Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 543/2023-T
Data da decisão: 2023-12-13  IMT  
Valor do pedido: € 9.912,48
Tema: Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT). Artigo 8.º do CIMT. Artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

  1. Embora a isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE configure um benefício de “reconhecimento automático”, o sujeito passivo que dela pretenda beneficiar tem de apresentar declaração para o efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do CIMT.
  2. Não tendo o sujeito passivo cumprido o ónus de declarar, resultante do n.º 1 do artigo 10.º do CIMT, a liquidação de IMT que não considerou a isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE não padece de qualquer ilegalidade.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

  1. A..., SA., com o NICP..., com sede na ..., ..., ..., Lisboa, (adiante abreviadamente designada como “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IMT n.º ..., no valor de €9.912,48, com todas as consequências legais, como seja a condenação da Requerida na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal
  2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada somente por “Requerida” ou “AT”).
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 25-07-2023.
  4. A Requerida foi notificada da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 31-07-2023.
  5. Dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi o signatário designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, tendo a nomeação sido aceite no prazo e termos legalmente previstos.
  6. Em 13-09-2023 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  7. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 03-10-2023.
  8. A Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral, em síntese, nos seguintes termos:
  1. A Requerente adquiriu imóveis no âmbito de um processo de insolvência;
  2. Apesar de ter solicitado a isenção ao abrigo do artigo 270.º do CIRE, a AT referiu que não era de aplicar esta isenção;
  3. A Requerente apresentou, então, a declaração Modelo 1, para liquidação do IMT, a zeros, por aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT, previsto, especificamente, para as aquisições de imóveis por instituições de crédito;
  4. A Requerente não vendeu os imóveis em causa no prazo de cinco anos, pelo que, em 2021, caducou a isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT, tendo a Requerente solicitado a liquidação do imposto;
  5. O facto tributário que deu origem à liquidação emitida, contestada nos presentes autos, foi identificado com o código “31”, o qual corresponde à arrematação judicial ou administrativa, ou seja, à aquisição de imóveis no âmbito de processo de insolvência;
  6. Neste momento, a AT deveria ter aplicado a isenção ao abrigo do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, uma vez que, segundo o entendimento da Requerente, estando em causa um benefício que resulta direta e automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, a AT não poderia deixar de, previamente à liquidação, apurar se ocorrem os requisitos da isenção;
  7. Tendo ignorado que a Requerente beneficiava de uma isenção impeditiva da liquidação de IMT no valor de €9.912,48, a AT incorreu, segundo a Requerente, num evidente erro de direito, que determina a ilegalidade da liquidação e a sua consequente anulabilidade;
  8. A Requerente invoca, ainda, a admissibilidade legal da cumulação de benefícios, a par do reconhecimento automático dos benefícios invocados, para sustentar que a AT incorreu em erro de direito ao não ter aplicado a isenção ao abrigo do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE;
  9. Consequentemente, a Requerente pede a anulação da liquidação e a condenação da Requerida na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
