Sumário:
I – O registo contabilístico de imóvel enquanto «propriedade de investimento», é indicador que aquele bem se encontrava efetivamente afeto a uma atividade comercial, industrial ou agrícola, para efeitos do artigo 2.º, n.º 2, alínea d), subalínea ii) do Código do IMT;
II – A atividade de promoção imobiliária e administração de imóveis, apesar de configurar uma atividade imobiliária, não se subsume à atividade de compra e venda de imóveis para efeitos do artigo 2.º, n.º 2, alínea d), subalínea ii) do Código do IMT;
III – O não exercício da atividade, que resulta do objeto social do sujeito passivo, de forma recorrente ou efetiva, ou o facto de a sociedade adquirida não deter uma estrutura empresarial para o exercício daquela atividade, não contende, per se, com a verificação da condição objetiva prevista no artigo 2.º, n.º 2, alínea d), subalínea ii), do Código do IMT;
IV – Apesar de o escopo da norma prevista no artigo 2.º, n.º 2, alínea d), subalínea ii), do Código do IMT compreender uma cláusula anti-abuso, aquela norma não pode ser aplicada como uma verdadeira cláusula geral anti-abuso, a qual exige uma apreciação casuística das circunstâncias que estão presentes na situação fiscalmente relevante em julgamento e que pressupõe sempre uma tarefa de realização concreta do Direito em função das circunstâncias fácticas e dos contornos materiais da situação sub judice, razão pela qual o legislador lhe atribuiu uma especificidade única.
DECISÃO ARBITRAL
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Relatório
A..., LDA., sociedade por quotas, com o número de identificação fiscal ... com sede na ..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa, (“Requerente”), notificada através de Ofício datado de 24.02.2023, da Direção de Finanças de Lisboa, da decisão final de indeferimento proferida pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Lisboa, que determinou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) n.º ..., no montante de € 58.682,30, veio apresentar pedido de pronúncia arbitral, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e seguintes todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º e com a alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
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Constituição do Tribunal Arbitral
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).
Pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi comunicada a constituição do presente tribunal arbitral singular em 08.08.2023, nos termos da alínea c) do número 1, do artigo 11.º do RJAT.
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História Processual
A Requerente pretende, em síntese, a anulação da decisão final de indeferimento proferida pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Lisboa, que determinou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contrato o ato de liquidação de IMT n.º ..., no montante de € 58.682,30, a restituição do IMT de 2021 pago e, bem assim, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, contados à taxa legal anual de 4% sobre as quantias indevidamente pagas, desde 19.11.2021, data do pagamento das mesmas, até à data de processamento da nota de crédito, nos termos dos artigo 43.º, n.º 1 e 4 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 61.º do CPPT. Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alegou que não se encontravam preenchidos os requisitos cumulativos previstos no artigo 2.º, n.º 2, alínea d) do Código do IMT, porquanto o imóvel sito na rua ..., ... e ..., ...-... Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ... (“Imóvel”), da propriedade da sociedade B..., Lda., atualmente com a firma C... Unipessoal, Lda. (“Sociedade Adquirida”), se encontrava afeto a uma atividade comercial de promoção imobiliária e administração de imóveis e não à atividade de compra e venda de imóveis. Conclui a Requerente que, não estando preenchido o âmbito de incidência objetiva prevista na norma do artigo 2.º, n.º 2, alínea d) do Código do IMT, não era devido o pagamento do IMT efetuado no montante de € 58.682,30, entendendo a Requerente, por conseguinte, ser determinada a anulação da liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral apresentado, com as consequências legais, designadamente a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.
A Requerente juntou 10 documentos e procuração forense certificada.
Em 22.10.2023, foi proferido despacho arbitral tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar produção de prova adicional.
