Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 484/2023-T
Data da decisão: 2024-01-15  IMT  
Valor do pedido: € 88.178,51
Tema: IMT – caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT. Rectificação da escritura de aquisição do imóvel antes da caducidade da isenção. Valor tributável.
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SUMÁRIO:

 

  1. Uma vez verificada a caducidade da isenção de IMT consagrada no artigo 7.º do Código do IMT, por não ter o adquirente alienado o bem imóvel adquirido no prazo de que dispunha para o fazer, deve o sujeito passivo solicitar, no prazo de 30 dias, a respectiva liquidação do imposto, nos termos do artigo 34.º, n.º 1, do CIMT.

 

  1. Estabelece o n.º 2 do artigo 18.º do CIMT que “a taxa e o valor a considerar” serão os vigentes à data da liquidação.

 

  1. Nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do CIMT, “[o] IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior”.

 

  1. Tendo as Partes alterado o preço de aquisição de um imóvel antes da caducidade da isenção de que beneficiou é o preço alterado o que deve servir de base à necessária liquidação de IMT na sequência da referida caducidade.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. Relatório

 

 

A - Geral

 

 

  1. A..., LDA., titular do número único de identificação de pessoa colectiva e de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., n.º ...,  ..., em Lisboa  (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 02.12.2021, um pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, que foi aceite, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do acto tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT) e juros compensatórios com o n.º ... e data de 3 de Abril de 2023 (de ora em diante “Liquidação Contestada”), do qual resultou um montante total a pagar de € 220.985,22 (duzentos e vinte mil novecentos e oitenta e cinco euros e vinte e dois cêntimos), requerendo ainda o reembolso do montante indevidamente pago de € 88.178,51 (oitenta e oito mil cento e setenta e oito euros e cinquenta e um cêntimos), correspondendo € 82.348,68 (oitenta e dois mil trezentos e quarenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos) ao imposto e € 5.829,84 (cinco mil oitocentos e vinte e nove euros e oitenta e quatro euros) a juros compensatórios, peticionando ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)  no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do montante ilegalmente exigido (3 de Abril de 2023) até à data de processamento da nota de crédito, nos termos legais.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, não tendo as Partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

  1. Por despacho de 31.07.2023, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida” ou “AT”) procedeu à designação das Senhoras Dra. B... e Dra. C... para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído a 12.09.2023.

 

  1. No dia 13.09.2023 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, solicitar produção de prova adicional e juntar aos autos cópia do processo administrativo.

 

  1. No dia 06.10.2023 a Requerida apresentou a sua Resposta.

 

 

B – Posição da Requerente

 

 

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas de direito português, residente para efeitos fiscais em Portugal, cujo objecto consiste na promoção e comercialização de empreendimentos imobiliários, bem como na compra, venda e revenda de imóveis adquiridos para esse fim.

 

  1. A Requerente adquiriu às entidades D..., Lda. (“D...”) e E... (doravante designadas como “Vendedoras” e, em conjunto com a Requerente, como “Partes”), por escritura pública outorgada no dia 28 de Fevereiro de 2018 (“Escritura Inicial”), os prédios urbanos sitos na freguesia de ..., concelho do Porto, que a seguir se identificam (conjuntamente designados como “Imóveis”):

 

 

  1. De acordo com a Escritura Inicial, o preço de € 3.175.000,00 (três milhões cento e setenta e cinco mil euros) acordado entre a D... e a Requerente relativamente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho do Porto, denominado ... (doravante designado simplesmente como “Imóvel ...”) seria pago da seguinte forma:

 

  1. No acto da Escritura Inicial, através de cheque bancário, o valor de € 126.107,00 (cento e vinte e seis mil cento e sete euros), correspondente às prestações mensais vencidas e não pagas até à data do empréstimo bancário contraído pela D... junto do Banco F..., S.A. (anteriormente, Banco G..., S.A.) que estava na origem das duas hipotecas voluntárias registadas sobre o imóvel a favor deste último;
  2. Durante os seis meses posteriores à outorga da Escritura Inicial, e numa base mensal, por conta do preço, seria paga a importância correspondente às prestações mensais do empréstimo bancário referido em a) vencidas neste período temporal;
  3. No prazo de trinta dias após o decurso de seis meses a contar da data da outorga da Escritura Inicial, seria pago o remanescente em dívida no âmbito do empréstimo bancário;
  4. O remanescente do preço seria pago através de parte do produto das vendas de oito dos lotes que resultassem do projecto de loteamento a levar a cabo nos Imóveis, na proporção da área bruta de construção por cada lote vendido pela Requerente, devendo o pagamento ocorrer no prazo máximo de três anos após a outorga da Escritura Inicial.