  1. Em sede de resposta, a Requerida apresentou defesa por impugnação, na qual pugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e pela sua absolvição de todos os pedidos, alegando, em síntese, o seguinte:
    1. O objetivo da Requerente é o de que seja aplicado aos factos tributários ocorridos em 2015 a isenção prevista no artigo 270.º n.º 2, do CIRE, dado tal isenção não se encontrar sujeita a qualquer condição resolutiva de caducidade, ao invés do que acontece com a isenção de IMT prevista no artigo 8.º n.º 1 do CIMT;
    2. A isenção do IMT – ao abrigo do disposto no n.º 1 artigo 8.º do CIMT – de que beneficiou a aquisição dos prédios em questão, resultou da própria declaração Mod.1 apresentada pela Requerente, por ser uma isenção criada especificamente em sede de IMT, de carácter estrutural, específica, dirigida ao sector financeiro aquando da “obrigação” de aquisição de imóveis, sendo que as aquisições deste tipo de bens “será marginal” à atividade das entidades suas beneficiarias;
    3. Trata-se de uma isenção automática que depende da declaração Modelo 1 apresentada pela Requerente, e não estava na disponibilidade da Requerida “escolher” qual a isenção que melhor serviria os interesses da Requerente;
    4. Razão pela qual, na sequência da Mod. 1 apresentada pela Requerente, beneficiou da isenção nos termos do n.º 1 do artigo 8º do CIMT;
    5. Posteriormente, a requerimento da Requerente, foi emitida a liquidação ora controvertida, em razão da verificação da condição resolutiva de caducidade prevista no artigo 11.º, n.º 6, do CIMT, pelo que se mostra devida porque emitida de acordo com o quadro legal constante do CIMT, não padecendo, por isso, das ilegalidades que vêm assacadas;
    6. E, pela mesma razão, não se vê como pode ter ocorrido qualquer erro dos serviços nem na verificação dos pressupostos, nem na atribuição da isenção, que simplesmente foi concedida de acordo com o requerido;
    7. Quer a isenção do IMT prevista no artigo 8.º do CIMT, quer a isenção do IMT estabelecida no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, constituem isenções a que o legislador atribuiu, finalidades distintas, circunstância que decorre, desde logo, da literalidade das normas que estatuem tais isenções;
    8. As condições para usufruição de uma isenção de IMT têm de ser aferidas no momento em que ocorre o facto gerador de imposto que a isenção visa impedir, dado a obrigação tributária em sede de IMT constituir-se no momento em que ocorre a transmissão (cf. n.º 2 do artigo 5.º do Código do IMT);
    9. Pelo que, o direito subjetivo à isenção em questão tem, necessariamente, que estar constituído no momento do nascimento da obrigação tributária e o respetivo reconhecimento declarativo desse direito tem de ter sido requerido antes do ato ou contrato que origine a transmissão;
    10. No que se refere ao benefício da isenção de IMT prevista no art.º 270.º do CIRE, benefício fiscal de carácter automático conforme decorre da al. d) do n.º 8 do artigo 10.º do CIMT, cabe ao serviço onde for apresentada a declaração/pedido de isenção prevista no art.º 19.º do CIMT, a sua verificação e declaração;
    11. Resulta das disposições conjugadas previstas no n.º 8 do artigo 10.º e n.º 3 do artigo 19.º todos do Código do IMT, que nas situações de isenção de reconhecimento automático é do interessado a iniciativa de solicitar a isenção através da declaração/pedido de isenção, de IMT, a apresentar em qualquer serviço de finanças, ou por meios eletrónicos;
    12. O serviço que rececione a declaração prevista no n.º 1 do art.º 19. ° CIMT, acompanhado de documentos tendentes ao averbamento de um benefício fiscal de carácter automático, de acordo com o disposto na legislação, emite declaração comprovativa do averbamento do benefício fiscal ou, ao invés, inicia procedimento de liquidação de IMT, emitindo o respetivo documento para o sujeito passivo efetuar o pagamento;