A Requerida apresentou resposta, alegando que, apesar da Sociedade Adquirida ter como objeto social «Administração, aluguer e compra e venda de imóveis» e Código de Atividade Económica (“CAE”) 68100, os elementos constantes da declaração de Informação Empresarial Simplificada (“IES”) não evidenciam, alegadamente, o exercício de qualquer atividade por parte desta sociedade. Por outro lado, entende a Requerida que esteve sempre afeto à atividade do CAE 68100, ou seja, compra e venda de bens imóveis, e que ano de 2017 e de 2018, a Sociedade Adquirida teve apenas uma pessoa ao serviço, a qual não auferiu qualquer remuneração, não detendo, assim, alegadamente, uma estrutura empresarial, através da qual exerça uma atividade agrícola, industrial ou comercial. Desta forma, a Requerida conclui que o Imóvel não está diretamente afeto a qualquer atividade agrícola, industrial ou comercial, uma vez que a sociedade não está a exercer qualquer atividade, pelo que a subalínea ii) da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IMT se encontra preenchida, devendo, em seu entendimento, o pedido apresentado pela Requerente ser julgado improcedente e, em consequência, o ato impugnado ser mantido na ordem jurídica.
Adicionalmente a Requerida apresentou alegações finais nas quais reiterou a posição por si assumida aquando da apresentação da resposta.
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Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
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Matéria de Facto
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Matéria de Facto Provada
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas que tem o seguinte objeto social «Prestação de serviços especializados a entidades empresariais, nomeadamente, consultoria de gestão e negócios empresariais, prestação de serviços de marketing e de publicidade empresarial, recrutamento, avaliação e seleção de profissionais qualificados, comércio internacional de mercadorias, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento de imóveis próprios e de terceiros, promoção e gestão imobiliária, serviços de construção civil»;
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Em 18-11-2021, foi apresentada a declaração Modelo 1 de IMT, com número de registo ... de 2021, com base no facto 20 – “Aquisição / Cessão de partes sociais nas sociedades que possuam bens imóveis”, para efeitos de liquidação do IMT;
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Em 19-11-2021, a Requerente procedeu ao pagamento do IMT liquidado com base na declaração referida no ponto anterior, liquidação de IMT n.º..., no valor de € 58.682,30, resultante da aplicação de uma taxa de 6,5% sobre o respetivo valor de balanço do Imóvel;
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Em 19-11-2021, a Requerente celebrou um contrato, denominado por “Contrato de Cessão de Quotas e de Créditos”, mediante o qual aquela sociedade adquiriu a totalidade das quotas representativas do capital social e dos respetivos créditos da Sociedade Adquirida pelo preço global de € 3.306.270,00;
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A Requerente adquiriu 100% do capital social da Sociedade Adquirida, nos seguintes termos:
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A D..., com o NIF ..., foram adquiridas as seguintes quatro quotas:
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Quota com valor de € 128.747,22;
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Quota com valor de € 41.293,24;
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Quota com valor de € 10.928,66;
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Quota com valor de € 6.071,85.
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A E..., com o NIF ..., foram adquiridas as seguintes três quotas:
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Quota com valor de € 72.873,87;
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Quota com valor de € 72.873,87;
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Quota com valor de € 41.293,23.
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A F..., com o NIF ..., foram adquiridas as seguintes três quotas:
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Quota com valor de € 128.747,22;
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Quota com valor de € 40.080,91;
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Quota com valor de € 163.986,31.
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A Sociedade Adquirida é uma sociedade por quotas com o objeto social «Administração, aluguer e compra e venda de imóveis» e com o CAE 68100;
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Em 19-11-2021, a Sociedade Adquirida era proprietária do Imóvel com o valor patrimonial tributário (“VPT”) de € 619.890,00;
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O Imóvel representava, em 19-11-2021, mais de 50% do ativo da Sociedade Adquirida;
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O Imóvel encontrava-se registado contabilisticamente como propriedade de investimento;
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Em 02-03-2022, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra o ato de liquidação de IMT n.º ..., para revisão e anulação da mesma e, bem assim, com a consequente restituição do IMT pago, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal;
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A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da revisão oficiosa apresentada em 02-03-2022, através do Ofício n.º... da Direção de Finanças de Lisboa, de 27-02-2023;
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Matéria de Facto Não Provada
Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.
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Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes.
Desta forma, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos anteriormente elencados.
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Questão a decidir
A questão que cabe apreciar no âmbito do presente processo, prende-se com a legalidade da decisão que determinou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra o ato de liquidação de IMT e, em consequência, determinar se a aquisição das quotas representativas do capital social da Sociedade Adquirida, por parte da Requerente, se encontrava sujeita a tributação em sede de IMT, ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IMT.