 

  1. As Partes salvaguardaram, porém, que o preço do Imóvel ... poderia ser objecto de modificação nos moldes contratualmente estipulados e que a determinação do preço final seria feita após a realização de todos os pagamentos e deduções estipulados nesta Escritura Inicial.

 

  1. No dia 28 de Maio de 2020, as Partes celebraram uma nova escritura pública com vista à rectificação da Escritura Inicial (“Escritura de Rectificação”), na qual declararam que a venda pela D...  do Imóvel ... à Requerente foi feita não pelo preço de € 3.175.000,00 (três milhões cento e setenta e cinco mil euros) indicado na Escritura Inicial, mas pelo preço de € 1.908.097,27 (um milhão novecentos e oito mil noventa e sete euros e vinte e sete cêntimos), que seria pago da seguinte maneira:

 

 

  1. € 126.107,00 (cento e vinte e seis mil cento e sete euros), através do cheque mencionado na escritura rectificada;
  2. O montante correspondente às prestações mensais vencidas e não pagas e vincendas até ao sexto mês após a celebração da Escritura Inicial do empréstimo bancário contraído pela D... junto do Banco F..., S.A. que estava no cerne das duas hipotecas voluntárias registadas sobre o imóvel a favor deste último, montante este que ascendia ao valor global de € 1.081.904,14 (um milhão oitenta e um mil novecentos e quatro euros e catorze cêntimos), em prestações mensais, através de dezassete transferências bancárias realizadas de 15 de Março de 2018,  a 28 de Junho de 2019;
  3. O remanescente do preço, no montante de € 700.086,13 (setecentos mil oitenta e seis euros e treze cêntimos), entregue pela Requerente ao E... para pagamento parcial da dívida da D... para com esta entidade em duas tranches: (i) Uma no montante de € 350.086,13 (trezentos e cinquenta mil oitenta e seis euros e treze cêntimos), através de transferências bancárias realizadas em 2 de Julho de 2019, 1 de Agosto de 2019, 4 de Setembro de 2019, 11 de Outubro de 2019, 25 de Outubro de 2019 e 8 de Novembro de 2019; Uma segunda tranche, no montante de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), por transferência bancária na data da outorga na Escritura de Rectificação.

 

  1. Aquando da aquisição dos Imóveis, a Requerente beneficiou de isenção do IMT consagrada no artigo 7.º do Código do IMT (“CIMT”), tendo sido emitidas duas guias de liquidação de IMT, com os n.ºs ... e ..., ambas no montante de zero euros.

 

  1. A Requerente não logrou revender os Imóveis dentro do prazo de três anos a contar da data da respectiva aquisição, ou seja, até ao dia 27.02.2021, facto que determinou, nos termos do n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, a caducidade da isenção de IMT.

 

  1. Nesta medida, ainda que fora do prazo previsto para o efeito no n.º 1 do artigo 34.º do CIMT, a Requerente requereu junto da AT, no dia 03.01.2023, a liquidação do IMT referente à aquisição dos Imóveis.

 

  1. No que diz respeito ao Imóvel ..., foi a Requerente notificada pelo Serviço de Finanças Porto – ..., pelo ofício datado de 16.02.2023, para em trinta dias proceder ao pagamento do IMT em falta, mediante guias a solicitar àquele serviço, no valor de € 206.375,00 (duzentos e seis mil trezentos e setenta e cinco euros), acrescido de juros compensatórios, assumindo-se como base tributável o valor de aquisição constante da Escritura Inicial (€ 3.175.000,00), e não o valor final acordado e efectivamente praticado pelas Partes que consta da Escritura de Rectificação (€ 1.908.097,27).

 

  1. No dia 22.03.2023, a Requerente enviou ao Serviço de Finanças Porto – ... um email com o pedido de emissão da liquidação de IMT para o referido imóvel mas, não concordando com o entendimento adoptado pelos serviços quanto ao valor tributável sobre o qual o imposto deveria ser calculado, voltou a invocar os factos e argumentos que já tinham sido expostos no requerimento por si submetido no dia 03.01.2023 no sentido de o IMT dever incidir sobre o preço – inferior – identificado na Escritura de Rectificação.

