do imposto sobre eventuais mais-valias, há que atender à prova recolhida, designadamente aos seguintes factos dados como provados:

            - Em 23.07.2001, foi celebrado um contrato de mandato com representação (“Contrato de Mandato”) nos termos do qual foram atribuídos poderes, pelos vários futuros proprietários do terreno, à sociedade D..., Lda. (“D...”) para a construção de um condomínio fechado - empreendimento imobiliário designado Quinta ..., ao ..., em Lisboa, englobando um terreno para construção de um edifício com frações para habitação e um Palacete para reconstrução, com frações para escritórios (documento n.º 1 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado) - Facto A.

            - De acordo com este Contrato de Mandato, que foi celebrado no interesse de ambas as partes, com poderes representativos constituídos por procuração irrevogável, a D... atuava em nome próprio ou em nome e representação das pessoas que viriam a ser proprietárias do terreno e que, assim, passaram a integrar um consórcio para a autoconstrução da Quinta ... (“Consórcio”) (documento n.º 1 junto ao PPA e depoimento da testemunha B...) – Facto B.

            - Ainda em 23.07.2001, foi celebrado um contrato intitulado “Contrato de Auto-Construção” com a finalidade de “construção de um edifício com fracções para habitação, e reconstrução de outro (o Palacete a poente) com fracções para escritórios (de acordo com o estabelecido no anexo «Programa habitacional» - a designar por PH), nos termos da propriedade horizontal, optimizando a relação preço/qualidade, levada a cabo pelos próprios futuros condóminos, tendo na sua base a contitularidade de um fundo comum inicial, assim como dos bens com ele adquiridos e construídos (extinguindo-se a compropriedade e os efeitos do presente contrato no momento da constituição da propriedade horizontal, de acordo com a cláusula 12ª). Ou seja, cada futuro condómino ocupa, grosso modo, a posição de promotor da sua fracção, assumindo as correspondentes expectativas e os correspondentes riscos. Cabe à Sociedade D..., Lda. (…) a qualidade de mandatária dos futuros condóminos, obrigando-se a todos os actos necessários à prossecução do empreendimento, nos termos do mandato colectivo, com poderes representativos, que com o presente contrato é simultânea e complementarmente celebrado por instrumento notarial.” (cláusula 1.ª do documento n.º 2 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado) – Facto C.

            - Os membros do Consórcio (consortes) tornaram-se proprietários do terreno para desenvolvimento da Quinta ..., donos de obra e mutuários ao banco, sendo cada consorte o promotor da sua futura fração autónoma (documento n.º 1 e documento n.º 2 juntos ao PPA e depoimento da testemunha B...) – Facto D.

            - Foram abertas, em representação dos membros do Consórcio, a conta bancária n.º..., junto do banco Caixa Geral de Depósitos (“CGD”), e a conta bancária n.º ..., junto do banco Deutsche Bank (“DB”), destinadas à realização de movimentos financeiros associados ao desenvolvimento da Quinta ... (factos alegados nos artigos 6.º e 8.º do PPA, aceites por acordo, e depoimento da testemunha B...) – Facto E.

            - Os movimentos financeiros do Consórcio eram registados na contabilidade da sociedade mandatária, em contas de terceiros (“outras contas a receber e a pagar/outros devedores e credores” – 27), não afectando o resultado da D... - (factos alegados no artigo 7.º do PPA, aceites por acordo, docs. n.ºs 46 e 47.º juntos ao PPA, aqui dados por integrados, e depoimentos das testemunhas C... e B...) – Facto F.  

            - A contabilidade da D... estava organizada de modo a contemplar, separadamente, os diversos empreendimentos urbanísticos que desenvolvia, cada empreendimento tinha uma conta bancária, sendo registados nas contas de terceiros da D... relativas à Quinta ... os movimentos financeiros respeitantes aos recebimentos dos consortes e aos pagamentos efetuados aos fornecedores, destinados à autoconstrução (doc. n.º 46 e depoimento da testemunha C...) – Facto G.

            - No registo contabilístico da D... eram identificados, separadamente, os custos com a autoconstrução respeitantes ao que vieram a ser frações autónomas destinadas a habitação, lugares de estacionamento, lojas e espaços de escritório (doc. n.º 46.º junto ao PPA e depoimento da testemunha B...) – Facto H.

            - Os gastos eram suportados pelos Consortes, apesar de as faturas relativas à autoconstrução da Quinta ... serem emitidas à D..., dado ser esta quem assumia toda a responsabilidade pela gestão e desenvolvimento do empreendimento, nos termos definidos no Contrato de Mandato, tendo aberto contas bancárias e efetuado transações sempre por conta e em representação dos membros do Consórcio (doc. n.º 46.º e depoimentos das testemunhas C... e D...) – Facto I.

            - Por efeito das aquisições a E... e a F..., a quota-parte do ora Requerente e do seu cônjuge passou a totalizar 2,7789% da Quinta ... (documentos n.ºs 6 e n.º 11 juntos ao PPA) – Facto U.