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Matéria de direito
O pedido de pronúncia arbitral a decidir consiste em apreciar a legalidade da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente contra o ato de liquidação de IMT n.º ..., no valor de € 58.682,30, e muito concretamente, determinar se a aquisição das quotas representativas do capital social da Sociedade Adquirida, por parte da Requerente, se encontrava sujeita a tributação em sede de IMT, ao abrigo da subalínea ii) da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IMT.
A Requerente entende que não estavam preenchidos os requisitos cumulativos previstos na norma de incidência do artigo 2.º, n.º 2, alínea d) do Código do IMT, uma vez que o Imóvel se encontrava afeto a uma atividade comercial de promoção imobiliária e administração de imóveis e não à compra e venda de imóveis. Como fundamento da sua pretensão, alega a Requerente que a Sociedade Adquirida havia já solicitado a um atelier de arquitetura a elaboração de um plano de remodelação do móvel, tendo o mesmo sido apresentado e aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa e, por outro lado, o Imóvel encontrava-se registado pela Sociedade Adquirida como “propriedade de investimento”, devendo ser determinada a anulação da liquidação de IMT em referência, com a restituição do imposto pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.
Por seu turno, a Requerida alega, com base nas informações da declaração de Informação Empresarial Simplificada (“IES”), que a Sociedade Adquirida não detém uma estrutura empresarial, através da qual exercesse uma atividade agrícola, industrial ou comercial, não podendo o Imóvel encontrar-se afeto a qualquer atividade desta natureza e que a aquisição das participações sociais na Sociedade Adquirida visou adquirir indiretamente o Imóvel que, segundo a Requerida, se encontra devoluto. Neste sentido, entende a Requerida não assistir razão à Requerente, devendo o pedido formulado pela Requerente ser julgado improcedente.
Neste contexto, importa determinar e decidir se a aquisição das quotas representativas do capital social da Sociedade Adquirida, por parte da Requerente, se encontrava, ou não, sujeita a tributação em sede de IMT, ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IMT.
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Da legalidade da liquidação de IMT em crise
Ora, dispõe o artigo 2.º, n.º 1, do Código do IMT que «O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.»
Por seu turno, o artigo 2.º, n.º 2, alínea d), do Código do IMT determina que «Para efeitos do n.º 1, integram, ainda, o conceito de transmissão de bens imóveis:
d) A aquisição de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples, por quotas ou anónimas, quando cumulativamente:
i) O valor do ativo da sociedade resulte, direta ou indiretamente, em mais de 50 /prct. por bens imóveis situados em território nacional, atendendo ao valor de balanço ou, se superior, ao valor patrimonial tributário;
ii) Tais imóveis não se encontrem diretamente afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial, excluindo a compra e venda de imóveis;
iii) Por aquela aquisição, por amortização ou quaisquer outros factos, algum dos sócios fique a dispor de, pelo menos, 75 /prct. do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois casados ou unidos de facto, devendo em qualquer dos casos as partes sociais ou quotas próprias detidas pela sociedade ser proporcionalmente imputadas aos sócios na proporção da respetiva participação no capital social;»
A respeito das ficções legais de transmissões onerosas de imóveis para efeitos do IMT, esclarece José Maria Pires, em “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo” 3.º edição, Almedina, 2016, que «Trata-se de factos que não configuram transmissões de imóveis para outros efeitos jurídicos, mas que o Código do IMT tipifica como transmissões sujeitas a imposto. (…) Nestes casos não ocorre qualquer transmissão de bens imóveis para outros fins, mas o Código do IMT considera que, para efeitos de aplicação de imposto, se verifica uma verdadeira transmissão sujeita ao pagamento de imposto. Trata-se de verdadeiras ficções legais de transmissão, determinada apenas pela vontade do legislador de sujeitar a imposto os atos ou contratos neles previstos. Trata-se de conceitos autónomos de transmissão, próprios do IMT, que não têm qualquer correspondência com idêntico conceito noutros ramos do direito. A elevação destes factos à categoria de transmissões para efeitos do IMT justifica-se pela necessidade de evitar a evasão e fraudes fiscais. Através desta técnica pretende o legislador evitar que os agentes económicos pratiquem atos ou negócios jurídicos sucedâneos de outros sujeitos a imposto, que produzam os mesmos resultados, mas com a única diferença de não serem sujeitos a imposto. Pretende-se evitar a distorção nos mercados que a Lei fiscal provocaria se os agentes económicos praticassem estes atos sucedâneos só para evitar o pagamento do imposto. Na verdade é o temor da evasão e da fraude fiscal que conduz o legislador do IMT num trabalho intenso de inventariar todo o tipo desses atos sucedâneos e a tipificá-los também como sujeitos a imposto.»