 

  1. Sucede que no dia 03.04.2023, a AT procedeu à emissão da liquidação de IMT n.º ... no montante total de € 220.985,22 (duzentos e vinte mil novecentos e oitenta e cinco euros e vinte e dois cêntimos), sendo € 206.375,00 (duzentos e seis mil trezentos e setenta e cinco euros) a título de imposto e € 14.610,22 (catorze mil seiscentos e dez euros e vinte e dois cêntimos) referentes a juros compensatórios calculados entre 29.03.2021 e 03.01.2023.

 

  1. O montante de IMT de € 206.375,00 liquidado pelos serviços da AT resultou da aplicação da taxa de 6,5% prevista no artigo 17.º, n.º 1, alínea d), do CIMT ao preço de aquisição do Imóvel ... inicialmente acordado e que consta da Escritura Inicial (€ 3.175.000,00), e não ao valor pelo qual foi efectivamente adquirido pela Requerente e que resulta da Escritura de Rectificação (€ 1.908.097,27).

 

  1. Embora discordando da forma de apuramento do imposto, a Requerente, no dia 03.04.2023, procedeu ao pagamento da importância total de € 220.985,22 liquidada pela AT.

 

  1. Em face do enquadramento factual e das normas legais aplicáveis:
  1. A aquisição do Imóvel ... consubstancia um facto tributário para efeitos de IMT;
  2. O sujeito passivo do imposto é a Requerente;
  3. O valor tributável corresponde ao valor de aquisição do Imóvel..., porquanto o mesmo é superior ao respectivo valor patrimonial tributário;
  4. A taxa de IMT aplicável é 6,5%, como consta da liquidação n.º ... emitida pela AT, na medida em que o Imóvel ... se destina a armazéns e actividade industrial.

 

  1. A Requerente, como ficou dito, beneficiou da isenção aplicável à aquisição de prédios para revenda prevista no artigo 7.º do CIMT, não tendo logrado revender os Imóveis dentro do prazo de três anos a contar da data da respectiva aquisição, ou seja, até ao dia 27 de Fevereiro de 2021, facto que determinou, nos termos do n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, a caducidade da isenção de IMT.

 

  1. Dispõem os n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º do CIMT que “se ocorrer a caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação” e que “quando (…), após a aquisição dos bens, tenham ocorrido factos que alterem a sua natureza, o imposto será liquidado com base nas taxas e valores vigentes à data da transmissão”.

 

  1. O imposto deveria ser sempre liquidado tendo por base o valor tributável à data da liquidação, ou seja, no final do período de três anos da isenção (27.02.2021).

 

  1. Sabendo-se que a outorga da Escritura de Rectificação ocorreu no dia 28.05.2020, isto é, em momento anterior ao da liquidação do IMT, não poderia sequer a AT justificar o valor tributável excessivo utilizado no acto de liquidação do imposto ora impugnado com base no desconhecimento do preço declarado e efectivamente praticado entre as Partes.

 

  1. Uma vez que o valor de aquisição do Imóvel ... foi de € 1.908.097,27, o IMT devido pela Requerente pela sua aquisição, deveria ter sido calculado mediante a aplicação da taxa de 6,5% sobre aquele montante e não poderia exceder € 124.026,32 (cento e vinte e quatro mil vinte e seis euros e trinta e dois cêntimos).

 

  1. A escritura pública lavrada por notário é um documento autêntico (cf. artigo 369.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), fazendo prova plena dos factos que sejam atestados pela entidade documentadora (cf. artigo 371.º, n.º 1, do Código Civil). As Partes, pela Escritura de Rectificação, declararam que o preço de transmissão da propriedade do Imóvel ... a favor da Requerente era de € 1.908.097,27, razão por que a ulterior liquidação de IMT não podia usar outro montante no cálculo do imposto.

 

  1. De acordo com vasta e uniforme jurisprudência, a declaração do Vendedor de recebimento do preço de € 1.908.097,27 pela alienação da propriedade do Imóvel ... a favor da Requerente constitui uma confissão extrajudicial em documento autêntico que goza de força probatória plena não só inter partes mas também contra terceiros, como é o caso da AT, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 4 do artigo 355.º e do n.º 2 do artigo 358.º, ambos do Código Civil.