            - Através da escritura pública de divisão de coisa comum e Constituição de PH, celebrada em 07-05-2010 e rectificada em 06-04-2011, o Requerente e respetivo cônjuge deixaram de ser comproprietários da totalidade da Quinta ..., tendo-lhes sido atribuído:

•    2,67292%, correspondentes à fração “AM” (apartamento T6, 4.º Dto);

•    2,7235720% das frações sobrantes.

(documento n.º 12 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado) - Facto V.

            - Em 2010, o Requerente afetou a fração AM da Quinta ... (“Prédio 1”) à sua habitação própria e permanente e do respetivo agregado familiar (informação disponível no sistema informático da AT, aceite por acordo) – Facto W.

            - Em 16.01.2012, o Requerente e o seu então cônjuge divorciaram-se, tendo sido atribuído ao Prédio 1 o valor, para efeitos de partilha, de € 383.503,00,  e tendo sido acordado dar início ao processo de alienação do Prédio 1, com proposta de valor de venda entre os € 700.000,00 e os € 820.000,00 (cláusula 6ª e verba n.º 8 do acordo de partilha de divórcio – “Acordo de Divórcio” (documento n.º 14 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado)- Facto X.

            - Em 22.03.2013, o Requerente adquiriu a propriedade total do Prédio 1, do qual passou a ser o único proprietário, e afetou-o a habitação própria e permanente (documento n.º 15 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado) – Facto Y.

            - Na mesma data, o Requerente celebrou com a CGD um contrato de empréstimo com hipoteca (“Empréstimo com Hipoteca”), nos termos do qual contraiu um empréstimo no valor de € 735.000,00, tendo dado em garantia a hipoteca, a favor da CGD, da fração designada pelas letras “AM”, dele constando espressamente que “o imóvel hipotecado foi adquirido hoje, com base na escritura de aquisição aqui celebrada pela Notária H...”  (documento n.º 15 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado) – Facto Z.

            - Do custo global da Quinta ... (€ 28.773.069,46), o custo total suportado pelo Requerente com o Prédio 1 corresponde à sua quota-parte (2,67292%), ascendendo a € 769.081,13 (citados documentos n.ºs 5, 7, 8, e 12 e documentos n.ºs 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 27 juntos ao PPA, aqui dados por integrados) - Facto AA.

            - Em 25.06.2015, o Requerente alienou, pelo preço de € 775.000,00, o Prédio 1, com o VPT de € 392.159,43 (documento n.º 28 e caderneta predial anexa, obtida via internet em 2015-04-23 juntos ao PPA, aqui dados por integrados) – Facto BB.

            - Para a alienação do Prédio 1, o Requerente suportou custos de mediação imobiliária no valor de € 47.662,50 (documento n.º 29 junto ao PPA, que aqui se dá por integrado) – Facto CC.

            Sendo esta a prova recolhida nos autos, torna-se incontornável concluir que o valor a considerar para efeitos de aquisição do mencionado imóvel – fracção “AM” ou Prédio 1 – é o invocado pelo Requerente, ou seja, 769.081,13€. Levando em conta o valor de realização obtido - 775.000,00€ - e abatendo-lhe os custos de mediação imobiliária - 47.662,50€ -, a conclusão final é a de que não obteve qualquer mais-valia. Pelo contrário, registou uma menos-valia (-41.747,63€). Ora, não tendo apurado um ou ganho rendimento, não pode haver lugar à cobrança de imposto, como emerge da razão e da lei – artigo10.º, n.ºs 1 e 4.

             Em síntese, o Requerente integrou um “Consórcio” que, reunindo mais de 100 consortes, se propôs e consumou a autoconstrução do empreendimento “Quinta ...”. Para tanto, o “Consórcio” nomeou sua mandatária a sociedade D... Lda. (“D...”), à qual conferiu poderes para, entre o mais, em nome e representação de cada um dos consortes, adquirir o imóvel, contratar financiamento bancário, adjudicar a empreitada, requerer o licenciamento e praticar todos os demais actos necessários à construção do edifício, incluindo a divisão de coisa comum e a constituição da propriedade horizontal e, por útimo, a entrega da fracção ou fracções que viriam a constituir a propriedade individual da cada consorte. Nessa repartição das fracções do empreendimento, ao Requerente coube a fracção “AM” (acima também designada Prédio 1), que este afectou a sua habitação própria e permanente, representativa de 2,67292% do investimento global, e ainda 2,72357% das fracções vagas, lojas e escritórios. Por razões de praticabilidade e simplicidade administrativas todas as facturas inerentes ao custo do empreendimento foram emitidas em nome da “D...”, que foi, simultaneamente, um dos donos da obra, enquanto consorte, e representante de todos os donos da obra, enquanto mandatária do “Consórcio”, e que era quem assumia toda a responsabilidade pela gestão e desenvolvimento do empreendimento. Assim, cada factura não menciona uma específica fracção, mas antes todo o empreendimento, pelo que todas essas facturas foram inseridas na contabilidade da “D...” como contas de terceiro – 27, segundo as regras contabilísticas. Como acontecia com outros empreendimentos também geridos pela mesma mandatária, a “Quinta ...” tinha contas bancárias nas quais eram creditadas as comparticipações dos consortes e debitados os pagamentos a fornecedores. E o mesmo sucedia nos registos contabilísticos da “D...” inerentes ao empreendimento onde, além do mais, as facturas eram separadas consoante o destino dos bens e serviços nelas representados e fornecidos, isto é, para fracções habitacionais, escritórios, lojas e outras, sem descurar o que fossem custos comuns. O custo global da “Quinta...” ascendeu a 28.773.069,46€, nos quais a quota-parte do Requerente, no que toca exclusivamente ao Prédio 1 e que o mesmo suportou efectivamente, totaliza  769.081,13€, como resulta de simples operação aritmética (28.773.069,46 x 2,67292%).