    13. Pelo que, foi com base nos elementos declarados pela Requerente junto do Serviço de Finanças respetivo, que foi emitida a respetiva declaração de isenção de IMT;
    14. No momento da aquisição a Requerente apresentou Mod. 1, com o campo “Benefícios” preenchido com o “Código 16 – Aquisição por instituições de crédito – Processo de execução, falência ou insolvência (Art.º 8.º, n.º 1 do CIMT);
    15. Verificando-se que o Requerente optou, no ato translativo do prédio, por invocar outra isenção de IMT para impedir a tributação, deve considerar-se que existiu uma renúncia à isenção prevista no art.º 270.º nº 2 do CIRE, agora requerida, cuja aplicação ficou, subsequentemente, prejudicada;
    16. O ato de concessão de um benefício fiscal está legalmente vinculado e os pressupostos e procedimento de atribuição resultam diretamente da lei;
    17. Ao ter beneficiado da isenção nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, tal benefício tornou-se eficaz no momento do nascimento da obrigação tributária, que, ao impedir a tributação, inviabilizaria a possibilidade – ainda que hipotética – de funcionar, relativamente à mesma situação, a previsão contida na norma que estabelece uma outra isenção;
    18. Assim, cabendo ao interessado a iniciativa de solicitar a isenção através da declaração Modelo 1 de IMT, tem-se por certo que a Requerente, concordou com a isenção atribuída nos termos do artigo 8.º n.º 1 do CIMT e, em tempo, não reagiu socorrendo-se de quaisquer dos meios de defesa que a lei lhe conferia, fazendo prova dos factos constitutivos do direito à isenção que agora pretende ver ser-lhe atribuída;
    19. Quanto às isenções previstas no art.º 270.º n.º 2 do CIRE e art.º 8.º do CIMT, e aos factos descritos, verifica-se que a Requerente pretende agora, decorridos que foram mais de cinco anos contados a partir da data do facto tributário, (período durante o qual a Requerente beneficiou da isenção prevista no art.º 8.º do CIMT), a anulação da liquidação de IMT, através da troca dos benefícios com efeitos retroativos, relativamente ao imóvel que não vendeu no prazo legal, o que se afigura inaceitável;
    20. O código “31” declarado pela Requerente no pedido de emissão de liquidação – por não ter vendido o imóvel no prazo de 5 anos – corresponde à identificação do facto tributário para efeitos de aplicação das regras de determinação do valor tributável, no caso em apreço do artigo 12.º, n.º 4, regra 16.ª, do CIMT, a qual é mais abrangente que a “arrematação judicial ou administrativa”;
    21. A relação entre a Administração e os particulares deve reger-se por princípios estruturantes do sistema jurídico, nomeadamente pelos princípios da segurança jurídica e da estabilidade da relação jurídico-tributária, entre outros;
    22. Qualquer “troca” de isenções, com efeitos retroativos, ou a sua aplicação sucessiva, para além de carecer de fundamento legal, atenta contra o princípio da certeza e segurança jurídicas;
    23. Conclui-se, pois, que na precisa e concreta situação em apreço a liquidação de IMT emitida em razão de o imóvel em questão não ter sido alienado no prazo de cinco anos a contar da data de aquisição, mostra-se emitida em conformidade com o quadro legal supra referido, não sendo aplicável aos factos tributários em causa a isenção a que se refere o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE;
    24. A liquidação de IMT em crise assenta numa interpretação correta das normas de isenção fiscal, pelo que nenhuma censura merece, devendo manter-se por não padecer de qualquer ilegalidade;
    25. Por não se verificar qualquer erro por parte dos serviços na aplicação da lei aos factos em causa, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
  2. Por despacho arbitral de 13-11-2023, o Tribunal, ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade e da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como dispensar a produção de alegações.

