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SUMÁRIO:
I. No respeitante aos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões
Autónomas ou Autarquias Locais ou mediante arrematação judicial ou
administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência
ou processos especiais de revitalização controlo judicial, o valor que
serviu de base à liquidação de IMT não é o VPT definitivo, mas sim o
preço constante do ato ou contrato, dando expressão ao artigo 64.º do CIRC
em conjugação com o que decorre da regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do
Código do IMT (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 77/22.8BALSB, 19/10/2022, Uniformização de Jurisprudência);
II. Em consequência, no caso de bens adquiridos por arrematação judicial e em processo de insolvência, o valor a ter em conta não é a diferença positiva entre o VPT do imóvel, à data da aquisição, e o valor de aquisição do imóvel alienado, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC, mas sim o valor de aquisição.
DECISÃO ARBITRAL
Tribunal Coletivo formado pelos árbitros, Conselheira Fernanda Maçãs, (árbitro-presidente), Dra. Sofia Ricardo Borges (árbitro vogal) e Dra. Filipa Barros (árbitro vogal-relator) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21 de agosto de 2023, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
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No dia 07 de junho de 2023, A... S.A., com o número de identificação fiscal..., com sede na ..., n.º ..., ...-..., ..., (doravante, “Requerente”), apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado “RJAT”), conjugado como disposto no artigo 99.º do CPPT.
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O pedido de pronúncia arbitral visa, segundo a Requerente, obter a anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2023..., e respetivos juros compensatórios, relativos ao período de tributação de 2021, do qual resultou um montante total de imposto a pagar de € 398.027,78, discriminado nos seguintes termos: (i) Estorno da Liquidação anterior - €10.840,46 (liquidação n.º 2022...); acerto da liquidação no valor de €381.869,25 (liquidação n.º 2023...); (iii) juros compensatórios - € 5272,93 (liquidação 2023...); (iv) juros compensatórios por recebimento indevido - €45,14 (liquidação 2023...) conforme doc. n.º 1 que se junta com o Pedido de Pronúncia Arbitral, (doravante PPA);
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Para fundamentar o seu pedido considera a Requerente, em síntese, que os atos tributários de liquidação adicional de IRC e correspondentes juros compensatórios são inválidos por violação do disposto no artigo 64.º n.º 3 alínea a) do Código do IRC.
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Neste contexto, a Requerente explica que adquiriu em processo de insolvência dois prédios urbanos, que revendeu no mesmo ano (em 2021) sendo os valores dos contratos de compra e venda inferiores aos respetivos valores patrimoniais tributários (doravante “VPT”).
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Havendo em ambos os casos diferenças positivas entre os valores dos contratos de compra e venda e respetivos VPT, a Requerente reconheceu contabilisticamente os ganhos resultantes das referidas operações, tendo nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, procedido a uma correcção positiva refletida no campo 745 do quadro 07 da declaração modelo 22, bem como à correção fiscal negativa a que se refere a alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo, refletida no campo 772 do quadro 07 da declaração modelo 22.
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Na aquisição de ambos os prédios, a Requerente beneficiou da isenção de IMT prevista no n.º 2 do art.º 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (CIRE).
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Em termos de declaração modelo 22, quadro 07, agregando as correções fiscais, positivas e negativas respeitantes aos dois prédios, a Requerente explica que efetuou uma correção fiscal positiva global (alínea a) do n.º 3 do art.º 64.º do Código do IRC, campo 745) no montante de €1.353.796,91 (€1.277.499,01 + €76.297,90), bem como efetuou uma correção fiscal negativa total (alínea b) do n.º 3 do art.º 64.º do Código do IRC, campo 772), no montante de 1.721.999,88 EUR (€1.613.499,01 + €108.500,87).
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Ora, a correção levada a cabo pelos SIT, em sede de IRC, com a qual a Requerente não se conforma, e que gerou as liquidações ora contestadas, ascendeu a €1.721.999,88, uma vez que foi desconsiderada pela AT a correção fiscal negativa a que se refere a alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, pois enquanto adquirente de imóveis por arrematação judicial, não seria de considerar a seu favor, segundo a tese da AT, para efeitos de IRC, o VPT nos casos em que este é superior ao preço da compra.