 

  1. Acresce que as declarações dos contribuintes, nomeadamente para efeitos de liquidação de IMT nos termos do artigo 34.º, n.º 1, do CIMT, não podem deixar de beneficiar da presunção legal de veracidade e de boa-fé (cf. artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”)).

 

  1. A ausência de pronúncia dos serviços da AT na decisão final do procedimento – isto é, no acto de liquidação de IMT ora contestado – sobre o teor da Escritura de Rectificação no que toca ao preço de aquisição que serve de base tributável levanta outra questão, que é a violação aberta do artigo 60.º, n.º 7, da LGT, que prescreve “Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.

 

  1. Foram liquidados pela AT € 14.610,22 (catorze mil seiscentos e dez euros e vinte e dois cêntimos) a título de juros compensatórios, o que corresponde a mais € 5.829,84 (cinco mil oitocentos e vinte e nove euros e oitenta e quatro cêntimos) que o montante legalmente exigível, por terem eles sido calculados com base num valor diferente e superior do que aquele em que a AT se deveria ter baseado.

 

  1. A Requerente tem, pois, direito a receber juros indemnizatórios sobre a prestação tributária que suportou em excesso a título de IMT pela aquisição do Imóvel ... e juros compensatórios, a qual se quantifica em€ 88.178,51 (oitenta e oito mil cento e setenta e oito euros e cinquenta e um cêntimos), em resultado de um erro imputável em exclusivo à AT.

 

 

C – Posição da Requerida

 

 

  1. A Requerida entende que a questão primordial a esclarecer é a dos efeitos da outorga de uma escritura de rectificação sobre a escritura rectificada, o que no caso concreto passa por saber se esta rectificação preenche os requisitos previstos no art.º 249.º do Código Civil ou se, pelo contrário, é irrelevante perante a AT a qualificação do acto designado por rectificação.

 

  1. O art.º 249.º do Código Civil prevê as situações em que há lugar à rectificação das declarações, dispondo que só “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, (…) dá direito à rectificação desta”, sendo tal possibilidade de rectificação aplicada apenas aos casos em que o erro é patente ou ostensivo.

 

  1. Ainda que se haja qualificado como sendo rectificação a escritura de 28 de Maio de 2020, resulta, pois, do já artigo 36.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (“LGT”) que a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo que em documento autêntico, não vincula a AT, produzindo apenas efeitos inter partes.

 

  1. Desta forma, carece de fundamento o alegado erro na determinação do imposto invocado pela Requerente ao afirmar que só com a Escritura de Rectificação é que se determinou o preço da aquisição do Imóvel ..., na medida em que a Escritura de Rectificação só produz efeitos inter partes e não é oponível à AT, porque não estamos perante erros patentes e ostensivos.

 

  1. Acresce que o direito de audição da Requerente não foi violado, uma vez que o órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados se a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte. Na verdade, as liquidações foram centralmente emitidas tendo por base a declaração prestada pela Requerente na escritura de compra e venda outorgada no dia 28 de Fevereiro de 2018, estando, assim, dispensada a audição, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT.

 

  1. A liquidação controvertida é uma primeira liquidação. Não é uma liquidação adicional tendente a corrigir ou rectificar uma liquidação anterior, dada a isenção de que a compra beneficiou, tendo em conta o destino que se declarou teria o bem adquirido: a revenda. Assim, a AT estava na posse de todos os elementos de prova necessários à tomada de decisão.

 

  1. Ainda que se admitisse ser o direito de audição obrigatório, nem dessa omissão resultaria a anulação do acto de liquidação, uma vez que essa formalidade se degradou em não essencial, porquanto a decisão não podia ser outra que não aquela que foi efectivamente tomada, por força de uma actividade vinculada da AT.

 

  1. Quanto à parte do pedido, relativa a juros indemnizatórios, os mesmos não são devidos, dado que não houve erro imputável aos serviços, tendo em conta que o imposto foi declarado e pago pelo sujeito passivo, e as respectivas liquidações efectuadas de acordo com as normas vigentes.

 

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

 

  1. Por despacho de 06.10.2023 o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, por entender que se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e que não há excepções, nulidades e/ou questões prévias a apreciar.

 

  1. Tendo sido as Partes convidadas a apresentar alegações, só a Requerente o fez, respigando os argumentos constantes do pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT, como adiante se dirá.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, estão devidamente representadas e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

  1. A cumulação de pedidos (declaração de ilegalidade de acto de liquidação, por um lado, e reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, por outro) efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o Tribunal Arbitral sufrague quanto à validade da liquidação posta em crise.