 

II – SANEADOR

  1. A apresentação do pedido de pronúncia arbitral foi tempestiva.
  2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. Não foram alegadas exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
  4. Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

III. MÉRITO

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

§1.       Factos provados

  1. Consideram-se provados os seguintes factos:
  1. A Requerente é uma sociedade cujo objeto social é o exercício da atividade bancária, incluindo todas as operações compatíveis com essa atividade e permitidas por lei.;
  2. Em 2015, a Requerente, no âmbito da sua atividade, adquiriu, pelo valor de €272.200,00, as frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do artigo matricial urbano ..., inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ..., ..., ... e ..., no concelho de Almada, no distrito de Setúbal;
  3. Tal aquisição ocorreu no âmbito do processo de insolvência da sociedade “B.., S.A.” –, com o NIPC ...– Processo n.° .../13...TYLSB, que correu termos na 1.ª Secção do Comércio do Juízo 1 da Instância Central da Comarca de Lisboa;
  4. A Requerente apresentou, em 10-11-2015, a declaração para liquidação do IMT, Modelo 1, a zeros, com a aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT, previsto, especificamente, para as aquisições de imóveis por instituições de crédito;
  5. A Requerente beneficiou da isenção de IMT, prevista no n.º 1 do artigo 8.º do CIMT, que, contudo, está condicionada à efetiva alienação dos imóveis no prazo de 5 anos, nos termos do n º 6 do artigo 11.º do CIMT;
  6. Decorrido o prazo de 5 anos sem que se tenha verificado a alienação dos referidos imóveis, a Requerente solicitou, em 17-02-2021, a liquidação de IMT, apresentando para o efeito nova declaração Modelo 1 com o nº 2021/ ..., que gerou a liquidação de IMT n.º..., datada de 17-03-2021, no montante de €9.912,48, com o DUC n.º ..., contestada nos presentes autos;
  7. O imposto foi integralmente pago pela Requerente em 17-03-2021;
  8. Não se conformando, a Requerente apresentou no SF de PORTO-..., em 08-03-2023, contra o ato de liquidação do IMT em causa, um pedido de revisão oficiosa, que veio a ser instaurado com o n.º ...2023..., onde alega, em suma, que a operação de aquisição dos imóveis em questão se encontra abrangida pela isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE e que, por conseguinte, não poderia ter sido liquidado IMT com referência à mesma, requerendo a sua anulação, por vício de violação de lei, nomeadamente pela não aplicação da isenção de caráter automático do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.;
  9. No âmbito do pedido de revisão oficiosa, foi elaborado pela Unidade de Grandes Contribuintes (UGC) projeto de decisão de indeferimento, notificado à Requerente, por ofício, datado de 22-03-2023, daquela Unidade Orgânica, e ainda para, querendo, no prazo de 15 dias, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos e efeitos do preceituado na alínea b) do n.º 1 e dos nºs 4 a 6 todos do artigo 60.º da LGT, conjugado com o preceituado no artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA);
  10. Decorrido o prazo concedido para o exercício do direito de participação, a ora Requerente carreou para os autos elementos que, no seu entendimento, colocam em causa o projeto de decisão notificado;
  11. Após o exercício do direito de audição apresentado, foi indeferido o referido pedido de revisão oficiosa, por despacho datado de 19-04-2023, do Chefe de Divisão da Justiça Tributária, junto da UGC, exarado na informação elaborada por aquele Serviço, que aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos e com os fundamentos seguintes:

«(…)

71. No caso concreto, não é permitida por Lei, a substituição/convolação da isenção prevista no art 8º nº 1 do CIMT, pela isenção prevista no artº 270º nº 1 do CIRE, por um prazo indefinido.

72. Não tendo sido exercido o direito à isenção pretendida (artº 270º do CIRE) nos prazos legais, não poderá ser exercida a todo o tempo, sem limite de prazo, pois tal implicaria uma violação do princípio da estabilidade e previsibilidade da relação jurídico tributária.

73. A consequência da atuação ineficiente do sujeito passivo, devido a não tendo sido exercido o direito à isenção pretendida (artº 270º do CIRE) nos prazos legais, implica a caducidade da isenção do IMT, conforme dispõe o artº 8º nº 1 e artº 11º nº 6 do CIMT, e a consequente liquidação do tributo devido.

74. A isenção prevista no artº 8º nº 1 do CIMT, foi atribuída com base a referida aquisição em 10-11-2015, através da modelo 1 com o registo n.º 2015/... verifica-se que o pedido subjudice ocorreu quase 8 anos após esta liquidação.

75. Em termos gerais, as condições para usufruição de uma isenção de IMT têm de ser aferidas como sabemos no momento em que ocorre o facto gerador de imposto que a isenção visa impedir, dado a obrigação tributária em sede de IMT constituir-se no momento em que ocorre a transmissão (cf. n.º 2 do artigo 5.º do Código do IMT).

76. Pelo que o direito subjetivo à isenção em questão tem, necessariamente, que estar constituído no momento do nascimento da obrigação tributária e o respetivo reconhecimento declarativo desse direito tem de ter sido requerido antes do ato ou contrato que origine a transmissão. (cf. art. º 10. º n. º 1 e art.º 19.º n.º 3 do CIMT).

