Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 565/2023-T
Data da decisão: 2023-12-31  IMI Outros 
Valor do pedido: € 134.474,06
Tema: IMI/AIMI – impugnação de liquidações baseadas em VPT’s erroneamente fixados.
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SUMÁRIO:

 

- deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.

 

- o artigo 78.º da LGT é inaplicável aos atos de fixação do VPT (atos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os atos tributários stricto sensu, incluindo o ato de determinação da matéria tributável quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

A..., S.A., NIPC ... e B..., S.A., NIPC..., ambas com sede na ..., ...,  ..., ...-... ..., Grândola, doravante designados por “Requerentes” e individualmente “Primeira Requerente” e “Segunda Requerente”, vieram, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.

É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

  1. O pedido

 

A.1 - A primeira Requerente peticiona:

 

- a anulação parcial das liquidações de IMI n.ºs 2018..., de 11.04.2019, 2018..., de 17.07.2019, e 2018..., de 17.10.2019 (prestações de pagamento do imposto relativo a 2018);

- a anulação parcial das liquidações de AIMI n.ºs 2019..., de 30.06.2019 e 2019..., de 25.10.2019 , relativas a 2019.

 

A.2 – A segunda Requerente peticiona:

 

 - a anulação parcial das liquidações de IMI n.ºs 2018..., de 08.04.2019, 2018..., de 17.07.2019, e 2018..., de 17.10.2019, (prestações de pagamento do imposto relativo a 2018).

 

- a anulação parcial das liquidações de AIMI n.ºs 2019..., de 30.06.2019 e 2019..., de 23.10.2019, relativas a 2019.

 

A.3- Em decorrência da procedência dos pedidos anteriores, ambas as Requerentes peticionam a anulação dos despachos de indeferimento dos procedimentos de revisão oficiosa e a devolução dos montantes de imposto indevidamente pagos acrescidos de juros indemnizatórios.

 

  1. O litígio

 

As Requerentes alegam que: (ii) os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção”, que serviram de base às liquidações de IMI e de AIMI impugnadas, foram determinados mediante aplicação indevida dos coeficientes de localização e afetação e do disposto no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI.

 

A Requerida contrapõe afirmando: (i) que o que as Requerentes contestam são os atos destacáveis de fixação dos VPT’s e não os atos de liquidação propriamente ditos; (ii) os vícios do ato que fixou o valor patrimonial tributário (VPT) de um prédio não são suscetíveis de ser invocados em sede de impugnação das liquidações emitidas com base em tal valor. Pelo que conclui que os pedidos das Requerentes devem improceder.

 

 

II- PROVA

 

II.1 – Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. Em 31.12.2018 e 01.01.2019, a 1ª Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da Freguesia de ... sob os artigos U-..., U..., U-..., U-..., U-... e U-... .

 

 

  1. Os VPT’s dos prédios acima identificados, que serviram de base às liquidações impugnadas, resultaram de avaliações realizadas, em anos anteriores, de acordo com a interpretação então feita do artigo 45.º do CIMI, ou seja, incorporando nessa determinação o valor base do prédio edificado e os coeficientes de afetação e de localização e, ainda, aplicando o disposto no nº 1 do art. 39º do CIMI.

 

  1. A 1ª Requerente não solicitou, ao tempo, a realização de segundas avaliações, nos termos do artigo 76.º do CIMI, nem impugnou judicialmente os atos de avaliação, em conformidade com o disposto nos artigos 77.º do CIMI e 134.º do CPPT,

 

  1. Em 2020, a 1ª Requerente reclamou dos VPT’s dos prédios em causa (reclamações das matrizes), o que deu origem a novas avaliações, as quais já não incorporaram os coeficientes de afetação, de qualidade e conforto e de localização.

 

  1. Em 31.12.2018 e 01.01.2019, a 2ª Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da Freguesia de ... sob os artigos U-..., U-... e U-... .

 

  1. Os VPT’s dos prédios acima identificados, que serviram de base às liquidações impugnadas, resultaram de avaliações realizadas em anos anteriores, de acordo com a interpretação então feita do artigo 45.º do CIMI, ou seja, incorporando nessa determinação o valor base do prédio edificado e os coeficientes de afetação, de qualidade e conforto e de localização e, ainda, aplicando o disposto no nº1 do art. 39º do CIMI.

 

  1. A 2ª Requerente não solicitou, ao tempo, a realização de segundas avaliações, nos termos do artigo 76.º do CIMI, nem impugnou judicialmente os atos de avaliação, em conformidade com o disposto nos artigos 77.º do CIMI e 134.º do CPPT.

 

  1. As Requerentes apresentaram, no dia 30.12.2022, pedidos de revisão oficiosa das liquidações que ora impugnam com fundamento quer em erro imputável aos serviços, quer em injustiça grave ou notória (artigo 78.º, n.ºs 1, 4 e 5 da LGT).

 

  1. O silêncio da administração permaneceu para além do termo do prazo legal para decidir tais pedidos (30.04.2023).

 

  1. As Requerentes pagaram a totalidade os valores constantes das liquidações que ora impugnam.

 

 

 

II.2 Factos não provados

 

Não existem factos não provados relevantes para a decisão da causa[1].