 

  1. O processo não padece de qualquer nulidade.

 

 

  1. Matéria de facto

 

2.1.      Factos provados

 

  1. A Requerente adquiriu às entidades D..., Lda. e ao E..., por escritura pública outorgada no dia 28 de Fevereiro de 2018, os prédios urbanos sitos na freguesia de ..., concelho do Porto, listados no quadro seguinte pelos valores aí considerados (documento n.º 3, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral):

 

 

 

  1. De acordo com a Escritura Inicial, o preço de € 3.175.000,00 (três milhões cento e setenta e cinco mil euros) acordado entre a D... e a Requerente relativamente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de..., concelho do Porto, denominado ... (doravante designado simplesmente como “Imóvel ...”) seria pago da seguinte forma (documento n.º 3, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral):

 

  1. No acto da Escritura Inicial, através de cheque bancário, o valor de € 126.107,00 (cento e vinte e seis mil cento e sete euros), correspondente às prestações mensais vencidas e não pagas até à data do empréstimo bancário contraído pela D... junto do Banco F..., S.A. (anteriormente, G..., S.A.) que estava na origem das duas hipotecas voluntárias registadas sobre o imóvel a favor deste último;
  2. Durante os seis meses posteriores à outorga da Escritura Inicial, e numa base mensal, por conta do preço, seria paga a importância correspondente às prestações mensais do empréstimo bancário referido em a) vencidas neste período temporal;
  3. No prazo de trinta dias após o decurso de seis meses a contar da data da outorga da Escritura Inicial, seria pago o remanescente em dívida no âmbito do referido empréstimo bancário;
  4. O remanescente do preço seria pago através de parte do produto das vendas de oito dos lotes que resultassem do projecto de loteamento a levar a cabo nos Imóveis, na proporção da área bruta de construção por cada lote vendido pela Requerente, devendo o pagamento ocorrer no prazo máximo de três anos após a outorga da Escritura Inicial.

 

  1. Nos termos da Escritura Inicial, o preço do Prédio ... poderia ser objecto de modificação pela aplicação dos mecanismos de correcção estipulados na cláusula quarta do contrato promessa de compra e venda assinado entre as Partes a 11.01.2018, pelo que a determinação do preço final seria feita após a realização de todos os pagamentos e deduções estipuladas na dita escritura (documento n.º 3, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. As Partes, na Escritura Inicial, expressamente acordaram que o preço global havia sido fixado tendo em conta a veracidade e exactidão das informações e declarações prestadas pelos vendedores no âmbito do contrato promessa, podendo o preço final a pagar a final ser objecto de redução, com reflexo nos pagamentos acordados por conta do preço (documento n.º 3, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1.  No dia 28 de Maio de 2020, as Partes celebraram uma nova escritura pública com vista à rectificação da Escritura Inicial (“Escritura de Rectificação”), na qual declararam que a venda pela D... do Imóvel ... à Requerente foi feita não pelo preço de € 3.175.000,00 (três milhões cento e setenta e cinco mil euros) indicado na Escritura Inicial, mas pelo preço de € 1.908.097,27 (um milhão novecentos e oito mil noventa e sete euros e vinte e sete cêntimos), a pagar da seguinte maneira (documento n.º 4, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral):

 

  1. € 126.107,00 (cento e vinte e seis mil cento e sete euros), através do cheque mencionado na escritura rectificada;
  2. O montante correspondente às prestações mensais vencidas e não pagas e vincendas até ao sexto mês após a celebração da Escritura Inicial do empréstimo bancário contraído pela D... junto do Banco F..., S.A. que estava no cerne das duas hipotecas voluntárias registadas sobre o imóvel a favor deste último, montante este que ascendia ao valor global de € 1.081.904,14 (um milhão oitenta e um mil novecentos e quatro euros e catorze cêntimos), em prestações mensais, através de dezassete transferências bancárias realizadas de 15 de Março de 2018,  a 28 de Junho de 2019;
  3. O remanescente do preço, no montante de € 700.086,13 (setecentos mil oitenta e seis euros e treze cêntimos), entregue pela Requerente ao E... para pagamento parcial da dívida da D... para com esta entidade em duas tranches: (i) Uma no montante de € 350.086,13 (trezentos e cinquenta mil oitenta e seis euros e treze cêntimos), através de transferências bancárias realizadas em 2 de Julho de 2019, 1 de Agosto de 2019, 4 de Setembro de 2019, 11 de Outubro de 2019, 25 de Outubro de 2019 e 8 de Novembro de 2019; Uma segunda tranche, no montante de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), por transferência bancária na data da outorga na Escritura de Rectificação.