77. Perante uma factualidade hipoteticamente enquadrável em ambas as previsões (artigo 8.º n.º 1 do CIMT/ artigo 270.º n.1 do CIRE), que não se afigura desde logo aceitável, dado que a usufruição de uma isenção no momento em que ocorre a obrigação tributária traduzir-se-ia na verificação de um facto impeditivo da tributação que invalida (por inutilidade) a aplicação de uma outra isenção.

78. Ao beneficiar da isenção do IMT nos termos do artigo 8.º n.º 1 do IMT, conforme declaração Modelo 1 de IMT apresentada à AT, tal beneficio torna-se eficaz no momento do nascimento da obrigação tributária, que, ao impedir a tributação, inviabilizaria a possibilidade -ainda que hipotética de funcionar, relativamente à mesma situação, a previsão contida na norma que estabelece uma outra isenção.

79. Somos a concluir pelo indeferimento da pretensão do Requerente, uma vez que atender tal pedido, implicaria uma violação do princípio da estabilidade e previsibilidade da relação jurídico tributária.

Nestes termos,

80. Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas

as consequências legais.

81. Face a todo o exposto, entendemos que a liquidação de IMT subjudice, não padece de qualquer vício, devendo a mesma manter-se na sua plenitude (entendimento já sufragado no projeto de decisão nº ...-ISCPS1/2023), pelo que concluímos pela improcedência do pedido inserto nos presentes autos.»

  • A Requerente foi notificada do referido despacho de indeferimento em 24-04-2023, através de via postal registada (registo n.º RF...PT), da Unidade de Grandes Contribuintes;
  • Em 24-07-2023 a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

§2. Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão, não resultaram provados os seguintes factos:

a) Por tal aquisição ter sido efetuada no âmbito de um processo de insolvência, em               10-11-2015, a aqui Requerente solicitou a emissão de liquidação n.º ...de IMT a zeros, junto do Serviço de Finanças do Porto ..., nos termos do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, que prevê a isenção de IMT nas aquisições de imóveis efetuadas o âmbito de processo de insolvência;

b) Aquele Serviço não aceitou aplicar tal norma, justificando-se em entendimento interno no sentido de que apenas seria aplicável tal norma se se estivesse perante transmissão da universalidade da empresa no âmbito do plano de insolvência.

  1. Com relevo para a decisão da causa, não existem outros factos que não tenham ficado provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada [artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
  2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
  3. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

  1. A questão principal a apreciar e decidir nos presentes autos é a que se prende com saber se a Requerente tem direito à isenção prevista no 270.º, n.º 2, do CIRE, após ter beneficiado, relativamente à mesma transmissão onerosa de imóveis, da isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT, a qual está condicionada à efetiva alienação dos imóveis no prazo de 5 anos, o que, não tendo ocorrido, levou à emissão da liquidação de IMT contestada nos presentes autos.
  2. Assim, importa saber se a AT, ao liquidar o IMT, desconsiderando a norma contida no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, praticou um ato ilegal.
  3. Em ambos os casos – no da isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, e no da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE – estamos perante benefícios fiscais automáticos.
  4. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), os benefícios fiscais automáticos “resultam directa e imediatamente da lei”.
  5. Todavia, tal não significa que o interessado fica dispensado de invocar o benefício perante a administração tributária.
  6. Vale, nesta matéria, o princípio da declaração, o qual tem um caráter estrutural no sistema fiscal e tem expressão, designadamente, na norma contida no artigo 10.º, n.º 8, alínea d), do CIMT, especificamente aplicável no caso sub judice, cuja redação é a seguinte:

8 - São de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º, as seguintes isenções:

[…]

d) As isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código.”

  1. E de acordo com o disposto no artigo 10.º, n.º 1, do CIMT, “[a]s isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar”.

2.       Decorre do disposto no n.º 1 do artigo 10.º do CIMT que constituía ónus da Requerente pedir o reconhecimento da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE “antes da liquidação que seria de efectuar”, e instruir esse pedido com os documentos que demonstrassem a verificação dos pressupostos da isenção.