 

 

  1. Tramitação processual

 

As Requerentes apresentaram o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 02.08.2023, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, foi notificada a Autoridade Tributária (AT).

As Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico, designou os árbitros do Tribunal Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.

Em 21.09.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 11.10.2023, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e notificada a AT, para querendo se pronunciar.

Por despacho de 04.12.2023, foram prescindidas a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a produção de alegações.

A Requerida apresentou Resposta e juntou PPA.

 

 

d)  Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs. 1 e 3, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, nº 2, ambos do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

Admite-se a cumulação de pedidos e a coligação de autores, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pelos Requerentes depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

 

IV – O DIREITO.

 

 

1) O ato de fixação de um VPT como ato destacável para efeitos de impugnação judicial

 

A primeira questão a decidir é a da possibilidade de se conhecer de vícios dos atos de avaliação conducentes à fixação de VPT’s de prédios em processo de impugnação de liquidações nestes baseadas.

 

O Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 102/22, em 23.02.2023, veio uniformizar a jurisprudência sobre esta matéria, como se segue:

Tendo em conta o que fica dito, duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio. E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação. Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt). O mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10).

 

Em resumo, citando o sumário de tal acórdão, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.

  1. A revisão oficiosa

 

Na sequência deste acórdão uniformizador, surgiu a questão da possibilidade de o contribuinte obter a revisão de liquidações baseadas em VPT’s erroneamente fixados ao abrigo do disposto no nº 4 do artº 78º da LGT (“injustiça grave ou notória”).

Neste sentido se orientou, com argumentos que consideramos pertinentes, alguma jurisprudência arbitral, nomeadamente a decisão proferida no processo n.º 464/2022-T, de 06.06.2023.

É neste entendimento que as Requerentes se louvam. A causa de pedir que invocam é, em suma, estar-se em presença de uma injustiça grave e notória resultante de uma quantificação errónea (ilegal) dos VPT’s subjacentes às liquidações que, nessa medida, impugnam.

 

Só que o STA teve por bem intervir nesta questão, através de novo acórdão uniformizador, em 22 de novembro, no processo n.º 115/23.

 

Reafirmando a doutrina do acórdão atrás citado (processo n.º 102/2022), o STA acrescentou:

Diga-se ainda que, de nada vale, neste domínio, procurar abrigo no art. 78º nº 4 da LGT, dado que, a jurisprudência emanada do Acórdão Fundamento emerge de um pedido de revisão formulado ao abrigo do disposto no 78º da LGT, impondo-se referir que, se é verdade que está em causa um verdadeiro direito do contribuinte, no sentido de exigir da AT que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei, não pode olvidar-se que este procedimento apenas tem por objecto os “actos tributários” em sentido estrito, aqui se incluindo os actos de liquidação e de alteração da matéria colectável quando não dê lugar a qualquer liquidação, não abrangendo os actos administrativos em matéria tributária, como são os actos de fixação de valores patrimoniais (art. 97º, nº 1 alíneas a), b) e f), do CPPT). Por outro lado, como referem Diogo Leite Campos e Outros, “LGT - Anotada e Comentada”, 4ª ed. 2012, pág.702, estarão abrangidos pela expressão “actos tributários” que consta da epígrafe do artigo 78.º quer os actos de liquidação, quer os de fixação da matéria tributável, se ela tiver autonomia, o que significa que o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo.

Assim sendo, uma boa leitura do Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 23-02-2023, proferido no Proc.º n.º 0102/22.2BALSB, www.dgsi.pt, no sentido de que - o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo - teriam permitido ao Tribunal Arbitral decidir a questão.

 

No respeito pelas citadas decisões uniformizadoras do STA – respeito que não significa, necessariamente, concordância - há que concluir pela impossibilidade de, neste processo, cujo pedido é a anulação parcial de liquidações, se conhecer da causa de pedir invocada pelas Requerentes.

 

 

Ficam assim prejudicados os demais pedidos formulados pelas Requerentes.

 

 

                        IV - DECISÃO ARBITRAL

 

Termos em que se conclui pela total improcedência dos pedidos formulados pelas Requerentes.

 

 

VALOR:  € 134.474,06 (cento e trinta e quatro mil, quatrocentos e setenta e quatro e seis cêntimos).

CUSTAS, no montante de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), a cargo das Requerentes  por ter sido total o seu decaimento.

 

 

31 de dezembro de 2023

 

 

Os árbitros

 

 

Rui Duarte Morais (relator)

 

 

Ana Rita do Livramento Chacim

 

 

Tomás Castro Tavares

 

 



[1] As Requerentes, ao longo de numerosas páginas do seu requerimento inicial, procuraram apurar, prédio a prédio, ano a ano, qual o montante de (cada) imposto por elas pago em excesso.

Este tribunal arbitral considera que, em processo de impugnação, quando seja peticionada a anulação parcial de liquidações, e em caso de procedência dos pedidos, é da competência própria dos serviços, em execução do decidido, procederem à reforma das liquidações impugnadas, de acordo com o determinado pelo tribunal. Ou seja, não cabe a este quantificar a dívida de imposto remanescente ou, menos ainda, aceitar valores quantificados pelos sujeitos passivos mesmo quando – como é o caso - não tenha razões para duvidar da sua exatidão.