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  1. Aquando da aquisição dos Imóveis, a Requerente beneficiou de isenção do IMT consagrada no artigo 7.º do Código do IMT (“CIMT”), tendo sido emitidas duas guias de liquidação de IMT, com os n.ºs ... e ..., ambas no montante de zero euros preço (documento n.º 3, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A Requerente não logrou revender os Imóveis dentro do prazo de três anos a contar da data da respectiva aquisição, ou seja, até ao dia 27.02.2021, facto que determinou, nos termos do n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, a caducidade da isenção de IMT.

 

  1. No dia 03.01.2023, ainda que fora do prazo previsto para o efeito no n.º 1 do artigo 34.º do CIMT, a Requerente requereu junto da AT a liquidação do IMT referente à aquisição dos Imóveis (documento n.º 5, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Relativamente ao Imóvel ..., foi a Requerente notificada pelo Serviço de Finanças Porto – ..., pelo ofício datado de 16.02.2023, para em trinta dias proceder ao pagamento do IMT em falta, mediante guias a solicitar àquele serviço, no valor de € 206.375,00 (duzentos e seis mil trezentos e setenta e cinco euros), acrescido de juros compensatórios, assumindo-se como base tributável o valor de aquisição constante da Escritura Inicial (€ 3.175.000,00), e não o valor final acordado e efectivamente praticado pelas Partes que consta da Escritura de Rectificação (€ 1.908.097,27) (documento n.º 8, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. No dia 03.04.2023, a AT procedeu à emissão da liquidação de IMT n.º ... no montante total de € 220.985,22 (duzentos e vinte mil novecentos e oitenta e cinco euros e vinte e dois cêntimos), sendo € 206.375,00 (duzentos e seis mil trezentos e setenta e cinco euros) a título de imposto e € 14.610,22 (catorze mil seiscentos e dez euros e vinte e dois cêntimos) referentes a juros compensatórios calculados entre 29.03.2021 e 03.01.2023 (documento n.º 1, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A Requerente, no dia 03.04.2023, procedeu ao pagamento da importância total de € 220.985,22 liquidada pela AT (documento n.º 10, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

 

2.2.      Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

O Tribunal não tem de pronunciar-se sobre todos os factos alegados pelas partes, devendo antes identificar aqueles que interessam à decisão e elencar a matéria de facto que julga provada e declarar a que considera não estar demonstrada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, e art.º 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.

 

 

  1. Matéria de direito

 

3.1.      Questão a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar pelo Tribunal Arbitral são, no fundo, as seguintes:

  1. A de saber se o direito de audição da Requerente foi violado;
  2. A de dilucidar se o valor de incidência do IMT é, como preconiza a Requerida, o constante da Escritura Inicial,  outorgada no dia 28 de Fevereiro de 2018, no montante de € 3.175.000,00 (três milhões cento e setenta e cinco mil euros), ou, como pretende a Requerente, o que figura na Escritura de Rectificação, que é de € 1.908.097,27 (um milhão novecentos e oito mil noventa e sete euros e vinte e sete cêntimos);
  3. Por fim, a de esclarecer se, caso seja julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação parcial dos actos de liquidação contestados, a Requerente, no âmbito do presente processo arbitral poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente à quantia por si entregue para satisfação da prestação tributária por esta ilegalmente exigida.

 

3.2.      A pretensa violação do direito de audição da Requerente

 

Entende a Requerente que a ausência de pronúncia dos serviços da AT na decisão final do procedimento – isto é, no acto de liquidação de IMT ora contestado – sobre o teor da Escritura de Rectificação no que toca ao preço de aquisição que serve de base tributável constitui uma violação do artigo 60.º, n.º 7, da LGT, que prescreve “Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”. Como bem reconhece a Requerida, a falta de apreciação dos referidos elementos constitui vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento.

 

A CRP, no n.º 5 do artigo 267.º, consagra o direito à participação dos administrados na formação das decisões que lhes digam respeito. Este princípio teve consagração na lei ordinária nos artigos 12.º e 121.º do Código do Procedimento Administrativo, 45.º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário e 60.º da LGT.