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A Requerente defende que procedeu de acordo com o disposto no artigo 64.º, n.º 3 alíneas a) e b) do Código do IRC, e que o disposto no n.º 1 deste artigo se refere expressamente aos “VPT” e não aos “valores tributáveis” considerados para feitos de IMT, razão pela qual, no seu entender, não poderá prevalecer a regra 16.ª do n.º 4 do art.º 12.º do Código do IMT em detrimento do VPT. Com efeito, o art.º 12.º do Código do IMT sob a epígrafe “Valor Tributável” e não “Valor Patrimonial Tributário”, refere, no respetivo n.º 1, que aquele (“Valor Tributável” ou, por outras palavras, valor sobre o qual incide o IMT) é constituído pelo valor constante do contrato ou pelo “VPT” dos imóveis, consoante o que for maior.
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A Requerente conclui defendendo que as regras contidas no n.º 4 do art.º 12.º do Código do IMT, nomeadamente a regra 16.ª, nada têm a ver com o “VPT” dos imóveis, expressamente referido no n.º 1 do art.º 64.º do Código do IRC, tratando-se de regras especiais de determinação do “Valor Tributável” para efeitos de IMT, regras essas que, no entendimento da Requerente, não são relevantes em sede de IRC, mas apenas em sede de IMT. Por conseguinte, o disposto no n.º 1 do art.º 64.º do Código do IRC aponta claramente para a consideração do VPT para efeitos de determinação do Lucro Tributável para efeitos de IRC, se superior ao valor do contrato, quer para o alienante, quer, também, para o adquirente, sendo que a referência que é feita nesta norma do Código do IRC ao IMT deriva exclusivamente do facto de ser o VPT aquele que, em regra, sendo superior ao valor do contrato, deve presidir à liquidação deste imposto, assumindo-se como o respetivo “Valor Tributável”, nos termos do n.º 1 do art.º 12.º do respetivo Código.
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Aplicar ao IRC uma norma, presente no Código do IMT (regra 16.ª do n.º 4 do art.º 12.º), que nada tem a ver com o VPT, mas sim com a determinação do “Valor Tributável” em sede deste imposto, é, na ótica da Requerente, manifestamente ilegítimo.
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Em apoio da sua tese a Requerente invoca um parecer da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) bem como jurisprudência anterior emanada pelos Tribunais Arbitrais, na qual se defende que os conceitos de “valor do ato ou contrato”, de “valor patrimonial tributário” e de “valor tributável” são totalmente distintos, sendo certo que o legislador no artigo 64.º do Código do IRC, atribui preferência para efeitos de determinação do lucro tributável ao “valor patrimonial tributário”, se superior ao “valor do contrato”.
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Conclui pedindo a anulação integral das liquidações de IRC e de juros compensatórios referentes ao ano de 2021.
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No dia 09-06-2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 31-07-2023, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-08-2023.
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No dia 02-10-2023, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
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No âmbito da sua resposta, defendeu a AT posição contrária à apresentada pela Requerente no que concerne à interpretação e aplicação da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, no âmbito das alienações dos imóveis adquiridos pela Requerente que faziam parte do património de sociedades declaradas insolventes.
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Segundo a AT a questão essencial é a de saber se nas aquisições previstas na regra 16.ª, n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT, em que o IMT incide sobre o preço constante do ato ou contrato e não sobre o valor patrimonial tributário (VPT) dos imóveis adquiridos, ainda que este seja maior que aquele, ou seja no caso de aquisições em processo de insolvência, poderá o adquirente proceder à correcção da alínea b) do n.º 3 do art.º 64.º do CIRC.
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Por conseguinte trata-se de saber se poderá o adquirente, para efeitos da determinação do lucro tributável do IRC, proceder à correção prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, através da dedução a inscrever no campo 772 do Quadro 7, da declaração modelo 22 de IRC, do montante correspondente à diferença positiva entre o VPT dos imóveis e o preço do ato ou contrato.