Por outro lado, aquele autor refere, ainda, a propósito da norma prevista no artigo 2.º, n.º 2, alínea d), do Código do IMT, que «O Código do IMT alarga o conceito de transmissão de bens imóveis sujeita a imposto a alguns tipos de aquisições de partes sociais em sociedades. Não se trata de aquisição de imóveis, mas de partes do capital de sociedades. (…) A ratio deste tipo de sujeição, consiste numa espécie de transparência fiscal, dado que através da aquisição das quotas ou partes sociais em sociedades que possuam imóveis, pode adquirir-se, de forma indireta, o domínio dos respetivos prédios. Assim, para prevenir e evitar que se utilizem mecanismos desse tipo para não pagar o imposto, o Código do IMT tipifica essas aquisições como sujeitas, desde que se cumpram todos os requisitos antes referenciados.
(…) O que a lei pretende tributar é a aquisição, por qualquer via, por um sócio, de uma posição de domínio sobre um prédio, pela via do domínio que ele detém, sobre a sociedade. Essa posição de domínio considera-se relevante a partir dos 75% do capital social da sociedade, pelo que todas as aquisições que conduzam à detenção de uma participação social superior a essa são sujeitos a imposto. Naturalmente que as aquisições posteriores de participações sociais ficam sujeitas a imposto pela correspondente parte adicional.
Assim, as aquisições de partes sociais das quais resulta a detenção de uma percentagem do capital social inferior a 75% por um só sócio, não são sujeitas a imposto. Quando se efetua a aquisição de uma parte social e dela passa a resultar a detenção por uma só pessoa, de uma percentagem igual a 75%, ou mais, do capital social, o adquirente fica sujeito a IMT por essa aquisição. Se posteriormente esse mesmo adquirente vier a reforçar a percentagem do capital social que detém, adquirindo novas partes sociais ou quotas, ficará de novo sujeito a imposto, mas agora apenas pela parte adicional que adquiriu.
A determinação do valor tributável sujeito a imposto é sempre efetuada em função da percentagem do capital social que o sujeito passivo passa a deter após a aquisição ou o facto que determina a sujeição, aplicando-se essa percentagem sobre o valor relevante do imóvel ou dos imóveis existentes no ativo da sociedade.
O valor relevante para a determinação do valor tributável sujeito a imposto, é sempre o maior de dois: a) O valor patrimonial tributário dos imóveis; b) O valor por que esses imóveis estão contabilizados no ativo da respetiva sociedade.
Assim, aquando da aquisição, da amortização ou de qualquer outro facto, resultar a detenção de uma percentagem do capital social igual a 75%, ou superior, mas que ultrapasse pela primeira vez esse limiar, o valor sujeito a imposto corresponde à aplicação dessa percentagem ao maior dos dois valores antes referidos.
Nas aquisições seguintes, naturalmente que não se aplicará, de novo, a percentagem do capital social que se passou a deter, sobre o valor relevante do imóvel ou dos imóveis, porque daí resulta dupla tributação. O valor tributável corresponderá apenas à parte ainda não tributada, ou seja, calcula-se o valor sujeito a imposto aplicando-se a taxa correspondente à percentagem do capital social que se passou a deter, sobre o valor relevante do imóvel ou dos imóveis e subtrai-se a parte já anteriormente tributada.»
A jurisprudência dos Tribunais superiores, segue igualmente a mesma orientação. A título de exemplo, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), de 14-10-2020, proferido no âmbito do Processo 050/11.1BEAVR, a respeito do normativo legal em referência refere-se que «A formulação legal é abrangente, de forma a contemplar, não só as operações de aquisição, mas também outros factos que alterem a composição do capital social das sociedades, como por exemplo a amortização de quotas. Assim, não é relevante o acto ou facto que dá origem à alteração da detenção do capital social, sendo apenas relevante que dessas operações resulte uma alteração que conduza a que uma só pessoa passe a deter pelo menos 75% do capital social da sociedade, ou então, que o número de sócios se reduza aos cônjuges casados num dos regimes de comunhão de bens.