 

No caso vertente, parece não ter sido postergado este direito da Requerente, uma vez que lhe foi possível levar ao conhecimento da AT todos os elementos de que esta carecia para praticar o acto de liquidação, tendo esta repousado em factos declarados pela Requerente. Na verdade, foi-lhe possível assinalar as razões pelas quais entendia dever a liquidação tomar por bom o preço referido na Escritura de Rectificação, não havendo razões para duvidar de que entendeu, embora dela discordando, a posição da Requerida quanto à questão controvertida.

 

3.3.      Da ilegalidade da Liquidação Contestada

 

Pede a Requerente a anulação, parcial, da liquidação de IMT e dos respectivos juros compensatórios efetuada, referente à aquisição, pela Requerente, no dia 28 de Fevereiro de 2018, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho do Porto, denominado ... . A aquisição beneficiou de isenção de IMT, ao abrigo do artigo 7.º, n.º 1 do CIMT, por ter sido declarado na escritura de compra e venda que o prédio se destinava a revenda. A isenção caducou por o mesmo não ter sido revendido dentro do prazo de três anos, ou seja, até 27 de Fevereiro de 2021, como determina o artigo 11.º, n.º 5 do referido Código. Sucede que no dia 28 de Maio de 2020, antes, portanto, da caducidade da isenção, as Partes celebraram uma nova escritura pública com vista à rectificação da Escritura Inicial, na qual declararam que a venda do Imóvel ... à Requerente foi feita não pelo preço de € 3.175.000,00 (três milhões cento e setenta e cinco mil euros) indicado na Escritura Inicial, mas pelo preço de € 1.908.097,27 (um milhão novecentos e oito mil noventa e sete euros e vinte e sete cêntimos).

 

O n.º 1 do artigo 5.º do CIMT prescreve que “[a] incidência do IMT regula-se pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária”. Já no n.º 2 lê-se que “a obrigação tributária constitui-se no momento em que ocorrer a transmissão”. No caso sub judice aplica-se a isenção do artigo 7.º, n.º 1 deste Código, por ter sido declarada a intenção de revenda no momento da outorga da escritura de aquisição, razão por que se deve atender ao disposto no n.º 5 do artigo 11.º do dito Código “[a] aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda”. O facto tributário reporta-se, pois, à caducidade da isenção[1], determinando o n.º 1 do artigo 36.º da LGT que a relação jurídica tributária se constitui com o facto tributário, não podendo os seus elementos essenciais ser alterados por vontade das partes, de acordo com o n.º 2 deste preceito. Já o n.º 2 do artigo 18.º do CIMT dispõe no sentido de que se ocorrer a caducidade da isenção, como se verifica na situação que nos cabe apreciar, “a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação”.

 

Ora, parece não haver dúvida de que a data de liquidação que releva para este efeito está umbilicalmente associada à caducidade da isenção. Uma vez caducada a isenção, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 34.º do CIMT, devem os sujeitos passivos solicitar, no prazo de 30 dias, a respectiva liquidação do imposto, sendo certo que “a taxa e o valor a considerar” serão os vigentes à data da liquidação. Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do CIMT, “[o] IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior”. Se não há dissídio quanto à taxa a aplicar, não há consenso quanto ao valor que deve ser tomado como base tributável.

 

Importa, portanto, por determinar, para estes efeitos, “o valor constante do acto ou do contrato”, ou seja, esclarecer qual o valor que deve relevar para efeitos de tributação, se o constante da Escritura Inicial ou se, pelo contrário, deve prevalecer o valor da Escritura de Rectificação.

 

A resposta a dar a este problema dependerá, segundo nos parece, do momento em que opera a rectificação (rectius, alteração) do preço. Recordemos que caducando a isenção, há que requerer a liquidação do imposto, estabelecendo o n.º 2 do artigo 18.º do CIMT que “a taxa e o valor a considerar” serão os vigentes à data da liquidação. Note-se que o legislador não determinou que a taxa e o valor a considerar fossem os vigentes à data da aquisição (que se deu com a Escritura Inicial), mas quis relevassem os que estivessem em vigor à data da liquidação. Portanto, o legislador abriu a possibilidade de haver diferenças, tanto na taxa como no valor tributável, entre estes dois momentos cronologicamente distintos: o da aquisição e o da liquidação que sucede a caducidade da isenção. Quer isto dizer que a taxa e o valor vigentes à data da aquisição podem ser diferentes – para mais ou para menos – dos que vigorarem à data da liquidação, pretendendo o legislador que a tributação tome em consideração estes e não aqueles.