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Para este efeito, a AT remete para a jurisprudência do STA, proferida no âmbito do processo n.º 77/22.8 BALSB, de 19/10/2022, na qual se considera que “(...) não restam dúvidas de que o CIRC não contém qualquer conceito de valor patrimonial tributário definitivo diferente daquele que serve de base à liquidação de IMT e que deve servir de base às correções do art. 64.º. Deste modo, em termos de determinação do valor para efeito de IRC, temos de concluir que no respeitante aos imóveis adquiridos ao estado, regiões autónomas ou autarquias locais ou mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação de IMT não é o VPT definitivo, mas sim o preço constante do acto ou contrato, dando expressão ao art. 64.º do CIRC em conjugação com o que decorre da regra 16.ª do n.º 4 do art. 12.º do CIMT.”
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Nestes termos, a AT conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, devendo, em seu entender, ser mantidos os atos tributários postos em crise no pedido da Requerente, face à respetiva conformidade com a lei em vigor, e ainda na esteira da citada jurisprudência do STA (cfr. entretanto Acórdão do STA n.º 3/2024).
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A 04-10-2023, atenta a circunstância de não terem sido suscitadas exceções e de não ter sido requerida prova testemunhal, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo, (artigo 16.º alínea c) do RJAT) e em face do princípio de economia processual, que reclama não ser lícita a prática de atos inúteis (artigo 130.º do CPC).
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No âmbito do mesmo despacho definiu-se como data limite para a prolação do acórdão arbitral o dia 21 de Fevereiro de 2024 advertindo-se a Requerente que até essa data deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
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As partes foram ainda notificadas para, querendo, no prazo de 15 dias, produzirem alegações escritas, com caracter sucessivo.
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As partes apresentaram alegações escritas tendo mantido as posições já defendidas nos respetivos articulados.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1 do RJAT.
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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DO SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciarias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente encontra-se registada para o exercício da sua atividade principal de fabrico de artigos têxteis confecionados, exceto vestuário, (CAE 13920), desde 2021-07-26, e das atividades secundárias de arrendamento de bens imobiliários (CAE 68200) desde 2020-09-04, Branqueamento e Tingimento (CAE 13301) desde 2013-08-03, COM. RET Têxteis ESTAB. ESPEC (CAE 47510) e compra e venda de bens imobiliários (CAE 68100) ambas desde 2012-10-28;- conforme RIT, junto com o Processo Administrativo (doravante PA);
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Para efeitos de IRC a Requerente enquadra-se no regime geral de determinação do lucro tributável;
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Em sede de IVA a Requerente está enquadrada no regime normal mensal, sendo um sujeito passivo misto com afetação real de todos os bens;
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No decurso do ano de 2021, a Requerente adquiriu, em processos de insolvência, dois prédios urbanos que, no mesmo exercício de 2021, foram alienados, sendo os valores dos contratos (de compra e de venda), referentes a tais prédios, inferiores aos respetivos Valores Patrimoniais Tributários (VPT); conforme RIT, junto com o PA;
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Em 09-04-2021 foi vendido pelo preço de €956.000,00, o artigo urbano n.º..., a que corresponde o código ..., prédio este que havia sido comprado, em 13-01-2021, pelo valor de €620.000,00, no âmbito da insolvência da sociedade “B...” (proc.º .../07...TYVNG), valores que foram reconhecidos contabilisticamente, tendo, deste modo, sido gerado um ganho contabilístico no montante de €336.000,00; - Conforme contratos relativos à venda e à compra juntos como Doc. n.º 3, e Doc. n.º 4, do PPA;
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Este prédio (o artigo urbano n.º ...) possuía, ao tempo da compra e da venda, o VPT de €2.233.499,01, tendo a Requerente, ao abrigo do disposto no art.º 64.º do Código do IRC, efetuado a correção fiscal positiva a que alude a alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo, no montante de €1.277.499,01 (€2.233.499,01 - €956.000,00), refletida no campo 745 do quadro 07 da declaração modelo 22, bem como a correção fiscal negativa a que se refere a alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo, no montante de €1.613.499,01 (€2.233.499,01 - €620.000,00), refletida no campo 772 do quadro 07 da declaração modelo 22;- conforme RIT junto com o PA;