O que a lei pretende tributar é a aquisição, por qualquer via, por um sócio, de uma posição de domínio sobre um prédio, pela via do domínio que ele detém sobre a sociedade. Essa posição de domínio considera-se relevante a partir dos 75% do capital social da sociedade, pelo que todas as aquisições que conduzam à detenção de uma participação social superior a essa são sujeitas a imposto.»
Importa, ainda, salientar que conforme se decidiu na decisão arbitral do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 166/2016-T, «Podemos, assim, concluir, sem margem para dúvidas, que o preceito que a Administração Tributária aplicou constitui uma norma de incidência com a natureza de uma ficção jurídica, cuja mens legis é a de uma cláusula anti-abuso, ou seja, que visa prevenir a fraude, evasão ou elisão fiscal.
Contudo, desta conclusão não se retira outra coisa que não o escopo da norma. O facto de se tratar de uma norma anti-abuso não obriga a qualquer especialidade do ponto de vista hermenêutico, sendo-lhe aplicável as regras do art.º 9.º do Código Civil, aplicáveis ex vi, e com as necessárias adaptações, do artº 11º da Lei Geral Tributária.
Donde resulta que, na aplicação desta norma, além do teor literal, importa ter em consideração o pensamento legislativo, uma vez que “(…) letra e espírito podem não coincidir. Como veremos de seguida, o espírito prevalece então sobre a letra”[7].
Ora, tendo em conta a manifesta intenção do legislador e a letra da norma, mister é que na sua interpretação e aplicação se tenha em boa e devida conta a sua finalidade, o que vale por dizer o seu elemento teleológico: o que se visa com esta norma de incidência é evitar a fraude, evasão ou elisão fiscal, mandando tributar situações em que um sócio de uma sociedade em comandita ou por quotas adquire, por via da aquisição de partes sociais, a “quase propriedade” dos imóveis dessa sociedade.»
No caso sub judice está em causa a aplicação da norma de incidência do IMT prevista no artigo 2.º, n.º 2, alínea d), do Código do IMT ao ato de aquisição das quotas representativas do capital social da Sociedade Adquirida por parte da Requerente.
Importa salientar que os pressupostos previstos na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do código do IMT são de verificação cumulativa, pelo que o não preenchimento de um deles prejudica a tributação em sede de IMT da situação fáctica exposta.
Neste sentido, para que haja lugar a tributação, em sede de IMT, devem encontrar-se preenchidos os pressupostos, cumulativos, previstos na referida norma de incidência.
Não existindo divergência entre as partes, relativamente à verificação das subalíneas i) e iii) da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IMT, cumpre determinar se estava, então, preenchida a condição para a tributação, em sede de IMT, prevista na subalínea ii) da referida disposição legal.
Por outras palavras, cabe decidir se o Imóvel detido pela Sociedade Adquirida se encontrava (ou não) diretamente afeto a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial (outra atividade que não a atividade de compra e venda de imóveis).
Ora, não dispondo o Código do IMT de um conceito de «atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial» deverá atender-se ao artigo 3.º, n.º 4, do Código do IRC o qual prevê que deve considerar-se «(...) de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as atividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços».
Neste plano, resulta do probatório que a Sociedade Adquirida tem como objeto social «Administração, aluguer e compra e venda de imóveis».
Por outro lado, importa salientar que o Imóvel encontrava-se registado na contabilidade da Sociedade Adquirida como propriedade de investimento, facto que revela que o Imóvel se encontrava efetivamente afeto a uma atividade comercial, industrial ou agrícola, em concreto, à atividade de promoção imobiliária e administração de imóveis, que, apesar de configurar uma atividade imobiliária, não se subsume à atividade de compra e venda de imóveis.
O facto de a Sociedade Adquirida, conforme alega a Requerida, não exercer, alegadamente, de forma recorrente ou efetiva a atividade que resulta do seu objeto social ou o facto de Sociedade Adquirida, alegadamente, não deter uma estrutura empresarial para o exercício daquela atividade, não contende, per se, com a verificação da condição objetiva prevista no artigo 2.º, n.º 2, alínea d), subalínea ii), do Código do IMT.