            Tanto é o que ressalta do conjunto da matéria de facto provada, em face da documentação e dos depoimentos testemunhais indicados como suporte de cada facto dado por assente, entendendo o Tribunal que o Requerente deu cabal satisfação ao ónus de comprovar devidamente os custos por si incorridos na auto-construção do imóvel aqui enfocado (artigo 46.º, n.º 3, CIRS). Logicamente, em contraponto deste entendimento, nenhum dos pretensos óbices colocados pela Requerida, supra elencados, logrou enfraquecer ou fazer naufragar as pretensões expressas no PPA. Aliás, a prova é abundante quanto aos custos de construção, incluindo todos fornecimentos, prestações de serviços, licenciamentos e demais encargos necessários à materialização e destinação do imóvel, dos quais resulta claro, através de um simples cálculo aritmético, o valor que o Requerente teve que suportar para adquirir a fracção “AM”, ou seja, a que viria a ser a sua habitação própria e permanente.    

            Ora, a tributação de mais-valias tem como pressuposto um acréscimo patrimonial na esfera do sujeito passivo, como emerge dos artigos 9.º e 10.º do CIRS. No caso concreto, e como já se viu, o Requerente adquiriu por 769.081,13€ (valor de aquisição) e alienou por 775.000,00€ (valor de alienação). Mas, de permeio, ainda suportou custos de mediação mobiliária no valor de 47.662,50€, pelo que o resultado final constitui não um ganho mas, ao invés, uma perda, uma diminuição patrimonial de (-41.747,63€). Pelo que, não deveria ter ocorrido a liquidação de IRS impugnada, porquanto a mesma padece de erro nos pressuspostos de facto e de Direito. Nessa medida, deverá proceder o pedido de pronúncia arbitral.

 

            2.2 – Conforme supra enunciado, os outros alegados vícios que haveria para apreciar seriam (i) - ilegalidade por falta de aplicação do regime de exclusão de tributação à amortização de crédito contraído para a aquisição de terreno e construção de imóvel destinado à habitação própria e permanente e (ii) - falta de fundamentação, mas o seu conhecimento já ficou prejudicado pela solução encontrada no ponto anterior.

 

            V.        IMPOSTOS INDEVIDAMENTE COBRADOS E JUROS INDEMNIZATÓRIOS                 

             No que tange ao pedido de restituição dos impostos indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, formulado pelo Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

            O Requerente procedeu ao pagamento da quantia representada na sobredita liquidação oficiosa n.º 2019..., incluindo IRS e juros compensatórios,  no valor de 88.567,09€, em 17.12.2019 (Facto QQ).

            O conceito de “erro imputável aos serviços” tem sido abundantemente interpretado pelos tribunais, entendendo-se que a actuação ilegal da Administração constitui sempre erro imputável aos serviços (acórdão STA, de 21-01-2015, proc. n.º 632/14). Assim, tendo a Administração Tributária errado nos pressupostos de facto e de Direito, como ficou demonstrado no caso presente, tal erro é imputável aos serviços, para efeitos da citada norma.

            Tem, portanto, o Requerente direito a ser reembolsado da quantia de 88.567,09€ que pagou indevidamente (artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizado, através de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido do imposto e acrescidos até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

             

 

VI.       Decisão

 

             Em face do exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido arbitral  sub judício e, em consequência: 

            I) – Anular do despacho proferido pela Exma. Senhora Diretora de Serviço Central da Direção de Serviços de IRS, de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2021...;

            II) – Anular a liquidação oficiosa de IRS n.º 2019..., relativa ao período de tributação de 2015, e respetiva demonstração de acerto de contas com data de compensação de 08.11.2019, que apurou um montante de IRS a pagar de 88.567,09€;

            III) - Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso dos impostos e demais quantias indevidamente pagas (88.567,09€), ora anulados, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;

            IV) - Condenar a Requerida nas custas do processo.

             

            VII.     Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em 88.567,09€ (oitenta e oito mil, quinhentos e sessenta e sete euros e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VIII.    Custas

 

            Custas no montante de 2.754,00 €, a cargo da Requerida, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

           

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2024.

Os Árbitros,

 

 

 

 

(Prof. Doutor Guilherme W. d'Oliveira Martins - Presidente)

 

 

(Dr. António Cipriano da Silva)

 

 

 

(A. Sérgio de Matos, relator)