 

Não há dúvidas de que o IMT, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do CIMT, “incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior”. Sendo, como são, em qualquer dos casos, os preços referidos na Escritura Inicial e na Escritura de Rectificação superiores ao respectivo valor patrimonial tributário, é um deles que há-de relevar para efeitos de tributação.

 

Se é certo que o n.º 2 do artigo 36.º da LGT dispõe que “os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes”, não é menos verdadeiro que o valor constante de um contrato há-de corresponder à vontade consensualizada dos contraentes. Portanto, não deve causar estranheza que a tributação que tem por objecto a aquisição de imóveis incida sobre o preço que as partes ajustaram e efectivamente praticaram. Importará, pois, perguntar qual o preço que as partes ajustaram e que vigora à data da liquidação? A caducidade da isenção dá-se a 27 de Fevereiro de 2021, como determina o artigo 11.º, n.º 5 do referido Código. E no dia 28 de Maio de 2020, antes, portanto, da caducidade da isenção, os contraentes alteram o preço de aquisição do imóvel. Portanto, quando a AT liquida o imposto, sabe já que o preço por que foi adquirido o imóvel não é o que consta da Escritura Inicial mas o da Escritura de Rectificação. Portanto, o valor vigente à data da liquidação não era € 3.175.000,00 (três milhões cento e setenta e cinco mil euros) mas € 1.908.097,27 (um milhão novecentos e oito mil noventa e sete euros e vinte e sete cêntimos).

Note-se que solução diversa teríamos de adoptar caso a alteração do preço tivesse lugar depois da liquidação do imposto. Se fosse esse o caso, a liquidação tomaria por bons a taxa e o valor vigentes à data, não podendo contar com taxas e valores supervenientes. Contudo, na situação que temos de dirimir a alteração do preço antecede a liquidação. E sendo posterior, entendemos que não pode ignorar o valor ajustado pelas partes para a transacção.

 

Assim, a Liquidação Contestada não pode subsistir integralmente na ordem jurídica, como se válida fosse, antes deve ser parcialmente anulada.

 

3.4.      Dos juros indemnizatórios

 

A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o previsto no art.º 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à AT. Aliás, nos termos do n.º 5 do art.º 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para as manifestações desse princípio que encontramos no n.º 1 do art.º 43.º da LGT e no art.º 61.º do CPPT.

 

Assim, justifica-se a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pela Requerente.

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Considera-se erro imputável aos serviços aquele que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos, de facto ou de direito, que não sejam da responsabilidade do contribuinte. Ora, aquando da prática do acto de liquidação controvertido, a AT conhecia ou não podia ignorar que a prática desse acto, por assentar numa errada e ilegal determinação do valor sobre que incidiria o IMT, violaria as regras legais aplicáveis. Portanto, não há dúvida ter havido, para estes efeitos, erro imputável aos serviços. 

 

Estando provado que a Requerente pagou prestação tributária que pela liquidação reclamada e ora parcialmente anulada lhe foi, por erro imputável aos serviços, exigida, tem ela direito não apenas ao reembolso do que pagou indevidamente, mas ainda a perceber juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento.

 

  

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando-se parcialmente a liquidação de IMT com o n.º ... e data de 3 de Abril de 2023, por ter assumido como base tributável o valor de aquisição constante da Escritura Inicial (€ 3.175.000,00), e não o valor final acordado e efectivamente praticado pelas Partes que consta da Escritura de Rectificação (€ 1.908.097,27);
  2. Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia da quantia paga em excesso, acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a  data do seu pagamento até integral reembolso  e
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

  1. Valor do processo

Quando seja impugnado um acto de liquidação, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende, que corresponde à utilidade económica do pedido. Assim, de harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 88.178,51 (oitenta e oito mil cento e setenta e oito euros e cinquenta e um cêntimos).

 

 

  1. Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

  • Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de janeiro de 2024

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

 

_______________________________

(José Poças Falcão)

 

 

 

O Árbitro

 

 

_______________________________

(Ana Pinto Moraes)

 

 

 

O Árbitro (relator)

 

 

_______________________________

(Nuno Pombo)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Neste sentido, Decisão Arbitral prolatada no Processo n.º 348/2018-T.