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Por outro lado, a Requerente alienou, em 10-12-2021, pelo preço de €430.000,00, o artigo urbano n.º..., a que corresponde o código 030830, prédio este que havia sido adquirido, em 04-10-2021, pelo valor de €397.797,03, no âmbito da insolvência da sociedade “C...” (proc.º .../21...T...GMR), quantias que foram reconhecidas contabilisticamente, tendo sido gerado um ganho contabilístico no montante de €32.202,97, conforme contratos de compra e venda que se juntam, como Docs. n.º 5, e Doc. 6, respetivamente, do PPA;
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Este prédio (artigo urbano n.º...) possuía, na data da aquisição e da alienação, o VPT de €506.297,90 tendo a Requerente, ao abrigo do disposto no art.º 64.º do Código do IRC, efetuado a correção fiscal positiva a que alude a alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo, no montante de €76.297,90 (€506.297,90 - €430.000,00), refletida no campo 745 do quadro 07 da declaração modelo 22, bem como a correção fiscal negativa a que se refere a alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo, no montante de €108.500,87 (€506.297,90 - €397.797,03), refletida no campo 772 do quadro 07 da declaração modelo 22; - conforme RIT junto com o PA;
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Na aquisição de ambos os prédios, a Requerente beneficiou da isenção de IMT, prevista no n.º 2 do artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; - conforme RIT junto com o PA;
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No âmbito da Modelo 22, quadro 07, agregando as correções fiscais, positivas e negativas, descritas nos pontos anteriores, respeitantes aos dois prédios, a Requerente efetuou uma correção fiscal positiva global (alínea a) do n.º 3 do art.º 64.º do Código do IRC, campo 745) no montante de €1.353.796,91 (€1.277.499,01 + €76.297,90), bem como efetuou uma correção fiscal negativa total (alínea b) do n.º 3 do art.º 64.º do Código do IRC, campo 772), no montante de €1.721.999,88 (€1.613.499,01 + €108.500,87).
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A Requerente foi alvo de uma ação de inspeção, interna, de âmbito parcial, ao IRC de 2021, realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Braga levada a cabo ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2022..., no âmbito do qual foi elaborado um relatório de inspeção; - conforme PA;
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De acordo com os SIT, a Requerente deveria ter efetuado as correções que aparecem retratadas no quadro que se segue:- conforme capítulo V do RIT, documento cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
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Relativamente aos ajustamentos positivos e negativos efetuados pela Requerente referiram, entre o mais, e concluíram os SIT o seguinte:
(...) Dispõe a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT que o valor tributável sobre o qual incide o IMT é, no caso dos (...) o preço constante do ato (...), pelo que foi esse o valor tributável, para efeitos de IMT, considerado na aquisição de ambos os prédios. / Já na operação de venda dos referidos prédios, o valor tributável para efeitos de liquidação de IMT foi o VPT respetivo de cada um deles, uma vez que, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do CIMT “O IMT incidirá (...) consoante o que for maior”.
Dispõe o n.º 1 do artigo 64.º do CIRC que “Os alienantes e adquirentes de (...) devem adotar (...) valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto (...) (IMT) ou que serviriam (...).” / O n.º 2 do mesmo artigo determina que “Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável”, pelo que o sujeito passivo alienante deve efetuar, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, uma correção igual à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato.
(...)
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Em virtude do vertido no RIT, a Requerente foi alvo de uma correção em sede de IRC e que gerou as liquidações contestadas, no valor € 1.721.999,88;- conforme doc.s n.º 1 a 3 juntos com o PPA;
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Os SIT desconsideraram a correção fiscal negativa referida no ponto anterior, inscrita na declaração Modelo 22 para efeitos de apuramento do lucro tributável, que se prende com a diferença positiva entre os VPT dos prédios e os valores de aquisição de cada um dos imóveis, em virtude dos imóveis alienados terem sido adquiridos em processos de insolvência; - conforme RIT junto como PA;
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A 25-01-2023, foram emitidas as respetivas demonstrações de liquidação de IRC n.º 2023..., e demonstração de liquidação de juros e de acerto de contas, das quais resultaram um valor total de imposto a pagar em autoliquidação no montante de €398.027,78;
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Em 07-06-2023 a Requerente interpôs o presente Pedido de Pronúncia Arbitral junto CAAD;
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Factos não provados
Não há factos com relevância para a decisão arbitral que se tenham dado por não provados.