Por outro lado, apesar do alegado pela Requerida, e não podendo ser ignorado o escopo da norma em análise como uma cláusula anti-abuso, que visa prevenir a fraude, evasão ou elisão fiscal, importa salientar que aquele dispositivo normativo não pode ser aplicado como uma verdadeira cláusula geral anti-abuso, a qual exige uma apreciação casuística das circunstâncias que estão presentes na situação fiscalmente relevante em julgamento e que pressupõe sempre uma tarefa de realização concreta do Direito em função das circunstâncias fácticas e dos contornos materiais da situação sub judice, razão pela qual o legislador lhe atribuiu uma especificidade única.
Sem prejuízo, refira-se que a Requerida não logrou demonstrar que a aquisição da Sociedade Adquirida por parte da Requerente foi motivada ou teve como intenção última a aquisição indireta do Imóvel e não a aquisição das participações sociais naquela sociedade com intuito fraudulento ou abusivo.
Não tendo a Requerida produzido tal prova, não podia, também por esta via, ter aplicação artigo 2.º, n.º 2, alínea d), do Código do IMT.
Deste modo, resulta que, não se encontrando preenchidas as condições objetivas previstas na norma de incidência de tributação prevista no artigo 2.º, n.º 2, alínea d), do Código do IMT, não podia haver lugar a tributação, em sede de IMT, sobre o ato de aquisição das quotas representativas do capital social da Sociedade Adquirida por parte da Requerente.
Deve assim concluir-se que a liquidação impugnada enferma de vícios determinativos da sua ilegalidade, por erro de interpretação do artigo 2.º, n.º 2, alínea d), do Código do IMT, devendo, em consequência, ser anulada a decisão final de indeferimento proferida pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Lisboa, que determinou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente contra o ato de liquidação de IMT n.º..., no montante de € 58.682,30, com as demais consequências legais.
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Dos juros indemnizatórios
A Requerente pede, ainda, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, contados à taxa legal anual de 4% sobre as quantias indevidamente pagas, desde 19-11-2021 até à data de processamento da nota de crédito, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT.
Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, na parte aqui aplicável, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IMT, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pois a ilegalidade daqueles atos é imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.
Em consequência, está-se perante violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Requerida.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, atualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT).
Pretende o Requerente que esses juros sejam calculados desde a data do pagamento indevido do IMT até à data de processamento da nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 e 4 da LGT e 61.º do CPPT.
Contudo, como resulta do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, são também devidos juros indemnizatórios, sempre que a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
A este respeito, e conforme decidido na decisão arbitral do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 117/2022-T, de 07-11-2022, «No que se refere aos juros indemnizatórios, e em face do disposto no art. 43º, 3, c) da LGT, nos casos de pedido de revisão oficiosa esses juros apenas são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 6-07-2005, processo n.º 0560/05; de 02-11-2005, processo n.º 0562/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; de 24-05-2006, processo n.º 01155/05; de 02-11-2006, processo n.º 0604/06; de 15-11-2006, processo n.º 028/06; de 10-01-2007, processo n.º 523/06; de 17-01-2007, processo n.º 01040/06; de 12-12-2006, processo n.º 0918/06; de 15-02-2007, processo n.º 01041/06; de 06-06-2007, processo n.º 0606/06; de 10-07-2013, processo n.º 390/13; de 18-01-2017, processo n.º 0890/16; de 10-5-2017, processo n.º 01159/14. Como se lê num acórdão do Pleno do STA proferido em 27 de Fevereiro de 2019 no processo n.o 22/18.5BALSB: “O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte. Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.”)»
Neste sentido, considerando que o pedido de revisão do ato tributário só foi apresentado pela Requerente em 02-03-2022, só são devidos juros compensatórios desde 03-03-2023.
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Decisão
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral:
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Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, anulando-se a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentada contra o ato de liquidação de IMT contestado e identificado supra, nos termos acima expostos;
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Julgar totalmente procedente o pedido de restituição do montante de IMT indevidamente pago pela Requerente, nos termos acima expostos;
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Julgar totalmente procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, contados à taxa legal anual de 4% sobre as quantias indevidamente pagas, desde 03-03-2023, até à data do processamento da nota de crédito.
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Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 58.682,30, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
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Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante de custas arbitrais em € 2.142,00 de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, ficando o referido montante, na íntegra, a cargo da Requerida[1].
Notifique-se.
Lisboa, 23 de janeiro de 2024
O Árbitro,
Sérgio Santos Pereira
[1] De acordo com o Despacho de Retificação de 2024-01-23.