  1. Tal como é afirmado no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 613/2021-T,

Está em causa um ónus, a exigência legal que o interessado pratique determinada conduta, juridicamente relevante, sob pena de não alcançar um benefício, ou, eventualmente, suportar uma desvantagem.

Neste caso, o ónus de declarar que as aquisições efetuadas preenchiam os pressupostos da isenção prevista no artº 270º, nº 2, do CIRE”.

  1.  Apesar de a Requerente alegar que solicitou a emissão de liquidação n.º ... de IMT a zeros, junto do Serviço de Finanças do Porto ..., nos termos do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, que prevê a isenção de IMT nas aquisições de imóveis efetuadas o âmbito de processo de insolvência, a verdade é que não faz prova desse facto.
  2. Mas ainda que assim tivesse sucedido, a Requerente, que alega, sem provar, que a sua pretensão foi denegada, tinha a possibilidade de a tentar fazer valer através do meio processual adequado.
  3. Por outro lado, consta da matéria de facto dada como provada que a Requerente apresentou, em 10-11-2015, a declaração para liquidação do IMT, Modelo 1, a zeros, com a aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT, previsto, especificamente, para as aquisições de imóveis por instituições de crédito.
  4. Não tendo sido cumprida a condição da alienação dos imóveis em causa no prazo de cinco anos, definida no artigo 11.º, n.º 6, do CIMT, a consequência legal foi a emissão da liquidação de IMT.
  5. A Requerente não fez prova de ter requerido a isenção ao abrigo do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, nem de ter substituído (ou tentado substituir) a declaração inicial (na qual invocou a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT) por uma nova declaração (na qual invocasse a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE).
  6. Pelo que, a haver algum erro, o mesmo é única e exclusivamente imputável à Requerente.
  7. Não existe, portanto, qualquer ilegalidade no ato de liquidação decorrente do não reconhecimento da isenção.
  8. Sucede que a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, com base no disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, cuja redação é a seguinte:

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”

  1. Na apresentação do pedido de revisão oficiosa, a Requerente invocou “erro imputável aos serviços”, alegando que estes desconsideraram a norma contida no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, o que determinaria, em seu entender, a ilegalidade da liquidação de IMT emitida.
  2. A AT considerou o pedido de revisão oficiosa tempestivo, uma vez que, tendo sido invocado “erro imputável aos serviços”, entendeu ser aplicável o prazo de quatro anos definido no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, para a apresentação do pedido de revisão oficiosa.
  3. Todavia, resulta do exposto supra que não existe qualquer “erro imputável aos serviços”, o que está também devidamente evidenciado na fundamentação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, não padecendo este de qualquer vício.
  4. Refira-se que também não é aplicável, no caso sub judice, o disposto no artigo 78.º, n.º 4, da LGT, que prevê que “[o] dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.”
  5. O n.º 4 do artigo 78.º da LGT não é aplicável no caso vertente, uma vez que não estarmos perante uma situação de injustiça grave ou notória, tal como definida no n.º 5 do artigo 78.º, da LGT, e em virtude de, a existir algum erro, ter o mesmo resultado de comportamento negligente do contribuinte, uma vez que só após a caducidade da isenção de que beneficiava por aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, veio reivindicar o direito à isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE. 
  6. Assim sendo, a liquidação impugnada é conforme à lei, uma vez que a Requerida se limitou a aplicar a lei aos factos declarados pela Requerente.
  7. Pelos fundamentos expostos, conclui-se pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
  8. Em razão da improcedência do pedido principal, fica prejudicado o conhecimento do pedido acessório, relativo ao direito a juros indemnizatórios.

 

IV – DECISÃO

Termos em que este tribunal decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida de todos os pedidos.

 

 

 

V- VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 9.912,48.

 

VI – CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 13 de dezembro de 2023    

 

 

O Árbitro

 

(Paulo Nogueira da Costa)