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Fundamentação da matéria de facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nem impugnados especificadamente e no acervo probatório carreado para os autos, essencialmente constituído pelo processo administrativo junto pela Requerida, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
Estando, assim, em causa a “declaração de ilegalidade de atos tributários de liquidação de IRC”, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar a questão que lhe é submetida.
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DO DIREITO
A questão a dirimir nos presentes autos passa por saber se a Requerente teria direito a inscrever no campo 772 do quadro 07 da sua declaração de rendimentos Modelo 22, referente ao ano de 2021, uma correção a seu favor/dedução, no montante total de € 1.721.999,88, respeitante à diferença positiva entre o VPT e o valor de aquisição de cada um dos imóveis, nos termos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, porquanto tal norma é aplicável a quaisquer imóveis alienados - incluindo, os que tenham sido adquiridos por via de arrematação judicial e em processo de insolvência.
Com efeito, a questão substancial a dirimir na presente ação arbitral reconduz-se a saber se, nas aquisições previstas na regra 16.ª, n.º 4, do artigo 12.º do CIMT, em que o IMT incide sobre o preço constante do ato ou contrato e não sobre o VPT dos imóveis adquiridos, ainda que este seja maior que aquele, ou seja, no caso de aquisição por arrematação judicial e em processo de insolvência, poderá o adquirente, para efeitos da determinação do lucro tributável do IRC, proceder à correção prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, através da dedução a inscrever no campo 772 do Quadro 7, da declaração modelo 22 de IRC, do montante correspondente à diferença positiva entre o VPT dos imóveis e o preço constante do ato ou contrato.
Ora, com bem refere a Requerida, a questão essencial no presente processo, foi objeto de uniformização de jurisprudência por unanimidade no Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo número 77/22.8BALSB,[1] de onde se retira, essencialmente, o seguinte:
“…a primeira das normas apontadas - art. 64° do CIRC - afasta-se da contabilidade e do preço declarado pelos contribuintes, na medida em que dispõe que o preço de venda (para cálculo das mais valias imobiliárias do vendedor) será o maior entre o VPT e o preço declarado (mesmo que real, evidentemente).
Na verdade, como é sabido os factos tributários em IRC assentam, em geral, nos preços reais e efectivos das transações, tal como são declaradas pelas partes - e documentadas pela contabilidade, não podendo escamotear-se que em relação aos imoveis há uma enorme distorção a esta regra geral, até porque deparamos, em geral, com transações que envolvem valores elevados e, sobretudo, porque nas transmissões de imóveis, comprador e vendedor podem ter um interesse alinhado em potencialmente defraudar o Estado, através da manipulação do preço, declarando no contrato um preço inferior ao real, que permite ao vendedor poupar IRC e ao comprador poupar IMT.
Nesta sequência, surge o modelo descrito no art. 64° do CIRC para ambos os contraentes, de acordo com o qual o VPT (quando superior ao preço do contrato) prevalece, em imposto de rendimento (CIRC), para o “alienante e adquirente” (n° 1 e 3 da norma apontada).”
Como é sabido a relação entre a contabilidade e a fiscalidade, que assenta numa diferenciação entre o resultado contabilístico e o resultado fiscal que é declarado à Autoridade Tributária, podendo mesmo este ser positivo e aquele negativo, modelo que podemos designar de dependência parcial, de acordo com o qual o resultado contabilístico é tomado como ponto de partida para a determinação do lucro tributável, mas sujeito a ajustamentos contabilísticos.
Seguindo de perto o entendimento exposto pelo STA, no referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, “Pois bem, no que concerne à aplicação do modelo no caso dos autos importa notar que o n.º 2 da norma em apreço determina que para efeitos de determinação do lucro tributável nas transmissões onerosas de imoveis referidas no n.º 1, sempre que o valor do contrato seja inferior ao VPT definitivo, então é esse o que deve ser considerado tanto para o adquirente como para o alienante, sendo que o sujeito passivo deve efectuar “uma correção correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato” que, por força do corpo no n.º 1 do art. 64.º, tem que ser o valor que serviu ou serviria de base para a liquidação do IMT.”
Temos então que para efeitos de determinação do lucro tributável de IRC seria de considerar o VPT, caso este fosse superior ao valor de aquisição do bem em causa.
No entanto, para esta discussão não se pode deixar de trazer a norma decorrente do art.º 12.º do Código do IMT que prevê na regra 16ª do n.º 4 que para efeitos desse imposto (IMT) o valor a considerar nos casos de aquisição de imóveis por dação em pagamento ou ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou adquiridos no âmbito de processes de insolvência ou processos de revitalização sob controlo judicial, é o valor do contrato, pelo que para efeitos do art.º 64.º do Código do IRC temos que aceitar como valor patrimonial definitivo o que serve ou serviria de base à liquidação de IMT na alienação destes imóveis (cfr. Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág. 549, em anotação ao art.º 64.º).
E, conclui o STA em desfavor da tese da defendida pela Requerente, que “Assim sendo, referindo a norma que as transmissões em causa são as do número anterior e que o número anterior se refere ao valor tributário definitivo que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT, então não restam dúvidas de que o CIRC não contém qualquer conceito de valor patrimonial tributário definitivo diferente daquele que serve de base à liquidação de IMT e que deve servir de base às correcções do art. 64.º. Deste modo, em termos de determinação do valor para efeito de IRC, temos de concluir que no respeitante aos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais ou mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação de IMT não é o VPT definitivo, mas sim o preço constante do acto ou contrato, dando expressão ao art. 64.º do CIRC em conjugação com o que decorre da regra 16.ª do n.º 4 do art. 12.º do CIMT.”
Não havia, assim, que proceder a qualquer correcção (a deduzir em apuramento do LT) no que às aquisições efectuadas pela Requerente respeita.
De notar que o próprio Supremo Tribunal Administrativo já tinha decidido de forma semelhante no âmbito do Acórdão de 21-11-2019, Proc. n° 0816/08.0BECBR 0558/17, considerando que se justificava a aplicação do disposto no parágrafo 16 do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, correspondendo o valor a atender ao preço constante do contrato, para efeitos de IMT e, consequentemente, para efeitos de IRC.[2]
Termos em que, por aplicação da jurisprudência supra reproduzida se conclui pela total improcedência do pedido, com as demais consequências legais.
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DECISÃO
Nestes termos decide o Tribunal Arbitral Coletivo:
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Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral, com a consequente manutenção das liquidações de IRC identificadas nos autos;
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Condenar a Requerente no pagamento integral das custas por total decaimento.
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VALOR DA CAUSA
A Requerente indicou como valor da causa o montante de €398.027,78 (trezentos e noventa e oito mil e vinte sete euros e setenta e oito cêntimos), que não foi contestado pela Requerida pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
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CUSTAS
Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 6.426,00, que ficam a cargo da Requerente.
Notifique.
Lisboa, 26 de janeiro de 2024
Fernanda Maçãs
Presidente do Tribunal Arbitral
Filipa Barros
(Árbitro vogal- relator)
Sofia Ricardo Borges
(Árbitro vogal)
[1] De mencionar que o Acórdão do CAAD proferido no âmbito do processo arbitral n.º 105/2019-T, datado de 2019-09-26, mencionado pelo Requerente em justificação da sua tese, foi invocado como Acórdão fundamento no âmbito da uniformização de jurisprudência mencionada, não tendo obtido procedência a sua interpretação.
[2] Nesta senda, vide jurisprudência do CAAD proferida designadamente no processo n.º 464/2021-T de 2022-04-26 e no processo n.º 630/2022-T de 2023-04-03.
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